domingo, 21 de junho de 2009

O PENSAMENTO DO DIA

“Temos o dever de visar à construção de uma ordem internacional marcada por justiça e solidariedade, que conjugue pacífica convivência entre os povos. E de favorecer uma melhor definição das políticas de asilo.”

Giorgio Napolitano, PCI/PD, Presidente da Itália "Mensagem para o dia dos refugiados".
Fonte: L'Unità, 20 jun. 2009.

Esperando Obama

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Nas discussões preparatórias para a reunião de Copenhague, em dezembro, quando serão definidas as novas metas de redução da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera para 2013, em substituição ao Protocolo de Kyoto, a parte dos países desenvolvidos é a que se encontra mais atrasada. Na dos países em desenvolvimento já existe até mesmo um texto base para discussão, embora muito extenso e com diversos pontos incongruentes que terão que ser compatibilizados nas próximas reuniões.

O substituto do Protocolo de Kyoto, que está em vigor até 2012, está muito mal parado, na avaliação do embaixador extraordinário para mudança do clima Sérgio Serra, porque há países como o Japão que estão mesmo é querendo implodir o sistema de Kyoto; e, ao mesmo tempo, todo mundo está esperando para ver o que os Estados Unidos vão fazer.

O relatório da Global Change Research Project (Projeto de pesquisa sobre a mudança global), um consórcio de agências governamentais como a Administração Nacional Oceanográfica e Atmosférica, e da Environmental Protection Agency, (Agência de Proteção Ambiental), que estuda as alterações climáticas provocadas por emissões do dióxido de carbono geradas pelos seres humanos, divulgado nos Estados Unidos com a advertência de que os efeitos já estão sendo sentidos em diversos setores e regiões do país, é considerado um estudo sério.

Pode ter sido divulgado agora, na avaliação de analistas, para apoiar a posição do presidente Barack Obama, que encontra muitas resistências no Congresso para o projeto de lei que vai criar o marco regulatório da política do clima americano.

Ninguém sabe se os Estados Unidos chegarão a um acordo interno antes da reunião de dezembro em Copenhague. As informações são de que a lei passa na Câmara, mas que no Senado a situação é mais difícil.

O embaixador Sérgio Serra diz que a comunidade científica e diplomática que participa das negociações admite que, se houver um impasse, seja adiada um pouco a definição final para depois do recesso do Legislativo nos Estados Unidos, para o ano que vem.

Segundo ele, já está sendo pensado um plano B para a reunião de Copenhague, para que não se perca o impulso, sem, ao mesmo tempo, abrir mão da adesão dos Estados Unidos. "Talvez possamos chegar a parâmetros básicos, mas deixemos os números para serem definidos três meses depois, em uma nova conferência para aprovar as metas", avalia.

As reuniões preliminares continuarão em agosto, também em Bonn, onde se realizou a mais recente, que se encerrou na semana passada. Em começo de outubro haverá outra em Bangcoc e outra mais em novembro, em Barcelona.

Além disso, há a reunião do G8 + 5 na Itália em julho, quando a questão do clima entrará na pauta, embora a prioridade deva ser a crise econômica, e o secretário-geral da ONU está convocando uma reunião de alto nível para setembro, depois da abertura da Assembleia Geral, para tratar especificamente do tema.

Nesses encontros já havidos, há uma crítica latente à falta de ambição dos números que estão no projeto de lei em tramitação no Congresso americano, embora setores importantes do movimento ecológico considerem que as metas propostas são um bom começo, depois de oito anos de paralisação dos Estados Unidos.

O Congresso americano havia aprovado em 2007 uma lei que determinava melhora de 40% nos padrões de consumo de combustível de carros até 2020. Obama antecipou a meta em quatro anos, adotando os mesmos padrões que a Califórnia, estado que era boicotado pelo governo Bush em acordo com as montadoras.

Com essa medida, o consumo de petróleo dos Estados Unidos deverá cair, reduzindo as importações, e serão emitidos menos gases de efeito estufa.

O projeto de lei que tramita no Congresso americano prevê que as emissões de carbono dos Estados Unidos deverão cair cerca de 15% abaixo do nível de 2005, meta semelhante à adotada pela União Europeia.

O problema é que eles tomam por base o ano de 2005, mas, se a base for o ano de 1990, que é o paradigma para os países desenvolvidos, a redução proposta pelos Estados Unidos é muito tímida.

Os europeus estão dizendo que podem chegar a 20% de redução, e ir a 30% até 2020.

Tudo dependendo dos Estados Unidos, que, no entanto, não devem chegar até 30% de redução, o que seria dar um salto muito grande para quem não fez nada até agora por resistência do Congresso, que não ratificou o Tratado de Kyoto.

Mas pode ser que o governo Obama apresente um plano de longo prazo mais ambicioso. Em Bonn, a negociação está correndo em dois trilhos: um refere-se ao protocolo de Kyoto, as metas dos países desenvolvidos a partir de 2013, e o outro ao Plano de Ação de Bali, que trata dos países em desenvolvimento e suas ações de mitigação que vão negociar.

Os Estados Unidos entram nesse grupo porque estão atrasados no processo. No caso deles, há um parágrafo que diz que os compromissos que vierem a adotar devem ser comparáveis às metas dos países desenvolvidos.

O novo estudo do governo sobre aquecimento global - que confirma que a mudança climática causada pelo dióxido de carbono já tem um "impacto visível" nos Estados Unidos, e enumera graves problemas como as secas, o aumento no número de inundações e de pragas como mosquitos como consequências do aquecimento global - pode estimular a que o Congresso americano tenha uma posição mais favorável à política climática do governo Obama.

Tanto vale quanto pesa

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Desde a famosa entrevista do senador Jarbas Vasconcelos à revista Veja, em fevereiro, dizendo que o PMDB "não tem bandeiras" e, em sua maioria, só se interessa por corrupção e fisiologismo, dirigentes do partido passaram a se preocupar com uma possível queda no valor de suas ações no mercado eleitoral.

Até então, o PMDB era visto como o mais cortejado, o mais poderoso, mais espetacular e fundamental aliado das eleições de 2010, disputado por candidatos de governo e de oposição.

Saíra das eleições municipais valorizado por importantes e abundantes vitórias, acabara de eleger os presidentes da Câmara e do Senado, em suma, um troféu intensamente cobiçado.Naquele momento ninguém falava dos seus decantados defeitos, só se celebravam suas qualidades de legenda mais bem organizada e presente em todo o País. Era a glória.

Mas aí veio Jarbas Vasconcelos e lembrou em detalhes explícitos a metodologia pela qual o PMDB galgara degraus em direção ao topo.

Na ocasião, houve mesmo quem interpretasse a manifestação como um ato deliberado do senador, um assumido aliado da candidatura José Serra no PSDB, para afastar o governador de Minas, Aécio Neves, que, segundo a direção do PMDB, naquela altura retomava conversas sobre a possibilidade de se filiar ao partido para se candidatar à Presidência.

Aécio, na época, negou não só a intenção de abandonar a seara tucana, como também a existência de qualquer conversa nesse sentido com o PMDB.

O tempo tanto confirmou a versão de Aécio, quanto corroborou as preocupações dos dirigentes do PMDB.

As desventuras desabaram em série sobre o partido: denúncia de corrupção na Funasa, na voz do ministro da Saúde, repúdio dos funcionários de Furnas às investidas pemedebistas sobre o fundo de pensão da empresa, reclamações do PT contra a ambição do companheiro de aliança e, para completar a fase infernal, a crise no Congresso.

Os escândalos sem fim pegaram o PMDB no comando das duas Casas. Não havia, portanto, como empurrar a conta para o vizinho. Na Câmara, o presidente licenciado do partido, Michel Temer, ficou à frente das cobranças sobre a farra das passagens aéreas. E, no Senado, José Sarney viu seu sonho de coroar a carreira em figurino de majestade virar um pesadelo de infortúnios.

Os concorrentes de 2010 continuam a cobiçar o PMDB. O partido segue sendo um parceiro valioso. A questão que se impõe internamente, no entanto, é a seguinte: até que ponto seu cacife foi desvalorizado?

Há valor na conquista do PMDB. Mas, tirando o tempo de televisão proporcional ao tamanho de suas grandes bancadas no Congresso, o que tem o partido a oferecer?

Será ainda uma boa companhia de palanque ou já terá se tornado um parceiro pesado, dono de má fama difícil de carregar?

Depende do uso pretendido. Para as funções de cozinha, o horário gratuito, vale muito. Mas, para apresentar às visitas (o eleitorado), há fortíssima controvérsia.

Sinuca

A solução para o caso dos atos secretos, reconheça-se, não é fácil. Requer firmeza e certa dose de ousadia.

Pelo seguinte: os atos existem, as assinaturas dos executores estão expostas, mas ainda falta apontar os mandantes. Senadores, obviamente.

Como há parlamentares que realmente os desconheciam, não faz sentido responsabilizar o colegiado que, no entanto, está levando a fama. Isso tende a aumentar a tensão interna e a pressão pela identificação dos culpados.

Tempo que ruge

Depois de decidir à revelia do partido que Dilma Rousseff seria a candidata presidencial do PT, Lula invocou o direito de resolver, em nome do PMDB, que o candidato a vice na chapa, deve ser Michel Temer.

Como já absorveu também a tarefa de escolher os Estados onde o PT terá, ou não, candidato a governador, não seria surpreendente se o presidente pretendesse também interferir nas candidaturas estaduais do PMDB.

Lula centraliza a armação do jogo de 2010, a fim de evitar que os partidos envolvidos percam tempo e energia em processos de discussão e até disputa internas. Teria, com isso, uma vantagem em relação à oposição, cuja decisão - pelo menos em tese - ainda depende da composição de forças no PSDB.

Do ponto de vista estritamente pragmático, o sistema pode ser eficaz. Mas, sob a ótica da autonomia e, portanto, do fortalecimento dos partidos, o modelo autocrático resulta em retrocesso.

