terça-feira, 17 de março de 2009

O ardil

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A expressão em inglês "Catch-22", que dá nome ao livro de Joseph Heller - "Ardil-22" no Brasil -, é um termo militar que significa que você está diante de uma situação paradoxal, sem saída, uma armadilha. É nessa situação que se encontra a oposição brasileira. Nos bastidores da disputa interna do PSDB pela definição não apenas do nome do candidato da oposição, mas, sobretudo, do momento mais propício para apresentá-lo oficialmente ao eleitorado, está a dificuldade dos tucanos de assumir um discurso oposicionista que se apresente como alternativa, diante da popularidade do presidente Lula e de seus métodos populistas de governar, especialmente na crise econômica que o mundo vive.

Os dois estados governados pelo PSDB que têm no comando candidatos potenciais à Presidência, Minas Gerais e São Paulo, são também dos que mais sofrem com a redução de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) em consequência da queda de consumo.

Houve queda de arrecadação do imposto em nove estados em outubro, em 12 em novembro e em 16 em dezembro, segundo o Ipea, o que mostra um quadro de gravidade crescente da crise. O governador de São Paulo, José Serra, preocupado com os efeitos da crise no seu estado, prefere despender suas energias políticas na administração das dificuldades, sem antecipar atritos com o governo federal.

Já o governador Aécio Neves, atrás nas pesquisas eleitorais, prefere abrir o debate público dentro do partido, chama Serra para o embate, embora também não se disponha a bater de frente com o governo federal.

Como Serra ressaltou ontem em Curitiba, antecipar a campanha presidencial seria atrapalhar a necessária colaboração entre as três esferas de governo - federal, estadual e municipal - numa das piores crise econômicas que o mundo já viveu.

Ao mesmo tempo em que os governadores têm que manter o relacionamento com o governo federal, a oposição parlamentar encontra muita dificuldade para "colar" a crise em Lula, que até o momento está escapando de ser identificado pela população como responsável pelos problemas econômicos que estão surgindo, como o desemprego crescente ou os juros altos que impedem os financiamentos e reduzem o crédito, já diminuído pela própria crise internacional.

O Planalto tem uma pesquisa que mostra que 70% da população compraram até o momento a versão governista de que a culpa da crise é dos países ricos, e que o Brasil está recebendo estilhaços dessa bomba mais ou menos como uma pessoa é atingida por uma bala perdida por estar no lugar errado no momento errado.

Embora a versão seja aparentemente correta, pois os problemas internos que nas crises anteriores levavam o país a quebrar não existem mais - temos reservas suficientes para garantir nossa dívida externa, a inflação está sob controle, a dívida interna está sendo reduzida em relação ao PIB -, as consequências da crise estão atingindo nossa economia por problemas ainda não superados.

A Bolsa brasileira foi das mais atingidas do mundo, e as exportações brasileiras caíram bastante porque nossa economia está baseada em commodities, que dependem do mercado importador.

Apesar de todos os avanços, o real foi das moedas mais desvalorizadas no mundo. O desemprego poderia ser mitigado por uma legislação trabalhista mais aberta, que permitisse acordos salariais provisórios.

E o governo finge que vai combater a crise com um forte programa de investimentos em infraestrutura, mas não tem capacidade de investir porque os gastos públicos estão mais altos do que nunca, direcionados para aumentos salariais do funcionalismo público, programas sociais assistencialistas e aposentadorias.

O programa habitacional que nasceu para criar empregos mais rapidamente com a construção civil acabou se transformando em um projeto megalômano de 1 milhão de casas populares a custo zero que ficará na promessa.

O problema é que a oposição sente-se incapaz de denunciar esses populismos no pressuposto de que o eleitorado não entenderá sua posição.

Quem pode ser contra aumentos salariais, casas populares, concursos públicos, empréstimos consignados? Mesmo que a economia não suporte esses gastos, ou que o estímulo ao consumo popular através de crediários a perder de vista possa prejudicar a longo prazo o cidadão comum, no curto prazo ajudam a impulsionar a economia e, sobretudo, dão popularidade ao presidente.

Há ainda uma diferença de visão de mundo entre o DEM e o PSDB, que se reflete em linguagens políticas distintas em vários momentos.

O DEM, por exemplo, defende a posição conservadora do Banco Central, enquanto o governador José Serra tem nos juros altos seu maior ponto de crítica à política econômica do governo.

Mesmo dentro do próprio PSDB, há quem defenda a atuação do Banco Central, que, nessa visão, tem conseguido conter os efeitos da gastança governamental sobre a inflação, até que a crise mesma neutralizou os efeitos inflacionários com a queda da demanda, o que permitiu o corte de juros mais forte na última reunião.

Um exemplo típico de armadilha populista no caminho da oposição são as votações de propostas do governo para aumentos do funcionalismo público entrando pelo próximo governo.

Ou projetos como o do senador da base do governo Paulo Paim, aprovando o fim do fator previdenciário, uma maneira encontrada pelo governo de Fernando Henrique para reduzir os rendimentos da aposentadoria de acordo com a idade.

Os parlamentares oposicionistas se sentem constrangidos a apoiar essas iniciativas, mesmo sendo contrários a elas, para não perder votos às vésperas das eleições.

O DEM, que tem uma postura mais agressiva na oposição, cobra do PSDB uma posição de confronto aberto com o governo Lula, e aproveita esse momento de definição das candidaturas para se colocar como fiel da balança, coisa que os tucanos não aceitam.

Serra finca pé contra maré

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Andar na contramão é algo que o governador de São Paulo faz com relativa frequência - um traço de personalidade -, embora não o faça com estardalhaço, por uma questão de cálculo.

Foi um crítico contumaz da condução da política econômica no governo Fernando Henrique Cardoso e continua na mesma posição em relação às escolhas do governo Luiz Inácio da Silva na área. Marca posição aqui e ali, mas não confronta quando não lhe interessa comprar uma briga do ponto de vista político.

A menos que, medidos os riscos, valha a pena.

É o caso agora, quando sofre pesada pressão dos aliados para assumir a candidatura a presidente da República em 2010 e rechaça todas elas com veemência.

"Não posso evitar que uns me ataquem, outros me provoquem, outros me estimulem como se eu fosse candidato. Entendo os que atacam, tento ignorar os que provocam e agradeço aos que estimulam. Sei conviver bem com essa espécie de diversidade, fico onde estou e não assumo candidatura antes da hora."

Empenhado em não arrumar confusão com o eleitorado - para seu projeto de se eleger presidente bem mais importante que as reclamações de correligionários ou provocações do adversário -, Serra acha a antecipação da campanha, antes de tudo, contraproducente.

"Primeiro, porque dificulta o combate à crise econômica. O governante, em vez de enfrentar, tende a negar a crise; substitui a eficiência pela afobação, entra em confronto com as forças políticas no momento em que há muito mais necessidade de cooperação e tende a governar menos e a fazer mais espetáculo", analisa e dá como exemplo o governo federal, cujas energias se desviam para a campanha eleitoral, mais que antecipada, permanente.

"Isso favoreceu a paralisia do governo durante seis meses em relação à política monetária, na contracorrente de todo o mundo, o que permitiu o aprofundamento da crise internamente, devido ao sumiço do crédito."

Na opinião dele, o ambiente eleitoral estimulou "o espetacular aumento de gastos de custeio no governo federal, presente e futuro, prejudicando a elevação de investimentos e dificultando, agora, a correção do problema."

Em segundo lugar, Serra acha que a campanha antes da hora só serve para irritar o eleitorado. Principalmente no caso de candidatos governantes.

"Fui eleito em primeiro turno, tenho responsabilidade de governar um Estado difícil onde a crise tem seu maior impacto. O cidadão comum não está pensando em eleição nesta altura. Imagine se começo a fazer discurso de candidato. Qual seria a leitura? A de que estou pouco ligando para os problemas objetivos, preocupado apenas com tititi eleitoral. No dia seguinte seria massacrado pela imprensa e condenado pela população."

O governador acha essa antecipação "espantosa" e lembra que nunca foi essa a prática. "Em março de 1988, de 1993 ou de 2001, ninguém estava falando nas eleições presidenciais dos anos seguintes, não havia nenhuma definição."

E por que há agora? Serra prefere deixar a resposta para gente despida de compromisso partidário. "Como um dos possíveis, e não mais do que possíveis, candidatos no ano que vem, minhas hipóteses poderiam soar, digamos, eleitorais."

Não seria a hora nem o caso de dizer, por exemplo, que isso acontece porque o presidente Lula gosta mesmo é de um palanque. Fazendo campanha, dá a impressão de governar sem precisar governar de fato, no estrito senso do ato.

O tempo de Lula é o tempo de Lula, avalia Serra, que não considera, por isso, que a oposição deva atuar no mesmo tempo.

Nem para fazer frente à campanha do adversário, hoje correndo sozinho com Dilma Rousseff?

Na visão de Serra, a oposição só teria a perder pelas razões já expostas (seus dois candidatos são governadores) e não teria nada a ganhar. "Ela é a candidata que o PT poderia apresentar, não há outro nome. Isso vale para agora e vale também para o ano que vem."

Para torná-la conhecida o governo federal não precisaria de mais que os seis meses do prazo legal de desincompatibilização, a partir de abril de 2010, e sem correr o risco de contestações na Justiça Eleitoral. Serra invoca, a título de comprovação, o exemplo do prefeito Gilberto Kassab, em São Paulo.

Correr, agora, não adianta nada, na opinião dele. "Dilma crescerá de qualquer maneira, chegará aos 30% só pela força do governo e pelo patamar tradicional de votos no PT."

Somados os fatores em jogo - crescimento inexorável da principal adversária, condenação da atitude do governante por parte do eleitorado e desvio do foco do enfrentamento da crise com todos os riscos decorrentes -, Serra finca o pé: "Não vou assumir nenhuma candidatura este ano."

Logo, assume-se desde já o candidato em 2010, correto?

"Não digo isso. Quem apostar numa quebra do PSDB por conflitos entre mim e o Aécio (Neves, governador de Minas Gerais) vai perder. Até porque quando um não quer dois não brigam e quando dois não querem aí é que não brigam mesmo."

Excomunhão eleitoral

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A próxima reunião da comissão de ética do PT, na quinta-feira 19, vai tratar de um assunto que comoveu o país e no momento agita os bastidores do Congresso: o aborto. Trata-se de uma representação da Secretaria de Mulheres contra dois deputados petistas, Henrique Afonso (AC) e Luis Bassuma (BA), que insistem em ignorar uma resolução partidária em defesa da descriminalização do aborto. Elas querem a excomunhão partidária dos infieis, assim como o arcebispo do Recife excomungou fiéis católicos.

