Não pode prosperar a barganha para blindar congressistas
O Globo
Fim do ‘foro privilegiado’ e
PEC da Blindagem são despropósitos. País tem pautas mais urgentes a tratar
Foi nefasta a barganha
costurada para pôr fim à inaceitável ocupação da Câmara e do Senado em protesto
contra a decretação da prisão domiciliar do ex-presidente Jair
Bolsonaro. O pacote negociado envolve a votação de projetos com o
objetivo indisfarçável de blindar deputados e senadores de ações do Judiciário.
Se já eram ideias ruins, ficaram piores quando líderes bolsonaristas admitiram
terem sido objeto de negociação para acabar com o motim que paralisou o
Parlamento.
Várias propostas já haviam
sido discutidas quando o deputado Arthur Lira presidiu a Câmara. É o caso da
PEC da Blindagem, que, além de exigir aval do Congresso para um parlamentar ser
investigado, estabelece que sua prisão só pode acontecer em casos de flagrante
ou crime inafiançável. Ideias dessa natureza não foram adiante por falta de
apoio, porque são despropositadas e porque o país tem pautas mais urgentes. É
lamentável que retornem agora.
O projeto de maior destaque
tenta mudar o foro em que são julgados os políticos — tecnicamente chamado
“foro por prerrogativa de função” e popularmente conhecido como “foro
privilegiado”. A Constituição estabelece que presidente, ministros,
parlamentares, governadores e outras autoridades sejam submetidos a julgamento
em instâncias específicas, para evitar que processos judiciais se transformem
em arma política. No início, o foro era especial até se o político já tivesse
saído do posto, mas em 2018 o Supremo determinou que deve valer apenas para
crimes cometidos no cargo e em razão dele. Em março, fez um ajuste na
interpretação, estabelecendo que o processo deve ser mantido no tribunal em que
começou a ser julgado mesmo depois de a autoridade deixar o cargo. A decisão
foi sensata, pois era comum a autoridade renunciar quando estava prestes a ser
julgada, para o processo recomeçar na primeira instância.
Agora, um dos objetivos da
tentativa de extinguir o “foro privilegiado” é favorecer Bolsonaro, tirando do
STF o processo em que é réu por tentativa de golpe de Estado. A estratégia não
funcionará, pois a jurisprudência assevera que julgamentos em fase avançada não
mudam de tribunal. Mas não há dúvida de que tiraria congressistas da mira da
Corte, levando à primeira instância dezenas de processos — há 80 inquéritos só
sobre emendas parlamentares.
As propostas estapafúrdias
para blindar parlamentares podem abrir caminho a outros desvarios. É o caso da
descabida anistia aos condenados pelo 8 de Janeiro ou de mudanças nas regras
para impeachment de ministros do Supremo. No entender de oposicionistas, caso
sejam aprovadas as mudanças no foro, uma vez longe da mira do STF, os
parlamentares se sentiriam mais à vontade para aderir à agenda mais radical.
Não pode haver
condescendência com a balbúrdia encenada no Congresso. A ocupação foi um
atentado ao regimento e uma agressão à democracia. “Não vamos permitir que atos
como esses possam ser maiores que o plenário e a vontade desta casa”, afirmou o
presidente da Câmara, Hugo Motta.
“A presidência da Câmara é inegociável.” É fato que, segundo os próprios
bolsonaristas, ele não participou das negociações para o fim da ocupação.
Deputados e senadores precisam ter a responsabilidade de barrar no nascedouro pautas oportunistas, fruto de chantagem. Se a pantomima juvenil de ocupar o Congresso já foi um absurdo, a imposição de uma agenda legislativa sem cabimento é ainda mais nociva.
Em ano de COP30, últimos
dados de desmatamento são frustrantes
O Globo
País precisa levar a sério
compromisso de zerar devastação, ou haverá efeitos nocivos na economia e no
clima
O desmatamento, em queda
desde o início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, voltou a
aumentar. Não se trata de aumento uniforme — houve alta na Amazônia,
mas queda no Cerrado. Nem de um retorno aos tempos de descaso ambiental do
governo Jair Bolsonaro. Mesmo assim, os últimos dados são frustrantes, ainda
mais levando em conta que o Brasil abrigará a próxima conferência global do
clima, a COP30.
