domingo, 2 de fevereiro de 2020

Opinião do dia – Hegel* (A arte)

O Espírito, na finitude da existência, na sua limitação e na sua dependência do exterior, é incapaz de reencontrar sua verdadeira e imediata liberdade, bem como a fruição dessa liberdade, o que o obriga a procurar num plano superior a satisfação de sua exigência de liberdade. Esse plano é a arte, e a realidade da arte é o ideal.

*Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), filósofo alemão. É, unanimemente, considerado um dos mais importantes e influentes filósofos da história. “Estética – a ideia e o ideal”, p. 77. Os Pensadores, Editora Abril Cultural, 1985.

Fernando Henrique Cardoso* - Angústias e crença

- O Estado de S. Paulo / O Globo

É pena ver o governo mergulhado em crenças atrasadas que podem prejudicar nosso destino

Fim e começo de ano são épocas de balanço pessoal, familiar, das empresas e mesmo do País. Sem maiores pretensões, direi umas poucas palavras sobre o mais geral: o que me preocupa ao ver o Brasil como nação.

Primeiro, a maior angústia coletiva: levantar o gigante de seu berço. Tarefa que vem sendo feita ao longo de gerações. É inegável que houve avanços, alguns consideráveis. Bem ou mal, de uma sociedade agrário-exportadora, que usava escravos como mão de obra, o País passou a dispor de uma economia urbano-industrial, baseada no trabalho livre. Para isso não só as migrações internas, como a imigração foram fundamentais. Com elas se acentuou nossa diversidade cultural.

Hoje somos uma nação plural, na qual a contribuição inicial dos portugueses se robusteceu muito, não apenas por havermos conseguido passar da escravidão para o trabalho livre, mas também por termos incorporado os negros à nossa sociedade (embora ainda de forma parcial) e em nossa cultura. Incorporamos também um significativo conjunto de pessoas vindas da Europa latina e de outros segmentos populacionais do continente europeu, além de árabes e asiáticos, sobretudo japoneses. E desde o início da colonização houve miscigenação com as populações autóctones.

Dado o mosaico, será que conseguimos de verdade criar uma nação consciente de seu destino comum e acreditar que ele seja bom? Esse é o desafio que explica parte de nossas incertezas. Hoje somos muitos, mais de 210 milhões de pessoas habitam o Brasil. Nossa força, como também nossas dificuldades se ligam ao tamanho dessa população: somos muitos, diferentes e desiguais. Não me refiro à desigualdade provinda da diversidade, que nos enriquece, mas da que mantém na pobreza boa parte dos nossos conterrâneos. Esta é outra fonte de nossas angústias: como envolver num destino comum, de prosperidade e bem-estar, tanta gente social, cultural e economicamente desigual? Se há algo a admirar nos Estados Unidos é que, como nação, e apesar de existirem as mesmas, e até maiores, diversidades e confrontos entre seus habitantes, eles conseguiram criar e transmitir o sentimento de que “estão juntos”. A crença nos valores da pessoa humana, da democracia e da liberdade, que a Constituição americana expressa, serviu de cimento para que os Estados Unidos avançassem.

Alberto Aggio* - Bolsonaro, ano 1

Ele veio como um terremoto, mobilizando as profundezas da sociedade. Assustou, verdadeiramente. E continua a assustar, pois o tremor que se sentiu continua, dia após dia, sob fogo cerrado de um discurso intolerante e de uma linguagem marcada pela confrontação permanente, sem remissão nem acordos. Em meio ao turbilhão que se instalou com a vitória e ascensão ao poder de Jair Bolsonaro, já é tempo de entender que ele não veio “do nada”. O antipetismo que se formou desde as manifestações de 2013 até o impeachment de Dilma Rousseff foi o que essencialmente o elegeu. Mas há mais do que isso.

É necessário, de saída, reconhecer que Bolsonaro foi eleito dentro dos parâmetros democráticos que nos guiam e, portanto, sua vitória está coberta de legitimidade. Interessa a Bolsonaro ultrapassar a imagem de que seu êxito representou apenas um instante fugaz. Quer conclamar homens e mulheres a segui-lo e refazer o caminho de sua vitória eleitoral, rumo a outra, a de 2022. Mesmo com os olhos mergulhados no passado, busca alterar o tempo histórico. Mais importante do que conquistar posições que lhe garantam trânsito sustentável em direção ao futuro, importa instituir um movimento, em tempo curto, que o leve a mais um mandato.

No já longínquo 2018, o candidato derrotado do PT, Fernando Haddad, balbuciou palavras referentes à “resistência” de uma “outra nação”, mas permaneceu imóvel, como seu partido, esperando a “soltura” de seu guia, que continuaria a vociferar como antes, reiterando que nada mudara em sua visão. Diferentemente de Bolsonaro, Lula movimenta-se no sentido de voltar a ter posições mais favoráveis nas relações de força que compõem o difícil e complexo terreno da política brasileira nos dias que correm. Na linguagem preferida do velho líder: “corre muito, quer o jogo concentrado nele, mas marca poucos gols”!

A consigna de “resistência” a Bolsonaro foi aceita quase que generalizadamente, mas deveria ser traduzida por uma estratégia de construção de uma “oposição democrática” no corpo das instituições, na opinião pública e na sociedade, cuja principal missão deveria ser a de evitar que “as inclinações autoritárias do presidente eleito e do seu entorno” se transformem em “regime político”, como expusemos em Política Democrática Online 2, em novembro de 2018 (pp.18-19). Transcorrido um ano do governo Bolsonaro, não parece que tal objetivo tenha perdido sua validade, muito ao contrário. Atesta-se, por outro lado, a incapacidade do PT em dar corpo e solidez a essa estratégia.

Merval Pereira - Nossa geleia geral

- O Globo

Lula e Bolsonaro são autoritários, mas não têm características suficientes para rotulá-los como comunista ou fascista

A política brasileira nos últimos anos vive em uma espécie de bolha, trancada em uma pseudo realidade que cada grupo político cria para si e para os adversários, que se tornam inimigos a serem aniquilados.

O governo Bolsonaro diz-se liberal na economia e conservador nos costumes, e é chamado de fascista. Os governos do PT são acusados de terem tentado implantar o comunismo no Brasil.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, defende a tese de que o Brasil foi governado pela social-democracia nos últimos 24 anos, misturando na mesma panela os governos do PSDB, PT e PMDB. Todos com diversos matizes de esquerda. O PT acusava o PSDB ser ser de direita.

Como se vê, uma mistura que não faz sentido, serve apenas para emparedar adversários, rotula-los e facilitar os ataques. É fácil dizer que Bolsonaro é fascista, assim como que Lula é comunista. Mas os dois são mesmo autoritários, uma das características de governos fascistas ou comunistas, mas não suficientes para assim declara-los.

Dizer que o PSDB é de direita transformou-se em instrumento político petista para encurralar os tucanos, no tempo em que ninguém queria ser de direita no Brasil e os dois partidos dividiam entre si a disputa política. O máximo que políticos hoje apoiando o governo Bolsonaro admitiam é serem de centro-direita.

Bernardo Mello Franco - Algo de novo no front

- O Globo

Em contato com Lula e FH, Flávio Dino tenta arejar o campo da esquerda. Com perfil conciliador, ele defende uma frente ampla para derrotar Bolsonaro em 2022

Ainda é cedo para saber quem serão os adversários do bolsonarismo em 2022. Mas a movimentação do governador do Maranhão, Flávio Dino, indica que há algo de novo no front da esquerda. Ele é filiado ao PCdoB, que nunca lançou candidato ao Planalto.