De todo modo, Lula luta contra o tempo, pois uma coisa é a docilidade dos partidos aliados agora, a 15 meses da eleição. Em anos anteriores, nessa altura não havia candidatos dados como certos.

Outra situação bem diferente é aquela pauta pela conta de conveniência feita à medida que esse prazo encurta na proporção direta da redução do tempo de permanência no poder do governante em fim de mandato. Daí a pressa.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dosprincipais jornais do Brasil

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Democratizar a democracia

Marco Maciel
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A democracia que temos e a democracia que queremos dependem sobretudo de nós e de nossa participação

POUCO MAIS de dez anos antes de sua morte, o professor Norberto Bobbio enumerava uma longa lista de "promessas não cumpridas" da democracia.

Entre elas, destacava a supremacia dos interesses sobre a representação política, a persistência das oligarquias, a limitação do espaço público da democracia, a existência de poderes invisíveis e a falta de educação política dos cidadãos. Parodiando os principais autores que abordam o problema, poderíamos dizer que, muito provavelmente, as democracias são tão mais democráticas quanto mais intensa é a participação política. Em "Os Fundamentos da Democracia", Hans Kelsen afirma que a característica essencial desse regime é a participação no governo.

Democracia, diz ele, "não é uma fórmula particular de sociedade ou uma concreta forma de vida, mas sim um tipo específico de procedimento ou de técnica, em que a ordem social é criada e aplicada pelos que estão sujeitos a essa mesma ordem, para assegurar a liberdade política, entendida como autodeterminação".

Os conceitos de Kelsen nos levam, necessariamente, à distinção entre democracia representativa e democracia participativa. A teoria da representação é calcada na premissa de que os que tomam as decisões na democracia representativa são os representantes livremente escolhidos pelos eleitores. Mas isso apenas não afiança que essas leis sejam justas e equitativas e expressem o interesse comum. Justiça, equidade e interesse comum são predicados cuja presença se dá na exata proporção em que o processo adotado é o da democracia participativa.

Considerado sob esse aspecto, o fundamento ético da representação política e seu papel insubstituível consiste na necessidade de enfrentar e superar as novas demandas sociais. Em outras palavras, o desafio reside em perseguir sistemas melhores e mais eficientes, capazes de responder de forma eficaz às demandas da sociedade. Quando isso não corre, o resultado é o surgimento de crises que se sucedem sem que, muitas vezes, saibamos qual a sua causa.

E, como dizia Ortega y Gasset na crise dos anos 30 em seu país, quando "não sabemos o que se passa conosco, isso é precisamente o que se passa: não sabemos o que se passa conosco". As relações entre democracia e participação política guardam intensa relação com a distinção formulada por Georges Burdeau entre o que ele chamou de democracia governante e democracia governada. A primeira é a democracia representativa, em que os cidadãos não decidem as questões de seu interesse, mas escolhem os que devem decidir por eles. E a democracia governada é aquela em que a representação política se dobra à vontade popular, tornando-a, como ele definiu, "demo dirigida".

O que faz a diferença entre ambos os conceitos é que, em um, o eleitor escolhe os que decidem e, no outro, o eleitor decide e não escolhe. O que Burdeau chama de democracia governante, os demais especialistas chamam de democracia plebiscitária. Com toda razão, Stuart Mill, na crítica à obra de Tocqueville, argumenta que de nada servem o sufrágio universal e a participação no governo nacional se o indivíduo não foi preparado para essa participação a um nível local, já que é nesse nível que se aprende a governar.

Em outras palavras, para que os indivíduos em um grande Estado sejam capazes de participar efetivamente do governo da "grande sociedade", as qualificações necessárias subjacentes a essa participação devem ser fomentadas e desenvolvidas no plano local.

Essa advertência serve em especial para um país como o Brasil, em que as sucessivas experiências de reformas políticas jamais se consumam, por não serem as inovações testadas nos municípios e só depois estendidas às demais esferas do poder.

Só a democracia garante a liberdade, busca a igualdade e tem como pressuposto a ética como princípio, as eleições como meio e o aperfeiçoamento da sociedade como fim. A democracia que temos e a democracia que queremos dependem sobretudo de nós e de nossa participação. Como participar é outra lição que espero seja útil a todos nós. Só se aprende a participar participando.

É isso que defendo, porque essa é a minha mais profunda convicção.

Marco Maciel, 68, é senador pelo DEM-PE e membro da Academia Brasileira de Letras. Foi vice-presidente da República (1995-1998 e 1999-2002), ministro da Educação (governo Sarney) e governador de Pernambuco (1978-1985).

Lula Colunista

EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Lula é um reconhecido "fenômeno de comunicação" graças à sua capacidade de falar ao povo numa linguagem que o povo entende - o que sua popularidade recorde comprova. Desde que o líder metalúrgico do ABC começou a aparecer nos veículos de comunicação de massa - a partir de sua famosa entrevista no programa Vox Populi da TV Cultura -, tornou-se ele um fenômeno de mídia, ocupando mais espaço na imprensa do que qualquer outra personalidade de nossa história política contemporânea, batendo outros fortes concorrentes midiáticos, como Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek - e é claro que aqui não se consideram a forma e a substância do discurso de nenhum deles.

Isso não bastasse, o investimento em publicidade do governo Lula tem crescido de forma espantosa. Estes são dados divulgados pelo ministro da Comunicação Social, Franklin Martins. Até 2003 as verbas de publicidade do governo federal estavam concentradas em 499 veículos de comunicação - jornais e rádios - de 182 municípios. Em 2008, essas verbas foram distribuídas para nada menos do que 5.297 órgãos de comunicação, em 1.149 municípios - um aumento, portanto, da ordem de 961%! Como tudo isso - e os mais de 80% de popularidade - ainda parece insuficiente ao Planalto, o presidente Lula estreará, no dia 7 de julho, sua coluna semanal das terças-feiras, com o título O Presidente Responde.

Segundo anuncia a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), a coluna terá o formato de perguntas e respostas. Os jornais que se cadastrarem no Planalto, tendo ou não interesse em publicar a coluna presidencial, podem enviar perguntas de leitores (devidamente identificados), três das quais serão semanalmente selecionadas para serem respondidas pelo presidente. Segundo o Planalto, as perguntas "devem tratar de temas relacionados às políticas públicas e de relevância e interesse jornalísticos", uma vez que a coluna presidencial será "um instrumento de prestação de contas à sociedade das ações do governo federal".

É evidente que o presidente não terá condições de redigir de próprio punho sua coluna jornalística. Como também não é dado ao hábito da leitura - e já confessou que os jornais lhe causam indisposição gástrica -, o problema é saber o tipo de controle efetivo que terá sobre o que escreverão em "sua" coluna, por mais competentes que sejam os especialistas que o façam. Se já há tanta divergência entre seus Ministérios - e a disputa que opôs o ministro do Meio Ambiente aos ministros da Agricultura e dos Transportes foi apenas a briga ministerial mais recente -, será que isso não se refletirá na coluna das terças-feiras?

Mas essa será uma preocupação secundária, pois certamente a coluna do presidente tratará de questões mais transcendentes, como a do País que ele prepara para os brasileiros, depois das eleições de 2010. Afinal, se fosse para ser um instrumento de "prestação de contas", essa coluna seria - no mínimo - bastante limitada. As respostas a apenas três perguntas - escolhidas por região e pelo que o Planalto julgue ser mais "jornalístico" - estarão bem longe de satisfazer a necessidade de informação da sociedade em relação a políticas públicas governamentais.

Anuncia-se também que, além da coluna jornalística, o governo prepara um blog especial só para o Planalto se comunicar de maneira mais coloquial com os eleitores - repetindo, no Brasil, o padrão de comunicação inaugurado pelo então candidato a presidente dos EUA, Barack Obama.

Considere-se, porém, que o presidente Lula já desenvolve uma estratégia de comunicação que o mantém de maneira permanente no noticiário da mídia eletrônica. De 1º de janeiro até 16 de junho, o presidente fez 113 discursos, cada um com duração média de 45 minutos. Assim, discursou ao todo por 84 horas e 45 minutos. É como se passasse três dias e meio fazendo um discurso ininterruptamente!

Tamanho esforço de "comunicação com a sociedade" nada tem a ver com a devida transparência e publicidade que devem ter os atos da administração pública. É, sim, o coroamento de uma incessante campanha de proselitismo político-partidário. Não bastou o presidente Lula, desde o primeiro dia de seu primeiro mandato, manter-se cotidianamente em campanha eleitoral. Agora, aperfeiçoa-se uma máquina estatal de propaganda, obviamente com os olhos nas eleições de 2010.

Ode ao homem comum

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
O gatilho mais rápido do hemisfério sul: dos inúmeros atributos do presidente Lula começa a evidenciar-se uma temerária capacidade de atirar antes de perguntar “quem vem lá?”. O ajuizado político, o “cara” que possui o senso da oportunidade e da prudência, de repente deixou-se dominar pelo instinto de defesa, assustado com a própria sombra.

A intempestiva intromissão nos assuntos internos do Irã proclamando a correção do pleito que deu a vitória a Mahmud Ahmadinejad colocou o Brasil na contramão do movimento reformista que tomou conta das ruas de Teerã. Lula entregou a imagem de progressista que construiu com tanta habilidade e, em troca, ganhou a faixa de repressor e antilibertário.

Foi ultrapassado pelo próprio núcleo conservador do Irã que decidiu rever os resultados do pleito, sobretudo a extraordinária velocidade com que foi apurado. Mirou naqueles que contestam a surpreendente maioria obtida por Ahmadinejad imaginando que assim desestimularia aqueles que no Brasil poderão animar-se a reclamar contra o uso da máquina estatal em benefício da sua candidata. Errou: o bom atirador não revela os próximos passos e, principalmente, os seus receios.

