terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Opinião do dia: Raimundo Santos - A polarização da política brasileira

As teses de Caio Prado Jr. expostas na obra interpretativa – Evolução política do Brasil (1933), Formação do Brasil contemporâneo (1942) e História econômica do Brasil (1945) – da nossa formação social, sem endogenia socioeconômica, fundamentam sua militância publicista ao longo dos anos em que se concentrou na elaboração de um programa de reforma da estrutura econômica e política para superar as marcas histórico-estruturais focalizadas, com o passar do tempo, na polarização da política brasileira proveniente do processo de revolução burguesa nacional popular iniciado em 1930 (que Nelson Werneck Sodré chamava de revolução burguesa sem o proletariado). Polarização vista por ele nos artigos que publicou na Revista Brasiliense entre 1956-62, como um obstáculo ao renovamento progressista e democrático do país”.

Link- https://drive.google.com/file/d/1-Ct16ecuXDWI-fA_ouyaJG37f0zDWfIb/view

*In: As esquerdas e a democracia, coletânea organizada por José Antônio Seggatto, Milton Lahuerta e Raimundo Santos. Brasília; Verbena Editora/FAP, dezembro de 2018.

Luiz Carlos Azedo - Ídolos com pés de barro

- Nas entrelinhas | Crreio Braziliense

Uma das histórias mais conhecidas do Livro do Antigo Testamento é a interpretação de um sonho do rei da Babilônia Nabucodonosor II, assim traduzido pelo profeta Daniel: “Ó rei, tu tiveste uma visão. Eis que uma grande, uma enorme estátua se levantava diante de ti; era de um brilho extraordinário, mas de um aspecto terrível. Esta estátua tinha a cabeça de ouro fino, o peito e os braços de prata, o ventre e as ancas de bronze, as pernas de ferro, os pés metade de ferro e metade de barro”.

Nabucodonosor II contemplava a estátua quando uma pedra se desprendeu da montanha, sem intervenção de mão alguma, e esmigalhou os pés da estátua, porque a argila e o ferro nunca deram boa liga. “Então, na queda, com a mesma pancada foram feitos em pedaços o ferro, o barro, o bronze, a prata, o ouro”, que viraram pó e foram levados pelo vento sem que deixassem vestígios, uma óbvia analogia com a ascensão e queda dos impérios.

Além de grande guerreiro e estrategista militar, Nabucodonosor II foi responsável por transformar a Babilônia em uma cidade de gigante imponência. Sua construção mais famosa são os Jardins Suspensos da Babilônia, uma das sete maravilhas do mundo antigo. Na narrativa bíblica, era um rei pagão, que havia sido designado por Deus para cumprir seus propósitos. Seu reinado é o contexto da vida dos profetas Jeremias, Ezequiel e Daniel.

Alberto Aggio - Permanecem os dias de espanto

- Blog do Aggio

“Um Espanto”. Esse é o título da coluna de Eliane Cantanhêde, em 29 de novembro de 2019, no Estadão. A brilhante jornalista se espanta com tantos absurdos na gestão do governo Bolsonaro, especialmente no que se refere às nomeações e ao desempenho de personagens importantes do governo. Ela observa a ênfase de Bolsonaro nas nomeações e na orientação política dos seus subordinados, que seguem simplesmente a máxima: “sou de direita”. De onde se conclui: há uma troca de vetores ideológicos: da esquerda nos anos do petismo, para a direita no bolsonarismo. Pelas nomeações (que não vale a pena citá-las aqui), fica claro que Bolsonaro iludiu (e continua iludindo) a população ao dizer que seu governo seria formado de técnicos, afastando-se da ideologia.

Lamentavelmente, pode-se dizer que era isso que se esperava desde o momento em que, na eleição presidencial passada, chegamos ao embate entre Haddad e Bolsonaro, no segundo turno. Em 12 de outubro de 2018, eu concluía, no mesmo Estadão, um artigo intitulado “Dias de espanto”, da seguinte forma: “ Haddad não passa de um construto enganoso de Lula. Não representa nem une os democratas brasileiros. Bolsonaro é a regressão aos anos pré-democracia e uma ameaça iliberal evidente. Entre a catástrofe e o desastre, nossa frágil democracia terá de resistir para seguir respirando e ganhar sobrevida. É um momento difícil, no qual somente nos serve o “pessimismo da razão”. E o mais trágico é que não há nenhum locus facilmente reconhecível que vocalize algum “otimismo da vontade”. Atônitos, os brasileiros seguem os sinais de alerta buscando evitar, de alguma maneira, uma aproximação com a morte da democracia”.

Merval Pereira - Contendo os excessos

- O Globo

Pacote anticrime que Moro tenta aprovar no Congresso não teve em nenhum momento o apoio formal do presidente

A ambigüidade do governo Bolsonaro, determinada principalmente por seu desapreço pela política partidária – seu novo partido é o décimo a que já se filiou - e pelos grandes temas econômicos e sociais, criou um vácuo de poder que o Congresso tratou de preencher.

Até mesmo o combate à corrupção, uma de suas principais bandeiras eleitorais, agora está hasteada a meio-pau. A pesquisa Datafolha mostra que a população identifica o ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro como atuante e eficaz no combate à corrupção e ao crime organizado, e o governo como empecilho, principalmente por causa dos últimos acontecimentos, como a tentativa de, no STF, proteger seu filho Flavio de investigações pelos órgãos de controle financeiro como a atual Unidade de Inteligência Financeira (AIF) e a Receita Federal.

A população continua apoiando o combate à corrupção, cujo símbolo é a operação Lava Jato, e vê os outros setores do governo, que deveriam estar ajudando nesse combate, como pouco eficientes. O pacote anticrime que Moro tenta aprovar no Congresso não teve em nenhum momento o apoio formal do presidente Bolsonaro, que se empenha apenas quando os temas são do gosto específico de seu núcleo duro de apoiadores: liberação de armamento, retirada de radares das estradas, questões de costumes. Mesmo assim, o Congresso tem imposto limites a essas pautas.

Bernardo Mello Franco - Olavismo para crianças

- O Globo

O bolsonarismo aparelhou a TV Escola, mantida pelo MEC para formar professores e alunos. Ontem a emissora estreou uma série estrelada pelo guru Olavo de Carvalho

Olavo de Carvalho, quem diria, foi parar no horário nobre. O guru do bolsonarismo é a estrela da série “Brasil: A Última Cruzada”, que começou a ser exibida ontem pela TV Escola. Trata-se de uma emissora pública, mantida pelo Ministério da Educação e dirigida à formação de professores e alunos.

A série apresenta uma visão peculiar da História. Em tom épico, exalta a “coragem” dos colonizadores portugueses e o “amor pelo Brasil” de dom Pedro I. O objetivo, segundo o produtor Filipe Valerim, é “combater ideologias perversas” e “despertar a consciência e o patriotismo” dos telespectadores.

Carlos Andreazza - Barbas de molho

- O Globo

A pesquisa Datafolha é boa para o ministro da Justiça a ponto de colocá-lo (novamente) em risco

Os números da última pesquisa Datafolha são bons para Jair Bolsonaro. Indicam que a escalada de reprovação do governo teve ritmo sustado. A sangria foi estancada. Ainda com impopularidade em andar elevado; mas estabilizada. É notícia relevante. Isto porque não se pode esperar que o presidente tenha altos níveis de aprovação.