Maior partido de oposição, o PT permanece nas cordas desde a derrota de 2018. Mesmo com Lula livre, não consegue mobilizar as ruas nem incomodar o governo. Parte da paralisia é atribuída a Fernando Haddad.

Depois de receber 47 milhões de votos, o ex-ministro voltou à universidade e se distanciou dos eleitores. Limita-se a escrever artigos e comentar notícias no Twitter. Seu canal de entrevistas tem 27 mil inscritos, uma audiência irrisória diante de qualquer youtuber bolsonarista.

É neste vazio que Dino começa a se projetar como alternativa. Ele se reelegeu numa coligação de 16 partidos, que uniu o PCdoB ao DEM. Agora defende a montagem de uma frente ampla para impedir a reeleição de Bolsonaro.

O governador tem ampliado suas conversas para além da esquerda. Nas últimas semanas, esteve com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e com o apresentador Luciano Huck, xodó dos órfãos do PSDB. Também mantém contato frequente com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Míriam Leitão - A democracia está em risco?

- O Globo

Cientistas políticos discutem se a democracia brasileira está em risco, mas concordam que o presidente Jair Bolsonaro estressa as instituições

Uma questão está posta na ciência política brasileira: a democracia no país está correndo riscos ou as instituições estão fortes? Há os que acham que ela tem se enfraquecido a cada novo ataque disparado diretamente pelo presidente da República. Há os que, mesmo reconhecendo problemas, dizem que as instituições vêm respondendo à altura. O ponto principal, contudo, é se é normal que todos tenham que ficar de prontidão para defender a democracia contra os ataques feitos pelo próprio presidente.

Eu, sinceramente, não acho normal. Contudo, acompanho a discussão e ouvi cientistas políticos dos dois lados. Ao ser perguntada se a democracia brasileira corre riscos no governo Bolsonaro, Daniela Campello, da FGV, PhD pela Universidade da Califórnia, diz o seguinte:

— A resposta é um sonoro sim. Está em risco como não esteve nos últimos 30 anos e eu acho sobretudo que o fato de ter havido reação das instituições não é motivo para comemoração nem para descansar. Há um discurso muito agressivo contra a democracia e as instituições que não aconteceu em governos anteriores. Os ataques não podem ser naturalizados.

O cientista político Rogério Schmitt, da Empower Consultoria, com doutorado pelo Iuperj, admite que o governo atual é muito “diferente” dos anteriores, mas diz que quem olha para as estatísticas não vê riscos:

— Eu prefiro sempre olhar os dados. Acho que a gente precisa definir qual é a nossa variável dependente. O que estamos medindo? O apoio ao regime democrático nas pesquisas de opinião continua alto. Em janeiro, saíram duas sondagens mostrando que 60% a 65% dos brasileiros preferem a democracia. A Economist Intelligence Unit (EIU), que tem um ranking internacional, continua colocando o Brasil na lista das “democracias falhas”, como estava anteriormente.

Dorrit Harazim - Geopolítica do vírus

- O Globo

China consegue bloquear a circulação de 54 milhões de várias províncias, e ter a certeza de que ordens serão cumpridas

Mais de duas décadas atrás, o biólogo evolucionário Jared Diamond nos brindou com uma narrativa fulgurante de como e por que algumas sociedades se desenvolveram mais que outras. Ótima hora para reler essa obra que deu a Diamond um Pulitzer em 1998 — “Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas” (Ed. Record) — e olhar para o surto global do novo coronavírus com melhor compreensão da história.

Mesmo que a atual epidemia não venha a representar um ponto de inflexão para o curso humano, ela capta um instantâneo dinâmico (escusas pela aparente contradição) de como está o mundo em 2020. A convencional classificação de países por Índice de Desenvolvimento Humano e outros indicadores socioeconômicos estarão sendo testados, com desdobramentos ainda imprevisíveis. O próprio mapa atual da geopolítica pode chegar bastante alterado ao final da crise.

Começando pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os escancarados elogios à China feitos pela entidade na quinta-feira, ao finalmente decretar o vírus 2019n-CoV uma emergência de saúde pública em escala planetária, foram recebidos com impaciência pela comunidade científica. O sentimento majoritário de “foi muito tarde e muito pouco” lembra a reação mundial às proclamações anticorrupção feitas em anos recentes por entidades como o Comitê Olímpico Internacional (COI) e a Fifa, quando seus casos de roubalheira sistemática já haviam viralizado.

Luiz Carlos Azedo - Humanos como nós

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Os povos isolados têm o direito de decidir se preferem viver em isolamento ou não. Para exercer esse direito, porém, precisam de tempo e espaço”

Considerado o pai da antropologia estruturalista, o franco-belga Claude Lévi-Strauss (1908 — 2009), entre 1935 e 1939, dedicou-se a estudar os índios do Brasil Central, base para a publicação de sua tese As estruturas elementares do parentesco, em 1949. Ele rompeu com a ideia de que os índios são apenas índios, porque não concordava com a divisão entre civilizados e selvagens. Lévi-Strauss foi professor da recém-criada Universidade de São Paulo, com sua esposa Dinah Lévi-Strauss, Fernand Braudel, Jean Maugüé e Pierre Monbeig, e realizou pesquisas de campo em Goiás, Mato Grosso e Paraná, que também resultaram no livro Tristes Trópicos (1955). Procurou decifrar as relações entre o ser humano, a natureza e a cultura.

Para o antropólogo, o ser humano se diferencia dos outros animais devido ao uso de símbolos para se comunicar, não importa as particularidades de cada grupo humano. Seu objetivo não era estudar uma sociedade específica, mas identificar o que há nela de universal; por exemplo, sistemas de parentesco e restrições matrimoniais. Graças aos índios, por exemplo, sua compreensão do incesto ultrapassou as explicações biológicas ou morais. A proibição de manter relações sexuais com certas mulheres (como a mãe ou a irmã) e a permissão para tê-las com outras teceram as alianças fundadoras da vida social. O sistema de parentesco é o meio pelo qual se cumpre a transição entre a natureza e a cultura. Explica, por exemplo, como se formou a economia do sertão no Brasil colonial, a partir da miscigenação e do escambo entre os tupis e os portugueses.

Na monumental Mitológicas, de 1960, com mais de 2 mil páginas, Lévi-Straus analisou 813 mitos originários de povos do continente americano, desde os bororos, os jês e os tupi-cavaíbas do Brasil até os hopi, os pueblo, os mohawk e os kwakiutl da América do Norte. No primeiro volume, intitulado O Cru e o Cozido, comparou a análise conjunta dos mitos americanos à audição de uma sinfonia. Os músicos, porém, estão separados no tempo e no espaço, e cada um executa seu fragmento sem saber a partitura completa. Só é capaz de ouvir a música inteira quem estiver a distância. O concerto, segundo Lévi-Strauss, iniciou-se há milênios e hoje poucos músicos remanescentes continuam a tocar na orquestra.

Ricardo Noblat - Para os bolsonaristas, mais uma prova de que Francisco é o Papa Vermelho

- Blog do Noblat | Veja

Em breve, ele receberá Lula em audiência

Se sair como o planejado, o ex-presidente Lula voará a Paris para receber o título de cidadão da cidade e, de lá, para Roma, onde será recebido em audiência pelo Papa Francisco. O ex-ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores, o acompanhará, além de Gilberto Carvalho, o mais carola dos ex-auxiliares de Lula.