Os alertas de desmatamento
na Amazônia aumentaram 4% nos últimos 12 meses, segundo o Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe). Só em maio, o monitoramento detectou a destruição
de 960km², quase o tamanho da cidade de Belém. O governo alega que, apesar do
aumento, a perda de vegetação na Amazônia foi a segunda menor da série
histórica desde 2015, atingindo 4.495km². E argumenta, com razão, que ela hoje
é impulsionada pelo fogo, e não mais pelas motosserras. O número positivo vem
do Cerrado, onde a área devastada caiu 21%.
Mesmo assim, os dados
recentes contrastam com os do início do governo. Nos primeiros seis meses, o
desmatamento na Amazônia caiu 33,5%. Entre agosto de 2022 e julho de 2023, a
queda foi de pouco mais de 20%, graças ao fim da leniência com desmatadores que
imperava na gestão Bolsonaro. Agora, os desafios têm outra natureza. O clima
tem ficado mais seco, facilitando a propagação do fogo. Quase um quarto do
território brasileiro ardeu em chamas ao menos uma vez entre 1985 e 2024. Os
incêndios têm ampliado a destruição dos biomas. A média de áreas atingidas por
fogo ficou entre 10 e 250 hectares por quatro décadas. No ano passado, 29% das
queimadas ocorreram em áreas de mais de 100 mil hectares. Outro dado
preocupante: 69,5% da área queimada em 2024 foi de vegetação nativa. Incêndios
atingiram 7,7 milhões de hectares de florestas, 287% acima da média histórica.
No Pantanal tem havido as
queimadas de maior extensão, mas a Amazônia foi a região com mais incêndios em
2024 — em algumas áreas, a seca foi a maior em 120 anos. Foram 15,6 milhões de
hectares destruídos, 117% acima da média histórica. Pela primeira vez, a
vegetação florestal foi a mais afetada: 6,7 milhões de hectares, ou 43% do
total, segundo o MapBiomas.
Governos, produtores rurais e sociedade precisam enfrentar com urgência o problema. São necessárias ações preventivas, fiscalização e punição eficaz. Os últimos números estão muito aquém do que o Brasil deveria apresentar na COP30. O Congresso tem adotado uma agenda abertamente antiambiental, cujo último capítulo foi a flexibilização do licenciamento. Felizmente o Executivo demonstra estar atento à questão. Lula vetou 63 trechos da nova lei, entre eles os mais absurdos, e apresentou Medida Provisória para que o país tenha, ao mesmo tempo, agilidade e rigor nas licenças. É o que precisa ser feito. Se o país não levar a sério o compromisso de zerar a devastação e conservar florestas, haverá consequências tanto do ponto de vista econômico — caso do acordo Mercosul-UE— quanto climático, com riscos imprevisíveis.
Bolsonaristas rasgam a
fantasia democrática com motim
Folha de S. Paulo
- Ao tomarem plenário do Senado e da
Câmara, parlamentares revelaram sua face autoritária e truculenta
- Incapazes de aceitar as regras do jogo
democrático, recorreram a um expediente típico das ditaduras: a interdição
do Congresso Nacional
São inaceitáveis as condutas
dos bolsonaristas que, durante cerca de 30 horas, tomaram à força o plenário
da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal, impedindo
o trabalho de ambas as Casas legislativas.
Por meio da truculência e da
arruaça, as únicas linguagens que muitos deles parecem conhecer, os amotinados
ocuparam as mesas do Congresso
Nacional em protesto contra a prisão domiciliar que o ministro Alexandre
de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), impôs a Jair
Bolsonaro (PL).
Esgrimando palavras vazias
sobre direitos fundamentais, tinham como agenda principal um projeto de anistia
para impedir que o ex-presidente vá parar atrás das grades. Incapazes de
reconhecer e aceitar as regras do jogo democrático, recorreram a um expediente
típico das ditaduras: a interdição do Congresso.