Não contente com a estrepolia internacional saiu em socorro do aliado José Sarney atirando em todas as direções, inclusive com peças grosso calibre. Para salvar o presidente do Senado da desmoralização integral conviria algo mais sofisticado do que a destemperada diatribe contra o denuncismo da imprensa. Conseguiu o milagre de incomodar a própria bancada do seu partido que defende uma ação mais efetiva e rigorosa no saneamento da Câmara Alta.

Ao proclamar que um ex-presidente da República não é uma pessoa comum, por isso merece tratamento especial Lula obriga-se a estender a mesma deferência a todos os antecessores. E não apenas isso: declara-se fervoroso adepto da tradição elitista brasileira que confere aos coronéis e aos poderosos privilégios que os verdadeiramente comuns jamais sonhariam.

O popularíssimo Lula, protagonista do sonho brasileiro, protótipo do homem comum que alçou-se às mais altas esferas coloca-se frontalmente contra a isonomia, contra a igualdade de direitos e deveres, contra os princípios da igualdade e a democracia.

José Sarney pode subverter a ordem, a moral, pode implantar a clandestinidade e o secretismo no poder da República mais comprometido com a transparência. O generoso atestado de idoneidade que lhe foi conferido poderá dar alguma sobrevida ao vice-rei do Brasil com a vantagem de, eventualmente, no futuro, ser usado em benefício próprio.

Armado com uma metralhadora portátil o presidente Lula esquece a sua função de árbitro, abdica da função moderadora, prefere ser o agente provocador. Não se poupa, convidado ou não se mete em todas as rixas, esquecido do imponderável processo de desgaste e da inevitável fadiga dos materiais.

Vai entrar para a história o patético discurso de Sarney nesta terça-feira no plenário do Senado que preside. A peça representa o momento culminante do cinismo, paroxismo da hipocrisia nacional. Nunca neste País viu-se tanto despudor, tamanho descaramento.

Lá no Cazaquistão, quase antípoda, envergando um deslumbrante traje azul bordado com ouro típico dos cazaques, o presidente Lula entendeu-o de forma equivocada. Até então aquele tiroteio no Senado – iniciado em fevereiro por Tião Viana, companheiro de partido – não atingia o presidente, apenas o preocupava. Para o homem comum, esse que silenciosamente constrói nações e potências, Lula esqueceu-o. Agora é fiador de uma prevaricação que se torna visível mesmo dos remotos grotões do País.

» Alberto Dines é jornalista

Mordomo de Roseana ganha R$12 mil do Senado

DEU EM O GLOBO
Governadora admite que técnico legislativo, pago com dinheiro público, faz serviços domésticos em sua casa
BRASÍLIA. Amaury de Jesus Machado, de 51 anos, conhecido como "Secreta", é funcionário do Senado e ganha cerca de R$12 mil mensais, entre salários e gratificações. Mas não trabalha no Senado. Amaury é o mordomo da casa de Roseana Sarney, ex-senadora e atual governadora do Maranhão, filha do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

De acordo com reportagem publicada ontem no jornal "O Estado de S. Paulo", "Secreta" dá expediente a sete quilômetros do Senado, na residência que Roseana mantém no Lago Sul de Brasília. É uma espécie de faz-tudo, que cuida dos serviços de copa e cozinha, dá orientações aos outros funcionários e organiza as recepções oferecidas por Roseana em Brasília. Tudo pago com dinheiro público.

"Ele vai à minha casa duas ou três vezes por semana"

Oficialmente, "Secreta" ocupa o cargo de técnico legislativo do Senado, com função comissionada. Entrevistada por telefone pelo "Estado", Roseana deu a seguinte descrição para as funções de seu mordomo: "Ele é meu afilhado. Fui eu quem o trouxe do Maranhão. Ele vai à casa quando preciso, umas duas ou três vezes por semana. É motorista noturno e é do Senado. E lá até ganha bem."

É só mais um caso de uso de dinheiro público para custear despesas privadas da família Sarney.

O presidente do Senado tem nove parentes supostamente trabalhando na Casa. "Secreta" era lotado no gabinete de Roseana desde que ela tomou posse como senadora, em 2003. Como Roseana deixou o Senado em abril deste ano para assumir o governo do Maranhão, muitos dos nomeados para assessorá-la foram mantidos como assessores do senador Mauro Fecury (PMDB-MA), que assumiu a vaga dela no Senado.

O mordomo nem sempre trabalha em Brasília. Na sexta-feira, o empregado que atendeu na casa da governadora, em Brasília, informou que "Secreta" estava há dez dias em São Paulo, acompanhando Roseana, que se recupera de uma cirurgia para a retirada de um aneurisma. Outros funcionários da casa confirmaram as funções privadas do servidor público do Senado.

Em abril, Roseana assumiu o governo do Maranhão no lugar de Jackson Lago (PDT), cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "Secreta" é tão ligado a ela que chegou a ter filiação partidária. Assinou a ficha do PFL quando a governadora ainda estava no partido. Hoje, Roseana é filiada ao PMDB, assim como o pai.

Mordomo também trabalhou no Palácio do Alvorada

O mordomo também já foi funcionário do governo federal: trabalhou no Palácio do Alvorada na década de 1980, quando Sarney era presidente da República. Nos anos 90, com o fim do mandato de Sarney, "Secreta" passou para o Senado e foi inicialmente lotado no departamento de segurança e transportes. Oficialmente, ele exercia a função de motorista do Senado, embora os antigos colegas não tenham se lembrado de vê-lo dirigindo os carros da Casa.

A lotação mais recente é de fevereiro de 2003. Logo após tomar posse como senadora, em 2003, Roseana levou "Secreta" para seu gabinete. O ato foi assinado por Agaciel Maia, na época diretor-geral da Casa, em 21 de fevereiro. O mordomo ganha como técnico legislativo e pela função comissionada.

Assessora de senadora do PT mora há 2 anos nos EUA

DEU EM O GLOBO

Magno Malta usou ato secreto para pôr espião no Conselho de Ética
SOLANGE: temporadas no Brasil

BRASÍLIA. A servidora do Senado Solange Amorelli, lotada no gabinete de Serys Slhessarenko (PT-MT), mora há dois anos nos Estados Unidos, na cidade de Bethesda, perto de Washington.

Assim como "Secreta", recebe um salário de R$12 mil no Senado, além de horas extras. Ontem, depois que a notícia foi divulgada no blog de Ricardo Noblat, no site do GLOBO, Serys informou que Solange será dispensada e posta à disposição do Departamento de Recursos Humanos do Senado.

Em nota, Serys confirmou que a servidora está lotada em seu gabinete, mas alegou que ela se encontrava de licença funcional. Noblat apurou, no entanto, que a licença funcional de Solange expirou há mais de um mês. Solange é casada com um diretor do Banco Mundial e ingressou nos quadros do Senado há mais de 20 anos, em 1988. Nos EUA, ela acompanha senadores que visitam Washington, atendendo a pedido da senadora. O procurador da República Marinus Marsico também investigará o caso.

Solange visita o Brasil a cada quatro meses, e se hospeda em Brasília. Entre suas atividades em Bethesda está a participação em eventos realizados por uma entidade que presta assistência a latinos. A servidora também se dedica à entidade The Maryland Federation of Women"s Clubs.

Serys alegou, antes de divulgar a nota, que Solange está sempre no Brasil, prestando serviços, mas sem especificar que tipo de trabalho exerce nestas temporadas. A senadora disse que Solange chega ao Brasil amanhã e entrará com pedido de férias no Senado. "Informo, ainda, que colocarei a referida servidora à disposição do departamento de Recursos Humanos do Senado nessa segunda-feira, órgão que deferiu a licença e a quem cabe avaliar a regularidade do fato", diz a nota.

Segundo a Agência Estado, o senador Magno Malta (PR-ES) usou um ato secreto para plantar um espião no Conselho de Ética da Casa, enquanto estava em análise o processo de cassação de seu mandato. Malta acabou absolvido. O pastor evangélico Nilis Castberg, segundo suplente de Malta, foi nomeado em 23 de novembro de 2005 como assistente parlamentar do Conselho de Ética, com salário de R$2,3 mil, e admitiu que tinha a função de olheiro de Malta.

A forma particular de existir do Senado

Renato Lessa*
DEU EM O ESTADO DE S.PAULO / ALIÁS

O problema não é a instituição em si, mas o padrão da política brasileira, que deixa a Casa na mão de quem representa o que há de mais atrasado

Não é de espantar o fato de que, a esta altura, estejam a perguntar por toda parte: o Senado, para que serve? Uns o fazem por legítima e humana vulnerabilidade à dúvida e à incerteza. Alguns a isso acrescentam uma espécie de inadaptação a um desenho de mundo no qual um dos mais promissores gigantes do planeta Bric tem como operadores políticos no mínimo relevantes gente como Renan Calheiros e Romero Jucá. Há ainda os que fazem da pergunta o invólucro da resposta: para eles, a indagação serve tão somente de gatilho retórico para a defesa do fim do Senado e pela adoção do unicameralismo (será que não ocorre a essa gente que é melhor ter duas casas legislativas ruins do que apenas uma péssima? Quem nos garante que, eliminada uma das casas, restará a melhor?).

Há, ainda, conservadores e estetas institucionais, adeptos da intocabilidade e da sacralidade das instituições. Hão de ter ficado, eles sim, tocados com os apelos solenes do presidente do Senado à excelência institucional da Câmara baixa, digo alta, rivalizada em grandeza apenas pela honra pessoal autoatribuída de seu chefe. Imagino-os a ouvir com satisfação as promessas de aperfeiçoamento institucional - que é tudo que devemos almejar, certo? - ditadas pelo presidente da Casa. Daqui para a frente, tudo vai ser diferente. É mesmo graças ao atraso que todos avançamos.

A resposta à primeira questão pode ser tratada de modo pouco dramático. O Senado está inscrito na estrutura da federação, e esta, por sua vez, consta da Carta de 1988 como cláusula pétrea. O desenho constitucional da República brasileira a define como democrática e federativa.