Ele não é um conciliador. Não tem o perfil daquele que amalgama sentimentos para, por exemplo, eleger-se em primeiro turno. Trata-se de alguém que cinde; que, com sucesso comprovado, fundamenta o discurso no confronto, que fala para grupos específicos — e que aposta na polarização radical como condição garantidora dos votos daqueles que, sobretudo, rejeitam seus adversários.

Este é o lugar de alguém que, ademais governante, tende a ser desprezado por cerca de 35% do eleitorado, aprovado por algo como 30% — e que investe em atrair, numa circunstância de disputa eleitoral extremada, a maioria entre os que avaliam o governo como regular e que têm pavor, no caso, do PT. Ou seja: Bolsonaro deseja — precisa — enfrentar, em clima de guerra, Lula ou seu cavalo da vez; e teme, por falta de recursos para o debate político, alguém como Luciano Huck.

Note-se que a rejeição ao governo é especialmente forte entre mulheres, negros, desempregados, pobres e nordestinos. Registre-se que este mesmo governo — percebido (não sem razão) como elitista — pagará, pela primeira vez, o décimo terceiro salário do Bolsa Família; movimento que pretende abraçar o cidadão pobre do Nordeste. Uma jogada político-eleitoral ambiciosa, cujo eventual sucesso se medirá nos próximos levantamentos.

José Casado - O ‘Zé com Zé’ de Bolsonaro com os liberais

- O Globo

Sua principal decisão sobre privatizações foi... criar uma nova estatal

Jair Bolsonaro precisa se explicar aos 57,7 milhões de eleitores aos quais prometeu um governo liberal na economia, com a venda de estatais.

Candidato, atravessou 2018 repetindo: “Vamos privatizar logo aquelas quase 50 criadas pelo PT, e ainda sobram 100.”

Presidente, viu passar na janela do palácio 340 dias. Sua principal decisão sobre privatizações foi... criar uma nova estatal.

É de Bolsonaro a 638ª empresa da União, a NAV Brasil Serviços de Navegação Aérea S.A. É um novo gigante do setor público à beira-mar, com sede no Rio e duas mil pessoas a bordo da folha salarial.

Míriam Leitão - Dia histórico na Argentina

- O Globo

Brasil e Argentina têm questões concretas a resolver. Deveriam cuidar disso e não das birras de Bolsonaro contra o governo que toma posse hoje

Quando o presidente Alberto Fernández receber o governo do presidente Maurício Macri será um momento histórico na Argentina: pela primeira vez desde 1928 um governante não peronista conclui seu mandato no tempo regulamentar. Para os países da América Latina, tristemente conhecidos por suas instabilidades políticas, é um fato a comemorar. Felizmente, o Brasil terá o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, presente na festa. Uma decisão de última hora. Com sua mente autoritária, Jair Bolsonaro só respeita eleições que ele ou seus amigos ganham.

Foi uma sucessão de birras o que o presidente fez desde que saiu o resultado das urnas argentinas. O ministro Osmar Terra, antes de se saber que o vice-presidente iria, disse ontem no Estúdio i que “o presidente tem o direito de tomar essa decisão”, referindo ao fato de que não enviaria representante. Não tem não, ministro. Governantes não tomam decisões de Estado por razões pessoais. As relações entre Brasil e Argentina vão muito além do governo de ocasião. As relações internacionais não podem ser comandadas pelo fígado. Da mesma forma que Bolsonaro disse que não respeitaria a eleição brasileira caso não fosse eleito, ele tem desde o primeiro momento se irritado com a decisão do povo argentino. Cada um de nós pode achar que os argentinos erraram. Ou acertaram. Um presidente da República, entenda ou não a grandeza do cargo, representa o país, o Estado brasileiro. E isso deveria pautar seus atos. Um ano não foi suficiente para que Bolsonaro entendesse o que é ser presidente.

Ricardo Noblat - Bolsonaro corteja a tropa

- Blog do Noblat | Veja

Generosa vivandeira de quartel
Quantas vezes você não leu que o presidente Jair Bolsonaro visitou uma unidade militar, participou de uma solenidade militar, condecorou militares, ou em discursos no Palácio do Planalto exaltou os prodígios dos seus ex-companheiros de farda? Sem falar das vezes que justificou a ditadura militar de 64 e o uso de torturas contra prisioneiros políticos?

Chamá-lo de vivandeira não seria um exagero. Foi o marechal Castelo Branco, o primeiro general-presidente da ditadura, que devolveu a expressão ao vocabulário político do país. Em agosto de 1964, no auditório da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, poucos meses depois de ter sido empossado, ele disse assim a certa altura do seu discurso:

– Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar.

Vivandeiras eram mulheres que seguiam as tropas e lhes prestavam favores. Mas Castelo Branco referia-se a políticos e empresários que assediavam chefes militares para que interviessem na vida do país. Foi como se comportou Bolsonaro depois que o Exército o afastou dos seus quadros. É como se comporta desde que chegou à presidência.

“Nada fazemos sozinhos. A grande âncora do meu governo são as Forças Armadas”, disse Bolsonaro, ontem, em um almoço no Clube Naval, em Brasília, comemorativo da promoção de novos oficiais das Forças Armadas. “Que amanhã, se Deus assim permitir, os senhores estarão aqui na frente, muito bem representando o nosso Brasil. Novos desafios, com Deus no norte”, completou.

Mais cedo, em cerimônia no Planalto, ele havia elogiado Garrastazu Médici, o terceiro general-presidente do ciclo de 64, e dito que os militares são responsáveis pela garantia da democracia e da liberdade. “Por momentos que veio a tragédia em nosso país, as Forças Armadas sempre se fizeram presentes. Alguns colegas nossos perderam a vida, mas nós resistimos”, proclamou.

Do ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo e Silva, Bolsonaro ouviu que as Forças Armadas têm recebido do governo “um cuidado especial”. E citou a aprovação do projeto de reestruturação da carreira e da aposentadoria dos militares. “Faltava preencher um vazio de décadas, resgatar o que temos de mais valioso: o militar e sua família”, disse o general.

Não falta mais.

O projeto manteve os militares como única categoria do país que não terá idade mínima para se aposentar e a única entre os servidores que continuará com aposentadoria integral. De início, a economia projetada pela equipe econômica do governo era de RS$ 92,3 bilhões em 10 anos. Mas como a reestruturação da carreira custará 86,8 bilhões de reais, caiu para R$ 10,455 bilhões.

Um presentão!

Haverá na história vivandeira de quartel mais sedutora do que Bolsonaro? Resta imaginar sobre o que ele espera receber em troca.

Os maus modos do ministro da Educação

Eliane Cantanhêde - Injustiça e desigualdade

- O Estado de S.Paulo

IDH toca na maior ferida do Brasil: desigualdade social. País rico, cidadãos pobres

O Brasil ficou na 79.ª posição geral e na quarta da América do Sul no IDH, atrás de Chile, Argentina e Uruguai, mas a pior notícia não é essa, é o pódium da desigualdade. O índice brasileiro vai melhorando devagar, mas continua péssimo e sem reduzir o gap triste e vexaminoso entre os mais pobres e os mais ricos. Simplesmente 1/3 da renda vai todinha para apenas o 1% de mais ricos.