No momento em que uma mulher reúne condições efetivas de disputar a Presidência da República, a discussão parece meio fora de moda, mas nunca esteve tão atual como demonstram a história do aborto da menina (ela tem nove anos e foi estuprada pelo padrasto), a reação do arcebispo, e o contorno eleitoral que começa a ganhar no Congresso. A propósito, Dilma acha que essa "não é uma questão de foro íntimo, mas sim de saúde pública, e precisa ser regulamentada".

Radicalizadas, as posições ajudam a explicar até casos sem conexão aparente, como o poder do deputado Eduardo Cunha (RJ), aquele que manda e desmanda no PMDB da Câmara.

Afonso é pastor presbiteriano; Bassuma, espírita. Os dois integram a Frente Parlamentar em Defesa da Vida-Contra o Aborto, uma de um amontoado de grupos religiosos que em alguns casos chegam a reunir na Câmara evangélicos, como o bispo Rodovalho (DEM-DF), da Igreja Sara Nossa Terra, ao deputado carismático Miguel Martini (PHS-MG).

Paulo Fernando Melo da Costa, advogado de Afonso que se declara "da direita lúcida" promete levar "as beatas" para rezar o terço ou entoar hinos em frente à sede do PT.

É uma novidade. Questões morais e de consciência religiosa eram em geral tratadas, nos bastidores do Congresso, longe dos holofotes - a tramitação do projeto de união civil entre pessoas do mesmo sexo da então deputada Marta Suplicy foi ao menos uma vez barrada por um telefonema de bispo católico.

A multiplicação das correntes cristãs e o crescimento de carismáticos e evangélicos tornaram esses embates mais barulhentos. Os grupos se tornaram mais organizados e o confronto com um partido liberal no campo dos costumes, como é o PT, era só uma questão de tempo.

O que as mulheres do PT pedem é a reafirmação de uma resolução do 3º Congresso Nacional do partido, que votou pela descriminalização do aborto. "É necessário agir firmemente nas várias instâncias de decisão contra projetos que, ecoando as posições de grupos ultraconservadores, se contrapõem à luta histórica das mulheres e do PT pelos direitos sexuais e reprodutivos e autonomia das mulheres".

O 10º Encontro Nacional das Mulheres propôs também "a saída imediata dos parlamentares do PT que atuam em comissões estratégicas que tratam de questões relativas a direitos sexuais e reprodutivos, que, orientados por seus princípios religiosos e pessoais retrocedem direitos conquistados pelas mulheres e expressam posições contrárias às defendidas pelo PT".

Na defesa, o deputado Henrique Afonso recorre ao texto constitucional, segundo o qual "é inviolável a liberdade de consciência e de crença", e alega que, se a Secretaria de Mulheres pede ao partido a instauração de processo disciplinar contra ele "tão somente por expressar opinião pessoal, direito que me é assegurado pela Carta Magna, é ela quem está afrontado a Constituição".

Segundo o deputado, sua "posição firme e convicta contra a interrupção da gravidez nunca foi desconhecida " pelo PT, desde que sua filiação, em 1997, que "foi aceita, homologada (...) e nunca dantes a minha posição pessoal incomodou ou contrariou qualquer segmento" do PT.

Por isso - diz ainda - "me causa estranheza, nesta ocasião, a Secretaria de Mulheres afirmar que estou causando "aborrecimento" e "desapontamento" às mulheres petistas. O que mudou ao longo do tempo: minha crença ou a postura (do PT) em aceitar, tolerar e respeitar as diferenças e a diversidade"?

O advogado Melo da Costa não esconde que seu objetivo, com a manifestação de quinta-feira, é "expor a posição do PT sobre o aborto". Já as mulheres pedem também a "retirada de tramitação de todos os projetos de lei propostos por parlamentares do PT que prejudiquem o direito das mulheres de autonomia sobre seu corpo e sua sexualidade".

Entre esses projetos há uma CPI do aborto, para a qual os líderes evitaram indicar até agora os nomes. Mas o campo de batalha não está delimitado pelo aborto.

Há, de um lado, um Projeto de Lei complementar que criminaliza a homofobia; do outro, a deputada Iriny Lopes (PT-ES) incluiu um parágrafo, no projeto que cria o Ministério da Pesca, a constituição de um Conselho Nacional de Promoção da Cidadania de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, para o horror das frentes "ultraconservadoras".

A Frente Parlamentar em Defesa da Vida estima em mais de 100 o número de seus integrantes e dos outros grupos específicos. Na prática, não mais de 30 são ativistas. Como um dos vice-líderes mais importantes do PMDB, o deputado Eduardo Cunha (Igreja Sara Nossa Terra) ajuda a fazer barulho em torno da questão moral. Em troca aumenta seu cacife na mesa de negociação política.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

Deputado do PDT lidera pesquisa para governo do Rio

Ana Paula Grabois, do Rio
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Serra lidera a pesquisa para presidente

O deputado estadual Wagner Montes (PDT) está na liderança de pesquisa eleitoral para o governo do Rio em 2010. Apresentador de programa popular na TV Record, Montes já havia liderado as primeiras pesquisas na eleição para prefeito do Rio, no ano passado, mas desistiu de concorrer porque disse ter ganho boa estrutura do canal de TV onde trabalha, controlado pelo grupo ligado ao então candidato do PRB, o senador e bispo da Igreja Universal Marcelo Crivella.

O levantamento divulgado ontem, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS), mostra Montes com 27% das intenções de voto. O governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), candidato declarado à reeleição, aparece com 24%, seguido pelo deputado federal do PV Fernando Gabeira (22%), pelo ex-prefeito Cesar Maia (DEM), com 10%, e pelo prefeito reeleito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, do PT, com 5%. No cenário sem Cabral, mas com o ex-governador Anthony Garotinho (PMDB), que pretende lançar-se como candidato, Montes mantém o percentual de 27%. Gabeira aparece em segundo, com 23%, seguido por Cesar Maia (13%), Garotinho (11%) e Lindberg (6%).

Cabral recebeu aprovação de 32% dos entrevistados e 18% de reprovação, enquanto 46% classificaram seu desempenho como regular. Para as duas vagas ao Senado, a pesquisa mostra Gabeira à frente, com 14%, seguido por Crivella e pela candidata derrotada à prefeitura Jandira Feghali, do PCdoB, ambos com 13%. Em seguida, aparecem a ex-governadora do PT Benedita da Silva (9%), Cesar Maia (7%), Garotinho (6%), Lindberg (5%), o presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio, Jorge Picciani (1%), e o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, do PDT, com 1%.

Para presidente, a pesquisa mostra o governador de São Paulo do PSDB, José Serra, à frente, com 30% das respostas, seguido por Ciro Gomes (PSB), com 17%, Heloisa Helesa (PSOL), com 16%, e pela ministra da Casa Civil Dilma Rousseff, do PT, com 12%. A pesquisa do IBPS foi feita entre os dias 9 e 13 de março com 1.105 entrevistados no Estado do Rio. A margem de erro é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos.

Entidade critica ataques de Lula à imprensa

DEU EM O GLOBO

A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) condenou o comportamento do presidente Lula em relação à imprensa, dizendo que ele ataca e faz "críticas desmedidas" quando o enfoque do noticiário não lhe agrada. (págs. 1 e 5)

Entidade condena ataques de Lula à imprensa

Relatório da SIP, que representa empresas jornalísticas do continente, alerta para tentativa de interferência

BRASÍLIA. A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) divulgou um relatório no qual condena as críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à imprensa. O texto cita entrevista recente de Lula à revista "Piauí", na qual o presidente disse que não lê jornais para evitar ter azia. Para a entidade, Lula "sempre ataca a imprensa e lança críticas desmedidas quando não lhe agrada o enfoque do noticiário ou um comentário".

A SIP, que representa as principais empresas jornalísticas do continente, classifica de preocupantes algumas iniciativas do governo no setor, como o apoio à realização da Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro. Para a entidade, os debates serão conduzidos por ONGs e movimentos sociais que pretendem interferir no funcionamento da imprensa.

A SIP afirma que Lula tem o hábito de se dizer vítima de distorções na imprensa: "Uma breve retrospectiva das notícias mostra que o presidente Lula tem dificuldades para aceitar o trabalho dos jornalistas". O texto lamenta ainda que o presidente tenha dito à revista se considerar bem informado, mesmo sem ler jornais.

De acordo com o documento, tramitam hoje no Congresso 86 projetos que impõem restrições à publicidade. Para a entidade, a maioria das propostas ameaça a independência dos veículos de comunicação. A SIP usou como exemplo os estudos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para restringir anúncios de bebidas, remédios e alimentos. Sobre isso, o texto cita uma declaração do presidente do Conselho de Administração do Grupo Abril, Roberto Civita: "Sem publicidade, seria impossível manter o pluralismo nos meios de comunicação".

O relatório relaciona ainda dez episódios de cerceamento ao trabalho de jornalistas no país desde outubro de 2008. O texto foi divulgado ontem, ao fim de uma reunião da SIP em Assunção, no Paraguai. A entidade também publicou informes sobre a situação da imprensa em outros 27 países. O Palácio do Planalto não quis comentar o relatório sobre o Brasil.

O documento também destaca que o Supremo Tribunal Federal deve decidir nos próximos meses se mantém ou não a obrigatoriedade do diploma de jornalista no país. A SIP ressalta que as empresas de comunicação e alguns setores do governo, como o Ministério da Educação, já defenderam a flexibilização dessa exigência.

A entidade também acusa o governo de não cumprir resolução do Ministério do Trabalho que cria um grupo para propor mudanças na legislação que regulamenta o exercício da profissão de jornalista. O relatório ressalta que o grupo não é composto de forma igualitária por representantes do governo, das empresas e dos trabalhadores.

A campanha de 2010 já começou

Carolina Brígido
DEU EM O GLOBO


Pelo menos no território livre da internet, onde há blogs de defesa dos pré-candidatos

Legenda da foto: UMA PÁGINA do blog de admiradores de Dilma

Legenda da foto: O BLOG de apoio ao tucano José Serra

BRASÍLIA. A campanha presidencial de 2010 já começou na internet. Os principais presidenciáveis já têm a seu favor blogs feitos por admiradores e militantes anônimos. A chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff (PT), o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), e o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) têm páginas dedicadas a eles no blogspot.com. A campanha para o Palácio do Planalto já é explícita, e o Tribunal Superior Eleitoral nada pode fazer, pelo menos enquanto não for provocado - isso sem contar com as dezenas de comunidades no Orkut voltadas para estes políticos, todas com autoria de pessoas desconhecidas.