Rasgaram, assim, a fantasia
com que às vezes se vestem para defender temas como a liberdade de expressão e
o devido processo legal —direitos, aliás, inexistentes no regime militar que
Bolsonaro não se cansa de enaltecer.
Atestaram, com esse
comportamento, a falta de vocação para negociar e a falta de capacidade para
articular consensos. Em vez dos argumentos, a violência; em vez da obstrução
regimental, o desprezo pelos marcos legais.
É na base do grito e da
intimidação que pretendem livrar de punições Bolsonaro e todos aqueles que
participaram dos ataques de 8 de janeiro de 2023.
E aí demonstram, mais uma
vez, o autoritarismo de suas ideias: pois, nas repúblicas democráticas
modernas, essa decisão não cabe ao Legislativo, e sim ao Judiciário, que deve
atuar como Poder independente, técnico e resguardado do clamor popular.
A Justiça brasileira decerto
merece críticas —como
esta Folha criticou as restrições do STF que levaram
à prisão domiciliar de Bolsonaro. Há grande diferença, porém, entre anomalias
que devem ser corrigidas e julgamentos em tribunais de exceção.
Para os amotinados, contudo,
sutilezas não importam. Em sua ofensiva, também buscaram emplacar a abertura de
um processo de impeachment contra Moraes, como se uma providência dessa
gravidade pudesse ser tomada à base de intimidação.
Talvez como prêmio de
consolação, fizeram avançar debates sobre medidas legislativas que dificultam a
investigação de parlamentares e desbancam o STF como instância única para o
julgamento de certas autoridades.
No primeiro caso, trata-se
de puro acinte, uma jogada desesperada de quem tem algo a esconder; no segundo,
embora se possa discutir o fim do chamado foro especial, nenhuma tratativa
deveria começar a partir dos atos infames praticados em plenário.
O senador Davi
Alcolumbre (União Brasil-AP)
e o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB),
presidentes das duas Casas, têm procurado jogar água na fervura, mas seria
inconcebível que tudo terminasse com um pedido de desculpas e um aperto de
mãos.
Israel insiste no erro ao
iniciar ocupação de Gaza
Folha de S. Paulo
- Plano desconsidera alerta do Exército de
que medida não trará segurança ao país nem resgate dos reféns
- A iniciativa não manifesta qualquer
disposição de Israel de reconstruir o território e de se responsabilizar
pela falta de alimentos
Um
aviltante quadro de fome generalizada no território inimigo deveria
ser suficiente para qualquer Estado engajado em valores humanistas rever sua
estratégia militar. Em dissonância com o bom senso e a recomendação de seu
próprio Exército, Israel anunciou
na quinta-feira (7) um novo processo de ocupação da Faixa de Gaza.
Sob a batuta do
primeiro-ministro Binyamin
Netanyahu, o gabinete de segurança do país aprovou a ocupação da Cidade de
Gaza por suas Forças Armadas, o
que implicará a retirada dos cerca de 800 mil palestinos residentes
entre os escombros locais. Ao que tudo indica, será projeto-piloto de retomada
do território.
A partir da premissa de
derrotar o Hamas, Tel Aviv determinou
seguidos deslocamentos de civis de um lado para outro da Faixa de Gaza nesses
23 meses de guerra. As iniciativas afligiram desproporcionalmente a grande
maioria dos 2 milhões de habitantes do enclave —que também é vítima dos abusos
autoritários do Hamas na região desde 2007— sem alcançar tal objetivo.
Netanyahu muito menos
logrou, por esse meio, o resgate dos reféns israelenses capturados pelo grupo
terrorista durante o ataque brutal de 7 de outubro de 2023. Boa parte dos
liberados foi beneficiada por negociação diplomática, via tornada agora tão
incerta como improvável.