Os avanços foram mais acentuados de 1990 a 2013, até que a crise Dilma Rousseff, com todos os seus fatores, estancou esses avanços. Em 2018, a melhora foi de um milésimo no IDH. O que puxou o freio foi a educação. Alguma surpresa? E há uma grande previsão de melhora?

Ao lado disso, a confirmação agora, como ocorre ano após ano, de que as mulheres estudam mais, mas ganham menos que os homens. Muito menos, aliás, em torno de 41,5%. Novamente, há alguma surpresa? E há uma grande previsão de melhora?

Rubens Barbosa* - O Mercosul em questão

- O Estado de S.Paulo

O bom senso e o pragmatismo devem prevalecer e, assim, o bloco sair fortalecido

A discussão sobre o futuro do Mercosul tornou-se urgente. Não se trata de um debate no vácuo ou teórico. Há uma situação real que tem de ser examinada à luz dos interesses concretos do governo e do setor privado.

Essa discussão tem necessariamente de levar em conta as recentes mudanças políticas e econômicas resultantes das últimas eleições no Brasil, com tendência liberal na economia, e a vitória do centro-esquerda na Argentina. O fim do isolamento do Mercosul, com a conclusão das negociações com a União Europeia (UE) e a Efta, mais as consequências de eventual redução da Tarifa Externa Comum (TEC), da ampliação da rede de acordos comerciais (incluído um improvável acordo com os EUA) e da repercussão da crise ambiental na Amazônia sobre a ratificação do acordo com UE e Efta, não podem ser descartados. Devem-se também ter presente as transformações globais que apontam para uma mudança do eixo econômico para a Ásia e a guerra comercial entre os EUA e a China.

Maia: Economia fraca se deve em parte a insegurança gerada por Bolsonaro

Presidente da Câmara disse ainda que entregará texto da reforma administrativa ‘independente da proposta do governo

Por Gabriel Vasconcelos | Valor Econômico

RIO - O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou ter convicção de que o fraco desempenho da economia brasileira neste ano se deve, em parte, à insegurança gerada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Maia criticou o governo mais de uma vez durante gravação do podcast "Ao ponto”, do Jornal O Globo, hoje no Rio de Janeiro.

"Tenho convicção que o crescimento [da economia] projetado no final do ano passado, de 2,5%, caiu para 1% muito em função dessa insegurança que o governo gerou nos primeiros seis, sete ou oito meses de governo", disse Maia.

Segundo o deputado, parte da equipe do governo, inclusive da área econômica, "mistura liberdade com libertinagem" e "trabalha sempre com a tese de tirar o Estado completamente da vida das pessoas".

"A gente sabe que não é isso. O que a sociedade quer é outro Estado, um Estado regulador que fiscalize e garanta serviços de qualidade, mas aí se mistura isso com uma certa libertinagem."

Ele citou o projeto da liberdade econômica enviado pelo governo ao Congresso. "Se fosse aprovar tudo que eles queriam, não ia ter mais fiscalização para nada no Brasil. Nesse extremo também não dá", disse.

Rogério Sobreira* - O que esperar do consumo das famílias e PIB em 2020

- Valor Econômico

Índices de confiança, crédito e renda sugerem baixa chance de expansão mais forte

Queda do desemprego se deu às custas de menor rendimento real médio efetivo e aumento da informalidade

Análises recentes têm enfatizado que, com a redução do gasto público decorrente do ajuste fiscal que vem sendo implementado, o crescimento do PIB brasileiro vai ser cada vez mais explicado pelo gasto privado, em um movimento de crowding-in, onde ganharia ênfase o consumo das famílias como um dos principais determinantes da expansão da demanda agregada, notadamente a partir de 2020.

A mediana das projeções dos analistas de mercado sinalizadas no Boletim Focus de 29/11/2019 aponta para um crescimento real do PIB de 2020 de 2,22%, a qual provavelmente será revisada para cima após a divulgação do PIB do terceiro trimestre de 2019. Temos razões para crer, contudo, que o consumo das famílias não terá a tração necessária para sustentar essa expansão.

O consumo das famílias é basicamente determinado pela renda disponível e também pelo quão permanente essa renda é percebida pelas famílias o que, no caso de estar ocupada, vai depender do quão confiante a família se sente a respeito da sua permanência nessa ocupação. Essa confiança vai se refletir também na disposição das famílias em assumir compromissos junto ao sistema bancário, ou seja, na sua disposição a se endividar, o que elevaria sua renda disponível e o consumo por conseguinte.

No que diz respeito à renda das famílias, os indicadores de rendimento real médio e massa de rendimento real médio mostram que, se houve uma recuperação da massa de rendimento real em comparação ao auge da crise recente, o rendimento real médio de todos os trabalhos apresentou uma piora em 2019. Assim, enquanto a massa de rendimento real sai de quase R$ 197 bilhões em janeiro de 2017 para pouco mais de R$ 212 bilhões em outubro deste ano, o rendimento real médio de todos os trabalhos sai de R$ 2,5 mil no mesmo mês de 2017 para R$ 2,3 mil em outubro de 2019. Esse quadro sugere que o aumento da massa de rendimento real efetivo de todos os trabalhos se deu muito provavelmente às custas de uma precarização dos postos de trabalho.

Maia critica propostas de pacote de Moro como ‘duras e radicais’

Maia destacou o papel dos partidos de centro para a aprovação de medidas de enfrentamento à crise econômica

Por Carolina Freitas e Gabriel Vasconcelos | Valor Econômico

SÃO PAULO e RIO - O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou ontem “excessos” do governo Jair Bolsonaro na área de segurança pública e disse esperar que o presidente da República perceba a importância da agenda econômica. Maia disputa desde o início do ano protagonismo com o Planalto, ao cobrar do presidente e da equipe econômica apoio na formulação e tramitação de reformas e projetos que considera prioritários. “O centro tem colaborado de forma decisiva para aprovação de matérias fundamentais para a recuperação econômica do país”, disse em São Paulo.

Ao explicar porque o excludente de ilicitude e o “plea bargain” ficaram de fora do pacote anticrime aprovado na semana passada pela Câmara, Maia classificou as medidas como “muito duras e radicais”. As propostas eram de autoria do ministro da Justiça, Sergio Moro, em consonância com Bolsonaro.

“Se o projeto anticrime estivesse sancionado com excludente de ilicitude, policiais que atuaram em Paraisópolis não seriam investigados”, afirmou o presidente da Câmara, em São Paulo, ao chegar para almoço com empresários.

Na madrugada de 1º de dezembro, ação da polícia militar de São Paulo terminou com a morte de 9 jovens, com idades entre 14 e 23 anos. A PM usou bombas de gás para dispersar centenas de pessoas que participavam de um baile funk e, ao mesmo tempo, bloqueou a passagem por vielas. O resultado foi que os participantes da festa ficaram acuados em passagens estreitas. As vítimas morreram sufocadas, segundo a perícia.