O "Blog da Dilma" reproduz notícias de jornais, além de comentários favoráveis a ela. Um dos textos diz que o blog é feito por cidadãos independentes que admiram a ministra, muitos deles sob pseudônimo. Enaltece o desempenho da ministra à frente do PAC e aproveita para atacar supostos concorrentes da ministra em 2010, dizendo que Serra e Aécio fazem propaganda antecipada com festas para o lançamento de programas de governo - por sinal, a crítica mais recorrente da oposição à ministra.

O blog que defende Serra para presidente funciona nos mesmos moldes: reproduz notícias da imprensa e ataca adversários. Aproveita para estocar Aécio: "Quem já leu os jornais mineiros fica impressionado com a absoluta falta de crítica em relação a tudo o que se relacione, direta ou indiretamente, ao governo ou ao governador". No blog, há uma enquete sobre quem deve ser vice de Serra. Aécio lidera com 31%. O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) está em segundo lugar, com 12%.

Com produção própria de notícias, o blog em prol de Aécio ressalta feitos do governador. Não contém ataques a Serra, mas menciona que o nome do concorrente não é consenso entre os tucanos. O blog em defesa de Ciro também traz notícias do presidenciável e faz a divulgação da campanha: "Certo de suas potencialidades como candidato, o PSB colocará Ciro na linha de frente na discussão e análise sobre a preocupante crise econômica", diz um texto.

Serra e Aécio trocam juras de união em 2010

DEU EM O GLOBO

Em Recife, os dois pré-candidatos tucanos à Presidência evitam falar de prévias, tema que divide o PSDB

RECIFE. Os governadores tucanos de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves, aproveitaram ontem à noite o lançamento de um livro em Recife para dar uma demonstração pública de união do partido, dividido entre as duas pré-candidaturas à Presidência da República. No lançamento de "Daquilo que eu sei", do ex-ministro da Justiça Fernando Lyra, num shopping center no Recife Antigo, eles chegaram e saíram juntos, antes de participarem de um encontro na sede do PSDB local com deputados e vereadores de partidos de oposição ao governo Lula.

O mineiro, cujo avô Tancredo Neves é a figura central do livro de Lyra, sobre o período da transição democrática, atrasou o desembarque para chegar praticamente junto com Serra ao Aeroporto de Recife. Serra, por sua vez, usou até uma frase de efeito para ilustrar a união com o colega mineiro.

- Olha, gente, se alguém me ver com o dedo no olho do Aécio é que estou tirando um cisco - afirmou Serra, apontando o dedo indicador em direção aos olhos de Aécio.

"Quando um não quer, dois não brigam"

Em discurso no lançamento do livro, Serra disse que os tucanos estão unidos:

- A unidade no PSDB já existe. Não é que não existia e passou a existir. Ela se manifesta no dia de hoje.

Quase em uníssono, os dois adaptaram um velho ditado popular.

- Não dizem que quando um não quer, dois não brigam? Quando dois não querem, dois não brigam - afirmou Serra, sendo completado por Aécio.

Serra reafirmou que não tem divergências com o mineiro.

- A divergência com o Aécio é zero. Há muito folclore - disse Serra.

- Posso até ter uma diferença de nuance em um ou outro tema - completou o governador mineiro.

Aécio diz que PSDB precisa se aproximar da sociedade

Como que combinados, os dois evitaram falar na realização de prévias para a escolha do candidato a presidente - idéia defendida por Aécio e vista com reservas por Serra:

- O PSDB vai estar unido nas eleições. Eu e Serra vamos estar unidos em 2010, para desconforto e desencanto de alguns. No que depender de mim - afirmou Aécio.

- É cedo ainda (para tratar da campanha de 2010). Temos muito tempo pela frente. Não convém toda essa intensificação - disse Serra, em seguida.

Aécio defendeu a construção de uma grande aliança com outros partidos e citou a necessidade de um gesto de despreendimento do PSDB. Chegou a sugerir a inclusão, nessa aliança, do PSB do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, como ocorre em Minas. Aécio disse que, no futuro, os historiadores vão apontar o período de Fernando Henrique e de Lula como um só, voltado para a estabilização econômica.

O tucano mineiro também disse que a hora é de mobilizar as bases, com eventos como o realizado em Recife.

- O partido se distanciou de setores da sociedade nos últimos anos - observou.

'Pode ser que eu venha a ser candidato ano que vem'

DEU EM O GLOBO

Serra, porém, diz que campanha antecipada tiraria o foco da crise econômica

CURITIBA e FLORIANÓPOLIS. Ao se reunir ontem em Curitiba com o governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), admitiu que poderá disputar a Presidência em 2010, mas voltou a afirmar que é contra a antecipação do processo eleitoral. Para ele, tal atitude pode dificultar uma boa cooperação entre as três esferas do poder (federal, estadual e municipal), em meio à crise econômica.

- Quando tem candidatura, ou se tem consenso ou alguma forma de consulta. Disso o partido está tratando. Pode ser que eu venha a ser candidato ano que vem, mas neste momento estou concentrado na minha administração em São Paulo (...) O Brasil teve a segunda maior retração do PIB do mundo. A antecipação (do debate eleitoral) tira o foco do trabalho da crise, que é a mais séria desde o começo dos anos 30. Ter um processo eleitoral deflagrado atrapalha o enfrentamento da crise nas decisões, na capacidade de trabalho, nos prazos - disse Serra, que assinou com Requião um convênio de cooperação na área tributária.

O tucano se negou a responder sobre o jantar da semana passada com a cúpula do DEM, no qual teria sido pressionado para assumir o mais rapidamente possível sua candidatura:

- Como de toda reunião de político saem "n" versões, algumas corretas, outras fantasiosas, outras meio a meio - disse Serra, esquivando-se de responder.

Reunida ontem em Florianópolis, a direção do DEM voltou a demonstrar sua preferência pela candidatura de Serra, mas frisou que o partido apoiará o escolhido pelo PSDB.

- São dois grandes governadores (Serra e Aécio), dois grandes estados, e não podemos correr o risco de perder nenhum dos dois estados - disse o presidente do DEM, Rodrigo Maia.

Tucanos batem forte em Lula em ato político

Sheila Borges
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Tucanos congelam divergências

Numa ofensiva contra o PT e a candidatura de Dilma Rousseff, os dois presidenciáveis do PSDB, José Serra e Aécio Neves, adotam a cartilha da unidade

Se na política, em determinados momentos, os gestos chegam a ser mais emblemáticos do que as palavras, os líderes nacionais do PSDB se esmeraram ontem para mostrar esse simbolismo aos correligionários e à opinião pública. Em discursos recheados de críticas ao governo do presidente Lula (PT), os tucanos terminaram transformando a inauguração de um auditório, na sede do partido no Recife, que homenageou à ex-primeira-dama Ruth Cardoso - falecida no ano passado -, em um ato político para marcar a “arrancada” do PSDB rumo à campanha presidencial de 2010. Deixando as divergências internas de lado, os dois pré-candidatos da legenda - os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG) - fizeram questão de ressaltar a “unidade” da agremiação. Ressaltaram que, com ou sem prévia, o presidenciável que for para o embate com Lula contará com o apoio do que for preterido.

O senador Tasso Jereissati (CE) foi um dos primeiros a falar e deu o tom da reunião. “A partir de agora, estamos começando a nossa marcha unidos”, frisou. Apontando para os presidenciáveis, colocou que os dois já foram “aprovados” por todos os testes de popularidade e cada um, ao seu modo, construiu carreiras “legitimadas na vontade do eleitor”. Em uma clara referência ao fato da principal adversária dos tucanos - a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que é a pré-candidata de Lula - não ter experiência de voto. Sem citar o nome da petista, enalteceu os governadores do PSDB, falando que eles não precisam de “jogada de marketing” para falar com a população.

“Ninguém vai mudar a cara de José Serra ou fazer Aécio falar sem o sotaque mineiro. Não vai sair ninguém por trás de uma fumacinha com cara e roupa novas. Não precisamos disso”, afirmou, referindo-se ao embelezamento de Dilma, que se submeteu até a uma plástica para rejuvenescer a imagem. O presidente nacional do PSDB, o senador pernambucano Sérgio Guerra, lembrou aos correligionários que a disputa é desigual porque a máquina do governo está trabalhando a todo vapor para eleger o sucessor de Lula. “Não vamos criar candidato. Não conhecemos o projeto dela (Dilma). O PAC (Plano de Aceleração do Crescimento, coordenado pela ministra) é um saco de confusão”, afirmou.

Em função deste contexto adverso, pediu para que os aliados não se “dispersem”. Argumentou que os presidenciáveis precisam encontrar um discurso que a população posso compreender o projeto de governo da oposição, sem citar se será preciso realizar ou não prévias.

Serra foi duro e direto. Primeiro, começou esclarecendo que não tinha aceitado o convite de Aécio e Guerra para vir ao Recife com o objetivo de tirar qualquer dúvida sobre a unidade interna do PSDB. Isso porque ninguém poderia duvidar que ela exista. Aproveitou para fazer uma critica à própria legenda. Disse que os tucanos estão com problemas na comunicação e que sofrem do complexo da pata, explicando que a pata, mesmo colocando os melhores ovos, não avisa quando isso acontece, como faz a galinha. O PSDB, segundo ele, tem que dizer o que fez pelo País.
“Temos que nos valorizar e apontar os erros do governo”.

Aécio foi mais moderado. Chegou a falar que não poderia deixar de reconhecer que o atual governo avançou, mas que isso só ocorreu em razão dos investimentos feitos pelas duas gestões de Fernando Henrique (PSDB). Mas Lula, de acordo com Aécio, gastou mal os recursos e isso colocou o Brasil dentro desta crise mundial. “Temos que nos reconciliar com setores da população que nos afastamos”, disse.

Seis duros meses

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Seis meses depois da quebra do Lehman Brothers, fatos acontecem diariamente como reflexo daquele louco domingo, 14 de setembro, em que ficou claro que havia uma crise sistêmica nos bancos americanos. Quanto tempo vai durar a crise? Como está afetando as empresas? Teremos recessão?

Esses foram alguns dos pontos da conversa com os dois executivos e dois ex-presidentes do BC num Globonews Especial neste fim de semana, sobre o que chamamos lá de "Os seis meses que abalaram o mundo".

Aliás, ainda abalam. Neste turbilhão de acontecimentos novos diários, os jornalistas são soterrados por informações e fatos inéditos de uma crise sem parâmetros. 1929 é só um quadro na parede. Em alguns aspectos, essa crise é pior que aquela; em outros, diferente.

Quando a crise vai acabar? Armínio disse que as condições iniciais dessa crise são piores que as de 29, as respostas dos governos, maiores, e a marca atual é a incerteza que dificulta qualquer previsão. Pastore disse que não há uma, mas várias crises: uma no Leste da Europa parecida com a que vivemos nos anos 90; uma de destruição de riqueza com a queda do valor das ações, dos imóveis, dos ativos em geral; uma crise financeira sistêmica. De la Rosa disse que a crise vai acabar quando a economia parar de cair, e ainda não parece perto de parar. Alquéres disse que a crise acabou, porque para ele o mundo entrou em outra realidade.