Como alertou o chefe do
Estado-Maior, Eyal Zamir, a escalada militar não garantirá segurança a Israel,
muito menos o retorno dos 50 sequestrados remanescentes —entre vivos e mortos.
No entanto foi voto vencido no gabinete, dominado por extremistas de direita e
amparado pela base ultraortodoxa do Parlamento.
Diante da obtusa decisão,
impressiona a exigência de Tel Aviv de incluir a
criação de um governo civil na Faixa de Gaza, sem participação do Hamas nem
da Autoridade Palestina. Tal tópico mais parece um recurso retórico contra o
crescente reconhecimento do Estado Palestino por nações ocidentais.
Se demonstra a intenção de
não se apropriar do enclave indefinidamente, a iniciativa não manifesta nenhuma
disposição de Israel de reconstruir o território que verteu em ruínas e de
responsabilizar-se pela falta de alimentos e de meios mínimos de sobrevivência
na Faixa de Gaza.
Em nome da destruição do Hamas, o governo Netanyahu caminha no sentido oposto ao que estimulou a criação de Israel, em 1948. Além das acusações de que promoveria extermínio étnico, causa perplexidade a insistência em repetir erros já condenados pela comunidade internacional.
O Brics é uma miragem
O Estado de S. Paulo
A reação nula à ofensiva
tarifária de Trump rasga a fantasia de Lula a respeito do Brics, que em seu
primeiro grande teste como bloco econômico mostrou que, na prática, é cada um
por si
A mais recente investida
tarifária de Donald Trump contra Brasil e Índia – ambos atingidos com
sobretaxas de 50% – foi o primeiro teste real da capacidade do Brics de agir
como bloco. O resultado foi desolador: silêncio, hesitação e, por fim,
declarações vagas que não ousaram sequer mencionar o agressor. Se o Brics já
parecia um clube retórico, sob a presidência brasileira provou-se irrelevante.
O contraste entre o tamanho
da retórica e a inércia prática revela muito sobre a política externa do
governo Lula. Desde o início do terceiro mandato, o presidente apostou no Brics
como vitrine de liderança global e contraponto à “hegemonia” americana. Essa
aposta, como se vê agora, foi um grosseiro erro de cálculo: a China, real
centro de gravidade do grupo, move-se segundo seus próprios interesses; a Índia
busca equilibrar-se entre Moscou e Washington; e os autocratas agregados à mesa
pouco ou nada podem oferecer além do ressentimento diante da política de força
dos Estados Unidos.
O episódio também expôs o
isolamento estratégico do Brasil. Em vez de preparar terreno para negociações
diretas com Washington – algo que um estadista faria mesmo diante de
antagonismos pessoais –, Lula preferiu acionar um foro incapaz de oferecer
respostas concretas. Essa escolha tem menos a ver com pragmatismo e mais com a
esclerosada “doutrina Amorim”, inspirada pelo chanceler de facto Celso
Amorim: antiamericanismo como princípio, aproximação automática com China e
Rússia como meio, e, como fim, a crença de que um tal “Sul Global” coeso existe
e aguarda ansiosamente a liderança de Lula.
A realidade é bem menos
romântica. O Brics, criado como plataforma para grandes economias emergentes
ampliarem sua voz em instituições multilaterais, degenerou em arena de disputa
sino-indiana e instrumento de projeção geopolítica de Pequim. A ampliação recente,
patrocinada por China e Rússia com a complacência de Lula, diluiu a influência
brasileira e reforçou o caráter autoritário do clube. Na prática, servimos como
figurantes para causas alheias – e, agora, como alvo fácil para um governo
americano disposto a punir quem flerta com rivais estratégicos.
Trump, ao substituir as
regras de Bretton Woods por negociações transacionais e confrontos bilaterais,
reposicionou o tabuleiro global. Nesse jogo, países como o Brasil não são
protagonistas: são peças a serem descartadas ou usadas como exemplo. A reação
brasileira – consultar parceiros para “avaliar impactos” – não impressiona nem
adversários nem aliados. Ao contrário: sinaliza fraqueza e confirma a percepção
de que Brasília não dispõe de estratégia para ir além de declarações
protocolares.
