- Valor Econômico
Índices de confiança, crédito e renda sugerem baixa chance de expansão mais forte
Queda do desemprego se deu às custas de menor rendimento real médio efetivo e aumento da informalidade
Análises recentes têm enfatizado que, com a redução do gasto público decorrente do ajuste fiscal que vem sendo implementado, o crescimento do PIB brasileiro vai ser cada vez mais explicado pelo gasto privado, em um movimento de crowding-in, onde ganharia ênfase o consumo das famílias como um dos principais determinantes da expansão da demanda agregada, notadamente a partir de 2020.
A mediana das projeções dos analistas de mercado sinalizadas no Boletim Focus de 29/11/2019 aponta para um crescimento real do PIB de 2020 de 2,22%, a qual provavelmente será revisada para cima após a divulgação do PIB do terceiro trimestre de 2019. Temos razões para crer, contudo, que o consumo das famílias não terá a tração necessária para sustentar essa expansão.
O consumo das famílias é basicamente determinado pela renda disponível e também pelo quão permanente essa renda é percebida pelas famílias o que, no caso de estar ocupada, vai depender do quão confiante a família se sente a respeito da sua permanência nessa ocupação. Essa confiança vai se refletir também na disposição das famílias em assumir compromissos junto ao sistema bancário, ou seja, na sua disposição a se endividar, o que elevaria sua renda disponível e o consumo por conseguinte.
No que diz respeito à renda das famílias, os indicadores de rendimento real médio e massa de rendimento real médio mostram que, se houve uma recuperação da massa de rendimento real em comparação ao auge da crise recente, o rendimento real médio de todos os trabalhos apresentou uma piora em 2019. Assim, enquanto a massa de rendimento real sai de quase R$ 197 bilhões em janeiro de 2017 para pouco mais de R$ 212 bilhões em outubro deste ano, o rendimento real médio de todos os trabalhos sai de R$ 2,5 mil no mesmo mês de 2017 para R$ 2,3 mil em outubro de 2019. Esse quadro sugere que o aumento da massa de rendimento real efetivo de todos os trabalhos se deu muito provavelmente às custas de uma precarização dos postos de trabalho.
Assim, embora tenham sido criados cerca de 767 mil postos de trabalho formais até outubro de 2019, o que levou à queda na taxa de desocupação para 11,6%, isso não só se deu às custas de um menor rendimento real médio efetivo como também foi acompanhado de um aumento na informalidade. O número de trabalhadores sem carteira assinada (nível de informalidade) chegou a mais de 44,2 milhões de pessoas no terceiro trimestre de 2019 ou 41,6% da força de trabalho, sendo este o percentual mais elevado da série recente.
A combinação de todos esses fatores faz com que as famílias venham apresentando um nível de confiança nas condições da economia ainda baixo, o que se reflete na sua ainda baixa disposição em elevar o consumo, tal como refletido no Índice de Confiança do Consumidor (ICC) da Fecomércio-SP. Em outubro de 2019 o ICC foi igual a 111,8, ainda bastante inferior ao que foi observado antes da recente recessão - em janeiro de 2013, por exemplo, o ICC estava em 160,6.
Esse comportamento é observado tanto para os consumidores que recebem até 10 salários mínimos quanto para aqueles que perfazem mais de 10 salários mínimos mensais. Comportamento semelhante é observado em relação ao ICC da Fundação Getulio Vargas, que apresentou recuo em outubro de 2019 (89,4) em relação ao valor que foi observado em setembro (89,7). Tal quadro fica ainda mais evidente quando se observa o comportamento do Índice das Condições Econômicas Atuais (ICEA) da mesma Fecomércio-SP que, em outubro do corrente ano exibia um valor de nada menos que 95,2, contra um ICEA de 156,1 no mesmo janeiro de 2013.
Essa baixa disposição a elevar o consumo também está refletida em um ainda baixo nível de endividamento das famílias. O mesmo representava 30,75% da renda acumulada dos últimos 12 meses em janeiro de 2013, por exemplo, excluindo-se o crédito imobiliário (44,01% se o crédito imobiliário for incluído), e encontrava-se em 26,16% (44,82% se incluído o crédito imobiliário) em setembro de 2019, mesmo levando-se em conta o quadro de taxas de juros historicamente baixas e taxas de inadimplência também bastante reduzidas (3,75% em setembro).
Tal quadro é ilustrado também pelo comportamento da demanda esperada e da demanda observada por crédito para o consumo tal como indicado no Índice de Condições de Crédito do Banco Central que chega a 0,58 para a demanda esperada e 0,47 para a demanda observada no terceiro trimestre de 2019, onde um indicador no intervalo entre 0 e 1 indica condições de crédito basicamente inalteradas a moderadamente favoráveis.
Este quadro se reflete no comportamento do consumo das famílias quando se compara o crescimento do mesmo no trimestre contra o trimestre imediatamente anterior e o crescimento do trimestre contra o mesmo trimestre do ano anterior, de acordo com o IBGE. Assim, se a taxa do terceiro trimestre de 2019 em comparação com o trimestre anterior foi elevada (0,6%, a maior do ano até o momento), quando se compara a taxa do terceiro trimestre com igual período do ano anterior percebe-se que a evolução não foi tão substantiva (1,9%), o que parece indicar uma aceleração do consumo ainda muito tênue.
É certo que as medidas de estímulo à demanda implementadas recentemente, como por exemplo a permissão para sacar o FGTS indicada na Medida Provisória 889, bem como a distensão promovida na política monetária terão impacto no consumo das famílias mas, como visto, as mesmas não implicam (ainda) uma melhora estrutural dos determinantes dessa demanda, em especial no que diz respeito ao nível de confiança do consumidor, à expectativa de permanecer empregado e à precarização do emprego na forma de um menor rendimento real e um maior grau de informalidade.
Em um ambiente, portanto, onde as famílias se mostram recalcitrantes na sua disposição a consumir, somado a um menor impulso na demanda pelo lado do governo, em todos os níveis, e a um ambiente externo desafiador, seja por conta dos efeitos incertos da guerra comercial entre EUA e China, seja por conta de um menor crescimento global, mesmo as medidas recentemente sinalizadas na Medida Provisória 905, que levam a um menor custo de contratação da mão-de-obra, têm sua eficácia sobremaneira reduzida.
Logo, salvo uma melhora no ambiente externo, combinada a uma elevação no investimento, público e privado, não devemos esperar que o consumo das famílias tenha força suficiente para explicar uma expansão mais forte do PIB em 2020.
*Rogério Sobreira, doutor em Economia (IE-UFRJ), foi diretor financeiro e de gestão de crédito do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BMDG), vice-diretor da FGV/DAPP e professor-associado de Finanças e Macroeconomia, FGV/EBAPE (2002-2012).
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