- Estou me programando para viver assim para sempre, e o que eu me pergunto é o que fazer para sobreviver - disse o presidente da Light.

- Na fábrica, eu falo para os meus executivos que nada mais pode dar errado, porque estamos no meio da floresta, com os animais ameaçando. É esse senso de urgência que não existe em Brasília - contou De la Rosa.

Para Armínio, houve vários vilões da crise, além, obviamente, dos bancos:

- Foi uma euforia, uma sensação de festa permanente que fez os padrões de prudência serem abandonados. O governo, como xerife, fracassou.

- Havia a ideia de que os riscos tinham desaparecido, o mundo inteiro achou que tinha descoberto a fórmula mágica. Houve um erro coletivo. O Brasil se beneficiou muito das bolhas - disse Pastore.

Armínio acha que a crise demorou um pouco a chegar aqui, iludindo tantos, porque, nove meses depois de iniciada a crise nos EUA, as commodities ainda estavam em alta. A partir de setembro de 2008, elas caíram.

Pastore aconselha que o Brasil mantenha algum superávit primário para continuar reduzindo a relação dívida/PIB. Tanto ele quanto Armínio acreditam que o Brasil pode derrubar a Selic para algo em torno de 4% de juros reais. Ter esse espaço é bom, porque outros países já perderam a capacidade de fazer política monetária contracíclica. Pastore alerta que o governo não deveria aumentar muito os gastos, porque ele só tem conseguido estimular o consumo do próprio governo. Armínio acha que o Brasil precisa ter cautela, porque tem alguma necessidade de financiamento e há uma enorme dificuldade de financiamento no mundo.

O governo Barack Obama não tem conseguido tirar seu pacote de saneamento dos bancos, da teoria para a prática, entre outras coisas, porque não consegue nomear a equipe. Em parte pela proibição de nomear quem já trabalhou em mercado.

A Marcopolo, empresa de Caxias, Rio Grande do Sul, está em nove países com fábricas ou intenção de investimento. Para De la Rosa, a Rússia é o pior dos Brics. Lá o crédito acabou completamente. Na China, a empresa iria entrar, mas decidiu adiar. Na Índia, as vendas de ônibus, que eram dois mil por mês, caíram para 500, agora em janeiro voltaram a mil e podem subir mais por estímulos do governo. A Argentina tem conseguido manter o ritmo, mas com muita intervenção do governo, e o México está sentindo fortemente a crise americana.

Alquéres conta que a inadimplência dos clientes da Light aumentou - felizmente os governos estão em dia. Mas as empresas médias têm pedido para parcelar a conta e pagar em cinco dias, ou em parcelas, dia sim, dia não.

- É uma forma de se financiar às custas da empresa, porque elas têm dificuldade de acesso ao crédito.

O que mais preocupa Alquéres é que ele acha que investimentos em hidrelétricas serão adiados e o Brasil vai acabar usando as térmicas e aumentando o custo da energia

Pastore acha que o Brasil terá recessão este ano. Armínio concorda e lembra que agora é que incomoda aquilo que não fizemos no período de crescimento, como investimentos em infraestrutura e em educação. De la Rosa disse que tem feito tudo para não demitir no Brasil. Alquéres contou que a Light não demitiu, nem pretende. Ninguém duvida que a crise continua e que este será um ano difícil.

A Marcopolo, fabricante de carrocerias de ônibus, fechou uma fábrica na Rússia e deixou a outra parada. O diretor-geral da empresa, José Rubens de la Rosa, diz que em Brasília "não existe senso de urgência". José Luiz Alquéres, da Light, disse que as empresas médias estão tentando parcelar conta de luz para se financiar. Armínio Fraga e Affonso Celso Pastore acham que os juros reais podem cair para 4%.

Focus prevê expansão de apenas 0,59% da economia

Fabio Graner
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em uma semana, cai à metade previsão de crescimento do PIB brasileiro para 2009

Depois do decepcionante resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do último trimestre de 2008, o mercado financeiro reduziu fortemente as projeções para o desempenho da economia em 2009.
De acordo com a pesquisa semanal Focus, divulgada ontem pelo Banco Central (BC), a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto para 2009 caiu à metade e passou de 1,20% para apenas 0,59%. Foi a segunda redução consecutiva nessa projeção, que há um mês estava em 1,50%.

O mercado enxerga um ano mais difícil ainda para as indústrias. A expectativa para a produção industrial em 2009, que na semana passada era de queda de 0,04%, passou para um resultado negativo de 1,59%. Há um mês, os analistas trabalhavam com crescimento de 1,50% para este indicador.

A economista da Tendências Consultoria Marcela Prada avaliou que as próximas pesquisas devem mostrar um cenário ainda pior na projeção de crescimento da economia, porque muitas instituições ainda estão revendo seus números.

Na visão dela, a posição mais agressiva do BC no corte de juros está sendo levada em conta pelos economistas, que estudam o comportamento da economia e fazem previsões para os números macroeconômicos,que acreditam em uma aceleração do nível de atividade nos próximos meses.

Marcela explicou, no entanto, que a redução de 3,6% do Produto Interno Bruto do último trimestre de 2008 deixou um importante saldo negativo para este ano, que deve ficar ainda maior com a nova queda que ela acredita que ocorrerá no primeiro trimestre.

"O pior está passando. Esperamos que a partir do segundo trimestre haja uma recuperação"", afirmou, condicionando esse cenário ao não agravamento da situação internacional.

A economista reconheceu que, diante de um Produto Interno Bruto tão ruim previsto para este ano, a pesquisa do Banco Central mostra um mercado ainda conservador com a projeção das taxas de juros para o final do ano.

UM DÍGITO

A estimativa, constatada pela pesquisa Focus, é de que taxa básica de juros, a Selic, encerre 2009 em 9,75% ao ano, o que significaria uma redução de apenas 1,5 ponto porcentual em relação ao nível atual.

A explicação para isso é que a inflação esperada, apesar de estar em trajetória de queda, ainda é alta: 4,52%. A meta para 2009 é 4,5%.

"Se olharmos para o PIB, a previsão para a Selic caiu pouco, mas quando se olha para inflação, que teve uma queda pouco expressiva, entende-se esse movimento, que ainda pode se aprofundar se caírem mais as expectativas de inflação", afirmou a economista.

NÚMEROS
4,52 % é a previsão de inflação para 2009

1,2 % era a previsão de crescimento do PIB até a semana passada

9,75 % é a previsão para a taxa de juro no fim de 2009

Ganho da poupança pode sofrer alteração

Patrícia Campos Mello, Nalu Fernandes, Fabio Graner e Beatriz Abreu
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Lula disse que o cálculo da rentabilidade da poupança pode mudar. O motivo é a queda dos juros.

""Vamos discutir a poupança"", diz Lula

Em seminário sobre a economia brasileira em NY, presidente fala que não dá para permitir prejuízo de poupadores

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu ontem a possibilidade de mudar o cálculo de rentabilidade da caderneta de poupança. "Temos de pensar, não podemos permitir que os poupadores tomem prejuízo no Brasil, nós precisamos defender a poupança", disse, durante seminário em Nova York.

Muitos analistas têm alertado para o fato de que a tendência de forte queda da taxa básica de juros (Selic) beneficiará a poupança em detrimento de outras aplicações. Isso porque a poupança tem rendimento de 6% ao ano mais a variação da TR, garantido por lei. Por isso, seria necessário rever a rentabilidade da poupança, para evitar distorções e permitir maiores cortes da Selic.

Setores do governo já vêm discutindo o tema reservadamente, mas ontem foi a primeira vez que Lula admitiu a preocupação. O presidente afirmou que vai ter uma reunião com a equipe econômica quando chegar ao País "para ver como fica". "Vamos discutir o que vamos fazer, porque eu também não posso adivinhar."

"Mas nós já mexemos dois anos atrás, quando descobrimos que gente que tinha muito dinheiro queria pôr na poupança. E nós mexemos para garantir a poupança apenas para os pequenos poupadores, aqueles que precisam dela. Aqueles que têm dinheiro que façam outro tipo de investimento."

VINCULAÇÃO À SELIC

O governo pode vincular a remuneração da poupança à Selic. Essa é a alternativa que conta com maior simpatia na equipe econômica entre as opções que vêm sendo consideradas para evitar que o rendimento da poupança seja um empecilho à queda dos juros ou acabe provocando uma migração em massa de aplicações.

Porém, outras opções estão sendo avaliadas. Uma delas é estabelecer um porcentual acima do IPCA para definir o rendimento das cadernetas. Outra hipótese é dar ao Conselho Monetário Nacional (CMN) a prerrogativa de fixar periodicamente a remuneração, como ocorre hoje com a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).

De acordo com os estudos do governo, se a Selic for adotada como parâmetro da remuneração da poupança, a vinculação não seria integral. O rendimento dos poupadores seria definido como um porcentual da taxa.

Esse "desconto" é justificável na medida em que, ao contrário dos fundos e de outras aplicações, a poupança é totalmente garantida pelo governo, tem liquidez imediata, é isenta de Imposto de Renda e, além disso, os poupadores não pagam taxa de administração aos bancos.

Uma variante dessa medida seria estabelecer uma flutuação entre a Selic e a rentabilidade da poupança: quanto maior a Selic, menor o porcentual que definiria a remuneração das cadernetas.

Sonata Nº 1

Beethoven
Pianista: Wilhelm Kempff
Veja o Vídeo


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O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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segunda-feira, 16 de março de 2009

A agenda de Giuseppe Vacca no Brasil

A.Veiga Fialho
Fonte: Gramsci e o Brasil

Presidente da Fundação Instituto Gramsci, em Roma, Giuseppe Vacca cumpre extensa agenda de compromissos entre os dias 18 e 21 de março no Brasil, por ocasião do lançamento do seu livro, Por um novo reformismo (Brasília: Fundação Astrojildo Pereira; Rio de Janeiro: Ed. Contraponto). Entre os compromissos abertos ao público, registramos:

18 de março, quarta-feira:

18h — Palestra e debate no Rio de Janeiro
Istituto Italiano di Cultura – Sala Itália, 4o andar
Av. Presidente Antônio Carlos, 40 – Castelo, Centro

19 de março, quinta-feira:

19h — Palestra e debate em São Paulo
Câmara Municipal – Auditório Prestes Maia (Plenarinho)
Palácio Anchieta – Viaduto Jacareí 100 – Bela Vista

20 de março, sexta-feira:

19hPalestra na Unicamp sobre Gramsci, os intelectuais e a educação.