Foi o presidente argentino Alberto Fernández que acertou o encontro de Lula com o Papa na última sexta-feira. “O Lula me pediu para ver o Papa. E eu pedi (ao Papa) se ele podia receber o Lula. E ele (o Papa) me disse que ‘claro’ e que (o Lula) lhe escrevesse porque ele, com todo prazer, o receberá”, revelou Fernández.

O presidente Jair Bolsonaro não gostou nem um pouco da notícia. Mas, por ora, a orientação que deu foi de que ninguém no governo a comentasse. A legião afiada de bolsonaristas na redes sociais ainda não se manifestou, mas Bolsonaro não pretende se valer dela para criticar o Papa e Fernández, embora não possa impedir que isso aconteça.

Francisco goza da fama de “O Papa Vermelho” entre os bolsonaristas de dentro e de fora do governo. Já foi alvo de muitos insultos no Twitter. Em agosto de 2018, quando Lula completava quatro meses de prisão, o Papa mandou-lhe uma mensagem que dizia assim: “A Luiz Inácio Lula da Silva com a minha bênção, pedindo-lhe para rezar por mim, Francisco”.

Vera Magalhães - Apagão de janeiro

- O Estado de S.Paulo

Primeiro mês do ano mostrou governo preso a suas próprias crises

O Congresso retoma suas atividades nesta semana ainda sem saber qual a estratégia do governo para a reforma tributária, sem perspectiva de receber a proposta de emenda à Constituição da reforma administrativa e sem um projeto do Executivo para equacionar o financiamento da educação básica a partir de 2021.

Janeiro ficou para trás e foi gasto, em Brasília, por apagões gerenciais do governo em várias áreas vitais para a população, crises palacianas vulgares e desnecessárias e o surgimento da velha e boa mamata por parte de aliados de Jair Bolsonaro, que propagandeava que ia acabar com essa velha prática da política, mas uma vez eleito passou a condescender com ela, a depender da lealdade e da proximidade de quem a pratica.

O que se viu no primeiro mês do ano não condiz com as elevadas expectativas que empresariado, mercado, produtores rurais e analistas têm para 2020: de mais reformas, crescimento acima de 2,5% ao ano, geração de empregos em ritmo mais acelerado e reforço na política do ministro Paulo Guedes de contenção do gasto público e ajuste fiscal paulatino, que foi bem sucedida no primeiro ano, mas enfrentará desafios adicionais neste.

Além disso, é necessário observar os ventos do mundo, e o que eles sopram neste início de ano é uma emergência global com o surto do novo coronavírus, cujo impacto na economia ainda é impossível de mensurar, mas que certamente afetará as exportações brasileiras.

Diante de um cenário internacional cada vez mais complexo e da importância de uma agenda econômica difícil de implementar, era de se esperar que o presidente e seus ministros estivessem focados nos assuntos importantes, e que iniciassem desde antes da volta do recesso a tão fundamental quanto negligenciada articulação política com o Legislativo.

Eliane Cantanhêde - Mudar para não mudar

- O Estado de S.Paulo

Onyx Lorenzoni no MEC seria aprofundar a crise interminável na Educação

Depois de Vélez Rodriguez e de Abraham Weintraub, só faltava o presidente Jair Bolsonaro nomear Onyx Lorenzoni para o pobre (mas muito rico) Ministério da Educação. O MEC, professores, alunos, funcionários e o futuro não merecem isso. Por sorte, ou por enquanto, a cúpula do governo diz que a chance de isso acontecer é “nenhuma, zero, esquece”.

Apesar de tudo, e de todos, o que está no horizonte é o esvaziado Onyx manter a sua esvaziada Casa Civil e o atrapalhado Weintraub manter o seu atrapalhado MEC. Com um detalhe: Onyx é o amigão de 20 anos, o aliado de primeira hora de Bolsonaro, mas, hoje, Weintraub está mais forte do que ele no governo. Incrível? Pois é. Há muitas coisas incríveis acontecendo.

Se Weintraub tropeça no português mais elementar, e Onyx? Como se diz na cúpula do governo, ele é muito leal a Bolsonaro e contrariou o DEM para apoiar sua candidatura em 2018, mas não é nenhum gênio e não tem o menor vínculo com Educação. Nunca foi sequer professor e, gaúcho, tem uma fala carregada de regionalismos que desconsideram as conjugações verbais e a letra S. O que, evidentemente, não combina com um ministro da Educação. Seria estender a interminável crise do MEC no governo Bolsonaro.

Ok, Weintraub vai carregar para o resto da vida aquele “imprecionante”, entre outros erros ardidos de português, mas quem dá uma olhada nos discursos e entrevistas do então deputado e agora ministro Onyx diz que a ida dele para o MEC – justamente o MEC – iria anistiar Weintraub. “Ficaria parecendo um letrado, perto do sucessor”, ironiza quem acompanha a ciranda.

Janio de Freitas* - Quem olha o futuro

- Folha de S. Paulo

Pergunte sobre o futuro do Brasil a Rodrigo Maia e Arminio Fraga

Dizem, há muito tempo, que o futuro a Deus pertence, o que serviria de slogan para os economistas do arrocho por um lado e ganho fácil por outro.

Adeptos de frases feitas, vendem sua “teoria” com adaptações da grande fake news da história nacional: “O Brasil é o país do futuro”. O futuro mesmo, designação do país com que nossos filhos e netos vão lidar, caiu em desuso como cogitação e como palavra. Não convém à sanha imediatista da pequena minoria chamada de “mercado” e assusta mais os que, para maior paz dos outros, não devem pensar nem sobre presente.

Apesar disso, duas notoriedades, Rodrigo Maia e Arminio Fraga, não apenas remeteram atenções ao futuro, como lhe deram peso insuperável. Nem por isso houve sinais de que fossem ouvidos, claro.

Em seu penúltimo artigo na Folha, original na forma e espantoso no conteúdo, Fraga expôs as urgências sociais no que pareceu sua primeira abertura para o tema. Uma transformação extrema. Ex-colaborador de George Soros, o bilionário visto como maior faro mundial para o lucro de especulação, com ele Fraga afinou o olfato e veio a ser, aqui, um expoente na aplicação de capitais. Uma estrela do tal mercado, pois.

Fraga rumou para o futuro em palestra como ex-presidente do Banco Central. Ainda sobre a desigualdade e, agora sem surpreender, o gasto governamental com Previdência e funcionalismo, revelou seu apocalipse particular: “O Brasil precisa mexer nessas contas, ou em cinco ou dez anos teremos uma revolução”.

Palavra perigosa. No meio em que Fraga vive, golpe de Estado, com prisões, cassações, torturas e assassinatos, é chamado de revolução. Golpe elitista e produtor intencional de desigualdade, não seria o tipo de revolução antevisto pelo Fraga contrário à desigualdade. Qual seria?

Rodrigo Maia é o mais bem-sucedido entre os políticos projetados desde a crise do governo Dilma. Visto como fonte de ponderações necessárias, com frequência usa de franquezas inesperadas e, em geral, oportunas. Como complemento à crítica a Abraham Weintraub, ministro da Educação, pelo “prejuízo a muitas gerações”, Maia não se escondeu: “Nosso país não tem futuro, né? Não tem futuro”.