Ricardo Mendonça - O risco de ter ministros populares

- Valor Econômico

Situação soa como uma grande novidade no jogo político

Quando a ex-presidente Dilma Rousseff sofreu o impeachment, em 2016, alguém lembrou de um artigo profético que o historiador Luiz Felipe de Alencastro havia publicado em 2009. Antes do primeiro mandato da petista, o pesquisador alertava para o risco de colocar o já experientíssimo deputado Michel Temer no posto de vice - uma relação apresentada por ele como inédita. “Uma presidenciável desprovida de voo próprio na esfera nacional, sem nunca ter tido um voto na vida, estará coligada a um vice que maneja todas as alavancas do Congresso e da máquina partidária peemedebista”, argumentava ele em “Os riscos do vice-presidencialismo”.

O presidente Jair Bolsonaro não tem um vice ou auxiliares capazes de manejar todas as alavancas do Congresso. Não corre este risco específico, portanto. Mas, numa situação igualmente inédita, tem algo que talvez seja potencialmente tão ou mais perigoso que isso: ministros mais populares que o chefe.

Embora não haja séries históricas de pesquisas que permitam fazer uma afirmação definitiva, não parece arriscado dizer que a situação de ministros mais populares que o presidente soa, sim, como uma grande novidade no jogo político. Alguém imagina um Guido Mantega mais popular que Lula? Um Pedro Malan mais popular que Fernando Henrique?

Andrea Jubé - A vida noturna dos políticos

- Valor Econômico

Texto da Câmara deve prevalecer na reforma tributária

Uma das tiradas famosas de Ulysses Guimarães era de que a verdadeira política se faz à noite, depois que se encerram as votações no Congresso. O palco não é mais o Piantella, mas a regra continua atual: até hoje, depois das sessões de maior quórum no plenário às terças e quartas-feiras, os políticos se dispersam entre concorridos jantares.

Os cenários variam: as residências oficiais dos presidentes da Câmara e do Senado, casas de parlamentares ou empresários. Só o licor de pera de Ulysses é que deixou o cardápio.

Na noite de terça-feira, a estiagem após uma sucessão de temporais favoreceu a comemoração da aprovação da nova Lei de Franquias no Senado e mais uma rodada de articulações da reforma tributária.

O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), trocou cumprimentos, circulou entre os convidados, e saiu à francesa. “Ainda tenho de passar em mais dois jantares”, justificou.

O atual marco regulatório das franquias é um anacronismo porque uma lei de 25 anos rege um setor marcado pela inovação - pressionado por um comércio digital inimaginável para uma legislação de 1994 -, que hoje responde por 2,7% do PIB e gerou cerca de 1,4 milhão de empregos diretos neste ano. A projeção de faturamento para este ano é de 7% em relação a 2018, enquanto a economia brasileira deve crescer 1,1%.

Hélio Schwartsman - Bolsonaro, a verdade liberta

- Folha de S. Paulo

Datafolha traz más notícias para quem quer Bolsonaro longe do Planalto o quanto antes

O último Datafolha traz más notícias para a turma que quer ver Bolsonaro longe do Planalto o quanto antes. A reprovação ao governo parou de aumentar, estabilizando-se em torno dos 36%. É um índice muito ruim para quem está no primeiro ano do primeiro mandato --nessa mesma altura, FHC e Lula marcaram 15% de avaliações negativas; Dilma 6%--, mas o capitão reformado segue com o apoio de 30% do eleitorado.

O mais provável é que a polarização tenha acelerado um movimento de desgaste que, em condições normais, se distribuiria pelos quatro anos de mandato. Os eleitores que não são fãs ardorosos do presidente não esperaram para rejeitá-lo. A contrapartida disso é que o núcleo de apoiadores declarados também tende a ser mais sólido que o costumeiro numa avaliação de um ano de mandato.

O que deve tirar o sono dos antibolsonaristas é o fato de que a economia dá sinais de recuperação. Os 30% de apoio decidido, mais um crescimento moderado, mais a vantagem natural de quem disputa uma reeleição, que é da ordem de 80%, tornariam Bolsonaro um candidato bastante competitivo em 2022.

Ranier Bragon - Jesus gay

- Folha de S. Paulo

Ano 1 de Bolsonaro realça o obscurantismo carola, mas também a reação contrária

Como informou meu colega Fábio Zanini, grupos religiosos iniciaram uma campanha de boicote à Netflix em decorrência do especial de Natal do grupo Porta dos Fundos, "A Primeira Tentação de Cristo".

Jair Bolsonaro representa o empoderamento de denominações evangélicas com legitimidade e notáveis méritos, mas que ainda insistem em empunhar bandeiras medievais e anti-humanistas, como a homofóbica.

Assim como no especial de Natal de 2018 —"Se Beber, não Ceie", que levou o Emmy internacional de melhor comédia do ano—, o atual filme do grupo humorístico é de uma iconoclastia sem dó nem piedade.

Pablo Ortellado* - Barreiras de entrada

- Folha de S. Paulo

Proposta de partidos de ampliar fundo eleitoral quer apenas dificultar a entrada de novos atores na política

Uma ampla coalizão de partidos quer aumentar o fundo eleitoral que financiará as próximas eleições municipais. A ampliação do fundo tira recursos da saúde, da educação e da infraestrutura com o intuito de ampliar as barreiras de entrada para novos atores na política.

Reportagem da Folha mostrou que a ampliação do fundo eleitoral de R$ 2 bilhões para R$ 3,8 bilhões proposta pelo deputado Domingos Neto (PSD-CE), relator do projeto de lei orçamentária de 2020, deve retirar recursos da saúde (R$ 500 milhões), da infraestrutura (R$ 380 milhões) e da educação (R$ 280 milhões). O aumento teve o respaldo de PT, PP, PTB, MDB, PSD, PL, PSB, PSDB, PDT, DEM, Solidariedade e Republicanos e oposição do Novo, do PSOL e do Cidadania. O projeto deve ser votado na próxima semana.

O fundo eleitoral foi criado em 2017 para compensar as perdas causadas pelo fim do financiamento de campanhas por pessoas jurídicas determinada pelo Supremo Tribunal Federal em 2015.

Em 2018, primeiro ano de vigência do fundo, parte dos recursos foi compensada por cortes nos valores destinados às emendas parlamentares, o que o Congresso chamou de "cortar na carne". Para 2020, não apenas o fundo eleitoral não será compensado por cortes nas emendas como terá um acréscimo de 120% em relação ao valor de 2018 (R$ 1,7 bilhão).

Joel Pinheiro da Fonseca* - A injusta (e inevitável) opinião pública

- Folha de S. Paulo

É antiga a crença de que tudo de bom ou ruim é responsabilidade dos poderosos

Dois fiascos: as passeatas pró-governo organizadas aos domingos, com participação sempre decrescente; e os discursos de Lula, que prometiam mobilizar a população para ir às ruas, mas que já caíram no vazio.

A maioria da população não quer brigar por política; quer melhorar de vida. E, goste-se ou não do governo, o fato é que a vida tem melhorado nos campos que mais se fizeram presentes na campanha presidencial: economia (especialmente empregos), segurança e percepção de corrupção (não há escândalos bilionários sendo cobertos pela mídia).

Quando o assunto é economia, não precisamos partilhar do amor apaixonado que o empresariado devota ao presidente. Não vivemos nenhuma arrancada espetacular, mas seguimos sim na recuperação paulatina que vem desde o governo Temer e que dá sinais de estar ganhando tração graças ao juro baixo.