21 de março, sábado:

Giuseppe Vacca encontra-se com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o governador José Serra, entre outras personalidades políticas e intelectuais; e, logo em seguida, encontra-se com dirigentes do PT para discutir “a atualidade de Gramsci”.

Vacca também participa, em São Paulo, da gravação de um programa Roda-viva.

PSDB se mobiliza hoje para promover discurso de união

Julia Duailibi e Ana Paula Scinocca
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Serra e Aécio, pré-candidatos à Presidência, se encontram no Recife para mostrar unidade do partido

No momento em que o PSDB discute quem será o candidato na eleição de 2010, os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves, deverão se encontrar hoje para dar sinais de unidade partidária e engordar o discurso de que não haverá um racha durante o processo de escolha interno.

Para o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), o encontro entre Serra e Aécio é um sinal da "unidade" dos tucanos. "Esse é um ato positivo para o partido. É efetivamente uma sinalização de unidade", declarou Guerra.

O senador espera Serra e Aécio para uma série de eventos no Recife. Os dois deverão se encontrar com deputados federais e estaduais, prefeitos e vereadores da região. Além disso, no decorrer da agenda, haverá conversas com líderes de outros partidos, como o senador Jarbas Vasconcellos (PMDB), o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), e o deputado Raul Jungmann (PPS).

O encontro entre os dois, que contou com ajuda do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, é visto com expectativa."É um primeiro passo para que se entendam. Se resolverem mesmo ser candidatos, faremos prévias, é a maneira mais democrática", disse o senador Arthur Virgílio (AM).

A agenda começa às 19 horas no lançamento do livro Daquilo que eu sei - Tancredo e a transição democrática, do ex-deputado e ex-ministro da Justiça Fernando Lyra. Depois, às 20 horas, haverá a inauguração do auditório Ruth Cardoso, na sede do PSDB no Recife. Foram convidadas para esse evento cerca de 250 pessoas, que ouvirão discursos de Serra, Aécio e da prefeita Judite Botafogo, do município de Lagoa do Carro. Numa eleição em que o adversário deve ser uma mulher - a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT) -, o partido quer prestigiar líderes femininas.

O último compromisso será um jantar na casa do senador Guerra, para o qual foram convidados deputados federais e estaduais.

Antes de Recife, Serra cumprirá uma agenda de governo à tarde no Paraná, com o governador Roberto Requião (PMDB). Os dois assinarão termo de cooperação entre os dois Estados.

ALIADOS

No jantar, aliados dos tucanos pretendem reforçar a estratégia sobre a eleição de 2010. Jungmann, por exemplo, acha que os tucanos têm de afiar o discurso de oposição e resolver as questões internas até, no máximo, junho. O debate, diz ele, é "salutar, desde que haja limite".

"Eu vejo com muita apreensão. Empurrar essa decisão (sobre candidatura) com a barriga e lançá-la para a frente pode nos trazer uma surpresa. Deveríamos entrar já numa fase pré-campanha mais efetiva", disse.

Mas não há consenso no partido sobre esse ponto. Enquanto Aécio quer viajar já pelo País para falar de 2010, Serra tem sido contra antecipar a campanha eleitoral.

Presidência gasta 405% mais com cartões

Regina Alvarez
DEU EM O GLOBO

De 1º de janeiro até o último dia 11, as despesas com cartões corporativos da Presidência da República chegaram a R$ 2,785 milhões. O valor é 405% maior do que o desembolsado no primeiro trimestre do ano passado. Até o fim de março, as despesas devem crescer. Os dados são do Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira). O volume deste ano equivale a 65% de tudo o que foi gasto em todo o ano de 2008. As despesas estão relacionadas principalmente a viagens do presidente Lula e suas comitivas de apoio e segurança. Os cartões são usados para pagar despesas diversas, de hospedagem a alimentação. No ano passado, o escândalo com cartões corporativos de ministros – usados até para comprar tapioca – foi investigado pelo Congresso e o governo prometeu reduzir os gastos

Crescimento, só no cartão

Apesar da crise, gastos corporativos da Presidência da República aumentam 405% em 2009

Oano ainda está no começo e a crise econômica se agravou, mas as faturas dos cartões corporativos utilizados pela Presidência da República já registram gastos de R$2,785 milhões, 65,5% de tudo que foi gasto com os cartões em 2008: R$4,250 milhões. As despesas se referem principalmente aos gastos com as viagens do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com as comitivas do presidente e as equipes de apoio e de segurança. Parte dessas despesas foi realizada em dezembro de 2008, mas faturada em 2009.

Os gastos entre 1º de janeiro e 11 de março deste ano representam uma alta de 405,8% sobre as despesas do primeiro trimestre de 2008. De janeiro a março do ano passado foram gastos com os cartões corporativos R$550,6 mil. Os R$2,785 milhões deste ano foram gastos só até 11 de março, data em que foi fechado o levantamento. Até o fim do trimestre, a alta registrada será ainda maior.

Os cartões corporativos são usados no governo para pagar despesas diversas, incluindo hospedagem e alimentação nas viagens presidenciais. Um grupo de funcionários, chamados de ecônomos, utiliza os cartões, mas nem todas as despesas são registradas no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), porque parte delas é protegida pelo sigilo garantido ao presidente da República, por razões de segurança nacional. No ano passado, o presidente fez 162 viagens, 20 a mais do que no ano anterior. As despesas com hospedagem cresceram 62% e, com alimentação, 39%, segundo registro do próprio governo.

Mais de R$740 mil em segurança durante cúpula

Segundo os registros do Siafi, sistema informatizado de acompanhamento financeiro do governo, os maiores gastos da Secretaria de Administração da Presidência da República com cartão corporativo em 2009 foram feitos pela ecônoma Maria Emilia Matheus Evora. Ela pagou despesas no valor de R$857,3 mil, sendo que só uma das faturas é de R$741,9 mil. O levantamento dessas despesas - realizado pela Consultoria Técnica de Orçamento do DEM - mostra ainda que Maria Emília também pagou com cartão corporativo gastos de R$66 mil, de R$45,3 mil e de R$4 mil, todas faturadas este ano.

Segundo a Casa Civil, a despesa de R$741, 9 mil paga pela ecônoma foi realizada em dezembro de 2008, para atender as necessidades do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão ligado à Presidência, durante a Cúpula da América Latina e do Caribe, na Costa do Sauípe, na Bahia, que teve a participação de 30 delegações estrangeiras. As demais despesas não foram detalhadas.

Até o ano passado, Maria Emília cuidava das despesas da primeira-dama Marisa Letícia. Mas com a revelação dos abusos no uso do cartão corporativo - que resultou na exoneração da ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro - os gastos realizados pela ecônoma ganharam destaque na imprensa e ela foi deslocada para outras funções.

Os registros do Siafi mostram que o ecônomo Clever Pereira Fialho, também lotado na Presidência, pagou com cartão corporativo gastos no valor de R$331,8 mil em 2009. A Casa Civil informou que Clever acompanhou diversas viagens do presidente Lula e o valor de R$331,8 mil se refere a despesas relacionadas com essas viagens presidenciais, em especial o Fórum Social Mundial, realizado em janeiro, em Belém (PA).

Reflexo das viagens em 2008, diz Casa Civil

Segundo a Casa Civil, o aumento das despesas com cartão corporativo em 2009 é reflexo das viagens do presidente Lula realizadas ainda em 2008 e de eventos organizados pela Presidência, que têm a presença de delegações estrangeiras, como, por exemplo, a Cúpula em Sauípe e o Fórum Social em Belém. "Nestes eventos houve a participação de inúmeras delegações estrangeiras que foram atendidas em questões de segurança pelo GSI", explica.

O Tribunal de Contas da União (TCU) é encarregado de fiscalizar os gastos do governo com cartão corporativo e já identificou vários abusos e irregularidades nas despesas com esse sistema de pagamento. Após o escândalo que resultou na saída de Matilde Ribeiro, em 2008, os gastos globais por meio desse instrumento diminuiram e a fiscalização ficou mais rigorosa.

O procurador do Ministério Público junto ao TCU Marinus Eduardo Marsico destaca que o aumento dos gastos com cartões corporativos é preocupante, especialmente neste momento de crise econômica grave. Ele faz um alerta aos gestores desses cartões:

- Qualquer aumento nos gastos de 2009 será acompanhado com lupa pelo Ministério Público - diz o procurador.

DÚVIDAS (poema)

Graziela Melo

Bem longe
Caminham
As certezas

As dúvidas
Pululam
Por perto

No âmago
Das minhas
Fraquezas

Nas horas
Das minhas
Tristezas

Ao olhar
O amanhã
Incerto

A vida
Parece
Distante

No mesmo
E preciso
Instante

Em que
O mundo
Parece
Um deserto!

Rio de Janeiro, domingo, 15/03/09

Cartolas sem coelhos

Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Em evento universitário recente, ouvi um filósofo político falar da intensidade com que o interesse pela ação política motiva o seu trabalho. A declaração vinha a propósito das relações entre a reflexão teórica sobre questões políticas e a bifurcação que contrapõe a prática política, de um lado, e, de outro, as questões metodológicas trazidas pela preocupação de corroboração empírica ou factual das proposições que a reflexão produz. Desse ponto de vista, surge a possibilidade de objetar que o interesse pela ação política, ou o compromisso com ela, pode ligar-se a equívocos variados e relacionar-se de maneira problemática com o diagnóstico da situação em que se trata de agir. E a própria ação, portanto, pode vir a ser equivocada e eventualmente carregada de efeitos nefastos.

Naturalmente, esse é, no fundo, o velho tema que associa a ideia de ideologia com distorção e erro, como se dá há muito na chamada sociologia do conhecimento. Há um uso "nobre" de ideologia, frequente no campo da política, que é contrastante com esse, indicando antes a capacidade de reflexão elaborada e tomada de posição sofisticada a respeito dos assuntos políticos - e pode-se perceber que "ideologia política" envolve, na verdade, os dois elementos, tanto o de construção intelectual mais ou menos complexa quanto o de engajamento, parcialidade e rigidez. De todo modo, o componente de rigidez e erro esteve fortemente vinculado, até há pouco, em particular com certas posições mais aguerridas de esquerda, de orientação socializante ou mesmo revolucionária, enquanto as posições contrárias se pretendiam pragmáticas e realistas - ou pelo menos ter os valores que admitidamente as guiavam fundados na reflexão mais sólida e bem respaldada nos fatos.