Angela Alonso* - Mercado paira sobre todos e não dá um pio sobre obscurantismo

- Folha de S. Paulo

Quem acredita na blindagem da equipe econômica desconhece rotina dos casamentos

O presidente adora a metáfora matrimonial, mas é improvável que conheça a história de Galateia. Trata-se da mulher perfeita, esculpida em marfim por Pigmaleão, que se apaixona por sua própria criatura. Afrodite então lhe dá vida, e escultor e escultura se casam.

Para seguidores do Mito que desconheçam esse mito, há o Pinóquio da Disney, embora de equivalência imperfeita. É que no filme falta casamento e essa instituição se tornou central no Brasil, desde que o governo pôs o anel no dedo desta entidade mítica, o Mercado.

Sem abstrações —a opinião pública, a justiça, o dinheiro— o cotidiano não funciona. Esses entes imaginários orientam comportamentos, põem a vida social para andar.

A ficção Mercado, contudo, suplantou suas parentes e ganhou estatuto não de humanidade, mas de divindade. No jornal, tromba-se a toda hora com esse ser extraordinário, como se flanasse, com suas planilhas, sobre os humanos comezinhos, com suas enchentes e queimadas.

Vinicius Torres Freire – O tamanho e o custo do vírus da China

- Folha de S. Paulo

País leva um terço do crescimento mundial

No ano da praga de 2003, o PIB chinês equivalia a 4,3% da economia mundial. Neste ano do coronavírus, a economia da China deve equivaler a mais de 16% do PIB mundial —é menor apenas que a americana (24%). A China de 2003 cresceu um pouco menos por causa da SARS (síndrome respiratória aguda grave), que teve efeito desprezível no restante do planeta.

O crescimento chinês tem ainda mais peso no crescimento do planeta. Em 2003, o aumento do PIB da China equivalia a uns 16% da variação total do PIB do mundo. Em 2018, dado mais recente disponível, a quase 33% (ante 22% dos Estados Unidos).

Portanto, uma síndrome qualquer da China, peste, revolução ou recessão, é um risco para a economia mundial. Mas o problema vai além da aritmética dos parágrafos aí para cima: vai além de saber qual a proporção do aumento do PIB chinês em relação ao aumento do PIB do mundo. O impacto da contaminação chinesa pode ser maior ou até bem menor que o tamanho de sua economia ou de seu crescimento.

O desconhecimento da potência da epidemia do coronavírus e da capacidade dos governos de administrá-la torna ainda mais difícil estimar seu efeito na saúde e na economia mundiais.

Parece que a doença do coronavírus é menos letal que a SARS (mata 2,5% dos infectados, até agora, ante 10% da SARS). O coronavírus parece se espalhar mais rápido, mas esse não é um dado da natureza. A velocidade da expansão pode ser controlada por quarentenas, barreiras e diagnóstico mais eficiente. Mas domar a epidemia pode ficar mais difícil se a doença for assintomática por muito tempo, se o vírus for muito mutante ou se a letalidade menor incentivar comportamentos de risco. Sabe-se pouco, ainda.

Bruno Boghossian – De férias com o ex

- Folha de S. Paulo

Adversários hesitam até na hora de tirar uma casquinha da balbúrdia do governo

Lula parece ter dado uma folga a Jair Bolsonaro. Nos principais trechos de sua entrevista ao UOL na última semana, o ex-presidente citou o nome do rival apenas seis vezes. Nenhuma continha uma crítica incisiva. O petista chegou a concordar com os ataques do atual governante à imprensa e só recomendou que ele parasse de “falar bobagem”.

Trata-se do mesmo Lula que, há pouco mais de dois meses, saiu da prisão chamando Bolsonaro de miliciano e insinuando que o aumento patrimonial do adversário era fruto de atividades ilegais. “O PT tem que polarizar mesmo”, declarou.

Seja uma pausa estratégica ou uma tática duradoura, o tom do discurso do ex-presidente se soma a um comportamento relativamente tímido da oposição ao governo Bolsonaro. É verdade que o presidente e seus aliados criaram por si mesmos a balbúrdia desses primeiros 13 meses de mandato, mas seus adversários foram hesitantes até na hora de tirar uma casquinha do caos.

Hélio Schwartsman - Casamento e desigualdade

- Folha de S. Paulo

Combinação de uniões livres e emancipação feminina é causa importante de concentração de renda

Precisamos combater a desigualdade e suas causas, diz o manual do bom cidadão contemporâneo. Concordo que a desigualdade vem produzindo uma série de complicações, que exigem enfrentamento, mas o mesmo não se estende automaticamente às suas causas, que podem ser moralmente inatacáveis.

Você, leitor, é a favor dos casamentos arranjados ou prefere aqueles nos quais os noivos escolhem livremente quem irão desposar? E quanto à posição da mulher? Acha que elas devem se contentar em ser rainhas do lar ou pensa que devem estudar e participar do mercado de trabalho, assegurando assim sua independência econômica?

Se você não for um conservador anacrônico, deve ter se posicionado pelas uniões livres, cujo nome técnico é casamento assortativo, e pela emancipação feminina. Pois bem, a combinação desses elementos é causa importante de desigualdade. Nos EUA, como mostra Milanovic, ela respondeu por nada menos do que um terço do aumento de desigualdade registrado entre 1967 e 2013.

Ruy Castro* - O pai do neo-irrealismo

- Folha de S. Paulo

Todos os filmes de Fellini contêm um toque mágico que os tornou inesquecíveis

Por mais que o mundo tenha celebrado Federico Fellini por seu centenário no último dia 20, nossa dívida para com ele nunca será quitada. Poucos diretores terão sido tão responsáveis pela conversão de tantos à ideia do cinema como “arte” —uma geração, nos anos 50, apaixonou-se por “A Estrada da Vida”; outra, nos anos 60, por “A Doce Vida”; e ainda outra, nos anos 70, por “Amarcord”.

E há os que, como eu, sempre fomos gratos a Fellini pela emenda que ele fez à severa escola cinematográfica de seu tempo, o neo-realismo. Fellini conseguiu inserir nela um toque de neo-irrealismo.

E fez isto já a partir de “Roma, Cidade Aberta” (1945), de Roberto Rosselini, o filme que inaugurou o movimento e de cujo roteiro participou. Sua grande contribuição foi a cena em que Aldo Fabrizzi, no papel do padre, entra numa loja de bricabraque e, antes de ser atendido, vê a estatueta de uma mulher com a bunda de fora. Então, com ar maroto, vira-a de lado para disfarçar-lhe a nudez. Notar que isso se dá num contexto dramático que logo resultará em tortura e morte. Só Fellini para pensar em tal coisa —e, se nem todos o seguiram, ele seguiu a si próprio.

Elio Gaspari - O vexame da patrulha contra McCloskey

- O Globo / Folha de S. Paulo

Não se pode saber como vai acabar a lambança do Enem, mas exemplos mostraram que as redes sociais são uma das boas coisas deste século

Dizer que a terra é plana ou que o nazismo foi de esquerda fazem parte de um bestiário incontrolável, mas entra-se no caminho do vexame quando uma empresa como a Petrobras cancela uma palestra da economista Dreirdre McCloskey porque ela disse que os governos de Donald Trump e de Jair Bolsonaro são “qualquer coisa, menos liberais”.

Trata-se de um vexame pela falta de educação, pela truculência e pelo obscurantismo. Falta de educação porque os áulicos da Petrobras cancelaram a palestra sem dizer uma só palavra à professora. 