Na segurança pública, a melhora também vem desde 2018, quando os homicídios no país caíram 10%. Neste ano, as quedas expressivas começaram já em janeiro. Assim, a não ser que só de sentar na cadeira —e antes mesmo de qualquer ação concreta— Bolsonaro já tenha reduzido a violência, a queda atual tem outras causas que não o governo.

Nada disso importa, contudo, para o sentimento popular. Desde que temos registros, a humanidade vive em meio à crença supersticiosa de que tudo de bom ou ruim que aconteça é responsabilidade dos poderosos. Isso vale para o bem e para o mal. A alta no preço da carne não é culpa do governo. Mas a insatisfação fatalmente se dirige a ele, e não há argumento econômico que convença a população do contrário.

Entrevista: 'Governo promove combate aos Direitos Humanos', diz José Carlos Dias

No Dia Internacional dos Direitos Humanos, ex-ministro da Justiça avalia que situação no Brasil é a pior desde a redemocratização

Paula Ferreira | O Globo

BRASÍLIA - Criada em fevereiro deste ano, a Comissão Arns tem sido uma das principais organizações à frente da defesa dos direitos humanos no Brasil. Em entrevista ao GLOBO, o presidente do grupo e ex-ministro da Justiça, José Carlos Dias, afirma que o governo Bolsonaro promove um "combate aos direitos humanos". Aos 80 anos, ele diz que desde a redemocratização nenhum outro presidente adotou postura tão sistemática contra a área como Bolsonaro. A entidade, inclusive, já o denunciou ao Tribunal Penal Internacional por incitação a genocídio indígena .

Para Dias, o descaso com os direitos humanos também acontece a nível estadual e outros poderes da República não têm sido eficientes na garantia e defesa desses direitos fundamentais. Segundo ele, as violações acontecem em vários âmbitos e vão desde a tortura à censura e ao desrespeito à imprensa. Dias argumenta que os defensores dos direitos humanos precisam ocupar espaço também nas redes sociais para reduzir o impacto dos discursos de ódio propagados, sobretudo, por meio de notícias falsas.

O ex-ministro, que tem mandato na comissão até 2021, condenou a apologia a atos autoritários, como as declarações de pessoas ligadas ao governo sobre o AI-5, e defendeu que o governo desenvolva políticas eficazes, principalmente na área social, garantindo o direito à aprendizagem e ao saneamento básico.

Ao longo de 2019, a Comissão emitiu 11 notas públicas a respeito de violações de direitos humanos no país e em defesa de instituições. Nesse período, o grupo atuou em pelo menos 24 casos em defesa dos direitos humanos, entre eles, a execução de 15 pessoas no morro do Fallet, no Rio de Janeiro; contra mudanças previstas no pacote anticrime do ministro Sergio Moro ; e contra o contingenciamento promovido pelo governo nas universidades públicas. Além de pelo menos sete representações e denúncias, uma delas contra o decreto de extinção do Mecanismo Combate e Prevenção à Tortura. As ações integram uma minuta que servirá como base para o relatório que será lançado em fevereiro de 2020, com o balanço dos trabalhos da Comissão.

• Qual é a sua avaliação sobre o atual cenário de direitos humanos no Brasil?

Foi um ano muito difícil para o Brasil, muito penoso pelas violências praticadas em várias áreas. O discurso de ódio foi dirigido pelo presidente da República, estabelecendo em vários ministérios focos de preconceitos e de ataques infundados contra bandeiras de direitos humanos. Em termos de violações de direitos humanos, no caso ambiental, por exemplo, é uma barbaridade; o campo da cultura; da manifestação de pensamento através da imprensa; tudo isso foi atingido pela ação do governo.

Armênio Guedes logo após o AI-5: "Estou otimista..."

Caros (as)amigos (as)

A polêmica produzida pelo deputado Eduardo Bolsonaro a propósito do Ato Institucional n.º 5 (AI-5), repedida depois pelo próprio ministro Paulo Guedes, é de suprema gravidade por exibir um pendor autoritário. Na próxima sexta-feira (13/12/2019), completará 51 anos de sua edição.- o editor.

- Publicado na revista Temas – de Ciências Humanas, vol. 10, p. 71-91, São Paulo,1981

- Resolução política do CE da Guanabara do PCB (março de 1970)

Apresentação: Armênio Guedes

Em 1970, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) vivia um momento de grandes dificuldades políticas. E não era diferente a situação dos comunistas da antiga Guanabara, cujo Comitê Estadual havia sido eleito em 1967, na conferência preparatória do VI Congresso do Partido.

A derrota do movimento de massas em 1968/69 e a promulgação do AI-5, que liquidou os últimos restos de liberdades existentes no país após o golpe de 1964, colocaram as correntes políticas e o movimento operário e popular perante uma situação nova e complexa. As formas de luta e de organização que as forças democráticas deviam adotar a partir de posições necessariamente defensivas, de resistência, impostas por derrotas sucessivas após 64 e principalmente no período que se seguiu ao insucesso político de 68, nem sempre foram assimiladas com a rapidez que a situação do país exigia. Faltaram para isso a todas essas organizações – e entre elas o PCB – lucidez e agilidade políticas.

Muitos – pessoas e organizações –, levados pelo desespero e pela falta de perspectiva, se deixaram arrastar, com base numa análise falsa, para as posições da luta armada e do uso indiscriminado da violência, como formas únicas e exclusivas de ação política no combate para liquidar a ditadura. A um tal comportamento não estiveram alheios militantes e setores do PCB, que posteriormente dele se desligaram. Em 1970, apesar da condenação do VI Congresso ao "foco guerrilheiro" e a outras formas de luta que não apresentavam caráter de massa, ainda tinham influência nas fileiras do PCB muitas das idéias defendidas pelos "foquistas". Parcialmente influenciados por tais idéias, muitos membros do PCB vacilavam em realizar esforços para reconstruir o movimento de massas e, assim, colocar em prática a linha de resistência ao processo de fascistização do país, executado pelo regime mais abertamente após a adoção do AI-5. Essa não era certamente uma tarefa simples nas condições de repressão e terror então existentes; mas era o único caminho possível e viável para a resistência e o gradativo avanço das forças democráticas.

Foi para reagir a esse momento de dificuldades e confusões que a Comissão Política do CE da Guanabara decidiu lançar o documento de março de 1970. Tratava-se, de um lado, de um esforço para colocar em prática a linha aprovada pelo VI Congresso; e, de outro, para dar continuidade à tradição do Partido no Estado de ligação com as massas e de alianças com um amplo arco de forças democráticas e liberais.

Para a elaboração do presente documento, de minha autoria, foi decisiva a participação que pude ter nas discussões realizadas no interior da Comissão Política do CE, integrada também, entre outros, por Élcio Costa e João Massena de Mello, ambos eliminados pela ditadura durante os anos da repressão sangrenta de 1974/76. Depois de elaborado, o documento foi aprovado por unanimidade na Comissão Política e no Comitê Estadual, praticamente sem qualquer emenda.

Ao republicá-lo hoje, é relevante observar que algumas das teses nele defendidas só seriam levadas em consideração pela direção nacional do PCB alguns anos mais tarde, em 1973. Pode-se constatar, também, o acerto da análise e das previsões, o que é mais significativo quando se pensa que aquela era praticamente a primeira intervenção dos comunistas no novo quadro inaugurado com a edição do AI-5 e com o início do "milagre brasileiro", com todas as suas conseqüências e características. O texto resistiu ao tempo, dez anos após sua publicação.