Quer isso dizer que encerra em seu ordenamento um duplo princípio de representação: de um lado, a representação popular, materializada na Câmara dos Deputados, de outro, a representação federativa, concretizada no Senado.

A primeira busca certa proporcionalidade no que diz respeito à relação matemática entre número de eleitores e quantidade de representantes eleitos. O fato de a razão eleitor-representante ser distinta em cada Estado deve-se à definição de um piso e de um teto legais para cada um deles.

Nenhum Estado terá menos do que oito deputados federais ou mais do que 70. Na verdade, opera aqui um critério federativo que incide sobre a matemática pura da proporcionalidade. Os eleitores de Estados pequenos, ou de baixa densidade demográfica, possuem a garantia de uma representação mínima, capaz de sustentar alguma competitividade (imaginem o Acre reduzido a apenas um deputado federal, como querem alguns geometras: a redução na competitividade e na diversidade política seria brutal). Os eleitores de Estados mais populosos - São Paulo, por exemplo - são limitados por um teto, para impedir que a unidade federativa na qual estão inscritos tenha poder excessivo diante das demais.

Há, por certo, outro complicador que faz com que a Câmara, por princípio não federal, acabe por se federalizar: a coincidência territorial entre Estados e distritos eleitorais, o que faz com que se perca a noção de que são os cidadãos os representados, e não os Estados. Há mesmo um ato falho corrente na linguagem dos analistas, a de designar a Câmara como Federal, o que é simplesmente um equívoco. A solução para o sarilho seria uma redistritalização radical do País, com base em critérios mais aproximados ao de um ideal de proporcionalidade, pela qual os distritos não mais se confundiriam com unidades político-administrativas. Mas imaginem a viabilidade disso.

O Senado nesse arranjo é a casa constituída por um princípio completo de federalização. Embora assimétricas e desiguais do ponto de vista de suas "sociedades reais", as unidades da federação são equivalentes no que toca a sua representação nacional. Se queremos uma federação democrática não há como evitar a representação senatorial.

O problema não é o Senado, mas sim o que nele se faz. A crise não está associada a sua existência, mas a uma forma particular de existência, cuja inteligibilidade exige a consideração do longo prazo, pois escapa à perspectiva de tempo curto. Em outros termos, a chamada crise do Senado é indissociável do padrão geral da política brasileira. José Sarney, a esse respeito, mais do que um analista da crise, pode ser tomado como um de seus sintomas. Mas, antes de tratar de seu contributo analítico e existencial para a crise, importa considerar alguns pontos.

A legião de falcatruas e bizarrias dispostas na história recente do Senado pode em chave ingênua ser percebida como um conjunto de problemas práticos que podem ser tratados por medidas de aperfeiçoamento. Tal como em um maquinismo sem espírito, substituem-se as peças e as coisas seguem adiante. No entanto, há que as considerar como possibilidades de um padrão de política, que faz do Senado uma casa cujos principais operadores representam o que há de mais atrasado e deletério no País.

Há, com efeito, um escandaloso descompasso entre a imagem de país presente nas avaliações do governo federal a respeito de seus feitos - reconhecidos até mesmo por opositores e com imensa aprovação popular -, que inscrevem o País em dinâmicas internas e internacionais promissoras e a qualidade de seu modo de operar legislativo. Ao mesmo tempo que frequentamos o mundo Bric e planetas ainda mais glamourosos, testemunhamos a ação de operadores políticos senatoriais assentados sobre os piores índices sociais da nação. Vejamos. O Estado de Alagoas ocupa a pior colocação em várias classificações do IDH para o conjunto dos Estados: 27º colocado no que diz respeito a longevidade, educação, analfabetismo, mortalidade infantil (5%). Cede o último posto ao Maranhão no quesito renda. Nos demais quesitos, o Maranhão é o vice-campeão nesse triste e invertido torneio.

O mínimo que se dirá é que, do ponto de vista da vida comum, ou da sociedade real, o Senado parece não ter qualquer serventia para alagoanos e maranhenses. De qualquer forma, Renan Calheiros e José Sarney custam ao País cerca de R$ 34 milhões por ano, cada um. Que mantenham com seus eleitores uma relação típica da dos oligarcas, parece ser da vida, mas que isso tenha impacto político sobre a condução da política geral do País, tal coisa parece ser injustificável.

A questão, pois, parece ser esta: que lógica demencial expõe o País ao controle de próceres de Estados com indicadores sociais, culturais e econômicos inaceitáveis para uma sociedade que se quer democrática? Que exemplo impõem ao País senão o de uma ética hierárquica, fundada em práticas secretas e na convicção de que não podem ser confundidos como pessoas comuns, com "qualquer um"?

A avaliação da crise, por parte do senador Sarney, deve ser também considerada. Pelo seu diagnóstico, a crise do Senado inscreve-se em uma dupla e contraditória lógica.

Por um lado, trata-se de uma crise cósmica, compartilhada pelas demais democracias representativas. Para sustentar o ponto, toma como evidências escândalos parlamentares no Reino Unido e na França, esquecido do fato de que escândalos parlamentares não são necessariamente sinônimos de crises do Parlamento.

Por outro lado, trata-se de crise fabricada pelos que querem "enfraquecer as instituições legislativas". Os interessados nessa obra de lesa-instituições compõem uma listagem heteróclita e de baixa inteligibilidade agregada: "grupos econômicos, alguns setores radicais da mídia e radicais corporativistas que passam a exercer, pressionar e ocupar o lugar das instituições legislativas".

Para além das lógicas díspares, o senador sabe que ele não atende pelo nome de crise. O que o imuniza é a afirmação da incolumidade de sua honra, um tropo retórico típico de sociedades de não-iguais e carentes de esfera pública. Nelas, a república não está entre nós, mas cada um de nós é, como dizia Padre Vieira, uma república autárquica, dirigida pela crença na honra pessoal. Se ela não está no meio de nós, cada um condensa em si, como quer, as virtudes republicanas. Não há que provar ou demonstrar os juízos que fazem de si seres dessa natureza.

A perspectiva do longo prazo cairia bem em uma tentativa de elucidação do quadro. Para tal, a autoinocência de José Sarney talvez saia arranhada. Não tanto pelo envolvimento com as falcatruas e bizarrias correntes, mas pelo fato de que, como presidente da República, foi co-autor de um experimento de associação entre o Executivo e o Legislativo no qual entre as vítimas deve ser arrolado o instituto da representação política. Um padrão predatório de política foi implantado, segundo o qual os dois poderes aproximam-se para benefícios mútuos - para um, base parlamentar para alterações na ordem legal, para outro, usufruto de benesses e do botim público. É tão simples quanto isso. Um partido - o de Renan, Sarney e Jucá - simboliza à perfeição essa lógica: o PMDB.

A interpretação de José Sarney não elucida a crise. Ela é, antes, um de seus sintomas. Ademais, a crise não é do Senado, mas do padrão que depende da sobrevida política dos operadores aqui mencionados.

*Professor-titular de filosofia política do Instituto Universitário de Pesquisas do RJ (Universidade Candido Mendes) e da Universidade Federal Fluminense e presidente do Instituto Ciência Hoje

Poema 15 - Victor Jará

Cantor chileno morto pela ditadura
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Controle de capitais

Celso Ming
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Sempre que o dólar desliza no câmbio interno aparecem empresários e economistas pregando a adoção de restrições à entrada de capitais.

O diagnóstico é o de que esses capitais vêm só especular, derrubam as cotações do dólar no câmbio interno e tiram competitividade do produto brasileiro. Por um simples efeito da lei da oferta e da procura, mais moeda estrangeira estimula o produto importado e prejudica as exportações.

Há vários instrumentos que podem desestimular a entrada de moeda estrangeira. Pode-se, por exemplo, impor uma quarentena, ou seja, deixar os recursos parados sem render nada em um banco ou no Banco Central. Pode-se cobrar pedágio (imposto) que reduzirá a rentabilidade nas aplicações feitas por esse capital. Pode-se, ainda, exigir que só sejam investidos nas modalidades previstas pela política de governo.

Em geral, essas restrições não funcionam, ou porque são inócuas ou porque têm efeitos colaterais mais prejudiciais do que o que se pretende evitar. São inócuas porque a globalização inventou e vai inventar mil atalhos que permitem o drible dos capitais a essa marcação.

Mas vamos falar dos efeitos colaterais indesejados. Não dá, por exemplo, para taxar a entrada de capitais de longo prazo, porque são investimentos. O Brasil é uma economia de baixo índice de poupança (cerca de 18% do PIB) e precisa de muito investimento estrangeiro. Tem vários projetos para tocar, tem o pré-sal a explorar, uma enorme infraestrutura a desenvolver e muito emprego para criar. Não pode inibir a entrada de capitais de longo prazo.

Também não se pode prejudicar a entrada de recursos no mercado de ações, porque as empresas brasileiras precisam reforçar seu capital e isso só se consegue com desenvolvimento do mercado secundário de ações (Bolsa), que abre o caminho para novas subscrições aqui e no exterior. Restringir as aplicações na Bolsa seria condenar a empresa brasileira ao nanismo.

O ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira, por exemplo, é um dos que defendem a taxação da entrada de capitais porque entende que o Brasil sofre de doença holandesa. O problema é que, se o mal é a doença holandesa, não pode ter como remédio a taxação de capitais. Doença holandesa é o forte crescimento das exportações de produtos primários (commodities) num volume tal que provoca grandes superávits comerciais, e essa entrada de dólares derrubaria o câmbio, que, por sua vez, tiraria competitividade do produto industrializado. Se fosse para combater a doença holandesa, seria preciso restringir exportações, e não a entrada de capitais.

Mas, em geral, quem quer barrar a entrada de capitais está pensando no afluxo de recursos de curto prazo que vêm para cá, dão uma beliscada e logo vão embora. Restringir esses capitais parece bobagem porque, se são de curto prazo, permanecem pouco tempo por aqui. Na entrada, podem derrubar o dólar no câmbio interno, mas, se forem logo embora, contribuirão, também no curto prazo, para a reversão da excessiva valorização do real.