Pela truculência, porque o ex-Robert McCloskey teve coragem para mudar de sexo e com isso já enfrentou paradas bem mais duras do que pitis de burocratas amedrontados. É dela a mais sólida resposta às patrulhas que associam Milton Friedman à ditadura chilena do general Pinochet. (O texto da palestra está na rede com o título “Ethics, Friedman, Buchanan, and the Good Old Chicago School”.) Pelo obscurantismo, porque a professora é uma economista respeitada 
internacionalmente.McCloskey veio da cepa da universidade de Chicago e trabalhou com Friedman. 

Seus três livros sobre as virtudes, a igualdade e a dignidade dos burgueses são aulas de História para quem quer conhecer as raízes do mundo moderno. Em poucas palavras (dela), nada a ver com a luta de classes de Marx, com os protestantes de Max Weber, com instituições ou com as teorias matemáticas da acumulação de riquezas. Foi tudo coisa das ideias: “Comércio e investimentos sempre foram rotinas, mas uma nova dignidade e a liberdade das pessoas comuns foram únicas dessa época”. O construtor do mundo moderno foi o burguês.

Bolsonaro não é liberal, finge mal e, se quiser sê-lo, terá muito chão pela frente. Cancelar uma palestra de McCloskey porque ela criticou o capitão foi atitude de quem passa por qualquer vexame para ficar bem na nominata das cerimônias.

Se esse triste episódio levar alguma editora a publicar a trilogia burguesa de McCloskey, a patrulha terraplanista terá prestado um serviço ao país.

O MEC está deseducando uma geração

A ruinosa gestão do Enem de Abraham Weintraub cravou mais um prego na juventude de milhões de brasileiros. No seu primeiro contato relevante com a máquina do Estado, a garotada não soube que haviam sido cometidos erros na correção de suas provas. Aprendeu que a máquina não aceitava reclamações. Felizmente, percebeu que a mobilização das redes sociais poderia dobrar a máquina.

É o caso de se procurar entender como um jovem de 19 anos recebe a informação de que a lambança foi uma “inconsistência” e tudo não passou de um “susto” (palavras do doutor Weintraub). Centenas de milhares de estudantes saíram desse Enem com um gosto amargo na boca, até porque as regras dos educatecas dificultam os recursos em busca da revisão das notas.

O que a mídia pensa – Editoriais

Agenda pesada – Editorial | Folha de S. Paulo

Legislativo volta com pauta essencial de reformas e governo desarticulado

O Congresso volta a funcionar nesta semana com uma pauta carregada de projetos importantes. O fim do recesso, porém, não significa um recomeço da relação do governo com o Parlamento.

Subsistem, pois, incertezas quanto ao sucesso das reformas necessárias para sustentar o crescimento. Jair Bolsonaro segue avesso à ideia de uma coalizão parlamentar, não tem coordenação política e nem mesmo um partido.

As contas públicas e a perspectiva de recuperação menos morosa da economia dependem de pelo menos um desses grandes projetos na pauta, a emenda constitucional que limita gastos obrigatórios, em especial com servidores.

Sem ao menos tal contenção, em 2021 a despesa federal vai atingir o teto constitucional, com desordem previsível na administração pública e nos indicadores financeiros.

As lideranças do Congresso mostraram que estão cientes desses riscos. Em particular, Rodrigo Maia tentará marcar seu ano final na Presidência da Câmara com a aprovação de um mínimo essencial de reformas. Mas o mínimo não basta e a pauta legislativa, além de extensa, é menos consensual.

É preciso um acordo sobre o que é possível em matéria tributária. O governo apenas tumultua o debate, não tem um plano claro; as propostas parlamentares precisam ser unificadas de modo realista.

Música | Unidos de Vila Isabel 2020

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Acordar, Viver

Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.

Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?

Ninguém responde, a vida é pétrea.

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Ricardo Noblat - Bolsonaro pode deixar tudo como está para ver como ficará. Ou não

Blog do Noblat | Veja

Um governo que se alimenta de crises

Fazer o quê com Onyx? Transferi-lo para outro ministério? Seria a mesma coisa que transferir a crise – argumentou, ontem, com um dos seus auxiliares, o presidente Jair Bolsonaro.

Onyx Lorenzonni é o chefe da Casa Civil. Perdeu para o general Luiz Eduardo Ramos a coordenação política do governo. Para Paulo Guedes, o Programa de Parcerias de Investimentos.

Perdeu seu número 2 demitido, readmitido e demitido outra vez por Bolsonaro em menos de 48 horas. E perdeu seu assessor de imprensa, também demitido por Bolsonaro.

Sem ser convidado, o ministro com a cabeça a prêmio foi ao Palácio da Alvorada com outros colegas para uma reunião onde se discutiu o risco para o Brasil da epidemia do coronavírus chinês.

Bolsonaro cumprimentou-o friamente. Mas os dois não conversaram a sós. Ficou para hoje. Onyx não pedirá demissão. Bolsonaro não decidiu se o demitirá. Talvez sim, talvez não.

Onyx fará o que Bolsonaro quiser – desde que não fique ao sol e à chuva. O presidente é um homem imprevisível. Pode não decidir nada, ou decidir e mudar de opinião no momento seguinte.

Demitiu e humilhou Gustavo Bebbiano, ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, um advogado que chegou a dormir no chão da casa dele quando Bolsonaro era candidato.

Quando Bebbiano estava prestes a deixar o Palácio do Planalto, Bolsonaro ofereceu-lhe uma das diretorias da hidroelétrica de Itaipu. Bebbiano recusou. Hoje, os dois são inimigos jurados.

Oscar Vilhena Vieira* - República, para quem puder mantê-la

- Folha de S. Paulo

Ao absolver Trump, republicanos se tornam corresponsáveis pelos seus abusos

Tudo indica que o julgamento do impeachment de Donald Trump caminha para um rápido desfecho.

A absolvição de Trump sempre foi dada como certa. Afinal, a maioria dos senadores que irão julgá-lo pertence ao partido do presidente.

Se o resultado era sabido, por que gastar tanto tempo e energia com isso? Por que a experiente deputada democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados, que por muito tempo relutou em autorizar o início de outros pedidos de impeachment contra Trump, cedeu no caso da Ucrânia?

A resposta realista é que Pelosi simplesmente percebeu que os custos de sua inércia estavam se tornando mais altos que os riscos em autorizar as investigações. Ainda que a expectativa de remover Trump fosse baixíssima, a oportunidade de fustigá-lo tornou-se irresistível.

O argumento de Pelosi, no entanto, foi mais sofisticado. Ao extorquir o presidente da Ucrânia para prejudicar seu adversário nas próximas eleições, Trump cruzou uma linha fundamental, colocando em risco não apenas a soberania nacional, mas a própria democracia americana.

Benjamin Franklin, quando perguntado sobre qual a natureza do regime criado pela Constituição de 1787, teria respondido: “Uma República, se vocês puderem mantê-la”. Ao se colocar acima da lei, Trump impôs aos democratas o imperativo de defender a República.

O impeachment é uma velha geringonça institucional que os norte-americanos importaram dos ingleses e nós dos americanos.

Julianna Sofia - O latifúndio de Guedes

- Folha de S. Paulo

Com PPI, superministro administrará da fila do INSS à venda de parques nacionais e Eletrobras

Caso não seja apenas mais um arroubo retórico de Jair Bolsonaro seguido de recuo, o anúncio presidencial de incorporar o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) ao ministério de Paulo Guedes (Economia) será mais uma medida a expandir o latifúndio administrativo a cargo do superministro.