Exatamente por isso, o documento não pode deixar de ser lido se se deseja conhecer um pouco da história da ação e das concepções do PCB durante os anos mais negros do regime criado pelo golpe de 64. Vem daí a idéia de republicá-lo.

Ao fazer isso, cumpre registrar, alto e bom som, que o documento não existiria sem a atividade do conjunto do Partido na Guanabara, em particular de seus organismos dirigentes e de base. Foi em nome dessa atividade, integralmente voltada para a organização da classe operária e das amplas massas do Brasil e para a conquista de uma democracia que se abrisse para o socialismo, que diversos companheiros foram presos, torturados e mortos, amargaram o exílio e tiveram suas vidas destroçadas. A eles, pois, e em particular a Élcio Costa e João Massena de Mello, deve ser sempre dedicado o documento que se segue.

São Paulo, março de 1981.

Resolução política do CE da Guanabara do PCB (março de 1970)

I) O período transcorrido da promulgação do AI-5 até agora foi marcado, politicamente, pelo avanço do processo de fascistização do país. Para levar avante seu programa antinacional, antidemocrático e antipopular, o regime criado pelo golpe de 64 vem, sucessivamente, a partir do AI-1, restringindo as liberdades civis, concentrando o poder nas mãos de uma minoria militar e usando o arbítrio e o terror como métodos de governo para dar solução aos problemas políticos na ordem do dia. Isso não constitui, evidentemente, um traço peculiar à modalidade brasileira do fascismo.
Aqui, como em todas as partes, ele se caracteriza por surgir e definir-se, antes de tudo, como um ataque violento, armado, contra as organizações e instituições democráticas, em geral, e contra as associações de trabalhadores, em particular.

Fazemos questão de insistir nesse ponto. Isto é, fazemos questão de estar sempre alertando para a mudança do regime político ocorrido no Brasil em resultado do golpe de abril de 1964.

O que a mídia pensa – Editoriais

O Brasil perde posição no IDH – Editoria | O Estado de S. Paulo

O Brasil voltou a cair no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas, que mede o bem-estar da população com base em indicadores de saúde (expectativa de vida ao nascer), educação (anos esperados de escolaridade e média de anos de estudo da população adulta) e renda nacional bruta per capita. Com um aumento de apenas 0,001 em relação ao ano anterior, o Brasil passou da 78.ª para a 79.ª colocação, entre 2017 e 2018, num total de 189 países avaliados. Quanto mais próximo o IDH for de um, maior é o desenvolvimento humano. O tema do IDH deste ano foi Além da renda, além das médias, além do hoje: desigualdades no século 21.

O primeiro colocado no ranking geral de IDH foi a Noruega (0,954), seguida pela Suíça (0,954) e pela Irlanda (0,942). Os três últimos colocados foram Chade (0,401), República Centro-Africana (0,381) e Níger (0,377). Na América do Sul, a primeira posição foi ocupada pelo Chile (0,847), seguido pela Argentina (0,830) e pelo Uruguai (0,808). Com IDH de 0,761, o Brasil ficou na quarta colocação, ao lado da Colômbia.

Música | Marisa Monte - Gentileza

Poesia | Carlos Pena Filho - A solidão e o seu desgaste

Frequentador da solidão, às vezes
Jogava ao ar um desespero ou outro,
Mas guardava os menores objetos
Onde a vida morava e o amor nascia.

Era uma carga enorme e sem sentido,
Um silêncio magoado e impermeável...
A solidão povoada de instrumentos,
Roubando espaço à andeja liberdade.

Mas, hoje, é outro que nem lembra aquele
Passeia pelos campos e os despreza
E porque sabe com certeza clara,

O princípio e o fim da coisa amada,
Guarda pouco da vida e o que retém
É só pelo impossível de eximir-se.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Opinião do dia: Pedro Malan* – Pelo diálogo sem escolha binária

A História registra numerosos exemplos de governos e governantes com “grande dificuldade” para controlar seus próprios instintos, paixões e interesses. Registra também tentativas de estabelecer relações diretas com a parte da população mais cúmplice de suas ilusões, incluída a ilusão da falta de limites ao exercício de seu poder. A tentação de ocupar a máquina pública com militantes fiéis e, principalmente, de utilizar as ferramentas do poder para combater os “inimigos” e intimidar vozes discordantes é mais comum do que parece.

É preciso resistir, em particular, a certa visão que neste momento aparentemente encontra ampla acolhida entre extremos do espectro político brasileiro, baseada na clássica formulação do alemão Carl Schmitt, para quem “a distinção política específica à qual ações e motivos políticos podem ser reduzidos é a distinção entre amigo e inimigo”. Para Schmitt, uma coletividade constitui um corpo político apenas na medida em que haja definido com clareza seus “inimigos”. E como mostrou Mark Lilla, para Schmitt tudo é potencialmente político: costumes morais, religião, economia, arte, cultura podem se tornar questões políticas, encontros com o inimigo, e transformar-se em fonte de deliberado, aberto e sempre renovado conflito.

Qualquer semelhança com situações que não nos são estranhas não é mera coincidência. Teremos menos de três anos à frente para tentar aprofundar esta discussão e encontrar as saídas que devem prevalecer em democracias (sem adjetivos). Saídas que deverão sempre passar pelo diálogo franco, pela resolução de diferenças e conflitos via soluções de compromisso, sem a famosa escolha binária entre o “nós e eles” que tanto mal causou e vem causando ao País.

* Economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC. * Economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC. "A ousadia da moderação", O Estado de S.Paulo, 8/12/2019.

Fernando Gabeira - A pós-verdade no poder

- O Globo

Dizer que a escravidão foi boa para os negros é um título de loucura que você não apenas pode como deve contrariar

Minha formação cultural se deu principalmente no século XX recheado de rocambolescas teorias revolucionárias. De um modo geral, eram apostas no futuro, uma inconsciente reconstrução do paraíso. Se há algo no século XXI para o qual custo a encontrar o tom adequado de lidar é esse período de pós-verdade, em que as evidências científicas ou não são atropeladas por narrativas grotescas.

O intelectual francês Bruno Latour considera que esse período foi de uma certa forma inaugurado por Colin Powell quando apresentou falsas evidências de armas de destruição em massa, antes da invasão do Iraque. Mas a tendência era muito mais forte, e aqui nos trópicos deságua no terraplanismo, na mamadeira de piroca, na crença de que o filósofo alemão Theodor Adorno escrevia as músicas dos Beatles, que John Lennon tinha um pacto com o diabo, que o rock leva ao aborto, que por sua vez leva ao satanismo. Como lidar? Às vezes, lembro-me da infância e dos conselhos paternos muito presentes nos adultos mineiros: não contrariar.

Lembro-me de uma ambulância que parou na porta do vizinho, um grupo se formou e, sem contato com os médicos e enfermeiros, alguém afirmou: “Foi leite com manga, certamente foi leite com manga que derrubou o vizinho”.

Essa ideia de não contrariar as afirmações malucas me acompanhou nos anos de juventude. No livro “O que é isso, companheiro?”, relato o caso de um louco que acordou gritando quando estávamos presos em Ricardo de Albuquerque. Ele tentava em voz alta, desesperadamente, ajudar a encostar um caminhão imaginário e às vezes se alarmava: “Vai bater, vai bater”.