Por isso, é preciso desconfiar sempre dessas providências artificiais, que não resolvem nada.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, garante que o governo não estuda medidas desse tipo, seja porque podem prejudicar os investimentos para o crescimento econômico, seja porque não há entrada significativa de capitais de curto prazo.

ConfiraUm ano - O estouro da bolha financeira que iniciou a crise global completa um ano. É cedo para conclusões. O que se pode dizer é que nunca o contra-ataque a crises teve tantos recursos e participação do Estado.

As crises anteriores, principalmente a Grande Depressão dos anos 30, foram consideradas devastadoras porque não houve pronta ação dos Tesouros e dos bancos centrais.

Mas não está nem um pouco claro se a pronta intervenção do Estado e a nunca vista injeção terão só consequências positivas. O medo que prevalece é o de que provocarão inflação e destruição de patrimônio.

O desgoverno do mundo

Rubens Ricupero
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Os Brics são unânimes em querer mais poder no FMI, mas não são harmoniosos na questão agrícola na OMC

"COMO EXPLICAR a desordem do mundo?", a frase de Gustavo Corção foi um dos temas que o embaixador João Guimarães Rosa nos propôs no exame de ingresso ao Itamaraty meio século atrás, em 1958. A desordem, a ausência de autoridade central, aprendi mais tarde, caracterizava o sistema internacional, o que um clássico da disciplina, Hedley Bull, intitulou "A Sociedade Anárquica".

Por um par de anos após o fim da URSS criou-se a falsa impressão de que algum tipo de "ordem" podia ser imposta pelo poder unilateral dos Estados Unidos. Contudo, a somatória do desastre do Iraque, do colapso da ordem econômica e do fracasso em liquidar o terrorismo marcou os limites do poder norte-americano.

Obama herdou poder debilitado por muitos golpes simultâneos. O ponto de partida de sua estratégia é uma posição de fraqueza, talvez temporária: a necessidade de reconstruir o poder e a vontade.

Enquanto a tarefa não se conclui, a última coisa que deseja é envolver-se em nível mais grave de conflito com a Coreia do Norte e o Irã. Ou tomar iniciativa internacional que exija engajar as reservas de poder que lhe restam. Não é apenas por livre opção e convicção idealista que o novo governo se mostra amistoso, conciliador, multilateralista, modesto em deixar a outros o centro do palco. É também porque precisa "fazer da necessidade uma virtude". Esse semivácuo de poder favorece a ressurreição de agrupamentos desejosos de ocupar espaço: G7, G8, G20, Brics etc.

O que todos eles pretendem é contribuir para o que se chama de "governança" do mundo. Não é que o mundo careça de governo ou leis, embora imperfeitas e incipientes. O que seriam o sistema das Nações Unidas, com a ONU propriamente dita, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio (OMC), os organismos especializados, suas constituições, convenções, tratados?

A questão é que essas organizações são vistas como ingovernáveis, incapazes de tomar decisões efetivas pelo tamanho (a Assembleia Geral da ONU tem 193 membros) ou pelo caráter não representativo de órgãos como o Conselho de Segurança.

Tenta-se assim escapar para grupos menores, supostamente coesos, onde se definiriam consensos a serem convertidos em decisões nas instituições competentes. É como se, diante da disfuncionalidade do nosso Congresso, decidíssemos partir para grupos pequenos de governadores ou partidos poderosos, a fim de resolver impasses na reforma tributária ou previdenciária. Estou vendo daqui o sorriso de ceticismo de nossos leitores. O que ele me diz é que o problema maior não está tanto nos defeitos de desenho e funcionamento do Congresso, apesar de numerosos, mas nas divergências profundas sobre a própria substância das matérias.

O mesmo ocorre na vida internacional. É isso que explica porque viram letra morta os compromissos do G-20 para concluir a Rodada Doha de comércio ou evitar o protecionismo. Ou porque o G7 se desmoralizou após décadas de fiasco em coordenar os mais ricos acerca de medidas para evitar crises econômicas, ajudar a África ou concordar sobre a invasão do Iraque.

Não se pense que será diferente com os Brics, unânimes em querer mais poder no FMI, mas não tão harmoniosos em agricultura na OMC, no ingresso da Índia e do Brasil no Conselho de Segurança ou em utilizar o foro para abrir o mercado russo à carne suína do Brasil.

Rubens Ricupero, 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

O BNDES é amigo da motosserra?

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Luciano Coutinho critica ação de procuradores contra vacaria que pasta na ruína amazônica, mas problema é mato por lá

LUCIANO Coutinho, presidente do BNDES, pode passar por aliado da motosserra e da vacaria que pasta nas ruínas da Amazônia. "Lamentavelmente, o Ministério Público iniciou ação que não tem fundamento", disse. Tratava de procuradores federais do Pará que acusam fazendas, frigoríficos e outras empresas de criar bois e vender carne e derivados em área de desmatamento ilegal, entre outro pepinos. Ação similar será movida por procuradores de Mato Grosso, em breve.

Os procuradores ameaçaram multar e processar os revendedores do que dizem ser subprodutos do desmatamento, acusação partilhada pelo Ibama. Assim, Pão de Açúcar, Wal-Mart e Carrefour, entre outros, interromperam a compra de produtos das empresas acusadas.

Se Coutinho sabe dos erros dos procuradores, deveria torná-los públicos. De outro modo, faz algo pior do que propaganda de parte interessada. Tão interessado na criação de grandes conglomerados multinacionais brazukas, deveria ter noção do perigo. Coutinho parece patrocinar o desmatamento ilegal a fim de que frigoríficos associados ao governo (BNDES) ou por ele subsidiados ganhem fatias do mercado mundial de carne, em que empresas brasileiras já são dominantes. Trata-se de uma combinação letal de acusações, prato feito para protecionistas.

Seria irrelevante se apenas o nome de Coutinho estivesse em jogo. Mas Coutinho põe em risco a imagem do agronegócio exportador e dos programas de fomento de um banco público. Coutinho uniu-se, sem mais, a entidades do agronegócio. Porém, nem empresários nem seu sócio BNDES se ocupam de criar um sistema de auditoria e rastreamento da produção pecuária. Cadê a "autorregulação"? Se os produtos dos rebanhos fossem honestamente certificados não haveria o zunzum que permite aos inimigos do agronegócio levantarem barreiras, sanitárias ou outras, contra os produtos do país, de má-fé ou não.

O BNDES, as associações empresariais e o governo sabem muito bem qual a origem do rolo. A terra ficou cara no Centro-Sul do país, em especial em São Paulo, onde de resto há mais exigências legais. Parte da pecuária brasileira é ineficiente, demora para engordar um boi, depende de criação extensiva e abate de modo clandestino. Onde há mais terra barata e sem lei? Na Amazônia, campo de grilagem, de terra ocupada à matroca, à base de jagunçagem, desmatamento e corrupção, vide a falsificação de títulos de propriedade e de guias para comerciar madeira, boi e o diabo. Faltam, pois, polícia, política, Estado e eficiência.

Os procuradores do Pará têm documentos que indicam irregularidade nas terras das empresas acusadas: embargadas, griladas, multadas por crimes ambientais e trabalho escravo. Advogados das empresas acusadas já negociam "termos de ajustamento de conduta" com o Ministério Público. O governo do Pará se ofereceu para intermediar as negociações. Problemas, pois, há.

Mas Coutinho lamenta apenas as investigações, tal como um czar do crédito subsidiado e da "aliança Estado-empresa". Ameaça, assim, mudar o nome do banco que provisoriamente preside: para Banco Nacional de Desenvolvimento e Estabelecimento de Serrarias. Na Amazônia.

Temas cruzados

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Na semana passada estive em São Paulo em um debate do Ethos, sobre combate à corrupção e crise econômica; e em Goiás Velho, no Festival Internacional de Cinema Ambiental (FICA), em que o tema era crescimento acelerado e meio ambiente. Nesse circuito do empresariado paulista à cidade de Cora Coralina, constatei que os assuntos se cruzam e ganham densidade.

Tanto no Ethos quanto no FICA houve espaço para apresentações técnicas, participantes internacionais, busca de informações precisas. Em São Paulo, o holandês Ernst Ligteringen, do Global Reporting Initiative (GRI), explicou que o programa, conhecido por formular ferramentas de transparência das emissões de carbono e sustentabilidade ambiental das empresas, agora tem fórmulas de prevenção da corrupção. Em Goiás, o italiano Andrea Cattaneo, pesquisador sênior do Woods Hole Research Center, explicou o possível impacto futuro do REDD na prevenção do desmatamento na Amazônia e no Cerrado.

REDD é a proposta de um mecanismo financeiro para incentivar a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Reduction of Emissions from Deforestation and Degradation). Segundo Cattaneo, ele foi considerado complicado demais no passado, mas agora começa a avançar. Ainda está em discussão se esse mecanismo será via mercado, tipo créditos de carbono, ou não, por meio de um fundo financiado por uma taxa carbono a ser paga pelos países desenvolvidos. O objetivo é compensar pelo desmatamento evitado, pela restauração florestal e pelos serviços ambientais prestados pelas florestas tropicais (chuva, umidade, biodiversidade, entre outros).

Ambos os programas são ferramentas, com falhas e méritos, mas estão indo na mesma direção. Querem dar substância, desenvolver tecnologia e base econômica em questões decisivas para o Brasil e a humanidade: a redução das emissões dos gases que ameaçam o planeta e a luta para proteger os cofres públicos dos assaltos e dos conluios. O que me impressionou foi isso: a busca de objetividade numa luta que antes parecia ser apenas subjetiva e heróica.