No ano passado, a fusão das pastas da Fazenda, do Planejamento, do Desenvolvimento e do Trabalho foi promovida com o argumento de dar coerência às ações da nova e ultraliberal equipe econômica. O que seu viu, por meses, foi a dificuldade de por em funcionamento uma máquina de proporções gigantescas e com tentáculos mui diversos.

Na reforma agrária ora em curso, o presidente desidrata a já esquálida Casa Civil para tirar poderes e tornar insustentável a permanência de Onyx Lorenzoni à frente do órgão —há uma semana, Bolsonaro impingiu ao ministro-herói Sergio Moro mesmo tipo de fritura, mas a reação contrária das redes à manobra do presidente garantiu blindagem ao ex-juiz da Lava Jato.

Hélio Schwartsman - Como enfrentar a epidemia?

- Folha de S. Paulo

Em 2002-3, o democrático Canadá lidou melhor com a Sars do que a ditatorial China

Qual o melhor sistema político para enfrentar a epidemia provocada pelo novo coronavírus? O modelo centralizador-autoritário chinês, que faz as coisas acontecerem rapidamente, ou o das democracias ocidentais, que põem limites à atuação de autoridades e privilegiam o livre fluxo de informações?

Não há como não se impressionar com a capacidade de mobilização da China, que constrói um hospital de mil leitos em seis dias, ou com a assertividade de seus dirigentes, que não hesitam em pôr milhões sob quarentena. Mas o sistema chinês saiu em desvantagem. A forma arbitrária com que o poder é exercido ali estimula autoridades locais a esconderem problemas. Ao que tudo indica, foi o que fizeram inicialmente em Wuhan, retardando a percepção da gravidade do surto.
1.
Quarentenas forçadas, embora sejam desde o século 14 a resposta automática de autoridades a epidemias, funcionam melhor ou pior dependendo das características da doença. Elas têm mais chance de conter a moléstia quando a capacidade do patógeno de gerar novas infecções a partir de um paciente (o R0, em epidemiologuês) é baixa e quando a transmissão só ocorre após o aparecimento dos sintomas.

Demétrio Magnoli* – Perjúrio

- Folha de S. Paulo

Democracia americana sairá menor do processo de impeachment de Trump

Os senadores americanos juraram, de acordo com a Constituição, fazer "justiça imparcial" no julgamento de Donald Trump. Mas Mitch McConnell, líder republicano no Senado, proclamou que conduziria sua bancada em "total coordenação" com o próprio Trump. Antes da primeira sessão, McConnell confessou perjúrio: "Não sou um juiz imparcial. Este é um processo político. Impeachment é uma decisão política". A democracia americana sairá menor do processo.

O instituto do impeachment deita raízes na Inglaterra do século 14. Michael de La Poe, ministro de Ricardo 2º, sofreu impeachment, em 1386, por nomear funcionários incompetentes. O bispo John Thornborough foi impedido, em 1604, por escrever um livro controverso sobre a união com a Escócia. Não faltaram casos de impeachment por ofensas como a demissão de bons magistrados ou oferecer conselhos ruinosos ao rei.

Nos EUA, a tradição britânica foi recolhida, mas conheceu restrições. O impeachment só atingiria autoridades acusadas de "crimes e delitos sérios". Contudo nunca foi circunscrito a atos criminosos, na acepção judicial do termo. O critério americano destina-se a evitar que uma alta autoridade tire proveito do cargo para, violando leis, expandir seu poder pessoal ou perpetuar o poder de seu grupo político.

Miguel Reale Júnior* - Um país do avesso

- O Estado de S.Paulo

Busca-se um juiz imaculado. Essa é uma ilusão tão louvável como irrealista

Como tudo o que atualmente sucede no Brasil, a adoção da figura do juiz das garantias revestiu-se de emoção e pré-juízos. Hoje, para ser jurista basta ser internauta.

O juiz das garantias é o competente para decidir sobre os incidentes ocorridos na fase do inquérito policial, em especial escuta telefônica, busca e apreensão e prisão preventiva do indiciado. Pretende-se, então, deixar o juiz da causa isento de qualquer participação em decisões anteriores ao início da ação penal, para que atividade anterior não comprometa a imparcialidade.

O juiz das garantias é adotado em diversas legislações em que há, contudo, o juizado de instrução, com ampla atuação probatória do juiz na fase inquisitiva. No processo penal chileno, no italiano e no código modelo para a América Latina há um juiz de instrução, com grande poder de determinação de produção probatória e até mesmo indicação de propositura da ação penal, como dispõem o artigo 258 do Código de Processo Penal (CPP) do Chile e o artigo 409 do CPP da Itália.

No nosso sistema, ao contrário, o juiz é passivo, pois em geral age por solicitação da polícia ou das partes, exceto nas hipóteses previstas nos artigos 156 e 242 do CPP, que deveriam ter sido revogados desde a Constituição de 88, pois efetivamente não deve o juiz ter nenhuma iniciativa probatória.

Presume-se que o juiz, por autorizar medidas cautelares pedidas pelas partes, venha a criar predisposição impeditiva de postura equidistante. Suspeita-se que o juiz, ao examinar pedido de medidas cautelares, como uma escuta telefônica, estará por isso comprometido com um veredicto final condenatório. Não me parece, todavia, que o juiz se vincule às suas decisões precárias no exame da prova de forma a estar já convicto de como decidir. Estaria o juiz que não concede a prisão preventiva solicitada pela polícia comprometido a absolver o réu? Não. E, igualmente, o que a concede deixará de absolver diante de provas de inocência produzidas no processo só porque decretou a preventiva?

Vera Magalhães - Onyx vai a Bolsonaro, mas ainda balança no cargo

- O Estado de S. Paulo

Presidente encerra entrevista sem confirmar se chefe da Casa Civil fica ou sai do governo

Chá de cadeira. Onyx está sendo colocado em fogo brando pelo chefe. Bolsonaro demorou a receber o ministro, que voltou antes das férias nos Estados Unidos quando viu que sua cabeça estava a prêmio. "Já que deturpou a entrevista, acabou a conversa", respondeu o presidente, encerrando um dos quebra-queixo em frente ao Alvorada no fim da tarde desta sexta-feira em que pretendia falar apenas das medidas de prevenção ao coronavírus. "Deturpar" a conversa, no caso, é perguntar se um dos principais ministros do governo vai permanecer ou cair.

Resta um. Nos bastidores, auxiliares dão conta de que Bolsonaro estuda formas de realocar Onyx no governo. Poderia ser o Ministério do Desenvolvimento Regional ou o cobiçado Ministério da Educação, mas há obstáculos no caminho, além do desconforto do chefe da Casa Civil com a possibilidade de que a mudança seja vista como "rebaixamento".

Montanha-russa. O gaúcho foi o primeiro ministro anunciado pelo então presidente eleito, ainda em outubro, juntamente com Paulo Guedes. Tal prestígio se devia ao fato de ter sido o primeiro deputado com trânsito na Câmara a apoiar o então baixo clero Bolsonaro, contrariando inclusive decisão do DEM, seu partido. Ele demonstrou força ao bancar a candidatura de Davi Alcolumbre no Senado e ao emplacar um auxiliar seu no Ministério da Educação, mas foi perdendo espaço para outros integrantes do Planalto e se indispondo com Guedes pelo rumo das reformas.