Não conseguíamos dormir com aquele barulho. O único caminho foi ajudá-lo também em voz alta a encontrar o caminhão. Avançamos num ritmo conjunto até que conseguimos estacionar aquele maldito caminhão nas nossas exíguas celas de um distrito policial.

Cacá Diegues - Indispensável Fênix

- O Globo

Mesmo que tentem nos impedir de fazer os filmes que desejamos fazer, o cinema brasileiro não vai acabar nunca

O Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, cuja 52ª versão acaba de se encerrar, é o mais antigo do país. Vi-o nascer e participei de sua inauguração com meu segundo longa-metragem, “A grande cidade”, em 1967. O festival tinha sido criado como um foco de resistência cultural à ditadura que então se instalava no Brasil. Uma ideia de Paulo Emílio Salles Gomes e da turma da Universidade de Brasília, o festival se tornaria, ao longo dos anos, uma plataforma de difusão e reconhecimento do moderno cinema brasileiro.

Hoje, mais de 30 anos depois do fim da ditadura, vivemos no Brasil a ameaça de um novo tempo de intolerância e barbárie. O presidente nomeado da Fundação Palmares diz que que a escravidão foi benéfica para os negros. O da Funarte declara que Elvis Presley e os Beatles planejavam implantar o comunismo no Ocidente. E o da Biblioteca Nacional garante que Caetano Veloso e Renato Russo são responsáveis pelo analfabetismo no Brasil. E ainda temos o ministro da Educação, a afirmar que nossas universidades são uma balbúrdia, que se dedicam à plantação de maconha.

O cinema tem sido alvo preferencial dessa insensatez, nos levando a um dramático paradoxo — vivemos o melhor momento da história do cinema brasileiro, produzindo cerca de 170 filmes no ano passado, com prêmios e sucessos no Brasil e no exterior, enquanto somos ameaçados de extinção pelo poder público nacional que nos quer ver pelas costas.

Rosiska Darcy de Oliveira - Não é justo

- O Globo

O perigo mortal não vem das favelas, vem de dentro de cada um

Na madrugada, o barulho de gente correndo pelos becos de uma favela. No fim do beco uma grade, como nas prisões. Encurralados, morrem nove, outros são feridos. Sem saída. Como em um pesadelo. Eram adolescentes, quase crianças, que se divertiam numa festa. Não estarão em casa no Natal.

Há vídeos que mostram a polícia jogando bombas, batendo com cassetetes nos que tentam escapar ao tumulto. A cena é degradante, o gesto inominável. Uma autoridade põe em dúvida a veracidade das imagens, e o governador de São Paulo, o rosto gélido em que pretende imprimir a firmeza e a autoridade que os fatos desmentem, reafirma a eficácia da polícia e a continuidade de seus métodos. Dias depois, confrontado às mães das vítimas, admite “rever protocolos”. Não é justo.

Não é justo é o que dizem todos os pais e mães que mandam os filhos à escola e recebem de volta um cadáver e uma camiseta ensanguentada. Na dor da impotência face à impunidade gritam essa queixa. Mais um “erro operacional grave” da polícia, na expressão do ministro da Justiça. Erro? Não, impunidade que autoriza a reincidência.

Ricardo Noblat - Mais uma estupidez de Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

Contra Fernández e Rodrigo Maia
Pouco mais de 2.860 quilômetros separam Brasília de Buenos Aires. Distância que se percorrida de carro levaria 35 horas. Mas se o tempo político fosse usado como medida, a distância entre as duas capitais pelo menos ontem pareceria quase instransponível.

Numa, o presidente Maurício Macri e seu sucessor Alberto Fernández rezaram juntos na Basílica de Luján, o maior santuário em homenagem à Virgem Maria na Argentina, e depois se abraçaram. Amanhã será o primeiro dia de governo de Fernández.

Na outra, o governo brasileiro confirmou que não mandará representante à cerimônia de posse do novo presidente argentino. O país agora sob o comando de Fernandéz é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás da China e dos Estados Unidos.

Bolsonaro meteu-se na eleição argentina para tentar reeleger Macri. Pediu votos e ameaçou rever a parceria entre os dois países caso Macri fosse derrotado. Durante a campanha, Fenández visitou Lula, preso em Curitiba, e defendeu sua libertação.

Na semana passada, acompanhando de líderes de vários partidos, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, reuniu-se com Fernández em Buenos Aires e ouviu dele que Brasil e Argentina são países irmãos e devem conviver fraternalmente.

Denis Lerrer Rosenfield* - Atos institucionais

- O Estado de S.Paulo

Questões centrais são trazidas à discussão, sem medo das patrulhas ideológicas da esquerda

A polêmica suscitada pelo deputado Eduardo Bolsonaro a propósito do Ato Institucional n.º 5 (AI-5), respaldada depois pelo próprio ministro da Fazenda, é da maior gravidade por expor um pendor autoritário. Atos institucionais, como os que caracterizaram a ditadura militar de 1964, são derivados de uma ruptura institucional, a partir da qual um novo regime é estabelecido. Não são atos constitucionais, mas resultam da violência instaurada por um “golpe”, por uma “revolução”, ou qualquer outro nome que se queira dar. A questão reside em que são instrumentos jurídicos provenientes do uso da força, que rompe a ordem constitucional vigente. Dá para brincar com declarações desse tipo?

Não dá para compreender o AI-5 sem remontarmos aos atos anteriores, em particular o AI-1. A perspectiva histórica é importante. O primeiro ato do regime militar foi resultado de uma tomada de poder por via da ruptura institucional e constitucional. A quebra da ordem jurídica situa-se fora da Constituição, que se torna subordinada ao ato de força e à sua nova legalidade, que passa então a vigorar.

Em 1964, primeiro foi produzida a ruptura, depois a nova legalidade, sob a forma do AI-1. Consumada a tomada do poder, o jurista Francisco Campos, homem culto e competente, com longa ficha de serviços prestados ao presidente Getúlio Vargas, tendo redigido a Constituição de 1937, foi chamado pelo ministro da Guerra, Costa e Silva, para dar forma jurídica ao novo regime. Após uma conversa entre ambos, Francisco Campos sugeriu que não era necessário seguir a Constituição de então, pela singela razão de que ela não estava mais sendo cumprida, de qualquer maneira; uma alternativa legal seria mais condizente com a conquista do poder.

Bruno Carazza* - Poço sem fundo

- Valor Econômico

2020 é o patamar para ainda mais dinheiro em 2022

Peço desculpas às leitoras e aos leitores pela insistência. Pode parecer falta de assunto, mas nos tempos atuais, analistas políticos não têm do que reclamar - da pressão em favor da prisão em segunda instância à recente investida de Bolsonaro contra a classe artística, desta vez vedando sua participação no regime tributário especial do MEI, há excesso de matéria prima para colunas. Apesar disso, volto ao tema do aumento do fundo eleitoral porque considero não haver nada mais central para a configuração da política brasileira nos próximos anos.

Caso o Congresso venha a ratificar a proposta de elevar a dotação orçamentária do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas para R$ 3,8 bilhões em 2020, os partidos brasileiros conseguirão a façanha de extrair, do Erário, mais recursos do que obtinham das grandes empresas até 2014, quando o STF decidiu acabar com a farra das doações privadas misturadas com propinas do petrolão, do trensalão e de muitos outros esquemas de corrupção.