O Ethos firmou um pacto pela integridade e contra a corrupção entre empresários e o governo que estabelece uma série de compromissos. Que importância tem um documento num momento em que a corrupção parece aumentar e estar a ponto de engalfinhar nossas instituições? Tanto o ministro Jorge Hage, da Controladoria-Geral da União (CGU), quanto o empresário Ricardo Young, do Ethos, combateram meu ceticismo com números e argumentos. Segundo Hage, mais de dois mil funcionários já foram demitidos do serviço público nos últimos anos como medida punitiva, por corrupção. Mas, o que faz qualquer cidadão duvidar da eficácia dessas medidas é que as punições parecem clandestinas. Ninguém fica sabendo delas. Não pegam grandes nomes. Os casos exemplares do mundo pegaram até chefes de governo, como no caso alemão de Helmut Kohn.

Que capacidade de impor novas práticas tem mais um pacto do Ethos? Young e Paulo Itacarambi, também do Instituto, acham que em cada pacto se avança um pouco mais. Como no que foi feito contra o trabalho escravo, que, apesar dos contratempos, fez empresas líderes se comprometerem a não comprar de fornecedores que tivessem sido apanhados nesse delito ou que comprassem de fornecedores flagrados. De fato, isso faz pressão, mas é preciso haver punição para o mau comportamento. Quem assina pacto porque é bonito e é apanhado em caso de corrupção tem que enfrentar publicidade negativa.

O Brasil está no meio desses embates, como mostra o caso da carne. O Ministério Público do Pará fez o cerco a frigoríficos e a pecuaristas que produzem carne desmatando a Amazônia. Apesar dos defensores da lavoura arcaica continuarem ameaçando sustar a ação do Ministério Público e processar quem denuncia a prática, a campanha é exemplar. Ela pode pôr a força do consumidor sobre empresários que sempre proclamaram práticas sustentáveis, sempre tiveram unidades exemplares para mostrar para a imprensa, mas sempre infringiram a lei quando estiveram na Amazônia. Pode ser um divisor de águas.

Ouvido na CBN, o procurador da República no Pará Daniel Azeredo disse que algumas das empresas foram flagradas com gado em áreas de conservação e em terras indígenas. Alguns casos são de 2006. E que está sendo negociado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com eles. Duas das exigências são as mesmas feitas pelos supermercados: uma auditoria independente e o uso das ferramentas de rastreabilidade para saber a origem do gado. A Associação Paulista de Supermercados começa a orientar seus associados a também seguirem a mesma tendência de barrar a carne de desmatamento.

O futuro de menos desmatamento, práticas realmente sustentáveis, contratos transparentes entre setor público e setor privado, respeito aos trabalhadores em áreas remotas, será conseguido com um novo comportamento dos produtores. Conversei com o biólogo americano Eric Davidson, do Woods Hole Research Center, que estava em Goiás, e ele contou a história de alianças entre produtores que estão adotando boas práticas. Tomara que elas vençam a luta dentro do velho ruralismo.

No Ethos, a pergunta era se a crise criaria uma oportunidade no combate à corrupção. Infelizmente não se pode dizer isso. No FICA, a pergunta era se o país poderia crescer de forma acelerada respeitando os limites ambientais. Todo o desmatamento e degradação dos últimos anos não trouxeram crescimento sustentado. Só isso já mostra que o país deveria tentar outra trilha.

Symphony No.9 – Beethoven

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sábado, 20 de junho de 2009

O PENSAMENTO DO DIA

"Os governantes autoritários não suportam uma oposição ativa. Aqueles que criticam a impossibilidade de investigar o poder, aqueles que denunciam o nepotismo, aqueles que ousam propor candidatos alternativos vão ao encontro de um mar de problemas".


(Ralf Dahrendorf, sociólogo alemão, 1/5/1929-17/6/2009, publicado por L’Unitá)

Entre dois fogos

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Ao afirmar ontem em Alta Floresta, em Mato Grosso, que não se pode chamar de "bandido" quem desmatou a floresta nos últimos anos, mas ao mesmo tempo dizer que é preciso conscientizar a sociedade de que, hoje em dia, o desmatamento "joga contra o país", o presidente Lula equilibra-se entre o preservacionismo e o desenvolvimentismo, tentando forjar uma posição que não impeça o crescimento econômico, mas não ofenda a comunidade internacional.

Por isso, o Brasil está preparando cuidadosamente uma proposta para levar para a reunião do clima em Copenhague, em dezembro, um elenco de ações que se propõe a fazer, e que deve incluir mesmo algumas ações unilaterais que dispensarão apoios financeiro e tecnológico externos.

As ações devem estar no Plano Nacional de Mudança de Clima, e estão sendo negociadas pelos ministérios das Relações Exteriores, Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente, cujos titulares já fizeram duas reuniões nesse sentido, e uma terceira está para ser marcada.

Já que 65% das nossas emissões de gases de efeito estufa são devidas ao desmatamento, é bem possível que essas ações tenham a ver com a questão. Ainda mais porque, até lá, o governo pode se deparar com as consequências da medida provisória 458, que regulariza a posse de terra na região.

O temor é que a medida provisória de regularização das posses na Amazônia pode gerar, num primeiro momento, um aumento do desmatamento. O governo está convencido, porém, que em médio e longo prazos a medida será benéfica para organizar o crescimento sustentado da região.

Ontem, o presidente Lula enfrentou as críticas das ONGs, afirmando que não falam a verdade quando afirmam que a medida provisória vai favorecer a grilagem de terras na Amazônia.

As contradições da política energética brasileira estão também registradas em recente artigo publicado por dois especialistas brasileiros na "Energy Policy", ("Política Energética", em tradução livre), uma das mais importantes publicações internacionais, que trata a questão da energia por diversos aspectos, dos econômicos e políticos ao meio ambiente.

Joaquim F. de Carvalho e Ildo L. Sauer, ambos professores da Universidade de São Paulo, demonstram que o país tem condições de montar um sistema de fornecimento de energia através de fontes renováveis não poluidoras.

Joaquim Carvalho critica a decisão do governo, anunciada pelo ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, recentemente em Yekaterinburg, na Rússia, de contratar com a Areva, gigante da indústria nuclear francesa, a construção de quatro centrais nucleares semelhantes a Angra II, a um custo de US$5 bilhões, cada uma.

Assim como se espanta com a programação de construção de 68 termoelétricas a combustíveis fósseis, até o ano 2017.

No artigo, eles apontam estimativas que, segundo Carvalho, são referendadas também por pesquisadores da Unicamp e outras universidades, de que um sistema interligado hidro-eólico-térmico (com bagaço de cana) - aproveitando as sinergias provenientes da complementaridade entre as estações chuvosas, as safras de cana e o regime dos ventos -, ofereceria ao país a possibilidade de extrair indefinidamente de fontes renováveis e não poluidoras, toda a energia elétrica que consome, "desde que adotasse, paralelamente, um programa inteligente, voltado para a economia e racionalização do uso da energia, a exemplo do que vêm fazendo os países ditos desenvolvidos".

Com a economia decorrente do fato de que a eletricidade gerada nas hidrelétricas custará apenas 40% daquela gerada nas nucleares, os autores mostram que sobrariam recursos para "financiar o desenvolvimento de reatores nucleares à altura de serem fabricados e montados pela indústria local, inclusive para equipar uma frota a propulsão nuclear, que será indispensável para assegurar o controle da exploração petrolífera e da pesca ao longo dos mais de 8.000 km da Costa Atlântica e Mar Territorial adjacente".

Segundo eles, "qualquer país que disponha de potencial hidrelétrico e capacidade técnica para explorá-lo, procura aproveitá-lo ao máximo".

Na Europa, por exemplo - apesar da alta densidade demográfica -, as hidrelétricas, de grande, médio e pequeno porte, respondem por 17% do suprimento de eletricidade, indo de 99% na Noruega a 12% na França e na República Tcheca, passando por 76% na Suíça, 65% na Áustria, 51% na Suécia etc.

"Vender dez centrais nucleares para o Brasil, que está aproveitando apenas 28% de seu potencial hidrelétrico, é de fato uma proeza extraordinária", ironiza Joaquim Carvalho.

O diplomata Sérgio Serra, nosso embaixador extraordinário para a mudança do clima, participou da reunião de Bonn, uma das preparatórias para a de Copenhague no fim do ano, quando serão definidas as metas que substituirão em 2013 as do Tratado de Kyoto. Segundo ele, embora lentamente, as conversas dos países em desenvolvimento estão indo bem, já havendo até mesmo um texto base, em que vários países já apresentaram emendas.

O Plano de Bali determina que os países devem adotar ações que precisam ser mensuráveis e verificáveis. E devem ser ações apoiadas financeiramente e ter apoio tecnológico dos países desenvolvidos.

O problema é a discussão das metas do substituto do Tratado de Kyoto para os países desenvolvidos, que tem opositores fortes como o Japão, e depende da expectativa pela posição dos Estados Unidos. (Continua amanhã)

Fernanda Cunha - Fim de semana em Eldorado

Confira o Vídeo

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Vício insanável

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Praticamente todos os dias o presidente do Senado, José Sarney, é desmentido pelos fatos. A cada tentativa malsucedida de negar uma denúncia de irregularidade, Sarney conta uma nova história a fim de remodelar a versão da véspera.

Do auxílio-moradia de R$ 3.800 que negara e depois disse não saber que recebia, à contratação de parentes cuja conta começou com um neto e hoje somam oito familiares, segundo ele contratados à sua revelia, passando pelo completo desconhecimento da existência de atos secretos assinados por um diretor de sua notória confiança, o senador coleciona um compêndio de fábulas.

Compreende-se a saia justa. José Sarney provavelmente considera essa a forma mais correta - talvez a única - de não aumentar o tamanho do estrago.

Só não é compreensível como o presidente do Senado espera que o público avalie esse conjunto de episódios de outra maneira a não ser à luz da seguinte evidência: é absolutamente impossível que ele, e todos os outros integrantes da Mesa Diretora nos últimos anos, não soubessem o que se passava na Casa.

Sob pena de terem incorrido em grave falta de total ausência de responsabilidade com a delegação cega de todos os poderes a dois ou três diretores.