O custo dessa imprudência já
é visível – e salgado. Exportadores perdem acesso ao maior mercado do mundo;
setores inteiros, do agronegócio à indústria, enfrentam incertezas; e a margem
de manobra diplomática encolhe a olhos vistos. Enquanto isso, o Planalto
insiste em discursos sobre a substituição do dólar, acenos públicos a regimes
autoritários e gestos de alinhamento a Pequim – provocações gratuitas que
apenas agravam o quadro.
Não há nada de inevitável
nesse enredo. A tradição diplomática brasileira sempre foi de não alinhamento
pragmático: cultivar relações com todos, preservar autonomia e evitar ser
arrastado para disputas alheias. Essa tradição, que historicamente permitiu ao
Brasil atuar como interlocutor confiável, está sendo corroída por escolhas
ideológicas e pelas ambições pessoais de Lula, que sacrificam o capital
diplomático do País em nome de uma narrativa terceiro-mundista.
O episódio deveria servir de
lição. A independência não se constrói com bravatas contra Washington nem com
subserviência a Pequim, mas com credibilidade, diversificação de parcerias e
defesa consistente dos próprios interesses. Enquanto Lula insistir em transformar
a política externa em palanque ideológico, o Brasil continuará pagando a conta
– e, no teatro geopolítico, seguirá confinado ao papel de coadjuvante
descartável, assistindo de fora às decisões que moldam a ordem internacional.
A bancada dos espertos
O Estado de S. Paulo
A turma de sempre aproveitou
a bagunça bolsonarista no Congresso para articular medidas destinadas a
proteger parlamentares suspeitos de desviar dinheiro de emendas ao Orçamento
Uma máxima que circula há
décadas nos corredores e no plenário do Congresso informa que ali tem de tudo,
só não tem bobo – uma lembrança providencial das virtudes e dos vícios do
Legislativo federal ao constatarmos razões subjacentes que justificam a recente
insurreição de parlamentares bolsonaristas. Não restam dúvidas de que a
principal bandeira do minigolpe tentado pelos vândalos radicais nesta semana
era livrar Jair Bolsonaro da cadeia. Mas existem sinais suficientes mostrando
que à defesa da anistia ao ex-presidente e outros golpistas se soma o desejo de
sobrevivência de congressistas potencialmente encalacrados.
É sintomático que, em meio à
pregação pela anistia e à ameaça aos ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF), surja uma espécie de operação de blindagem dos deputados suspeitos de
desviar emendas parlamentares – alvos, como se sabe, da ação do STF. Há hoje
mais de 80 inquéritos sobre malversação de verbas federais por meio de emendas
distribuídas sem qualquer transparência – um verdadeiro festim. O País tenta,
com muito custo, conflito e tensão, impor um controle mínimo sobre a
distribuição desse dinheiro no âmbito do Orçamento da União, que desde 2015
está cada vez mais à mercê dos interesses paroquiais dos parlamentares.
Se o bolsonarismo deseja
tirar Bolsonaro do STF, parte do Centrão, em especial, parece querer segurar um
escudo de proteção que garanta a impunidade de sempre. O projeto que acaba com
o chamado foro especial, extinguindo a prerrogativa para todas as autoridades,
exceto os chefes dos Três Poderes, também teria essa serventia. Hoje, o foro
privilegiado garante que crimes cometidos no exercício do mandato sejam
julgados por tribunais superiores. Pelo entendimento mais recente, se o crime
estiver ligado à função, o processo permanece na Corte mesmo após o fim do
mandato. Mudar o foro abriria caminho para que ações comecem em instâncias
inferiores, em trajeto mais longo até o STF. Há ainda quem queira colocar em
tramitação um projeto que impeça a investigação judicial de parlamentares a não
ser com autorização do próprio Congresso.