Projetando recursos do fundo partidário em torno de R$ 1 bilhão ao ano, mais duas parcelas de R$ 3,8 bilhões do fundo eleitoral em 2020 e 2022, serão quase R$ 12 bilhões de dinheiro público distribuído no atual ciclo eleitoral. E como a alocação desse dinheiro segue regras que privilegiam quem foi bem-sucedido nas urnas em 2018, as maiores fatias desse bolo ficarão com PSL (R$ 1,3 bilhão) e PT (R$ 1,2 bilhão). Na sequência, um grupo de nove partidos, do PSDB ao PDT, terão direito a um total que ficará entre R$ 560 milhões e R$ 700 milhões. Não é à toa que é justamente esse grupo de legendas (PSL, PT, PSDB, PSD, PP, MDB, PSB, PL, Republicanos, DEM e PDT, mais PTB e Solidariedade) que lidera o movimento para aumentar o fundão, numa coalizão baseada numa única ideologia: sangrar os cofres públicos para multiplicar suas chances de permanecer no poder.

Sergio Lamucci - Os efeitos de um crescimento mais forte

- Valor Econômico

PIB mais forte pode deixar erros do governo em segundo plano

A recuperação da economia brasileira enfim ganha fôlego, com vários analistas apostando num crescimento acima de 2% em 2020 - Bradesco e Credit Suisse, por exemplo, projetam expansão de 2,5% no ano que vem. O grande destaque pelo lado da demanda deverá ser o consumo das famílias, mas também há sinais de um desempenho melhor do investimento, ainda que não se espere um resultado exuberante. São boas notícias para um país com 12,4 milhões de desempregados, que viu o Produto Interno Bruto (PIB) afundar 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016 e depois avançar a uma taxa pouco superior a 1% por três anos seguidos. A expansão do crédito, a queda forte dos juros e a redução das incertezas sobre a sustentabilidade das contas públicas, com a aprovação da reforma da Previdência, formam um quadro mais favorável para a aceleração da atividade.

Essa perspectiva de melhora é sem dúvida bem-vinda, mas não deveria ofuscar os problemas na orientação do governo Jair Bolsonaro em áreas como educação, ambiente e relações exteriores -e por vezes na própria economia. A falta de rumo na educação, por exemplo, é um obstáculo para o país conseguir melhorar a qualidade do capital humano e, com isso, a produtividade. Em vez de definir diretrizes claras para dar prioridade à educação básica, o ministro Abraham Weintraub perde tempo em polêmicas estéreis.

Marcus André Melo* - Evo e Salvini

- Folha de S. Paulo

A reversão autoritária parece doença para a qual se adquire imunidade com o tempo

Passaram-se já três meses que Matteo Salvini perdeu o cargo de vice-primeiro ministro, que acumulava com a pasta da Justiça. Sua jogada política malogrou: apostava que a moção de desconfiança que apresentou levasse a uma nova eleição em que seria vitorioso. Il capitano, que encarnava mais que ninguém a figura de líder populista radical, perdeu, mas o episódio não deixou traumas ou qualquer tensão institucional na Itália.

Evo Morales caiu em meio a protestos de massa contra a fraude nas eleições presidenciais que fora detectada pela OEA e que prejudicava seu adversário, Carlos Mesa. O Tribunal Constitucional que deveria arbitrar o conflito estava desmoralizado desde que chancelou a candidatura de Evo pela quarta vez.

As ruas prevaleceram após a recusa dos militares em reprimi-las. Não há novidade alguma aqui: os dois ex-presidentes anteriores soçobraram da mesma forma. O próprio Carlos Mesa naufragou, em 2005, em meio a protestos massivos e bloqueios de estradas, liderados por Morales. Antes, em 2003, manifestações de rua também sob seu comando levaram à derrocada do governo de Sanchez de Lozada (2002-2003).

Celso Rocha de Barros* - Tabata e Freixo

- Folha de S. Paulo

Votos do deputado no pacote anticrime e de pedetista na Previdência têm semelhanças

Na última quarta-feira (4), o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) comemorou a aprovação do pacote anticrime de Sergio Moro sem o excludente de ilicitude, a prisão em segunda instância e o plea bargain.

O deputado, que participou do grupo de trabalho responsável pelo projeto na Câmara dos Deputados, votou a favor do projeto resultante dessas exclusões, e comemorou as modificações que conseguiu garantir através da negociação parlamentar. Além de Freixo, a maior parte da esquerda também votou a favor do projeto modificado.

Parte da militância de esquerda criticou a comemoração de Freixo. A deputada Talíria Petrone, também do PSOL fluminense, votou contra o pacote. Publicou um texto em seu site em que reconhecia o valor das modificações, mas argumentava que o que ficou ainda é ruim. Petrone cita exemplos de medidas de fato perigosas que foram mantidas no pacote, como a possibilidade de gravar conversas entre cliente e advogado.

Não tenho a menor dúvida de que Freixo concorda que o pacote aprovado ainda inclui coisas ruins. Seu argumento, que considero correto, é que o pacote seria pior se não fosse a negociação conduzida pela esquerda no Congresso, em aliança com partidos da centro-direita. A esquerda é minoritária no Congresso. Nesse contexto, a discussão sobre propostas ideais são só exercícios teóricos.

No curto prazo, parece claro que a versão sem o voto da esquerda mataria mais gente. Se a esquerda optasse por votar contra o pacote para reafirmar sua posição, isso só geraria frutos positivos se e quando esse gesto de protesto se convertesse em maioria parlamentar e uma lei melhor. Até lá, quanta gente a mais morreria?

Críticos de Freixo apontam que o voto a favor do projeto modificado confere legitimidade a uma visão de segurança pública baseada exclusivamente na repressão sem controle. É um risco. Mas a escolha era entre esse risco e a certeza de que o excludente de ilicitude mataria muita, muita gente. E a luta para tornar a repressão ao crime mais inteligente e menos injusta não acaba aqui.

É difícil não notar a semelhança entre o voto de Freixo no pacote anticrime e o voto da deputada Tabata Amaral (PDT-SP) na reforma da Previdência. A deputada paulista também votou por um projeto que era muito superior ao de Paulo Guedes, também se aproximou da centro-direita de Rodrigo Maia para evitar um desastre bolsonarista, também foi criticada pela esquerda.

Há diferenças entre os dois casos. Freixo pode dizer, com razão, que, se o projeto modificado não fosse aprovado, um pior seria apresentado, o que não era tão claro no caso de Amaral. Mas Amaral pode dizer, com razão, que havia muito mais razão para aprovar a reforma da Previdência do que o pacote anticrime.

O que os dois casos têm em comum é o problema da política de esquerda em tempos de Bolsonaro.

Qualquer participação no jogo pode, sim, normalizar o autoritarismo do presidente da República. Mas sair do jogo pode deixar a oposição institucional inteiramente na mão de uma centro-direita que entra com um braço amarrado pelo apoio a Guedes.

Em um contexto muito difícil, em que posições contrárias também merecem ser levadas em conta, acho que tanto Tabata Amaral quanto Marcelo Freixo votaram certo. E gostaria de uma esquerda que incluísse os dois.

*Celso Rocha de Barros, Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).