Fica difícil escolher a pior hipótese: a da culpa compartilhada ou a do alheamento completo que equivale a uma confissão de negligência institucional incompatível com o exercício do mandato.

Que o senador José Sarney não saiba o valor do próprio salário, admite-se; que não prive de um convívio familiar próximo o suficiente para conhecer da presença de oito parentes em seu local de trabalho, admite-se também.

Agora, que tenha sido informado só ontem, por meio da declaração do chefe do serviço de publicação do boletim de pessoal do Senado, Franklin Paes Landim, à Folha de S. Paulo, de que não houve "erros técnicos" e sim atos de fato secretos, já é exigir demais da boa vontade da freguesia.

Recapitulando: a denúncia sobre a existência dos atos secretos, descobertos por um grupo de técnicos do Senado, foi publicada há dias pelo Estado. Primeiro soube-se que eram cerca de 300, depois seriam 500 e, finalmente, confirmou-se a edição de 623 atos ao arrepio da obrigatoriedade legal de publicação.

Não houve revogação, a despeito da comprovada ilegalidade, e, para justificar a continuidade da vigência, José Sarney negou o caráter secreto alegando "erro técnico" na falta de publicidade.

Foi desmentido pelo funcionário responsável pelos boletins, que contou ter recebido ordens diretas dos ex-diretores Agaciel Maia (de cuja filha Sarney foi padrinho de casamento na semana passada) e João Carlos Zoghbi.

Só então Sarney admitiu a possibilidade de haver mesmo atos ilegais, mas não admoestou ninguém. Como se estivesse diante de uma suposição e não de provas concretas de irregularidade com cadeia de comando estabelecida, abriu uma (mais uma) comissão de sindicância.

É de se perguntar: por que não mandou averiguar a denúncia logo de início, preferindo negar para recuar quando apareceu uma testemunha. Aliás, se desconhecia os atos, de onde a convicção para a negativa?

Afinal de contas, se não sabia de tantas coisas, se não sabia que recebia auxílio-moradia e o dinheiro entrava na sua conta, se não sabia da contratação de parentes e os parentes estavam lá, natural seria que no mínimo tivesse a curiosidade - para não dizer a acuidade - de conferir se havia, ou não, atos sigilosos.

O presidente do Senado há de convir o quanto é difícil deixar de concluir que houve tentativa deliberada de simplesmente ocultar os fatos.

Também não é fácil evitar a constatação de que continua havendo a intenção de protelar providências, uma vez que, diante de tantas e tão fartas evidências, ocorre-lhe apenas abrir uma sindicância e sequer aventar a hipótese de que existam senadores envolvidos.

Provocado a se manifestar sobre essa possibilidade, limitou-se à formalidade de remeter o assunto à alçada do Supremo Tribunal Federal. Por tratar-se de questão da esfera criminal.

Perfeitamente. Mas, se houve crime, houve também quebra de decoro parlamentar, questão a ser tratada na esfera do Parlamento. Algo de que Sarney sequer cogita.

Pensou na sindicância, numa auditoria externa da folha de pagamento (e o trabalho da Fundação Getúlio Vargas?), em discutir o assunto na semana que vem (e o sentido de urgência que requer a preservação da imagem do Congresso?) com colegas da Mesa e pensou também na criação de um portal de transparência para publicar tudo sobre o Senado "sem negar nenhuma informação ao público".

O que significa que no sítio já existente (www.senado.gov.br) há sonegação de informações a um público que assiste ao espetáculo do vício insanável da mistificação continuada.

Seria de bom alvitre, contudo, que não se invocasse, como fez ontem o presidente a título de justificativa para a lentidão dos procedimentos, o santo nome do Estado de Direito em vão.

Considerações por enquanto ociosas

Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU EM OPINIÃO & NOTICIAS

No que pessoalmente lhe diz respeito, o presidente Lula ainda faz cerimônia e resiste formalmente ao terceiro mandato. Não é para menos.

Chega de turismo eleitoral. Assinou o ponto em todas as cinco sucessões presidenciais diretas sob a Constituição de 1988. Perdeu três e venceu duas.

E vive a incerteza de não saber como será visto pelas costas, depois de deixar o governo em boas mãos. A Constituição de 1946 foi aferida em quatro eleições presidenciais desgastantes e passou no teste de carga política, mas não garantiu a normalidade eleitoral. E quando, finalmente, a oposição chegou ao poder, em sete meses o presidente Jânio Quadros deu inflexão pronominal ao verbo defenestrar, saltou pela janela e se mandou.

Não está muito clara a razão pela qual Lula recusa e, ao mesmo tempo, mantém à vista o terceiro mandato, sem o deixar retirar-se da desconversa política. É o primeiro a lembrá-lo assim que começa a ser menos citado. A cada 15 dias, ele próprio a inclui no monólogo sem fim (ao que tudo indica) para colher os benefícios em pesquisas de opinião. A oposição colabora apenas com veemência estridente cujo efeito é o oposto. A aritmética é o limite e, por mais que as pesquisas estimulem o continuísmo, tudo indica o fim próximo. A marca de 100 por cento seria, por um lado, o fim da linha e, por outro, o começo do desconhecido que já conhecemos.

Mais uma vez, a volta ao começo.

Desta vez o presidente estava no exterior e, mesmo assim, reincidiu na dialética de recusar a sexta candidatura sem calcar a mão. Bastou-lhe admitir em princípio, como normal, o terceiro mandato para um presidente indeterminado que, ao fim e ao cabo, vem a ser ele próprio. Lula considera “assimilável” o terceiro mandato, “se for feito democraticamente”. Qual seja, a via plebiscitária. Em lugar de um passo à frente, dois atrás. Na contradição em que galopa, o presidente não perdeu a oportunidade de lembrar, passando de um pólo a outro, que “os primeiros ministros ficam, na Europa, 16 ou 18 anos”. A insistência presidencial em confundir presidente e primeiro ministro não leva em conta a diferença essencial entre presidencialismo e sistema parlamentar de governo. Nem lhe fica bem. É por aí que ele pode se perder, ou se achar, se lhe der na veneta desfraldar a bandeira do parlamentarismo que é, no Brasil, sinal de crise como sintoma e plebiscito à vista como medicação.

Quem sabe Lula converteria o imprevisível na oportunidade a ser preenchida por um debate didático que lhe arrancasse o espanto do personagem de Molière, quando ficou ciente de que era um prosador simplesmente porque não fazia versos. O princípio da exclusão resolve dificuldades teóricas. Depois de dois mandatos insatisfatórios, o presidente levaria um susto se o ministro da Justiça lhe dissesse a queima-roupa que, para compatibilizar mandatos de presidente e de primeiro ministro, o caminho mais curto, passando pela Constituição, é desfraldar a bandeira do parlamentarismo numa batalha eqüestre e pedestre travada no Congresso, onde a oposição montou a obstrução para escorar o dilúvio. Lula poderia então optar entre ser presidente ou primeiro ministro num regime de natureza parlamentar à brasileira. Com o temperamento rouco e o viés turístico do mandato presidencial, estaria bem servido no regime de gabinete, por 16 ou 18 anos, antes de aposentar-se uma segunda vez na vida.

Falta a Lula o anjo da guarda para orientá-lo nas oportunidades de ser o que sempre apenas pareceu. Ou de assumir o que sempre quis parecer, qual seja, parlamentarista sem se dar conta de que se desencontrou do endereço do gabinete, evidentemente por culpa da oposição. No caso da defesa que faz do plebiscito como instrumento de governo, não lhe disseram que o voto primário – sim ou não - não passa de falso respeito que o instinto autoritário nem disfarça em relação à democracia. Alguém no PT devia alertá-lo de que popularidade nem sempre tem o aval da democracia.

Hitler e Mussolini foram populares até o fim. Eleitos, usaram e abusaram do plebiscito, e nem de longe suspeitaram que pudesse ser infiltração democrática. Plebiscito não oferece o perigo de fazer o jogo da democracia de onde ela tenha sido banida. Ao contrário, faz de conta que é eleição o que não passa de manobra. Ambos, Hitler e Mussolini, serviram-se de plebiscitos para iludir democratas de boa fé e má formação. Plebiscito não passa de baile de máscaras.

Nada de plebiscito. Por trás das pesquisas, os números dizem que 47% dos brasileiros em idade eleitoral querem, implicitamente, Lula por mais tempo. Mas, mostram também que 49% recusam-lhe outro mandato. É um bom sinal que, a esta altura de uma sucessão em caminhada no vácuo, o terceiro mandato ainda esteja inferiorizado na preferência de cidadãos que se manifestam sob garantia de anonimato. Ele também faz parte dos que acham insensato o terceiro mandato, embora a ambigüidade oscilante o exponha ao assédio do plebiscito. Na sua inesgotável hesitação entre a reeleição e o risco de escancarar a porteira, Lula acha que o Brasil deve mandar às urtigas o terceiro mandato, mas deferir aos eleitores a decisão prévia nas urnas: se o eleitorado quiser o terceiro, que agüente com todas as conseqüências. É o que está subentendido na apologia presidencial do plebiscito: é a forma eficiente de auto-destruição da democracia. Na ambivalência das suas relações com a imprensa, mordendo e soprando, ele acredita que a democracia agradeceria se os meios de comunicação escrita se limitassem a servir os fatos com tempero insosso da objetividade, “e não a criá-los”. E desistisse de “ser porta-voz de pensamento político”.

Nem percebeu que acabava de propor, de forma sibilina, o que se chamava de censura e que continua disposta a exterminar a democracia pelas costas como Brutus fez com a ameaça de tirania em Roma.

Lula acerta uma na mosca

Coisas da Política :: Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A notícia política mais importante do mês, ou do ano, foi divulgada, com 12 dias de atraso, graças à argúcia do cronista Leandro Mazzini, no Informe JB de ontem: o presidente deu uma volta por cima do picadinho das fofocas para voltar a defender a convocação de uma Assembleia Constituinte para o debate e a aprovação de uma reforma política para valer, que corte pela raiz a desmoralização do Legislativo, com o ponto final na série de escândalos do pior Congresso de todos os tempos. Não é necessário excluir o dos quase 21 anos da ditadura militar do rodízio dos cinco generais-presidente, pois Congresso sem liberdade de imprensa, com cassação de mandatos, recesso punitivo, tortura e prisões sigilosas, é um arremedo grotesco, que não se deve esquecer como lição que nunca ensina coisa nenhuma.