Com as proporções da crise de agora, porém, a conexão entre ideias e fatos se tornou objeto de perplexidade geral. Em artigo de dias atrás ("Seeds of its own destruction", FT.com, 8 de março), Martin Wolf dirige-se à ideologia como orientação valorativa geral e não deixa por menos: o colapso da ideologia do livre mercado é equiparado, sem vacilações, ao da do socialismo revolucionário. Mas problemas de conhecimento têm lugar de relevo em sua análise: Wolf não só reconhece ser "impossível saber, nesta encruzilhada, aonde estamos indo", mas também, citando Paul Volcker, aponta a causa crucial da crise no fato de que o novo e sofisticado sistema financeiro, ao contrário do que se presumia (que sua sofisticação mesma transferiria o risco para os mais capazes de administrá-lo), "falhou no teste de mercado", transferindo o risco aos menos capazes de entendê-lo - e dando razão à caracterização de Warren Buffett dos derivativos como "armas financeiras de destruição em massa".

As reavaliações dos economistas se multiplicam e aprofundam. Em sua coluna de 10 de março no Valor, Delfim Netto recorre longamente à crítica dos rumos dominantes da economia como disciplina acadêmica empreendida em trabalho recente por "competentes membros do ´mainstream´", como descreve os autores. Aí se destaca a parcela de responsabilidade da disciplina na produção da crise, a má alocação de recursos de pesquisa e a falha na relação com a sociedade ao não alertar sobre as limitações de modelos cuja proliferação ocorre não obstante ignorarem elementos fundamentais na produção dos resultados dos mercados reais.

Um aspecto saliente quanto aos elementos omitidos se expressa, de maneira às vezes até mesmo desfrutável, na concepção das relações entre economia e psicologia. Ainda há poucos dias, na televisão, dizia um professor de economia que chega um momento em que é preciso dispensar os economistas e chamar os psicólogos - o que implica, naturalmente, que a economia nada tem a ver com a psicologia, e me faz lembrar Ibrahim Eris, na presidência do Banco Central, a declarar a certa altura que a inflação que teimava em subsistir era "gratuita" ou sem causas, pois todos os fatores ("econômicos"?) se achavam sob controle. Seja como for, temos agora a economia comportamental, com sua ênfase nos aspectos "irracionais" das decisões e ações econômicas, e é curioso vê-la utilizada com destaque, ao lado da neurociência e de trabalhos de filosofia da ciência como os de Karl Popper e Thomas Kuhn, num volume dirigido sobretudo a investidores e de autoria de um administrador de fundos de investimento ("Mercados em Colisão", de Mohamed El-Erian, com passagem pela Harvard Management Company e agora na PIMCO). Mas é talvez especialmente revelador, a respeito desse volume, que, tendo sido escrito em fins de 2007 e começos de 2008, e portanto a alguns meses da aceleração calamitosa da crise, posições otimistas e pessimistas (como a de Nouriel Roubini) quanto ao rumo a ser tomado pelos acontecimentos são nele confrontadas de passagem - com a conclusão de que só o tempo dirá qual das perspectivas está certa...

Comecei com um filósofo, termino com outro. É o esloveno Slavoj Zizek, que apareceu há pouco na "Folha de S. Paulo", em entrevista sobre a crise reproduzida do "Financial Times". Zizek, que se declara "um marxista modesto", diz ser preciso compreender plenamente o que está acontecendo antes de podermos agir de modo sensato, e recomenda afastamento e reflexão. O papel dos filósofos seria o de ajudar a lançar luz sobre as perguntas que as sociedades deveriam formular, em lugar de apresentar soluções prontas. "Sinto-me como um mágico que mostra apenas cartolas, nunca coelhos." E o pior é que, por muito que se reflita, diante da confusão destes tempos extraordinários e dos especialistas perplexos, a competência com que se faz necessário contar parece ser de fato a de mágicos capazes de achar coelhos na cartola.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

É a política, estúpido!

Carlos Alberto Sardenberg
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Na primeira eleição de Bill Clinton, em 1994, quando perguntavam ao seu principal assessor, James Carville, qual o mote da campanha, ele repetia: "É a economia, estúpido!".

Os EUA estavam em recessão, com perdas de emprego, era fácil atacar o Bush pai por isso.

Em 2008, Obama também se elegeu principalmente com a economia. Se os eleitores americanos tinham alguma dúvida sobre a necessidade de mudança, a crise econômica acabou com ela.

A diferença é que, na era Clinton, a recessão era muito branda e, para falar a verdade, a recuperação já estava a caminho no momento do voto. Poderosas forças da economia real começavam a agir, como a tecnologia da informação (com seus ganhos de produtividade), a ampliação da globalização (com a entrada dos ex-países socialistas no capitalismo e no comércio mundial), a expansão da China e, claro, o sistema financeiro que espalhava capitais abundantes e baratos pelo mundo todo. Tanto que Clinton pôde forçar as agências hipotecárias a relaxar os critérios de concessão de empréstimo para a compra da casa própria, política que, antes de gerar o crash do subprime turbinado no sistema financeiro, promoveu anos de crescimento da construção civil.

Ou seja, Clinton assumiu no início de um fantástico ciclo de prosperidade.

Obama topa com um problema de dimensões inimagináveis até bem pouco tempo atrás, e com um enorme obstáculo político: ele sabe que a solução passa pelo resgate do sistema financeiro com dinheiro público, mas sabe também que o público americano está farto dessas ajudas aos bancos.

Na mídia e na política, frequentemente a coisa aparece como "dinheiro do contribuinte para salvar banqueiros inescrupulosos e ladrões". E não é mesmo assim? - dizem todos diante da condenação de Madoff.

Aliás, na última sexta-feira, em meio à cobertura desse caso, o New York Times notava que os tabloides americanos, normalmente dedicados à vida das celebridades, estavam ocupando suas páginas com histórias da farra da "América corporativa e financeira".

Tudo isso adiciona obstáculos à política de resgate do sistema financeiro. Torna-se difícil distinguir entre gastar dinheiro público para colocar em funcionamento bancos e sistemas financeiros, dos quais depende toda a atividade econômica, e doar dinheiro do contribuinte que perdeu o emprego para banqueiros bandidos.

O bilionário Warren Buffet, eleitor, amigo e colaborador de Obama, disse em entrevista recente à TV CNBC: "Há mensagens confusas e o público americano não entende... Eles sentem que não sabem o que está acontecendo e sua reação é a de se retrair... (a saída) depende enormemente não apenas da sabedoria das políticas do governo, mas da maneira pela qual são comunicadas adequadamente".

Em São Paulo, na semana passada, um ex-diretor do Fed (o banco central americano), Frederic Mishkin, disse que o governo Obama, por medo da reação popular à ajuda aos bancos, está atrasando movimentos mais firmes. E se arrisca a cair em medidas que simplesmente empurram o problema para a frente (impedem a quebra dos bancos, mas não resolvem a falta de capital). Foi o que o Japão fez nos anos 90. Levou mais de dez anos para resolver a crise bancária, um período todo de recessão.

É como se o Obama soubesse o que tem de fazer, mas não faz por temor da reação popular. Logo, é a política, estúpido - ou é a comunicação, estúpido.

Obama obviamente sabe desse obstáculo. Há poucos dias, apresentou desculpas antecipadas por "ser obrigado" a resgatar os bancos. Disse que era penoso ajudar um setor que ganhara tanto dinheiro e causara tantos problemas, disse que compreendia o mal-estar dos contribuintes, mas o que se vai fazer?

Políticos frequentemente topam com esses dilemas: as políticas cujos resultados positivos aparecem a médio e a longo prazo e cujos efeitos imediatos são ou parecem danosos.

Não precisa ir longe para encontrar exemplos. Eles sobram aqui no Brasil. Hoje, todo mundo diz que o sistema financeiro brasileiro é sólido, bem regulado e capitalizado, por isso suporta a crise. O presidente Lula alardeia isso mundo afora. Mas procurem no Google o que o mesmo Lula dizia do Proer, o programa que, nos anos 90, salvou os bancos e o sistema.

Hoje, todo mundo alardeia as forças modernas da economia brasileira, como telecomunicações e companhias exportadoras (Vale, Embraer, por exemplo). Mas procurem lá atrás o que se dizia da privatização desses setores e empresas.

Aliás, na semana passada, saiu a primeira sentença absolvendo Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações, e outros executivos que haviam comandando a privatização da Telebrás. Diz a sentença que todos agiram em nome do interesse público e acrescenta que nem os denunciantes, os petistas Aloizio Mercadante e Ricardo Berzoini à frente, nem o Ministério Público apresentaram provas.

Na verdade, os denunciantes não estão mais interessados nisso. No governo, estão mais ocupados em gerir o setor e ajudar a montar grandes companhias.

Alguns dirão que a força do sistema financeiro brasileiro está nos bancos públicos que FHC não conseguiu privatizar. Falso. Assim como o Proer arrumou o setor privado, outro programa, o Proes, reformou e capitalizou os bancos públicos (R$ 8 bilhões, dinheiro de 10 anos atrás, só para o Banco do Brasil), deixando-os prontos para a atuação atual.

Mas Gustavo Loyola, que, como presidente do Banco Central, pilotou essas políticas, ainda tem um caminhão de processos a responder.

Sempre se comentou que o governo FHC não conseguiu comunicar suas políticas. Warren Buffet está dizendo coisa semelhante para Obama.

*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

A fase é de crescimento... do desastre!

Marco Antonio Rocha
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não sei dizer de outros comentaristas de economia da imprensa. Mas, "no que me concerne", como exclamava, com peculiar entonação, um famoso ex-presidente brasileiro, a maior surpresa não foi o tombo de 3,6% do PIB, apurado pelo IBGE, no último trimestre do ano passado; nem foi também o grande corte de 1,50 ponto porcentual na taxa Selic, decidido na reunião do Copom - sinal de que alguma dose de pânico açulou os espíritos dos seus membros - embora muita gente esperasse corte maior. Surpresa foi a percepção de que o Copom, com todo o seu aparato técnico e espírito conservador, também surfava na ilusão da "marolinha".

É o que explica a falta de agilidade e sensibilidade do colendo órgão desde agosto-setembro do ano passado.

Tempo perdido não se recupera. As economias brasileira e mundial agora se apresentam como aqueles carros de Fórmula 1 quando o piloto perde a direção - vemos a cena espantosa nas imagens das TVs: começam a dar cambalhotas, piruetas e reviravoltas deixando destroços por onde passam, num desastre que ninguém sabe quando e onde vai parar. E na economia também não há quase nada a fazer enquanto o desastre estiver rolando. Digamos que é um pouco esperar, agora, que o "marolão" se acalme, para ter melhor noção de como agir.