Um dos líderes do levante, o
deputado alagoano Sóstenes Cavalcante, do PL de Bolsonaro, garantiu que a súcia
de radicais só desocupou a Mesa Diretora da Câmara porque o presidente da Casa,
Hugo Motta (Republicanos-PB), teria se comprometido a pautar a proposta do fim
do foro especial e o projeto de anistia, o que Motta negou. Se, por ora, não há
certeza do que acontecerá nas próximas semanas, não deixa de ser preocupante
ver sinais perturbadores. A começar pela tibieza com que Hugo Motta tratou o
motim – vendo-se na humilhante situação de só conseguir reassumir a cadeira de
presidente depois de permissão dos golpistas.
Se não teve pulso para pôr a
casa em ordem naquela noite, Hugo Motta precisará demonstrar que pode agir
diferente daqui para a frente e provar que está à altura do desafio em suas
mãos. No Brasil, o presidente da Câmara pode muito. Tem o poder de definir a
pauta de votações, acelerar ou deixar em banho-maria projetos de lei, medidas
provisórias ou quaisquer propostas legislativas, administrar o colégio de
líderes (grupo formado pelas lideranças dos partidos com assento na Casa) e
dirigir as discussões entre os deputados no plenário. E ainda tem o poder de
vocalizar os interesses diretos, grandes ou pequenos, dos parlamentares. E aí
que mora o perigo: sua ascensão, como se sabe, ocorreu em grande parte porque,
por trás de seu nome, havia grupos políticos bem articulados, interessados na
perpetuação de um modelo de exercício do poder fora de qualquer tipo de
controle.
Só ingênuos ignorariam o
fato de que é da natureza do cargo representar interesses dos parlamentares que
o elegeram praticamente por aclamação. Mas convém lembrar que, acima de tudo,
há interesses maiores a serem atendidos – da sociedade, da Federação e da
preservação da imagem de um Congresso que parece cada vez mais divorciado dos
eleitores.
Uma ofensiva incompreensível
O Estado de S. Paulo
Ocupação da Cidade de Gaza
porá em risco os reféns e trará inúmeros problemas para Israel
O governo de Israel aprovou
uma proposta do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu para a ocupação da Cidade
de Gaza, movimento que tende a escalar o sangrento conflito para o qual Israel
foi arrastado após ser covardemente atacado pelos terroristas do Hamas em 7 de
outubro de 2023.
Ainda que a proposta
aprovada seja mais tímida que a defendida por Netanyahu, que em entrevistas
havia falado em assumir o controle total da Faixa de Gaza – da qual a Cidade de
Gaza é a área mais populosa, com cerca de 1 milhão de habitantes –, o plano é
tão temerário que é contestado pelo próprio exército de Israel, além das
famílias dos reféns mantidos pelo Hamas e por líderes de diversos países,
inclusive aliados dos israelenses. A Alemanha, por exemplo, decidiu suspender o
envio de equipamentos militares a Israel.
Após a aprovação da
proposta, o chefe do Estado-Maior de Israel, o general Eyal Zamir, afirmou que
os militares conduzirão o plano de ocupação de Gaza da “melhor maneira
possível”, mas o próprio Zamir havia alertado que a operação colocará em perigo
os reféns ainda mantidos pelo Hamas e pode ampliar a crise humanitária, porque
obrigará a numerosa população local a deixar a região. Não parece ser por acaso
que o governo tenha escolhido o termo “ocupar” a Cidade de Gaza, e não “tomar”,
pois a tomada da região implicaria uma série de responsabilidades legais de
Israel em relação à população local.
Israel já ocupa cerca de 75%
de Gaza. A área remanescente é justamente a que inclui a Cidade de Gaza e
alguns campos de refugiados, onde se presume que estejam os reféns israelenses.
Segundo o governo de Israel, a ideia é acabar com o Hamas de vez, considerando
que os últimos terroristas estariam na área a ser invadida.
A esta altura, portanto,
está suficientemente claro que a preocupação do premiê Netanyahu não é
primordialmente com os civis palestinos, com os reféns israelenses ou mesmo com
a opinião pública do país. Seja porque quer satisfazer os radicais de seu governo,
seja porque decidiu apostar na continuidade da guerra como tática diversionista
para se manter no poder, Netanyahu está, na prática, colocando em risco de vez
a vida dos reféns israelenses e pode envolver as esgotadas tropas israelenses
num confronto sangrento e inconclusivo contra o Hamas.
Especula-se que a decisão de
ocupar a Cidade de Gaza possa servir para pressionar o Hamas a negociar nos
termos demandados por Netanyahu, quais sejam: a rendição e o desarmamento do
Hamas, a entrega dos reféns, a desmilitarização de Gaza e a instalação de um
governo local que não seja nem do Hamas nem da Autoridade Palestina. O
problema, nesse último caso, é que os países árabes só aceitam participar da
administração do território se for em conjunto com a Autoridade Palestina. Ou
seja, Israel teria de governar Gaza enquanto houver esse impasse.
Por fim, mas não menos importante, há fundadas razões para crer que o Hamas já não constitui a ameaça existencial que assombrou Israel no infame 7 de Outubro, o que torna ainda mais temerária e incompreensível a operação autorizada pelo governo israelense.
Resposta firme aos ataques à
democracia
Correio Braziliense
Os episódios que ocorreram
no Congresso nesta semana, cujo ápice foi o sequestro simbólico das Mesas
Diretoras da Câmara e do Senado, são muito graves e não têm precedentes na
história republicana.
Aos gritos, acorrentados ou
com fita adesiva na boca, parlamentares tentaram transformar o Congresso
Nacional em palco de chantagem institucional. O que dizem ser uma forma de
resistência democrática é, na verdade, um motim orquestrado contra a democracia,
em favor do ex-presidente Jair Bolsonaro, que foi derrotado nas urnas em 2022,
está inelegível e cada vez mais enredado no Supremo Tribunal Federal (STF) por
provas de envolvimento na tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023.
Os episódios que ocorreram
no Congresso nesta semana, cujo ápice foi o sequestro simbólico das Mesas
Diretoras da Câmara e do Senado, são muito graves e não têm precedentes na
história republicana. Trata-se de uma inadmissível agressão à ordem constitucional,
ainda mais em se tratando do principal lócus de representação popular e de
diálogo político entre as partes, no qual não cabem atos de violência e
imposição de vontade pela força física, próprios das ditaduras.
Nada é mais radical do que
uma turba. Foi exatamente o que mostrou o comportamento dos parlamentares de
oposição que tentaram impedir que os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e
da Câmara, Hugo Motta, exercessem o papel para o qual foram eleitos pelos
próprios pares — ou seja, conduzir os trabalhos legislativos de forma
democrática e produtiva. Exigiam anistia ampla, o impeachment de Alexandre de
Moraes e o fim do foro privilegiado, propostas sob medida para eximir Bolsonaro
de qualquer responsabilidade em relação à tentativa de golpe de Estado.
O que se viu não foi um
movimento político em defesa de princípios democráticos e do respeito à
Constituição. Por essa razão, a resposta dos líderes do Congresso será decisiva
para o futuro da democracia brasileira. Ceder a chantagens desse tipo equivale
a legitimar futuros atentados às instituições e uma nova escalada golpista, que
já está sendo fomentada a partir dos Estados Unidos por um deputado licenciado
da Câmara.
O ataque à democracia
brasileira não se restringe às fronteiras nacionais. A The Economist expôs com
lucidez as contradições da política externa de Donald Trump. Resume a revista
britânica: Trump fala em soberania nacional, mas interfere diretamente na política
de outro país. Fala em democracia, mas critica o STF por cumprir seu dever
constitucional. Fala em proteger os americanos, mas impõe tarifas que, segundo
a própria Economist, vão encarecer hambúrgueres e café nos Estados Unidos —
para proteger um "amigo" que idolatra sua figura. Seu slogan
"America First" serve mais como licença para arbitrariedades do que
como diretriz de política externa. Trump se apresenta como isolacionista, mas
age como intervencionista. Usa a retórica da liberdade a serviço da impunidade.
O seu método é a incoerência. E, nesse caso, o preço será pago por produtores
brasileiros e consumidores americanos.
O Brasil deve responder com
firmeza aos ataques à democracia. No plano interno, os parlamentares que
violaram o Regimento e sequestraram as Mesas do Congresso devem receber punição
exemplar de seus líderes responsáveis, para que os fatos não se repitam. No
plano externo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa adotar uma
política comercial pragmática e altiva, buscar aliados multilaterais e
denunciar o abuso de poder que contamina a relação com os Estados Unidos, uma
nação amiga há 200 anos. A democracia brasileira não pode se curvar nem a
motins, nem a tarifaços com segundas intenções.
Existe outro modo de
negociar com Trump?
O Povo (CE)
Enfrentar a ofensiva
política é a única forma possível de relacionar-se com o presidente dos Estados
Unidos, sem capitular às exigências de uma potência estrangeira, inaceitável
para um País soberano
O governo dos Estados Unidos
fez uma nova provocação ao Brasil ao divulgar mensagem em uma rede social
classificando o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal
Federal (STF), como o "arquiteto da censura e da perseguição contra
Bolsonaro e seus apoiadores".
O texto acrescenta que
"os aliados de Moraes no Judiciário e em outras esferas estão avisados
para não apoiar nem facilitar a conduta de Moraes. Estamos monitorando a
situação de perto".
Moraes já foi sancionado
pelos Estados Unidos com a Lei Magnitsky, de forma completamente ilegal, pois
ela é destinada a punir quem pratica graves violações aos
direitos humanos.
Internamente, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva sofre críticas de setores do empresariado e da
oposição, que o responsabilizam pela escalada de ameaças contra
autoridades brasileiras.
Por essa visão, Lula deveria
ater-se à questão comercial, para facilitar a aproximação com o
presidente americano Donald Trump.
No entanto, para importantes
personalidades internacionais, o presidente brasileiro age
corretamente ao insistir em abordar a questão política e a defesa da soberania
brasileira.
O ex-chefe do Banco
Mundial,, Joseph Stiglitz (Nobel de Economia 2001), fez elogios a Lula por
sua postura frente ao tarifaço. Em artigo publicado em jornais
americanos, ele escreveu que o Brasil "optou por reafirmar seu
compromisso com o Estado de Direito, mesmo com os Estados Unidos aparentemente
renunciando à sua própria Constituição". Ele incentiva outros chefes de
Estado a agirem de modo semelhante, enfrentando com coragem o
"bullying" praticado por Trump.
Outro Nobel de
Economia (2008), Paul Krugman, afirmou em artigo que, diferentemente
dos EUA, o Brasil julga ex-presidentes "que tentam anular eleições".
Citando o Pix, Krugman considera que o Brasil é "líder em inovação
financeira" e que pode ter inventado o "futuro do dinheiro".
Os principais jornais do
mundo veem como positiva a forma como o Brasil trata as
ofensivas da Casa Branca.
A revista britânica The
Economist viu o tarifaço como "agressão chocante" contra o
Brasil, mas que poderia fortalecer Lula.
Depois da recente entrevista
ao New York Times, o jornal americano anotou em seu Instagram:
"Ninguém desafia Trump como o presidente do Brasil". A postagem bateu
o recorde de interações em 2025, com mais de 746 mil comentários e curtidas.
O fato é que o governo
brasileiro trabalha em duas frentes. Na política, Lula defende com firmeza a
soberania brasileira; enquanto a questão comercial fica sob a responsabilidade
do vice-presidente, Geraldo Alckmin, que se desdobra para
demonstrar disposição em negociar os temas econômicos.
O ministro da Fazenda,
Fernando Haddad faz parte desse esforço, e tem reunião marcada com o secretário
do Tesouro americano, Scott Bessent, na próxima quarta-feira.
Essa é a única forma
possível de relacionar-se com Trump. Fazer de modo diferente seria capitular à
intervenção de uma potência estrangeira, inaceitável para um país
soberano.
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