Se a notícia chegou ao JB com atraso, ela andou escondida dos repórteres políticos num intrigante surto de amnésia coletivo. O conselho ou proposta de Lula foi passado aos líderes aliados num jantar na residência oficial do presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), dia 8, uma segunda-feira em que o Congresso também não trabalha na semana inútil de quatro dias, das terças às sextas-feiras. Lula fala pelos cotovelos, dando asas à imaginação e com o toque de vaidade de quem sabe que é fluente e ouvido com atenção. No "projeto para valer", contornou habilmente as críticas ao Congresso para sustentar a urgente necessidade de uma reforma política.

Se o apoio interessado do presidente é o dado mais importante para a viabilidade da reforma política, a traquitana andou no Congresso, com a cata de assinaturas, além das três centenas já garantidas, para uma proposta de emenda constitucional propondo a Constituinte exclusiva, para 2011, portanto depois das eleições para presidente, senadores, deputados federais e estaduais. O prazo de oito meses é uma esperta exigência para impedir que a inana se prolongue até que se esgote a verborragia dos 81 senadores e 581 deputados federais.

Alguns temas recorrentes são inevitáveis, como financiamento público de campanha, a maluqueira da lista fechada em que o eleitor votaria numa relação de candidatos – ou não votaria, no protesto do voto em branco – o voto distrital e outras obviedades.

Se a proposta de convocação de uma Constituinte de emergência para uma escovadela em regra no Congresso é oportuna e urgente, a pauta que se impõe como prioridade absoluta é a da moralização do mais democrático e o mais impopular dos poderes, recordista em toda as pesquisas de opinião pública. E a desconfiança é uma nódoa na expectativa de uma reforma política que não fuja mas enfrente os desafios éticos, responsáveis pela sua impopularidade.

Seria pedir muito, sonhar com olhos fechados, numa faxina na lista das mordomias, das vantagens, da verba indenizatória, da semana de quatro dias inúteis, das nomeações de parentes, agregados, cupinchas, cabos eleitorais para sinecuras em que a única obrigação é sacar o salário mensal para jogar na bolsa.

Desde a mudança da capital, em 21 de abril de 1960, pelo presidente JK, do Rio para Brasília em obras, que a decadência dos três poderes, em níveis diversos, só aumenta ano após ano. E o Congresso, mais exposto e mais cobrado, rolou de escada abaixo até o vexame dos últimos feitos, com o jogo de empurra das CPIs da Petrobras e das ONGs e a crise inacreditável do velho Senado, que parece que ficou caduco.

O deputado José Genoino (PT-SP) facilitou a convocação da Constituinte em 2011, com o golpe mortal na ideia do terceiro mandato. Relator da esdrúxula proposta de emenda constitucional que permite ao presidente da República, governadores e prefeitos disputarem um terceiro mandato consecutivo, entregou, na quinta-feira, o seu parecer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em que sustenta a inconstitucionalidade da manobra para mudar as regras no meio do jogo. O relator adverte para a urgência da votação do seu parecer antes do recesso de julho. E acredita que terá a maioria dos votos para aprovar o seu parecer.

O líder do governo, deputado Henrique Fontana (PT-RS), foi cumprimentá-lo com uma frase lapidada: "O terceiro mandato tem nome e sobrenome: Dilma Rousseff".

Um recado que carimba o apoio do presidente Lula e arrasta o do PT.

Piscou

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Viu como às vezes funciona a pressão da opinião pública? O presidente do Senado, José Sarney, aquele que dizia que a crise não é dele, mas do Senado, piscou três vezes.

Primeiro, na entrevista que concedeu à Folha. Não funcionou. Depois, em discurso no plenário da Casa. Não funcionou. Ontem, deu a piscadela definitiva ao anunciar algumas tímidas medidas para escapar do imbróglio em que ele e o Senado se meteram.

É pouco? É. Pode nem ir adiante se a mídia se distrair? Pode. Pode acontecer de serem punidos apenas funcionários, graduados ou nem tanto, em vez de senadores, especialmente os graúdos?

Pode

Mas é mais do que o "não sei", "não vi", "não há atos secretos" (embora os atos tampouco sejam públicos).

Limpar a política brasileira, mesmo que seja um tiquinho, só se fará assim, na pressão, na marcação individual. Para o meu gosto, aliás, a incrível sucessão de escândalos deste ano, tanto no Senado como na Câmara, demandaria no mínimo uma marcha como a que se fez anteontem em São Paulo contra a reitora da USP e contra a presença da polícia no campus.

Não estou dizendo que a reitora seja farinha do mesmo saco dos políticos ou que a manifestação tenha sido de anjos impecáveis. Não. O que estou dizendo é que, ou a maioria assume de uma boa vez que a rua é onde se marcam posições e se buscam soluções, ou ficaremos eternamente resmungando na internet contra os maus políticos, os baderneiros e por aí vai.

Entendo perfeitamente a dificuldade de organizar manifestações contra os senadores. Não há um só grupo partidário que esteja disposto a encabeçá-las ou ao menos aderir a elas.

E a sociedade civil parece atordoada, incapaz de reagir a não ser teclando, em casa mesmo, o e-mail de alguém para desovar o seu protesto, que cairá no silêncio.

Lula: quem desmatou a Amazônia não é bandido

Chico de Góis
DEU EM O GLOBO

Ao discursar em Alta Floresta, Mato Grosso, no lançamento de um programa de regularização de propriedades rurais na Amazônia, o presidente Lula afirmou que não se pode chamar de bandidos os produtores rurais que no passado desmataram a região. Ele lembrou as dificuldades enfrentadas pelos primeiros desbravadores da Amazônia, que enfrentaram doenças como a malária: “Ninguém pode ficar dizendo que alguém é bandido porque desmatou”, disse. Lula defendeu mudanças no modelo de desenvolvimento da região: “Agora, desmatar joga contra a gente, vai nos prejudicar no futuro”. O presidente também contestou as críticas de ONGs à MP 458, que autoriza a venda de terras públicas na Amazônia, e negou que ela vá incentivar a grilagem. Em São Paulo, o diretório nacional do PT aprovou resolução contra mudanças no Código Florestal, defendidas por parte do governo.

Lula anistia desmatadores do passado
PRESSÃO SOBRE A AMAZÔNIA
Ao lançar programa de regularização de terras na Amazônia, presidente também critica ONGs

LULA, entre Minc e Blairo Maggi, um dos maiores plantadores de soja do país: o ministro do Meio Ambiente, que já acusou o governador de desmatar, ontem era só elogios

Ao lançar o programa Terra Legal e Mutirão Arco Verde, que prevê a regularização de 296 mil imóveis rurais na região da Amazônia Legal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu ontem quem desmatou a Floresta Amazônica no passado, referindo-se aos desbravadores que colonizaram a região.

- Ninguém pode ficar dizendo que alguém é bandido porque desmatou - defendeu, observando, porém, que agora a prática deve ser diferente:

- Tivemos um processo de evolução, e agora precisamos remar ao contrário. Temos que dizer para as pessoas que, se houve um momento em que a gente podia desmatar, agora desmatar joga contra a gente, vai nos prejudicar no futuro.

No discurso, Lula se refere às dificuldades que os desbravadores da região enfrentaram:

- Não podemos nunca nos esquecer de que nos anos 70 foi feita uma reforma agrária neste país e que muita gente foi induzida a vender as pequenas propriedades que tinha, ou mesmo as que não tinha, no Sul do país, e se embrenhou por este Brasil afora para construir cidades como Alta Floresta. Hoje, é fácil a gente vir aqui e fazer críticas, mas a gente não sabe quantos pegaram malária aqui.

Lula, que já chamou os usineiros de heróis, esta semana saiu em defesa do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), dizendo que ele "não pode ser tratado como uma pessoa comum", e até do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, defendendo sua controversa reeleição.

Na terra de Blairo, Minc é vaiado

As declarações foram feitas no palanque em que estavam o governador Blairo Maggi, um dos maiores produtores de soja do país, que teve discussões com a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva e com o atual, Carlos Minc. Marina e Minc já acusaram Blairo de não impedir a derrubada de árvores em Mato Grosso. Mas, ontem, Minc - que foi vaiado pelas 3 mil pessoas presentes - elogiou Blairo.

- No passado tivemos desencontros, e agora temos um grande encontro, o Mato Grosso Legal - disse Minc, referindo-se a um programa estadual de regularização de terras.

Lula também rebateu as críticas de ONGs que afirmam que a medida provisória 458, que autoriza a venda de terras públicas da Amazônia sem licitação, vai facilitar a grilagem. O Congresso já aprovou a MP, com alterações, mas Lula ainda não o sancionou. A medida provisória permite a compra de terras por empresas privadas. Para Lula, ONGs mentem ao chamá-la de "MP da Grilagem":

- Tenho um profundo respeito pelas ONGs, mas não sou obrigado a concordar com o que elas dizem.

Para Lula, o projeto não incentiva a grilagem de terras "em hipótese alguma". Ele lembrou que a MP foi resultado de acordo no Congresso e disse que tem até dia 25 para decidir se sancionará a lei com ou sem vetos:

- Independentemente de mudar qualquer coisa, posso dizer que as ONGs não estão dizendo a verdade quando dizem que a medida provisória incentiva a grilagem de terra.

O programa lançado ontem pretende regularizar, em três anos, 296 mil imóveis de até 15 módulos fiscais (cada um equivale a cerca de 76 hectares) ocupados por posseiros. Foram escolhidos os municípios que mais desmatam. A regularização, que hoje demora cinco anos, levará 120 dias.