Adriana Fernandes* - Que ajuste fiscal é esse?

- O Estado de S.Paulo

A promessa de que o teto seria vital para priorizar os gastos mais essenciais caiu por terra

O Ministério da Economia foi completamente atropelado pela decisão do governo Jair Bolsonaro de fazer uma capitalização de R$ 9,6 bilhões no final do ano passado em empresas estatais federais.

A Emgrepron, estatal vinculada ao Ministério da Defesa, foi uma das empresas beneficiadas com o presente de Natal – R$ 7,6 bilhões de uma tacada só. Serão construídos quatro navios de guerra da Classe Tamandaré e um navio de apoio ao Programa Antártico Brasileiro.

Pouca gente sabe, mas o que permitiu o aporte bilionário do final do ano foi o dinheiro do pré-sal. Justamente aquele prometido para financiar o “futuro” dos brasileiros com mais educação.

É impossível não reconhecer que a decisão está na direção contrária ao discurso dos integrantes da equipe econômica de que a crise fiscal é ainda grave e exige governar com prioridades.

Há exato um ano, o que se mais ouvia em Brasília, no início do governo, era a importância da política de privatização. A promessa era de que ela seria rápida e reduziria gastos com as estatais pesadas e custosas para o contribuinte, abrindo espaço para investimentos nas áreas fundamentais: saúde, educação, segurança e assistência social.

O discurso de que é preciso avançar na busca do equilíbrio das contas públicas não funcionou nesse caso.

Sérgio Augusto - Rainha só no nome

- O Estado de S. Paulo

Fernanda Montenegro recusou ministério por não se julgar preparada para a função

Uma correspondente do The Guardian me liga para uma entrevista. Quer falar do desmonte da cultura pelo governo B*. Ela, polidamente, não usou a palavra desmonte, deixando-a por minha conta, assim como referiu-se a B* por extenso, até porque o asterisco é um recurso apenas gráfico, universalmente empregado para complementar vocábulos de baixo calão ou antropônimos indesejáveis como T***p, que é como a escritora Joyce Carol Oates sempre se refere ao alaranjado ogro da Casa Branca.

A indicação de Regina Duarte me pareceu o lead da reportagem. O que eu acho dela como atriz, o que esperar de sua gestão, daí partiu nossa conversa.

Talento histriônico não vale um tostão no ofício que lhe foi oferecido com metafóricas alianças de noivado. Se valesse, teríamos exigido, com moções e passeatas, que Fernanda Montenegro aceitasse os convites que Itamar e Sarney lhe fizeram para ministra da Cultura, e ela - que não é rainha só no nome - recusou, por não se julgar devidamente preparada para a função.

Regina tem um quê de donzela careta e um jeito lamecha, piegas (“corny” expressa melhor o que quero dizer), de interpretar e falar que sempre me impediram de avaliar, com isenção, os seus dotes de atriz. Se Henfil ainda fosse vivo, ela já teria uma lápide no Cemitério do Cabôco Mamadô pelas insânias que desde as eleições de 2002 vem dizendo publicamente e há bem uns quatro anos proclamando em louvor a B*, segundo ela, “um cara doce”, e “homofóbico só da boca pra fora”.

Verdade que essas foram suas impressões ao conhecer o futuro “noivo”. Hoje, aos olhos dela, ele também só deve ser sexista, racista, miliciano, etc. da boca pra fora.

Teoricamente, Regina teria sido uma escolha esperta, uma ponte conciliatória com a classe artística, o tal algodão entre os cristais e clichês que tais. Só que não era bem essa a intenção do capitão. Ademais, para apagar a deplorável impressão deixada pelo ex-secretário de Cultura Roberto Alvim, antes mesmo de o exu de Goebbels baixar nele, B* teria de fazer um gesto de grande impacto, preenchendo aquele cargo não com a “namoradinha do Brasil”, mas com outro astro global, como, por exemplo, José de Abreu.

Merval Pereira – Melhor para Bolsonaro

- O Globo

Regina já se disse respeitadora dos que pensam diferente dela, se define como uma conservadora, mas não destrata os de esquerda

Regina Duarte tem todas as condições para assumir a Secretaria de Cultura, e integrará a parte tecnicamente competente do governo Bolsonaro. Ela conhece bem o ambiente cultural brasileiro, é séria e sensata, e acredito que não seja adepta dessa política de bateu, levou, e de ficar falando mal das pessoas pelas redes sociais.

Até agora, foi a melhor indicação do governo Bolsonaro para a Cultura. Ela enfrentará muitas dificuldades, mas acredito que terá condições de fazer um acordo na área cultural, pois uma parte influente já se convenceu de que ajudar Regina Duarte a fazer um trabalho de apaziguamento é mais benéfico para a classe como um todo do que permanecer nessa guerra ideológica que só leva ao isolamento.

O problema maior será mesmo o próprio presidente Bolsonaro e seu entorno, especialmente os filhos, que não têm uma visão do que seja cultura, e atiçam suas milícias digitais para derrubar qualquer ministro que se coloque acima dessa radicalização patética que rege o governo Bolsonaro.

O exemplo do general Santos Cruz é autoexplicativo. Um militar sensato, sensível, que entendeu a grandeza da Presidência da República, amigo do presidente há mais de 40 anos, foi abatido por intrigas palacianas de quinta categoria, e até mesmo mensagens falsas de WhatsApp foram montadas para inviabilizar sua presença no Palácio do Planalto, onde era das poucas vozes sensatas a aconselhar o presidente da República.

Na verdade, Bolsonaro emprenha-se pelo ouvido, como se diz popularmente. Qualquer intriga tem boa acolhida no perfil paranoico do presidente Bolsonaro, que acha que está sendo sabotado por todos à sua volta, com exceção dos filhos, quando, na verdade, são os filhos que o boicotam involuntariamente.

Ascânio Seleme - A democracia não é mais aquela

- Globo

No Brasil, cidadãos de orientação política de direita estão da mesma forma equivocados sobre a democracia quanto os de esquerda

Tem muita gente festejando o resultado da pesquisa da Universidade de Cambridge que mostra descontentamento crescente com a democracia em todo o mundo. Segundo a pesquisa, 58% das pessoas entrevistadas em 154 países estão insatisfeitas com este sistema de governo. No Brasil, apenas 20% das pessoas ouvidas aprovam o regime democrático. Os que comemoram este péssimo resultado são aqueles que acreditam que um regime totalitário pode ser mais útil ao país, acreditando que um governo de força acabaria com a corrupção e a violência, entre outros problemas.

A História prova que eles estão enganados, e a pesquisa revela as limitações dos que pensam assim, não importando de que ângulo enxergam o cenário. No Brasil, cidadãos de orientação política de direita estão da mesma forma equivocados sobre a democracia quanto os de esquerda. Aqueles bolsonaristas que aplaudem de modo entusiasmado tanto os acertos do governo quanto seus erros grosseiros e antidemocráticos imaginam que um regime totalitário salvaria o Brasil. Da mesma forma, há lulopetistas que prefeririam um governo centralizador, sem o contraditório, sobretudo sem imprensa, como imaginou um dia José Dirceu.

Supor que um governo não democrático acabaria com a corrupção é o mesmo que acreditar que há democracia na Venezuela e que os generais de Maduro não são os mais corruptos da América Latina. Pensar que um regime fechado terminaria com a violência é tão absurdo quanto ignorar o poder global da máfia russa, a mais cruel e sanguinária do mundo.