O que o Copom pode fazer é, daqui por diante, tentar contribuir para minorar as dimensões e a intensidade do desastre. Já começou a baixar a Selic, e admite continuar nessa política - um pouco tardia. Mas os juros no Brasil sempre estiveram altos, aliás, altíssimos, desde antes da invenção da Selic. Na média histórica, têm sido dos mais altos do mundo. No período recente - "Selicado", digamos - a taxa básica tem-se mantido alta desde o pico de maio de 2005 (19,75% ao ano), embora numa desescalada consistente. Isso não impediu que, no período, o PIB trimestral aumentasse sempre nem que os últimos três anos exibissem um nível de investimentos privados como poucas vezes se viu em nossa economia.

Portanto, juros altos não inibem investimentos privados, desde que haja mercado em crescimento, poder aquisitivo em alta e boas perspectivas de negócios. Foi esse ambiente positivo que garantiu a maior parte dos investimentos privados no crescimento da produção e do emprego no segundo mandato do presidente Lula, além da fase de muita bonança na economia internacional. Já os investimentos públicos, esses, encorparam bastante a oratória do governo, mas muito pouco o tutano da economia. Então, é preciso pesquisar melhor porque os investimentos privados se retraíram tanto em apenas um semestre, ou trimestre, sabendo, desde já, que a queda dos juros, neste momento, não elevará, de maneira significativa nem a curto prazo, o nível de investimentos: a Selic "não é milagrosa", já disse alguém.

Milagre acontece quando todos os agentes econômicos ou a maior parte deles, pelo menos, se convence de que o mar está pra peixe, o momento é favorável para se ganhar dinheiro e os ventos sopram a favor dos lucros. Quando as expectativas são o inverso disso, não há investimentos, os investidores jogam na retranca e ficam esperando a virada. Não adianta o presidente Lula ficar exortando os empresários a investirem: investimento se faz (1) com crédito; (2) para atender a um mercado crescente; (3) com o objetivo de bom lucro. Simples assim. Com o crédito retraído, no mundo e no Brasil (apesar dos misteriosíssimos anúncios de altos lucros de três grandes bancos americanos, no final de semana, e que ainda precisam ser bem explicadinhos); com o mercado interno encolhendo, por causa do aumento do desemprego, e o externo também, pela mesma causa; e com a perspectiva de lucro cada vez mais duvidosa, só Jesus Cristo teria êxito com discurso pró-investimento. Lula ainda não faz milagres...

Estamos na hora da calmaria dos bons ventos que sopraram durante quase dez anos, depois do final do primeiro mandato de FHC, quando crises na Ásia, na Rússia, no México, e não lembro onde mais, criaram uma turbulência mundial perturbadora e, no Brasil, viraram de pernas para o ar a política monetária e cambial que vinha sendo seguida, criando uma imensa confusão, até para se conseguir nomear um presidente do Banco Central. Alguém se esqueceu?

A entrada da China no mercado mundial, nesse período, comprando mercadorias e importando capitais em quantidades talvez nunca vistas, criou o que se poderia chamar de arrastão do bem para grande número de economias nacionais, no qual a do Brasil também foi colhida, com grande proveito para o emprego, a produção, as exportações, os investimentos e... os impostos.

Aqui, é oportuno lembrar: os governos brasileiros, desde o fim da 2ª Guerra Mundial, nunca aprenderam a usar, em benefício do desenvolvimento sustentado e equilibrado, os frutos de uma boa safra arrecadadora. Refestelam-se nas burras bem abastecidas e entregam-se à volúpia das benesses populistas demagógicas. Lula não fugiu à regra. Em vez de conter o custeio e os gastos do seu governo no nível em que os encontrou, destinando o aumento da arrecadação a um programa de investimentos públicos muito melhor e mais amplo do que os de seus antecessores, deixou que os aumentos do custeio consumissem os da arrecadação, respeitada apenas a parte destinada aos pagamentos dos juros da dívida pública.

O resultado é que agora, quando os investimentos públicos seriam muito mais importantes do que a queda dos juros para dinamizar a economia, os recursos escasseiam e, principalmente, os órgãos do governo encarregados deles tropeçam nas próprias pernas por falta de gente, de projetos, de prática, de normas, enfim, de governança, e o grande instrumento, o PAC, fica patinando na verborreia governamental.

*Marco Antonio Rocha é jornalista.

A queda do PIB

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


O desempenho da produção neste ano vai depender muito da política do governo. Temos sido tímidos em reagir à crise

A PRINCIPAL notícia da semana passada foi a da queda do PIB (Produto Interno Bruto) de 3,6% no último trimestre de 2008 em relação ao trimestre anterior. Os indicadores já disponíveis em relação aos dois primeiros meses de 2009, porém, são ambíguos. As vendas a varejo, por exemplo, apresentaram resultados positivos. Não está ainda definido se já estamos ou não em recessão.

Ninguém pode afirmar que a queda da produção no quarto trimestre era inevitável, mas está claro que poderia ter sido menor se o governo brasileiro, principalmente seu Banco Central, houvesse começado a baixar a taxa de juros antes, e com mais firmeza. Só começou a reduzir a Selic neste ano, mas a boa decisão, que poderia ter sido tomada antes, foi a redução da taxa, na última semana, em 1,5 ponto percentual.

A queda do PIB foi maior do que se esperava, de forma que a reação foi de surpresa e de pessimismo.

Não creio, entretanto, que esse dado altere a avaliação de que a crise econômica global atingirá relativamente menos o Brasil do que a maioria dos demais países. A queda elevada no quarto trimestre ocorreu em relação a um trimestre anterior aquecido, em que a economia cresceu a uma taxa anualizada de 7%. Em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, o quarto trimestre de 2008 apresentou ainda um crescimento de 1,3%. No ano, tivemos um crescimento de 5,1%. Neste ano, o crescimento será muito menor, mas espero que ainda seja positivo.

O desempenho da produção neste ano vai depender muito da política do governo. Até hoje temos sido tímidos em reagir à crise global, mas o único erro grave foi adiar a baixa da taxa de juros. Agora é necessário que o governo aja com maior determinação.

Os jornais noticiam a preocupação do governo com a meta de superávit primário -um problema que, no momento, não faz sentido. O equilíbrio fiscal é sempre um objetivo fundamental, e Keynes nunca propôs déficits públicos crônicos; mas, em momentos de recessão como este, a expansão fiscal torna-se mandatória.

Já mostrei em outros artigos que esta crise representa uma oportunidade para o Brasil, graças, principalmente, ao fato de que ela causou a elevação da taxa de câmbio para um nível mais próximo ao do equilíbrio industrial. Mas, além de representar uma oportunidade para crescimento, a crise representa também uma oportunidade para realizar mudanças institucionais, porque nesses momentos as resistências originadas em ideologias e interesses perdem força. Duas são especialmente necessárias: substituir a meta de superávit primário pela de déficit público e iniciar o processo de desindexação dos contratos firmados pelo governo.

O superávit público é uma meta absurda que serve principalmente para esconder os juros pagos pelo governo. A indexação de contratos com participação do Estado, por sua vez, é um mal. Não há instituição que mais dificulte o controle da inflação do que a indexação. O Brasil foi o país que mais longe foi na indexação, e, em consequência, sofreu 15 anos de alta inflação. No Plano Real, essa indexação foi reduzida, mas não foi eliminada. Cerca de um terço dos preços continuam indexados -e essa é a principal causa da resistência da inflação em cair verticalmente diante da crise.

Luiz Carlos Bresser-Pereira , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

Juros: uma chance que não pode ser perdida

Luiz Carlos M. de Barros
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O Brasil é conhecido como o campeão mundial dos juros altos. Mais do que isto, nosso país parece sofrer uma maldição, pois todas as vezes que os juros são reduzidos ocorre uma crise de graves proporções. Várias teses apareceram para explicar este aleijão. Sistema tributário ineficiente, insegurança jurídica, fragilidade cambial e elevada dívida pública, ou uma combinação de todos, são apresentados como explicação dessa diferenciação com outras economias emergentes.

Tenho uma opinião um pouco diferente. Todos estes fatores, embora verdadeiros e importantes, não tocam na questão central que sempre foi a falta de um processo continuado de investimento e de abertura da economia. A insuficiência de investimentos em uma economia fechada faz com que qualquer choque positivo de demanda se transforme em pressões inflacionárias, obrigando o Banco Central a abortar o processo de crescimento no seu nascedouro. Com isto, a sequência básica de uma economia de mercado - aumento da demanda, aumento dos investimentos, ganho de produtividade - não se realizava plenamente no Brasil desde o início dos anos 80.

Mas hoje temos uma economia diferente da que prevaleceu no passado. O ajuste de nossas contas externas nos últimos anos criou um espaço econômico mais eficiente e equilibrado, reduzindo as pressões inflacionárias de natureza estrutural. Com isto, o clássico círculo vicioso de desvalorização e aumento da dívida pública foi eliminado pelo acúmulo de reservas internacionais em montante muito superior à dívida externa pública. O real é hoje uma moeda mais forte e com uma volatilidade menos deletéria. Para constatar este fato, basta observar que a desvalorização de nossa moeda na presente crise acentuou os fundamentos brasileiros, via ganhos fiscais na dívida pública, permitindo que o Banco Central pudesse reduzir os juros em um contexto de choque externo.

Além disso, o fortalecimento das contas externas reforçou em bases mais sólidas o processo de abertura da economia que já vinha ocorrendo desde os anos 90. O encadeamento das cadeias produtivas locais com a economia mundial e a exposição da economia à competição salutar dos importados aprofundou-se nos últimos anos. As empresas souberam responder ao desafio, conquistaram mercados, ganharam produtividade rapidamente e reduziram gargalos de produção. Mesmo a infraestrutura teve ganhos importantes a partir de investimentos privados.

Com tudo isso, reduziu-se o espaço para que os choques positivos de demanda se transformassem rapidamente em pressões inflacionárias extremas e alargaram-se os horizontes de planejamento empresarial, fator essencial para o investimento.

Em suma, houve importante mudança no funcionamento de nossa economia. Foi um processo complexo e evolutivo, que aconteceu a partir do Plano Real e foi consolidado com a ascensão da China, com a integração em bases sólidas no tecido produtivo internacional. É a partir desta nova - e boa - posição que devemos considerar os desafios que se colocam neste momento para a política monetária.

As pressões inflacionárias que apareceram em 2007 e 2008 eram muito diferentes de episódios anteriores e estavam relacionadas ao crescimento da demanda interna. O elo mais importante neste processo foi sem dúvida o mercado de trabalho bastante apertado, que vinha obrigando o BC a elevar os juros para esfriar a demanda interna e reduzir os focos de inflação. Mas o agravamento da crise mundial, que afetou nossos termos de troca, o crédito e os investimentos, interrompeu esta dinâmica. A rápida redução do grau de utilização dos recursos produtivos, inclusive no mercado de trabalho, que já mostra aumento da taxa de desemprego, trouxe uma mudança de 180% na dinâmica da inflação interna.

