domingo, 21 de junho de 2009

Ode ao homem comum

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
O gatilho mais rápido do hemisfério sul: dos inúmeros atributos do presidente Lula começa a evidenciar-se uma temerária capacidade de atirar antes de perguntar “quem vem lá?”. O ajuizado político, o “cara” que possui o senso da oportunidade e da prudência, de repente deixou-se dominar pelo instinto de defesa, assustado com a própria sombra.

A intempestiva intromissão nos assuntos internos do Irã proclamando a correção do pleito que deu a vitória a Mahmud Ahmadinejad colocou o Brasil na contramão do movimento reformista que tomou conta das ruas de Teerã. Lula entregou a imagem de progressista que construiu com tanta habilidade e, em troca, ganhou a faixa de repressor e antilibertário.

Foi ultrapassado pelo próprio núcleo conservador do Irã que decidiu rever os resultados do pleito, sobretudo a extraordinária velocidade com que foi apurado. Mirou naqueles que contestam a surpreendente maioria obtida por Ahmadinejad imaginando que assim desestimularia aqueles que no Brasil poderão animar-se a reclamar contra o uso da máquina estatal em benefício da sua candidata. Errou: o bom atirador não revela os próximos passos e, principalmente, os seus receios.

Não contente com a estrepolia internacional saiu em socorro do aliado José Sarney atirando em todas as direções, inclusive com peças grosso calibre. Para salvar o presidente do Senado da desmoralização integral conviria algo mais sofisticado do que a destemperada diatribe contra o denuncismo da imprensa. Conseguiu o milagre de incomodar a própria bancada do seu partido que defende uma ação mais efetiva e rigorosa no saneamento da Câmara Alta.

Ao proclamar que um ex-presidente da República não é uma pessoa comum, por isso merece tratamento especial Lula obriga-se a estender a mesma deferência a todos os antecessores. E não apenas isso: declara-se fervoroso adepto da tradição elitista brasileira que confere aos coronéis e aos poderosos privilégios que os verdadeiramente comuns jamais sonhariam.

O popularíssimo Lula, protagonista do sonho brasileiro, protótipo do homem comum que alçou-se às mais altas esferas coloca-se frontalmente contra a isonomia, contra a igualdade de direitos e deveres, contra os princípios da igualdade e a democracia.

José Sarney pode subverter a ordem, a moral, pode implantar a clandestinidade e o secretismo no poder da República mais comprometido com a transparência. O generoso atestado de idoneidade que lhe foi conferido poderá dar alguma sobrevida ao vice-rei do Brasil com a vantagem de, eventualmente, no futuro, ser usado em benefício próprio.

Armado com uma metralhadora portátil o presidente Lula esquece a sua função de árbitro, abdica da função moderadora, prefere ser o agente provocador. Não se poupa, convidado ou não se mete em todas as rixas, esquecido do imponderável processo de desgaste e da inevitável fadiga dos materiais.

Vai entrar para a história o patético discurso de Sarney nesta terça-feira no plenário do Senado que preside. A peça representa o momento culminante do cinismo, paroxismo da hipocrisia nacional. Nunca neste País viu-se tanto despudor, tamanho descaramento.

Lá no Cazaquistão, quase antípoda, envergando um deslumbrante traje azul bordado com ouro típico dos cazaques, o presidente Lula entendeu-o de forma equivocada. Até então aquele tiroteio no Senado – iniciado em fevereiro por Tião Viana, companheiro de partido – não atingia o presidente, apenas o preocupava. Para o homem comum, esse que silenciosamente constrói nações e potências, Lula esqueceu-o. Agora é fiador de uma prevaricação que se torna visível mesmo dos remotos grotões do País.

» Alberto Dines é jornalista

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