A pesquisa mostra que as pessoas não confiam em regimes democráticos em razão dos sucessivos escândalos de corrupção e nepotismo que produziram, sobretudo na América Latina, pela sua incapacidade em lidar com a criminalidade e por se revelarem inúmeras vezes incompetentes na busca de soluções para crises econômicas. O problema não é apenas enxergar a democracia por esta ótica. Mais grave é imaginar que há solução mágica fora dela. No Brasil, por exemplo, a pesquisa demonstra que 37% dos entrevistados acreditam que um golpe militar resolveria os problemas de corrupção e seria capaz de reduzir os índices da violência urbana.

Rematada bobagem. Nostalgia da ditadura brasileira revela não apenas desconhecimento histórico, mas também ignorância antropológica, por ser impossível comparar qualquer dado dos anos 60 e 70 com seus similares de hoje. Para começar, o Brasil de 1970, por exemplo, tinha 93 milhões de habitantes, sendo que 42% viviam na zona rural. Hoje, o Brasil tem 215 milhões, e 85% habitam as cidades. São obviamente dois países distintos. Mesmo os que acreditaram cegamente no regime militar daqueles anos não conseguiriam explicar de que forma ele se cristalizaria em 2020.

No mundo, segundo a pesquisa da Universidade de Cambridge, o desencanto com a democracia cresceu exponencialmente na última década em razão da crise econômica de 2008, por causa da insolúvel crise dos refugiados, em razão da polarização política e pela falta de respostas dos governos em atender questões sociais urgentes. Claro que o regime de governo não é o culpado por estes problemas, mas os entrevistados não pensam assim.

Míriam Leitão - O liberalismo à moda da casa

- O Globo

Mesmo com déficit longe do prometido zero, o governo criou estatal militar e colocou quase R$ 8 bilhões em outra estatal militar

O governo colocou de uma vez R$ 8 bilhões numa estatal controlada pela Marinha e que constrói corvetas, a Emgepron. O ministro da Economia, Paulo Guedes, é liberal, a conjuntura é de aguda restrição fiscal, mas R$ 10 bi foram gastos em capitalização de estatais, a maior parte para essa da área militar. Criou uma estatal este ano, a NAV Brasil, também na área militar, que pode vir a ter 13,5 mil funcionários. Então o déficit do Tesouro que o ministro prometeu zerar no primeiro ano terminou em R$ 95 bi, e houve expansão de gastos com estatais.

Para o setor público consolidado, o déficit foi de R$ 62 bilhões, porque houve superávit nos governos regionais e nas estatais. O dado do Tesouro foi o menor déficit em seis anos, mas a maior parte da queda foi resultado de receitas extraordinárias. Com a divulgação dos números esta semana do déficit público no primeiro ano do governo Bolsonaro, tanto pelo cálculo do Tesouro quanto pelo do Banco Central, fica claro que existe melhora, mas ela é gradual e volátil. Se caírem as receitas extraordinárias, o buraco pode aumentar. De estrutural, houve a reforma da Previdência, cujo resultado negativo foi de R$ 318,4 bi em 2019, com alta de 10% sobre o ano anterior. A reforma reduz apenas o ritmo de crescimento do rombo. É a melhor notícia na área das contas públicas, mas foi conseguida em grande parte pelo esforço do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que na quinta-feira trocou farpas com o ministro Paulo Guedes em um evento do Centro de Liderança Pública (CLP) em São Paulo.

Em outro evento, promovido pelo Credit Suisse, o ex-presidente do Banco Central Persio Arida duvidou do liberalismo do governo:

Marcus Pestana - Prevenção e catástrofes

De repente, não mais que de repente, a natureza explode e mostra sua força avassaladora. E as pessoas ficam indefesas, inseguras, impotentes, assustadas. Catástrofes sempre ocorreram na história da humanidade. É da vida, faz parte da aventura humana.

Os acontecimentos em Minas Gerais, nos últimos quinze dias, entristeceram a todos nós e nos convocam a uma inadiável reflexão e a uma mudança de atitude. Dezenas de vidas perdidas, milhares de desabrigados, rios transbordando, ruas e avenidas alagadas, pontes destruídas, casas e imóveis arrasados, carros empilhados. Um verdadeiro cenário de guerra.

O maior saldo tem necessariamente que ser o aprendizado coletivo. Os fenômenos naturais, até certo ponto, estão fora de nosso controle. O avanço tecnológico nos ajuda a antecipar acontecimentos, prevenir, criar defesas. Mas, às vezes, tudo parece inútil. O mundo parece cair sobre nossas cabeças. As perdas, principalmente de vidas, são irreparáveis. Mas o aprendizado é obrigatório.

Tudo começa na raiz. Nas mudanças climáticas fruto do desmatamento avassalador. No assoreamento dos rios, córregos e cursos d’água, frutos da ação humana. E prossegue na precária educação ambiental coletiva que temos no Brasil. As fotos do lixo represado por pontes encobertas no Rio Doce e outros deveriam ser objeto de reflexão em todas as escolas, associações de moradores e espaços comunitários. Cada vez que jogamos toda sorte de resíduos nos rios ou em simples “bocas de lobo”, estamos contribuindo para o agravamento do efeito catastrófico de eventos naturais.

O que a mídia pensa – Editoriais

O desafio da população de rua – Editorial | O Estado de S. Paulo

A população de rua na cidade de São Paulo aumentou 60% entre 2015 e 2019, segundo o Censo da População em Situação de Rua divulgado no dia 30 passado. Agora são 24,3 mil pessoas vivendo em logradouros públicos na capital paulista. A expressiva multiplicação desse contingente já podia ser constatada por qualquer paulistano circulando pela cidade, sem necessidade de estatística: os moradores de rua parecem estar em toda parte, em especial nas regiões mais centrais.

Constatado matematicamente pela Prefeitura, o impressionante aumento é indicador bastante eloquente dos efeitos desastrosos da crise econômica legada pelo governo de Dilma Rousseff. Entre 2014 e 2018, convém lembrar, o desemprego dobrou, passando de 6,5% para 12%, condenando milhões à pobreza – e muitos a viver na rua.

O desemprego, contudo, não é a única explicação para que mais e mais pessoas estejam nessa situação. Vários outros fatores, isoladamente ou de forma combinada, contribuem para ampliar a população de rua – e é justamente essa multiplicidade de causas que torna tão complexo o trabalho do poder público no enfrentamento do problema. Não há solução simples.

Até recentemente, um dos grandes obstáculos para conhecer a realidade dessa população era justamente sua invisibilidade estatística. Não havia nenhum levantamento censitário oficial sobre os moradores de rua, a começar pelo fato de o Censo Demográfico do IBGE só considerar os brasileiros com residência. Em 2008, foi feita a primeira – e até agora única – mensuração nacional dessa população, e na ocasião ficaram claros os desafios desse tipo de pesquisa, a começar pelo fato elementar de que moradores de rua não ficam em um lugar só e, portanto, podem ser contados mais de uma vez. Por esse motivo, aquele censo limitou-se a 71 cidades do País, sendo 23 capitais. Na ocasião, foram contabilizados 44 mil moradores de rua – dos quais 46,5% disseram preferir dormir na rua em vez de ir a um albergue. Desses, 20,6% disseram preferir dormir na rua pela liberdade que essa situação lhes proporcionava.