O BC reagiu à nova realidade, invertendo rapidamente o sinal da política monetária, com corte relevante de 2,5% acumulado em duas reuniões do Copom. Entretanto, tendo em vista a redução do crédito bancário em função das incertezas criadas pela crise, os efeitos da política monetária demandarão ainda mais tempo que o usual para serem sentidos. Mesmo com juros Selic menores, o custo financeiro para empresas e consumidores aumentou pelo efeito de spreads bancários mais elevados e prazos mais curtos.

Esta rápida virada mostra que o BC sabe diferenciar os elementos conjunturais, que afetam a inflação no curto prazo, dos fatores mais estruturais e duradouros. Em relação aos primeiros, a inexistência de pressão inflacionária significativa a partir da desvalorização do câmbio nos últimos meses já é uma prova inconteste das mudanças que ocorreram. Está claro hoje que o câmbio mais depreciado está sendo compensado por preços menores de produtos importados ou dos que competem com estes no mercado interno. Pela primeira vez em nossa história recente o chamado "pass through" não ocorreu de forma importante. E mesmo que ocorra algum impacto mais diluído nos próximos meses, outros fatores devem se mostrar mais relevantes para a inflação.

No que se refere às forças que atuam sobre a inflação em um prazo mais longo, está claro que os riscos apontam para baixo. O cenário de redução da atividade econômica deve se consolidar nos próximos meses. Não projeto a continuidade do desastre do último trimestre do ano passado - pelo menos se não houver um agravamento da crise externa - e a economia deve voltar a crescer na parte final de 2009. Mas, tendo em vista a manutenção de alta capacidade ociosa por um longo período, a pressão baixista nos preços oriunda de fatores internos provavelmente ainda será acentuada. Outro elemento importante é a redução de pressão sobre os preços administrados, por conta da menor variação do IGP, que cairá de mais de 9% em 2008 para cerca de 3% a 3,5% em 2009.

Estes fatores vão contribuir para uma inflação muito baixa em 2010. Os modelos de previsão que utilizamos na Quest Investimentos apontam para uma inflação em 2010 da ordem de 3,5% ou menos. Conforme este cenário benigno fique mais claro ao longo dos próximos meses, o Banco Central terá espaço para continuar reduzindo a taxa Selic, possivelmente para níveis próximos a 8% ao ano.

Luiz Carlos Mendonça de Barros , engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

A crise do sr. Smith

Amartya Sen
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / + MAIS!

Mais Importante teórico do mercado, economista escocês também defendeu o papel do Estado para proteger os pobres, diz Prêmio Nobel

Exatamente 90 anos atrás, em março de 1919, diante de mais uma crise econômica, Vladimir Lênin discutiu as dificuldades do capitalismo contemporâneo. Mas não quis escrever um epitáfio: "É um erro acreditar que não há saída da atual crise do capitalismo". Essa expectativa de Lênin, ao contrário de outras que ele teve, provou estar correta.

Apesar de os mercados americano e europeu terem enfrentado mais problemas na década de 1920, seguidos da Grande Depressão dos anos 1930, no longo prazo, após o fim da Segunda Guerra [1939-45], a economia de mercado foi excepcionalmente dinâmica e gerou uma expansão sem precedentes da economia global nos últimos 60 anos.

Não mais, pelo menos neste momento. A crise econômica global ganha velocidade em ritmo assustador, e as tentativas dos governos de contê-la tiveram muito pouco sucesso, apesar da aplicação sem precedentes de fundos públicos. A pergunta que surge de maneira mais premente hoje não é tanto sobre o fim do capitalismo, mas sim sobre a natureza do capitalismo e a necessidade de mudança.

O que é preciso?

Nós realmente precisamos de um "novo capitalismo", que carregue de uma maneira significativa a bandeira do capitalismo, em vez de um sistema econômico não-monolítico que utilize uma variedade de instituições escolhidas de forma pragmática e valores que podemos defender racionalmente?

Devemos buscar um novo capitalismo ou um "novo mundo" que não precise assumir uma forma capitalista especializada? Essa não é a única pergunta que enfrentamos hoje, mas eu diria que é a mesma pergunta que o fundador da economia moderna, Adam Smith [1723-1790], realmente fez no século 18, quando apresentou sua análise pioneira do funcionamento da economia de mercado. Smith nunca usou o termo "capitalismo" (pelo menos até onde eu pude verificar), e também seria difícil extrair de suas obras uma teoria sobre a suficiência da economia de mercado ou da necessidade de aceitar a predominância do capital. Ele falou sobre o importante papel de valores mais amplos para escolher comportamentos, assim como sobre a importância das instituições, em "A Riqueza das Nações".

Mas foi em seu primeiro livro, "Teoria dos Sentimentos Morais", publicado há exatamente 250 anos, que ele investigou intensamente o poderoso papel dos valores não ligados ao lucro.

Enquanto afirmou que a "prudência" era "de todas as virtudes a que é mais útil para o indivíduo", Smith argumentou que "humanidade, justiça, generosidade e espírito público são as qualidades mais úteis para os outros".

Fora do mercado

O que é exatamente capitalismo? A definição-padrão parece depender dos mercados para transações econômicas como qualificação necessária para uma economia ser considerada capitalista.

De maneira semelhante, as exigências da intenção de lucro e dos direitos individuais com base na propriedade privada são vistas como características arquetípicas do capitalismo.

No entanto, se esses são requisitos necessários, os sistemas econômicos que temos atualmente, por exemplo, na Europa e na América, são genuinamente capitalistas?

Todos os países afluentes do mundo -os da Europa, assim como EUA, Canadá, Japão, Cingapura, Coreia do Sul, Taiwan, Austrália e outros- dependem há algum tempo de transações que ocorrem basicamente fora dos mercados, como benefícios de desemprego, pensões públicas e outros elementos da seguridade social, além da provisão pública de educação escolar e assistência à saúde.

O digno desempenho dos sistemas supostamente capitalistas em épocas em que houve verdadeiras realizações foi baseado em uma combinação de instituições que ia muito além de uma mera economia de mercado com vistas a maximizar os lucros.

Muitas vezes se esquece que Smith não via o puro mecanismo do mercado como um ator isolado de excelência e tampouco considerava que a intenção de lucro fosse tudo o que era necessário.

Talvez o maior erro esteja em interpretar a discussão limitada de Smith sobre por que as pessoas buscam o comércio como uma análise exaustiva de todas as normas comportamentais e instituições que ele considerava necessárias para uma economia de mercado funcionar bem.

As pessoas buscam o comércio por causa do interesse próprio -nada mais é necessário, como Smith discutiu em uma declaração que é citada repetidamente, explicando por que os padeiros, cervejeiros, açougueiros e consumidores buscam o comércio. Mas uma economia precisa de outros valores e compromissos, como a confiança mútua, para funcionar com eficiência.

Por exemplo, Smith argumentou: "Quando as pessoas de um determinado país têm tal confiança na fortuna, probidade e prudência de um determinado banqueiro, a ponto de acreditar que ele está sempre disposto a pagar sob demanda suas notas promissórias que podem lhe ser apresentadas a qualquer momento, essas notas passam a ter o mesmo valor que o dinheiro de ouro e prata, pela confiança de que esse dinheiro pode a qualquer momento ser havido por elas".

Quebra de confiança

Ele explicou por que esse tipo de confiança nem sempre existe. Apesar de os defensores da leitura padeiro-cervejeiro-açougueiro de Smith consagrada em muitos livros de economia poderem ter dificuldade para compreender a atual crise (as pessoas ainda têm muitos bons motivos para buscar mais comércio, apenas menos oportunidades), as consequências no longo prazo da suspeita e da desconfiança nos outros -que contribuíram para gerar esta crise e tornam tão difícil uma recuperação- não o teriam surpreendido.

De fato, houve muito boas razões para a desconfiança e a quebra de segurança que levaram a esta crise. As obrigações e responsabilidades associadas às transações se tornaram nos últimos anos muito mais difíceis de localizar, graças ao rápido desenvolvimento de mercados secundários envolvendo derivativos e outros instrumentos financeiros.

Isso ocorreu em uma época em que a grande disponibilidade de crédito, conduzida em parte pelos enormes superávits comerciais de algumas economias, sobretudo a China, ampliou a escala de operações ousadas.

Um credor de subprime que levou um mutuário a assumir riscos insensatos podia transmitir os instrumentos financeiros a outras partes distantes da transação original. A necessidade de supervisão e regulamentação tornou-se muito mais forte nos últimos anos.

No entanto, o papel supervisor do governo, em particular nos EUA, foi, no mesmo período, reduzido acentuadamente, alimentado por uma fé crescente na natureza autorregulatória da economia de mercado. Exatamente enquanto crescia a necessidade de vigilância do Estado, diminuía a provisão dessa supervisão necessária.

Essa vulnerabilidade institucional tem implicações não apenas para práticas astutas, mas também para uma tendência à superespeculação, que, como afirmou Smith, costuma acometer muitos seres humanos em sua busca incansável por lucros. Smith chamou esses promotores de riscos excessivos em busca de lucros de "pródigos e projetores".

A fé implícita na sabedoria da economia de mercado autossuficiente, que é amplamente responsável pela remoção dos regulamentos estabelecidos nos EUA, tendeu a reforçar as atividades de pródigos e projetores de uma maneira que teria chocado o expoente pioneiro dos fundamentos da economia de mercado.

Apesar de tudo o que Smith fez para explicar e defender o papel construtivo do mercado, ele se preocupava profundamente com a incidência da pobreza, o analfabetismo e a privação relativa que poderiam permanecer, mesmo em uma economia de mercado em bom funcionamento.

Ele queria diversidade institucional e variedade motivacional, e não mercados monolíticos e a predominância singular da intenção de lucro. Smith foi não apenas um defensor do papel do Estado para fazer as coisas que o mercado poderia deixar de fazer -como a educação universal e a ajuda aos pobres.

Mas também defendeu, em geral, opções institucionais de acordo com os problemas que surgem, em vez de se ancorarem as instituições a uma fórmula fixa -como deixar tudo a cargo do mercado.

Reavaliação

Eu diria que as dificuldades econômicas de hoje não pedem um "novo capitalismo", mas exigem uma compreensão esclarecida de antigas ideias sobre o alcance e os limites da economia de mercado.

O que é necessário, acima de tudo, é uma clara avaliação de como funcionam as diferentes instituições, juntamente com uma compreensão de como diversas organizações -do mercado às instituições do Estado- podem contribuir juntas para produzir um mundo econômico mais decente.

Amartya Sen é professor de economia e filosofia na Universidade Harvard. Recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 1998. A íntegra deste texto foi publicada no "Financial Times". Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .