O enfraquecimento de Bolsonaro não implica o fim desse novo ciclo da extrema-direita. A figura do ex-presidente, antes central, hoje convive com um movimento fragmentado que se reorganiza em torno de agendas comuns, surfando sempre na insatisfação popular difusa, que antes era canalizada pela figura do ex-presidente, agora se pulveriza, permitindo a emergência de líderes regionais e setoriais. Nomes como Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado e Nikolas Ferreira ilustram a diversidade dentro da direita.
Tarcísio, com um discurso mais tecnocrático, tenta
angariar credibilidade institucional e midiática; Caiado investe em pautas
conservadoras ligadas principalmente ao agronegócio; e Nikolas, que tenta
encarnar um moralismo radical, difundido em redes sociais, tornando-se popular
em parcela importante da juventude. Essas e outras lideranças ampliam a gama de
apelos ideológicos, mantendo coeso o núcleo conservador.
As redes sociais continuam sendo o principal veículo
de mobilização da extrema-direita no país. Narrativas simplistas e emocionais,
reforçadas por algoritmos e notícias sabidamente falsas, criam bolhas
ideológicas antagônicas ao debate racional e avessas aos fatos reais. Segundo
dados do Relatório de Digital News Report (2023), 62% dos brasileiros
acessam notícias principalmente por redes sociais, o que facilita a
disseminação de desinformação, essa dinâmica amplia a polarização e dificulta o
diálogo, permitindo que a extrema-direita se fortaleça mesmo sem um líder
centralizado.
Os traços culturais dos brasileiros, como
autoritarismo, nacionalismo e conservadorismo, são alicerces históricos sobre
os quais a extrema-direita constrói seu discurso e unifica sua base. Esses
valores, consolidados ao longo de séculos, preparam o terreno para a aceitação
de soluções políticas simplistas e autoritárias, presente desde a colonização e
reforçado pela ditadura militar, o autoritarismo alimenta a crença de que
lideranças fortes e centralizadoras enfrentam melhor as crises. O nacionalismo,
por sua vez, cria um senso de pertencimento e um furor ufanista exacerbado,
contrapondo os destinos da nação aos supostos inimigos da pátria, sejam esses
internos ou externos.
O discurso autoritário encontra legitimação em uma
memória coletiva falsa que aponta para governos antidemocráticos como solução
de todos os problemas. A busca por respostas imediatas a problemas complexos,
somada a um crescente moralismo conservador, revitalizado e turbinado principalmente
no centro das igrejas evangélicas brasileiras, que valorizam um suposto modelo
de família tradicional e combatem pautas progressistas, reforça a ideia de uma
ordem social natural, respaldando a manutenção do abismo social. Outro aspecto
importante é o discurso que justifica ações anti-institucionais em nome de um
pragmatismo supostamente necessário, essa lógica corrói o respeito às
instituições e legitima comportamentos contrários ao Estado Democrático de
Direito. Esse simplismo político faz ressoar soluções autoritárias na sociedade
brasileira, predisposta historicamente a aceitar retóricas salvacionistas.
A força da extrema-direita brasileira não está
isolada, integra um cenário mundial de fragmentação política, instabilidade
econômica e desconfiança nas elites tradicionais, nesse sentido, o passado
oferece ensinamentos valiosos. A ascensão do fascismo na Europa dos anos 1930
ocorreu em meio a crises econômicas, descontentamento popular, uso intenso de
propaganda política, supressão de liberdades civis e perseguição a minorias.
Tais condições, resultantes em parte do colapso econômico pós-1929, ecoam na
atual conjuntura mundial. A retórica do inimigo interno, o apelo à segurança e
a hostilidade às diferenças encontram ecos no presente. O alerta histórico
torna-se, assim, ainda mais urgente.
O encorajamento à violência, o desrespeito às decisões
judiciais e o estímulo à polarização extrema tencionam a democracia brasileira
e mundial. Assim como no passado, discursos autoritários podem resultar na erosão
de liberdades civis e na fragilização das instituições, criando um ambiente
propício ao surgimento de regimes autoritários. Como uma das maiores
democracias do mundo, o Brasil exerce influência além de suas fronteiras, a
forma como o país lida com o avanço da extrema-direita interessa à comunidade
internacional, seja para reforçar valores democráticos, seja para evitar o
contágio autoritário.
Enquanto a extrema-direita se consolida, a esquerda
enfrenta dificuldades. A falta de renovação de lideranças, a incapacidade de
dialogar com demandas concretas como segurança e emprego, e a ausência de
inclusão mais ampla de temas emergentes enfraquecem sua capacidade de conter a
maré ultraconservadora. Mesmo com a relevância da figura política do presidente
Lula, a esquerda carece de novas lideranças capazes de dialogar com as
periferias, interior do país, além dos jovens e os trabalhadores precarizados.
A sucessão não pode depender de uma única figura carismática. Para se contrapor
à extrema-direita, a esquerda precisa articular suas pautas e sua comunicação
com soluções para a vida cotidiana. Um projeto que una igualdade, segurança,
oportunidades e respeito à diversidade pode recuperar apoio popular,
tornando-se um antídoto contra o autoritarismo.
Além dos partidos, outras esferas da sociedade
precisam se mobilizar. Mídias independentes, ONGs, movimentos sociais,
universidades, igrejas progressistas, sindicatos e instituições como o
Judiciário e o Ministério Público, além dos democratas em geral, sejam esses centristas
ou os que ainda restam na direita, todos desempenham um papel-chave no
fortalecimento da democracia. A tarefa fundamental será fiscalizar o poder,
promover debates qualificados, garantir direitos fundamentais e construir
pontes entre atores diversos, esses setores formam uma barreira contra o avanço
do autoritarismo.
O Brasil encontra-se em um momento decisivo, a
ascensão da extrema-direita, alimentada por valores culturais enraizados e pela
tensão global, ameaça a democracia. O paralelo com os anos 30 do século passado
destaca o perigo real de retrocessos institucionais e a necessidade de uma
mobilização ampla e contínua para além da esquerda. Aprendendo bastante com os
erros dos estadunidenses, que trouxeram de volta ao comando do seu país, um autocrata
com viés fascista, que ao retornar ao poder veio ainda mais truculento e
avalizado abertamente pela plutocracia local, esperemos que o Brasil fique
distante desse exemplo.
O fortalecimento das instituições, o engajamento da
sociedade civil, a ação de lideranças comprometidas com o diálogo e a
manutenção de uma frente ampla nos diversos setores da sociedade são
fundamentais para evitar a deterioração democrática. Cabe ao país decidir se
abraçará soluções autoritárias e simplistas ou se, ao contrário, reforçará os
alicerces de uma democracia inclusiva, plural e resiliente. Essa questão
começará a ser respondida no próximo pleito eleitoral nacional.
*Cláudio Carraly, advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco
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