sábado, 12 de setembro de 2020

Luiz Sérgio Henriques* - O erro histórico de Fernando Henrique Cardoso

- Revista Será? (Online) – PE

Pode-se divergir, e muito, do político Fernando Henrique, especialmente quando no exercício da presidência viu-se às voltas, como qualquer eleito, com os desafios normais da governança que não poupam ninguém de erros, falhas e fracassos. Dificilmente, porém, se poderá desconsiderá-lo na sua atividade posterior: concluídos os dois mandatos presidenciais, continuaria a ser figura influente sem que insinuasse uma volta extemporânea ao cargo, como se o País dele, e de mais ninguém, dependesse para “se salvar”. Caso raro, pois, de ex-presidente que se impôs como referência, passível obviamente de críticas e observações polêmicas – até mesmo aquelas que o tornaram uma espécie de encarnação do “neoliberalismo” na simplificada, mas eleitoralmente rendosa, versão petista.

Seu artigo “Reeleição e crises” (O Globo/Estadão), publicado na véspera do dia da Independência, mereceu mais do que a habitual atenção. Nele, FHC faz um inédito “mea culpa” sobre a emenda da reeleição, “historicamente um erro”. Reafirma a insuficiência dos mandatos executivos de quatro anos e propõe um mandato único de cinco, sem direito a recondução, possivelmente associado a reformas de outro tipo nos demais mecanismos eleitorais (o voto distritalizado). O pressuposto de fundo está contido na frase: “Imaginar que os presidentes [qualquer presidente, não só Bolsonaro – LSH] não farão o impossível para ganhar a reeleição é ingenuidade”. E a expectativa é que, confortados com a duração maior dos mandatos, os mandatários procurariam nela acomodar as pretensões de entrar para a História pátria, diminuindo o empenho demagógico que hoje empregam para obter um segundo termo.

Merval Pereira - Sinal de independência

- O Globo

A sugestão para que o presidente Bolsonaro deixe para marcar o depoimento na Polícia Federal exigido pela decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello apenas quando o decano da Corte já tiver se aposentado, em novembro, denota insegurança, e só faz enfraquecê-lo.

Cogitar que a Polícia Federal terá comportamento diferente depois da aposentadoria de Celso de Mello revela a mente conturbada de quem acredita em teorias da conspiração. Ou a certeza de que a PF, sem uma autoridade a vigiá-la, lhe será dócil, o que confirma a vontade de controlá-la.

A lei permite que o presidente da República preste testemunho por escrito, quando é testemunha, mas não cita como deve ser tomado um depoimento se ele for o alvo da investigação. O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, foi favorável a que o presidente Bolsonaro escolhesse a forma do depoimento: “Dada a estatura constitucional da Presidência da República e a envergadura das relevantes atribuições atinentes ao cargo, há de ser aplicada a mesma regra em qualquer fase da investigação ou do processo penal”, disse, alegando que o presidente poderia depor presencialmente ou por escrito.

Míriam Leitão - A igualdade perante a lei

- O Globo

A decisão de Celso de Mello tem um lado. O da República. República é o sonho da sociedade de pessoas iguais. Até que ponto as prerrogativas da Presidência podem ir sem infringir o dogma da igualdade? O que o ministro Celso de Mello respondeu ontem em sua decisão, longa e sólida, foi que se o governante é investigado não pode mandar por escrito o seu depoimento para a autoridade policial. Precisa se submeter, como qualquer um, às perguntas, ao contraditório, às “reperguntas”.

“Afinal, nunca é demasiado reafirmá-lo, a ideia da República traduz um valor essencial, exprime um dogma fundamental: o do primado da igualdade de todos perante as leis do Estado. Ninguém, absolutamente ninguém, tem legitimidade para transgredir e vilipendiar as leis e a Constituição de nosso país. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade do ordenamento jurídico do Estado”, escreveu o ministro.

Ele deixou avisos prévios. Em decisões anteriores, foi deixando claro que a prerrogativa para um chefe de Poder entregar depoimento escrito só existe quando a autoridade está no processo como testemunha. Se for investigado ou réu, não tem esse direito. Foi o que escrevi aqui na coluna “O presidente terá que falar”, de 7 de maio. Certamente a AGU sabia disso, mas o entorno do presidente está preferindo a interpretação de que a decisão do decano é pessoal. É o oposto. É impessoal.

Ele continuou em sua decisão: “Não custa insistir, neste ponto, por isso mesmo, na asserção de que o postulado republicano repele privilégios e não tolera discriminações”, diz ele, em razão de “condição social, de nascimento, de parentesco, de gênero, de amizade, de origem étnica, de orientação sexual ou posição estamental”, e isto porque “nada pode autorizar o desequilíbrio entre os cidadãos da República” sob pena de se transgredir “a ideia da República”.

Ascânio Seleme - Trabalho terremoto

- O Globo

Se já havia uma forte tendência de reduzir o contingente dentro dos escritórios, o isolamento social provou que é perfeitamente possível para inúmeras categorias profissionais trabalhar permanentemente desde casa

A pandemia de Covid-19 fez mudanças importantes nos arranjos do trabalho. A principal delas é o estabelecimento do home office como uma alternativa que, para muitas empresas, vai se estender mesmo depois de terminada a pandemia. Se já havia uma forte tendência de reduzir o contingente dentro dos escritórios, o isolamento social provou que é perfeitamente possível para inúmeras categorias profissionais trabalhar permanentemente desde casa. A revista britânica “The Economist”, que deu a capa da sua edição desta semana ao tema, relata que um estudo da Universidade de Chicago descobriu que 40% dos trabalhadores de países ricos podem produzir remotamente.

Se para uma grande parte das empresas e um número enorme de trabalhadores a novidade traz muitos aspectos positivos (e também alguns negativos), para outros o home office pode produzir um enorme impacto negativo em seus negócios. O setor que mais será atingido por esta mudança de hábitos de trabalho é o imobiliário. Algumas grandes empresas globais, como a Pinterest, empresa de media social, estão refazendo contratos de aluguéis e de leasing de imóveis, pagando inclusive multas altas, para reduzir os espaços físicos que ocupam. No Brasil, algumas empresas já começaram a seguir este caminho.

Como efeito colateral, edifícios comerciais que forem desocupados podem permanecer fechados por muito tempo. Alguns terão de se redesenhar para outra finalidade sob pena de não abrirem mais. Quem vai ocupar, por exemplo, o edifício Eco Sapucaí, construído ao lado do Sambódromo no terreno da antiga fábrica da Brahma, que está fechado desde sua inauguração, em 2015? São 19 andares de 4,5 mil m² cada, com 34 elevadores e 1065 vagas de garagem. O governo do Estado do Rio chegou a cogitar mudar toda sua estrutura para lá, mas acabou desistindo.

Dom Odilo Pedro Scherer* - Pela vida e pelo Brasil

- O Estado de S.Paulo

É hora de encarar as medidas necessárias para tornar o País mais justo e solidário

Diversas entidades de expressiva credibilidade firmaram e divulgaram recentemente um “pacto pela vida e pelo Brasil”. Entre as entidades signatárias figuram a Conferência Nacional dos Brasil (CNBB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O pacto versa sobre dez questões relevantes e tem o estilo de um apelo a toda a sociedade brasileira, especialmente aos governantes e políticos, aos agentes sanitários, econômicos e financeiros.

Mas também é dirigido a toda a população e às lideranças da sociedade civil, com o propósito de mobilizar todos os brasileiros no enfrentamento da pandemia de covid 19, na prevenção contra o contágio e na colaboração solidária para o socorro das pessoas mais golpeadas pelo alastramento da doença.

Princípios orientadores do pacto são a defesa da vida, a cidadania ativa, a dignidade humana, a solidariedade e o diálogo maduro e corresponsável na busca conjunta de soluções para o enfrentamento da pandemia. O pacto destaca vários pontos: a necessidade da união de esforços e a superação dos discursos negacionistas e personalistas desorientadores, a preservação e a proteção da vida e da saúde de todos, a oferta de soluções sanitárias emergenciais e o fortalecimento do sistema público de saúde e a necessidade de direcionar esforços e recursos econômicos para o enfrentamento dos efeitos da pandemia. Apela-se à solidariedade social na sociedade civil para a promoção de iniciativas pontuais e locais de socorro às populações mais vulneráveis. E também não faltou o apelo para que a vida política e a econômica sejam orientadas decididamente para a superação da profunda desigualdade social persistente em nosso país.

João Gabriel de Lima - A peleja entre o time das redes e o time das lives

- O Estado de S.Paulo

Redes sociais costumam ser o território do monólogo; lives abrem espaço para o diálogo

Jana e Tchelo. Tchelo e Jana. Jana é Janaina Paschoal, deputada estadual em São Paulo pelo PSL. Tchelo é Marcelo Freixo, deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro. Alguém teve a ideia de convidá-los para o mesmo vídeo – e, por incrível que pareça, eles mais concordaram que discordaram. Janaina concordou que “as pessoas de esquerda” têm razão em se sentir ameaçadas com o ambiente de ódio que vigora no Brasil atualmente. Freixo concordou que a direita têm motivos para se queixar de discriminação, especialmente no ambiente acadêmico. Os dois concordaram que alguém dizer que prefere ter um filho morto a um filho gay só demonstra “ignorância” – palavra usada por Janaina.

A conversa entre Jana e Tchelo – como eles passaram a se tratar, em tom de brincadeira, durante a gravação – pode ser assistida no YouTube. Ela é parte do Fura Bolha, série de vídeos reunindo personagens da vida política que pensam que modo diferente. A primeira temporada, com oito episódios, teve até agora uma audiência de 12 milhões de pessoas. Entre os pares convidados, além de Freixo e Janaina, estão Sâmia Bomfim e Kim Kataguiri; Tabata Amaral e Vinícius Poit; Joice Hasselmann e Randolfe Rodrigues.

Adriana Fernandes* - Dois tetos, duas medidas

- O Estado de S.Paulo

Muitos dirão que a economia com os privilégios da alta burocracia não faz cócega no buraco fiscal. E daí? Não vamos começar?

As lideranças do Congresso que se reuniram há poucas semanas com o presidente Jair Bolsonaro num manifesto em defesa do teto de gastos e austeridade fiscal deveriam correr para aprovar o projeto que garante o cumprimento de outro teto: o limite previsto na legislação brasileira que impede os servidores de ganharem mais do que os ministros do Supremo.

Hoje, esse limite está em R$ 39,2 mil – valor considerado baixo pelo ministro Paulo Guedes – mas burlado à vista de todos pelo Poder que deveria fazer cumprir a legislação aprovada pelo Congresso.

É essa trapaça da lei – melhor dizer, escárnio – que abre as portas para os altos salários e privilégios.

É interessante notar que a defesa do teto de gastos tem sido feita por muitos em Brasília (até mesmo por aqueles que no fundo não o querem atravancando o seu caminho) e são os mesmos que apostam na reforma administrativa para consertar o RH do serviço público brasileiro. Esses “guardiões” do controle de gastos, porém, não querem mexer nos seus próprios tumores.

Temos dois tetos e duas medidas.

Hélio Schwartsman - Voto febril

- Folha de S. Paulo

Quem não quiser votar neste ano nem morrer com os poucos reais da multa por ausência só precisa dizer que teve febre no dia do pleito

O próprio TSE já deu a senha. Está no Plano de Segurança Sanitária para as eleições municipais. Quem não quiser votar neste ano nem morrer com os poucos reais da multa por ausência só precisa dizer que teve febre no dia do pleito. Os juizados eleitorais aceitarão a declaração como justificativa.

Eu já me acostumei com quase todas as disfuncionalidades do sistema político brasileiro, que não são poucas, mas confesso que violações à lógica inscritas na legislação ainda me incomodam. E uma das que mais me causa revolta é o voto obrigatório.

Não ignoro os argumentos sociológicos em favor do instituto. Os números mostram que, quando o sufrágio é facultativo, são os mais pobres os que mais deixam de votar, adicionando mais uma camadinha de plutocracia a um processo que já é essencialmente favorável ao "statu quo".

Esse tipo de raciocínio, porém, não me convence. Nem sei se é bom para os pobres haver mais pobres votando. O papel dos grotões em eleições têm sido o de uma força conservadora, servindo de último bastião para todos os governos, desde a Arena até o PT. E agora já se voltam para Bolsonaro.

Cristina Serra - Governo biocida

- Folha de S. Paulo

Cruza os braços e libera os exércitos de vândalos da floresta

Teoricamente, as duas cabeças do governo para a questão ambiental são o ministro Ricardo "Boiada" e o general Mourão, à frente do Conselho da Amazônia. Mas o que se viu até agora parece mais uma conspiração contra suas próprias responsabilidades. Nesta semana, os dois fizeram dobradinha nas redes sociais, compartilhando um vídeo tão mentiroso quanto tosco, que nem sequer distingue a Amazônia da mata atlântica.

O vídeo, patrocinado por uma associação de criadores de gado, é uma peça de cinismo: diz que não há queimadas na Amazônia, que apenas índios e pequenos produtores usam o fogo para limpar suas roças e que os latifundiários preservam as matas. Não bastasse, Mourão também andou dizendo que está na hora de discutir a mineração em terra indígena "sem preconceitos".

O ataque biocida deste governo ao meio ambiente dispensa equipamentos de guerra. Basta cruzar os braços e liberar os exércitos de vândalos da floresta. Os incêndios criminosos expandiram seu raio de ação. Agora, devoram também o Pantanal e chegam ao Cerrado. Welington Silva, servidor do ICMBio, morreu tentando combater as chamas. Mártir do abandono dos órgãos de proteção.

Oscar Vilhena Vieira* - Constituição acima de tudo

- Folha de S. Paulo

A diplomacia brasileira respeitará a Constituição ou se submeterá a concepções toscas?

A Constituição de 1988 determina que o Brasil deve reger-se em suas relações internacionais por um conjunto de princípios, entre os quais o da “prevalência dos direitos humanos”. Isso significa que a liberdade do governo —qualquer que seja ele— na condução da política externa encontra limites e parâmetros claros no texto constitucional, que não podem ser violados ou negligenciados. No caso dos direitos humanos, a determinação é que lhes seja dada “prevalência”. Esse reforço normativo, não dispensado aos outros princípios, indica, no mínimo, que a defesa dos interesses nacionais jamais pode se dar em detrimento dos direitos humanos.

Com a abertura da 45º sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, na próxima segunda-feira (14), a diplomacia brasileira estará mais uma vez submetida a um teste de fidelidade: respeita a Constituição ou se submete a concepções toscas, retrogradas e conspiratórias abraçadas pelo chanceler e outros radicais, contribuindo para lançar o país à condição de verdadeiro pária internacional. Isso com graves consequência para nossa economia e para a própria capacidade de assegurar os legítimos interesses nacionais na esfera internacional.

Os direitos humanos no campo socioambiental constituem o tema central dessa sessão. Serão apresentados relatórios sobre o impacto de resíduos tóxicos sobre a saúde das pessoas e o meio ambiente. A flexibilização das regras para o uso de agrotóxicos e para a mineração, além da lentidão na reparação integral de populações afetadas por desastres provocados pela ação humana, serão certamente apontados como deficiências do Estado brasileiro no cumprimento de suas obrigações.

Demétrio Magnoli* - A política dos idiotas

- Folha de S. Paulo

Profecia de H.L. Mencken escrita em 1920 realizou-se com a eleição dos dois presidentes

"À medida em que a democracia é aperfeiçoada, o cargo de presidente representa, cada vez mais adequadamente, a alma profunda do povo. Em algum grande e glorioso dia, a gente simples dessa terra realizará, finalmente, a plenitude de sua vontade e a Casa Branca será adornada por um completo idiota." A profecia, de H.L. Mencken, foi escrita em 1920, durante uma cinzenta campanha eleitoral, e realizou-se em 2016, com Trump (e, no Brasil, dois anos depois, com Bolsonaro). A culpa é mesmo da "gente simples" dessas terras?

O termo "idiota", de raízes gregas, foi usado, num passado já distante, como diagnóstico psicológico do indivíduo com moderada incapacidade intelectual. Os psicólogos o abandonaram e ele passou a descrever uma pessoa estúpida ou, ainda, alguém presunçoso. Os dois qualificativos aplicam-se aos ocupantes da Casa Branca e do Planalto.

Mencken, porém, não escrevia sobre algum presidente singular, mas sobre a democracia e a "alma profunda do povo". Será que tinha razão?

Na sua frustrada campanha presidencial, saiu da boca de Hillary Clinton o adjetivo "deploráveis" para fazer referência aos eleitores de Trump —que não eram a maioria numérica mas constituíram a maioria eleitoral. Nos fóruns petistas brasileiros, diante do triunfo de Bolsonaro, não faltaram acusações ao povo "ingrato" (além das rituais condenações à "mídia"). Hoje, frente a uma parcial recuperação da popularidade do presidente, não poucos analistas sugerem que o fenômeno derivaria da "compra de consciências" pelo auxílio emergencial. O povo tem, então, os idiotas que merece?

Ricardo Noblat - O teatrinho de Bolsonaro para enganar seus devotos mais uma vez

- Blog do Noblat | Veja

Guedes, o coadjuvante

O que o presidente Jair Bolsonaro diz ou faz não deveria mais causar espanto aos que discordam dele. Porque não é para eles que Bolsonaro fala e faz, mas para os que o elegeram e estão dispostos a reelegê-lo. Simples assim. Uma banalidade, ou quase isso.

“Estamos praticamente vencendo a pandemia”, afirmou Bolsonaro em mais uma viagem ao Nordeste, o mais novo alvo de sua caça permanente a votos. “O Brasil foi um dos países que menos sofreu dada às medidas tomadas pelo governo federal”.

Verdade ou mentira? Grossa mentira. A pandemia ainda está longe de ser vencida. E quando for, o governo federal não terá sido o maior responsável, pelo contrário. A levar-se em conta o número de mortos e de infectados, o Brasil é o segundo país que mais sofre.

Sim, mas, e daí? Os devotos de Bolsonaro querem escutar que ele lhes diz, querem acreditar em suas palavras, quando nada para concluírem que seu voto valeu a pena. Assim procedem nos Estados Unidos, por exemplo, os eleitores de Trump.

No momento, Bolsonaro e Paulo Guedes, ministro da Economia, encenam a farsa sobre a “crise do arroz”. Guedes reclama porque o Ministério da Justiça pediu explicações para a alta do preço do produto. Bolsonaro diz que autorizou que o pedido fosse feito.

Guedes sabe que Bolsonaro jamais cairia da arapuca de tabelar preços. Bolsonaro sabe que Guedes sabe disso. Mas para o público de Guedes, os empresários, pega bem que ele reclame. E para os pobres que Bolsonaro quer conquistar, que ele cobre explicações.

E segue o baile. Cada um com o seu papel e a situação sob controle. À falta de oposição, o céu é de brigadeiro para eles.

Marcus Pestana* - Acima de tudo a liberdade e a democracia

O grande legado do Século XX, com o desfecho da “Era dos Extremos” como descreveu Eric Hobsbawm, foi, a meu juízo, a vitória das ideias de liberdade e democracia como valores universais e permanentes. Ainda que sobrevivam regimes autoritários mundo afora, o ideal democrático permanece sólido como o grande horizonte utópico neste início de Século XXI. Mostra disso são a impressionante mobilização popular na Belarus, as reações às ações desestabilizadoras de Trump no processo eleitoral em curso nos EUA e a resistência ao crescimento do populismo autoritário de extrema-direita em diversos países do planeta.

Há, evidentemente, ameaças e tensões que colocam em xeque a democracia contemporânea. Nunca se discutiu tanto a crise da democracia representativa. Há desafios a exigirem respostas urgentes. Mas não há outro caminho a não ser a democracia, invenção humana com suas virtudes e pecados, e que impõe um diálogo profundo e sincero entre conservadores, liberais, socialdemocratas, socialistas democráticos que convergem em torno da defesa da liberdade e rechaçam qualquer alternativa que rompa o Estado de Direito. Em um mundo e um país mergulhados em radical polarização entre os extremos, que alimentam suas bolhas sectárias, privilegiando a promoção do dissenso e não a política como ferramenta de construção de consensos progressivos através do debate democrático, temos nós, os democratas, a obrigação histórica de criarmos canais de diálogo para o fortalecimento da democracia e das instituições republicanas.

Entrevista | Jeffrey Sachs: “Não há futuro com Trump”

Para Jeffrey Sachs, eventual derrota do “pior presidente da história” dos EUA interromperia um ciclo de ódio, mentira e risco para o mundo

Por Ricardo Lessa | Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

“A desigualdade é uma das razões pelas quais não funcionamos direito como país. É por isso que temos que voltar a uma maior normalidade na política”, diz Jeffrey Sachs

SÃO PAULO - “Vigarista”, “irresponsável”, “trapaceiro”, “desequilibrado mental”, “fraudulento”, “mentiroso”, “despreparado”. Quase não faltam adjetivos no vocabulário do economista Jeffrey Sachs, Ph.D. em Harvard, para dedicar ao presidente dos Estados Unidos, o republicano Donald Trump. Diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável na Universidade Columbia, Sachs considera difícil pensar em qualquer futuro para o planeta, antes que o presidente americano deixe o poder.

Conselheiro de Bernie Sanders, que disputou a indicação à Presidência pelo Partido Democrata, Sachs, de 65 anos, atribui a classificação de extremista do senador ao exagero dos meios de comunicação que apoiam Trump, “que querem meter medo nas pessoas, divulgam mentiras e incitam o ódio”.

Para o economista, consultor-sênior desde 2001 do secretariado-geral da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, as eleições de novembro são cruciais porque “os Estados Unidos são um país muito importante e também muito perigoso, em termos dos efeitos para o resto do mundo”.

O fracasso no combate à pandemia, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil se deve, segundo Sachs, à desigualdade: “Temos várias subnações e, quando um líder é divisionista, joga um grupo contra outro”.

Na entrevista a seguir, o economista que já foi qualificado como um dos três mais influentes do mundo pela revista “The Economist”, autor de livros como “O Fim da Pobreza” e “A Era do Desenvolvimento Sustentável”, traça outros paralelos entre os Estados Unidos e o Brasil.

Valor: O senhor imagina que o mundo possa ter alguma mudança depois da pandemia?

Jeffrey Sachs: Pode, porque há mais gente decente do que vigaristas neste mundo. Assim, Trump, por exemplo, que é uma pessoa absolutamente horrível e tem um comportamento horroroso, mentiroso, um trapaceiro, uma fraude, tem o apoio de um terço do eleitorado americano. Isso é muito triste. É gente muito ingênua. E Trump tenta apelar para o ódio deles. Especialmente contra os negros. Mas ele não tem a maioria o apoiando. Por outro lado, ele é um tipo traiçoeiro, que se envolve em fraudes e trapaças. Não é fácil tirá-lo do poder. Vamos ter uma grande eleição dentro de pouco tempo, em novembro. Muito crítica, crucial. Muitos já disseram nos últimos dias, e é importante pensar nisso, que a democracia nos Estados Unidos está em risco.

Valor: É possível imaginar um futuro antes de passar pela eleição de novembro?

Sachs: É difícil imaginar ir para frente com esse homem ainda na Casa Branca. Porque é uma posição muito poderosa. Provavelmente mais ainda do que no Brasil. Trump governa por decretos. Eu não sei em quantos lugares na nossa legislação há essa regra que permite essas medidas de emergência. É um tipo de ditadura entre eleições. Porque Trump assina seguidas “executive orders” [equivalentes a decretos], que não submete ao Congresso. Isso é realmente chocante: tanto poder concentrado num homem só. É como se os Estados Unidos fossem um império, e o poder imperial fosse para uma só pessoa.

Valor: Isso é uma brecha na Constituição americana?

Sachs: Se eu fosse reescrever a nossa Constituição, iria para o parlamentarismo. Não para o presidencialismo. Porque um primeiro-ministro, como Trump ou Bolsonaro, já teria sido afastado por voto de desconfiança do Parlamento há muito tempo. Como presidentes, eles têm mais poderes. Mas acho que Trump tem mais poder do que Bolsonaro. Porque Bolsonaro ainda tem que ir ao Congresso algumas vezes. Enquanto Trump só assina “executive orders”. É um sistema terrível. Presidencialismo é um sistema ruim de início.

Valor: A desigualdade social é uma semelhança entre os dois países. O número de óbitos em relação à população na pandemia também é bem próximo. O senhor relaciona um fato ao outro?

Sachs: Sim, uma das principais razões pelas quais Brasil e Estados Unidos foram tão horrivelmente no combate à pandemia foi que os dois países são muito desiguais. Brasil, um dos mais desiguais no mundo, e Estados Unidos, o mais desigual entre os países ricos. Há tantas subnações diferentes dentro dos Estados Unidos e no Brasil. Quando tem um homem de ódio no poder, isso cria maiores divisões entre os grupos. A desigualdade é uma das razões pelas quais não funcionamos direito como país. É por isso que temos que voltar a uma maior normalidade na política. Com uma sociedade menos desigual, nossa sociedade vai funcionar melhor e as divisões poderão ser reduzidas.

O desafio de Fux – Editorial | O Estado de S. Paulo

São muitas as ameaças e afrontas à Carta de 1988, também por parte do próprio Judiciário. É esse o desafio que Luiz Fux se propõe a enfrentar e vencer

Em seu discurso de posse, o novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, abordou temas fundamentais não apenas para o tribunal, mas para o funcionamento de todo o Estado. Logicamente, Luiz Fux referiu-se especialmente ao Judiciário, mas suas palavras suscitam uma oportuna e necessária reflexão também para o Legislativo e o Executivo.

Luiz Fux fez clara defesa do papel do STF na proteção da Constituição. Lembrou, no entanto, que a competência da Corte para o controle de constitucionalidade sobre atos dos outros Poderes não autoriza a judicialização de questões que devem ser decididas pelo Legislativo e Executivo. “Conclamo os agentes políticos e os atores do sistema de Justiça aqui presentes para darmos um basta na judicialização vulgar e epidêmica de temas e conflitos em que a decisão política deva reinar”, disse.

Com realismo e em profunda consonância com os limites institucionais traçados pela Constituição, o novo presidente do STF lembrou que a Corte não “detém o monopólio das respostas – nem é o legítimo oráculo – para todos os dilemas morais, políticos e econômicos de uma nação”.

Não cabe à Justiça dirimir questões políticas, que estão na esfera do Congresso e do Executivo. “É cediço que, muitas vezes, o poder de decidir tangencia o poder de destruir. Por isso mesmo, a intervenção judicial em temas sensíveis deve ser minimalista, respeitando os limites de capacidade institucional dos juízes, e sempre à luz de uma perspectiva contextualista, consequencialista, pragmática, porquanto em determinadas matérias sensíveis, o menos é mais”, lembrou

Estancar a sangria – Editorial | Folha de S. Paulo

Escândalos no uso de recursos públicos na política obrigam revisão dos gastos

Na esteira dos escândalos desvelados pela Operação Lava Jato e do veto às doações eleitorais de empresas imposto pelo Supremo Tribunal Federal, o Congresso aprovou, no final de 2017, um novo sistema de financiamento de campanhas, baseado em recursos públicos.

A poucos meses do segundo pleito sob esse modelo, vê-se que as novas regras, longe de representar uma panaceia para os vícios da política nacional, vêm engendrando seus próprios efeitos colaterais.

Tome-se o processo de distribuição dos R$ 2 bilhões do fundo eleitoral. Para que cada um dos 33 partidos receba a sua parte do montante, faz-se necessário que seus dirigentes se reúnam e aprovem uma resolução determinando os critérios a serem utilizados para o repasse das verbas aos candidatos.

A norma visa dar mais transparência à gestão desses recursos oriundos do Orçamento, bem como evitar que os caciques das siglas decidam, a seu bel-prazer, os postulantes que receberão o dinheiro.

Porém, a julgar pela conduta de algumas agremiações, esse objetivo não parece estar sendo atingido.

Conforme revelou reportagem desta Folha, ao menos quatro partidos —PSL, PL, PMB e Solidariedade— entregaram ao Tribunal Superior Eleitoral atas de reunião partidária com trechos idênticos entre si, inclusive com os mesmos erros de português. Com o plágio vem junto a suspeita de que as reuniões tenham sido simuladas com o fito de burlar as exigências legais.

Centenário da UFRJ reforça que é preciso apoiar a Ciência e as Artes – Editorial | O Globo

A ideologia anti-intelectualista do governo é o pano de fundo para o corte nas verbas das universidades

Os 100 anos da fundação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), completados nesta semana, merecem uma comemoração especial. São uma afirmação da sociedade brasileira em defesa da Ciência e das Artes, num momento em que professores, artistas, pesquisadores e tudo o que se relaciona ao conhecimento acadêmico e à produção intelectual é desvalorizado pelo governo de turno em Brasília.

A história da UFRJ remonta à vitória sobre outra pandemia. Em 1920, ano da sua fundação, o Brasil acabara de se livrar da Gripe Espanhola, que deixara 35 mil mortos no país (segundo algumas estimativas, 100 milhões no mundo). A Faculdade de Medicina, de 1808, foi decisiva para enfrentar aquele outro vírus, que transformara o Rio de Janeiro numa usina de cadáveres. Foi um dos embriões da UFRJ ao lado da Politécnica (1792), a primeira escola de engenharia das Américas, e da Faculdade de Direito (1891).

Que os cientistas precisavam estar preparados para um embate que transcende as fronteiras da academia, estava claro desde pelo menos 1904, ano da Revolta da Vacina. Na ocasião, políticos ajudaram a criar uma onda negacionista violenta contra a determinação — correta e essencial — de Oswaldo Cruz para que todos fossem imunizados contra a varíola. Havia intenções golpistas contra o presidente Rodrigues Alves, numa campanha que manipulava a ignorância do povo contra o avanço da Ciência.

Os motivos para esperar uma retomada veloz – Editorial | O Globo

Ao contrário de crises anteriores, a ajuda do governo virou poupança — e deverá irrigar a economia

Pelo terceiro mês consecutivo, a recuperação nas vendas do varejo (5,2% em julho) surpreende os que apostam numa crise prolongada em virtude da pandemia. A indústria também dá sinais de que tenha recuperado o nível de atividade anterior às quarentenas. A retomada no Brasil, presente na pressão inflacionária que atinge setores como alimentação e construção civil, não é uniforme. Mesmo assim, repete o padrão que vem sendo verificado no mundo todo, desenhando o formato de V com que vários economistas tentam descrevê-la.

A China, primeiro país a sofrer os efeitos do vírus, também foi o primeiro a esboçar uma reação vigorosa: alta de 11,5% no PIB, comparando o segundo trimestre ao anterior. Nos Estados Unidos, o outro motor da economia global, a expectativa é de alta de 7% no terceiro trimestre. Pelas estimativas do economista Jim O’Neill, diversos outros países registrarão recuperação entre 10% e 15% até o final de outubro.

É verdade que não há consenso sobre a velocidade da retomada, pela incerteza que cerca a pandemia. Países europeus soam o alerta para o risco de uma segunda onda de casos. É o que ocorre no Reino Unido, onde a disparada no contágio levou à proibição de aglomerações com mais de seis pessoas. Mesmo assim, a economia britânica tem crescido por três meses consecutivos — e espera alta de 15% neste trimestre.

Música | Ataulfo Alves - Laranja madura

Poesia | Ariano Suassuna -A viagem

[Com mote de Fernando Pessoa]

Meu sangue, do pragal das Altas Beiras,
boiou no Mar vermelhas Caravelas:
À Nau Catarineta e à Barca Bela
late o Potro castanho de asas Negras.

E aportou. Rosas de ouro, azul Chaveira,
Onça malhada a violar Cadelas,
Depôs sextantes, Astrolábios, velas,
No planalto da Pedra sertaneja.

Hoje, jogral Cigano e tresmalhado,
Vaqueiro de seu couro cravejado.
Com Medalhas de prata, a faiscar,

bebendo o Sol de fogo e o Mundo oco,
meu coração é um Almirante louco
Que abandonou a profissão do Mar.

– Ariano Suassuna, “Dez Sonetos com Mote Alheio”. Recife: edição manuscrita e iluminogravura pelo autor, 1980.

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Luiz Carlos Azedo - Supremo cidadão

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Fux criticou os grupos políticos que “não desejam arcar com as consequências de suas próprias decisões” e permitem a transferência de conflitos para o Poder Judiciário

O ministro Luiz Fux assumiu, ontem, a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) com um discurso emocionado, que traduziu sua trajetória de magistrado de carreira que chegou ao topo do Judiciário. Claramente, reposicionou a Corte: manterá distância regulamentar da política propriamente dita e não hesitará na defesa da ordem democrática e dos direitos dos cidadãos. Fux substituiu o ministro Dias Toffoli, cuja atuação à frente do STF foi marcada por intenso protagonismo político; vista em perspectiva, sob seu comando, a Corte atravessou um dos períodos mais turbulentos e tensos de sua história. Entretanto, Toffoli deixou ao seu sucessor um ambiente de mais respeito entre os Poderes, que andaram à beira de uma ruptura institucional, principalmente em razão dos ataques do presidente Jair Bolsonaro ao Supremo. A ministra Rosa Weber é a nova vice-presidente do STF. Coube ao novo decano da Corte, Márcio Aurélio Mello, fazer a saudação dos pares ao novo presidente do Supremo. Aproveitou para alfinetar o presidente Bolsonaro: “Vossa excelência foi eleito com 57 milhões de votos. Mas é presidente de todos os brasileiros”.

No discurso de posse, Fux chorou duas vezes. Não faltaram referências emotivas aos parentes, aos amigos artistas e aos mestres de jiu-jitsu, arte marcial da qual é faixa-preta. Arrancou aplausos dos pares, demais autoridades e convidados ao falar do pedido de seu pai, o advogado Mendel Fux, já falecido, para que não deixasse o Brasil em razão de uma excelente proposta de emprego no exterior e, assim, retribuísse a acolhida recebida pela sua família de refugiados do nazismo. Criado na Andaraí e ex-aluno do Colégio Pedro II, Fux é filho de judeus romenos. Foi enfático ao dizer que “a interpretação da Constituição deve refletir e justapor, sem paixões, os valores que formam a cultura política e a identidade do povo brasileiro. Judicatura requer a consciência de que a autoridade de nós, juízes, repousa na crença de cada cidadão brasileiro de que as decisões judiciais decorrem de um exercício imparcial e despolitizado de alteridade.”

Cinco eixos
Fux definiu os principais eixos de autuação do Supremo sob seu comando: proteção dos direitos humanos e do meio ambiente; garantia da segurança jurídica conducente à otimização do ambiente de negócios no Brasil; combate à corrupção, ao crime organizado e à lavagem de dinheiro, com a consequente recuperação de ativos; incentivo ao acesso à justiça digital; e fortalecimento da vocação constitucional do Supremo Tribunal Federal. Destacou, porém, duas questões: primeiro, o combate à corrupção; segundo, o distanciamento do chamado “ativismo político” ou neoconstitucionalismo.

Merval Pereira - Nova postura

- O Globo

Fortalecer a “autoridade e a dignidade” do Supremo Tribunal Federal (STF), retirando-o das disputas políticas e mantendo relações com os demais poderes “harmônicas, porém litúrgicas”, parece ser o objetivo central da gestão do ministro Luiz Fux, que tomou posse ontem como presidente do STF.

Essa postura é uma guinada em relação aos últimos anos presididos por Dias Toffoli, que se aproximou excessivamente, na visão de muitos, do Palácio do Planalto e das manobras políticas, na tentativa de protagonizar acordo entre os Três Poderes que resultaram apenas em uma imagem distorcida do Supremo.

Para tanto, Fux definiu que Executivo e Legislativo têm que arcar com as conseqüências políticas das próprias decisões. Em seu discurso de posse, Fux foi enfático ao falar da corrupção, fazendo referência elogiosa à Operação Lava-Jato, que sofre ataques dentro do próprio Supremo:
“Esses corruptos de ontem e de hoje é que são os verdadeiros responsáveis pela ausência de leitos nos hospitais, de saneamento e de saúde para a população carente, pela falta de merenda escolar para as crianças brasileiras”.

A base de sua gestão nos próximos dois anos foi definida num discurso comovido e comovente, em que ficou clara sua alegria de ter chegado ao posto mais alto da carreira jurídica, mas também o desejo firme de não envolver o Supremo em questões que levem a uma “judicialização vulgar e epidêmica”.

Para o novo presidente do STF, é preciso “deferência aos demais Poderes no âmbito de suas competências, combinada com a altivez e a vigilância na tutela das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Afinal, o mandamento da harmonia entre os Poderes não se confunde com contemplação e subserviência”. Para justificar esta nova postura, o novo presidente do Supremo advertiu em seu discurso que “(...) a intervenção judicial em temas sensíveis deve ser minimalista, respeitando os limites de capacidade institucional dos juízes, e sempre à luz de uma perspectiva contextualista, consequencialista, pragmática, porquanto em determinadas matérias sensíveis, o menos é mais”.

Míriam Leitão - Os recados da posse de Fux

- O Globo

‘Baruch Hashem’, disse Luiz Fux ao encerrar um discurso que teve muitos recados institucionais. O som da música “Shalom” ocupou de forma inesperada o ambiente do Supremo Tribunal Federal. Fux é filho de um imigrante que veio para o Brasil fugindo do nazismo. É o primeiro judeu a assumir a presidência da mais alta corte do país. “O Estado é laico, mas a paz é uma necessidade”, explicou o ministro ao anunciar a música. Houve vários outros sinais do tempo. Os cumprimentos foram suspensos, os convidados eram poucos e estavam distanciados, as autoridades usavam máscaras em cabines de acrílico, e as primeiras palavras do novo presidente foram em homenagem às vítimas do coronavírus. “Esta página triste e devastadora da nossa história.”

O presidente Jair Bolsonaro ouviu Fux dizer que a intervenção do Judiciário precisa ser minimalista. Deve ter gostado, porque acha que o STF tem entrado em questões próprias do Executivo. “STF não é o oráculo, não detém o monopólio das respostas”, disse Fux e pediu que não houvesse tanta judicialização da política. Ao mesmo tempo, atravessou o discurso inteiro lembrando as virtudes da democracia.

O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, fez discurso breve e forte. Elogiou Dias Tóffoli. “Soube reagir quando os ataques — virtuais e reais — ao Supremo Tribunal Federal tentaram solapar a autonomia do Poder Judiciário, constranger a independência dos juízes e ferir a democracia brasileira.” Filho de desaparecido político, cuja memória Bolsonaro atacou, Santa Cruz contou que a OAB se reuniu duas vezes nos últimos 18 meses em atos “em defesa dessa Corte e da Constituição”. Falou do direito ao meio ambiente e do combate a todo tipo de discriminação.

Bernardo Mello Franco - Sinais contraditórios na posse de Fux

- O Globo

As sessões solenes do Judiciário costumam ser pródigas em rapapés. Mesmo assim, Augusto Aras exagerou. O procurador-geral da República disse que o ministro Luiz Fux “alia a mente de Atenas à força de Esparta”. Até as estátuas gregas ficariam coradas com a bajulação.

Fux fez um longo discurso ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal. Na única referência à Antiguidade, evocou Platão para declarar apoio à Lava-Jato. Depois citou pensadores mais contemporâneos, como Fagner e Michael Sullivan. “Ele me deu a honra da parceria na canção ‘Flor Mariana’, como presente de casamento para minha filha”, informou.

Sobre o que interessa, a relação da Corte com o bolsonarismo, o ministro emitiu sinais contraditórios. Numa passagem, ele afirmou que “harmonia entre os Poderes não se confunde com contemplação e subserviência”. A frase indicou uma mudança positiva em relação ao colaboracionismo de Dias Toffoli.

Em outro momento, Fux sugeriu que o Supremo pode passar a se omitir em debates caros ao governo. Ele criticou a “judicialização vulgar” de questões “permeadas por desacordos morais”. “Essa prática tem exposto o Poder Judiciário, em especial o Supremo, a um protagonismo deletério, corroendo a credibilidade dos tribunais”, afirmou.

Ricardo Noblat - Que saudade Bolsonaro sentirá de Dias Toffoli

- Blog do Noblat | Veja

O que Fux promete
A entregar pelo menos em parte tudo o que prometeu no seu discurso de posse, ontem, como novo presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux fará o presidente Jair Bolsonaro sentir falta, muita falta do ministro Dias Toffoli.

Há dois anos, ao ser empossado no cargo que cedeu a Fux, Dias Toffoli prometera tirar o tribunal da boca do palco da política, reduzindo seu protagonismo. Fez o contrário. E surpreendeu seus pares e o próprio governo aliando-se a Bolsonaro.

Fux comprometeu-se também com uma “intervenção minimalista” em assuntos sensíveis. “Menos é mais”, enfatizou. Repetiu o truísmo da necessária independência entre Poderes, mas acrescentou: “Com altivez” e não com contemplação e subserviência.

Sentado ao seu lado e usando máscara porque todos, ali, também usavam, Bolsonaro não foi alvo de tratamento especial, nem de salamaleques. Ouviu do ministro Marco Aurélio Mello que deve governar para todos os brasileiros, e não só para os que o elegeram.

Ouviu de Fux, no trecho mais aguardado do seu discurso, uma defesa enfática do combate à corrupção. O ministro citou a Lava-Jato mais de uma vez, exaltando seus resultados. Fez por merecer o que o ex-juiz Sérgio Moro vaticinou em 2016:

– Excelente. “In Fux we trust” (‘em Fux nós confiamos’)

Eliane Cantanhêde - Fux, sem subterfúgio

- O Estado de S.Paulo

Em vez de defender o combate à corrupção em tese, Fux citou especificamente a Lava Jato

Se o Supremo Tribunal Federal agir e decidir nos próximos dois anos como se comprometeu ontem o seu novo presidente, Luiz Fux, será um sucesso, um bom momento para a Justiça brasileira. Não custa lembrar, porém, que, entre palavras e atos, há uma enorme distância. Entre o desejo e as condições práticas, também. E é preciso combinar com os “adversários” – inclusive os demais ministros. Logo, a torcida é para Fux perseguir suas promessas e os princípios manifestados, enfrentar as naturais divisões internas e as pressões externas.

Em seu discurso, que abriu com um tributo aos quase 130 mil mortos pela covid-19, geralmente esquecidos nas falas do Executivo, ele disse que “democracia não é silêncio, é debate construtivo”, e defendeu a independência entre Poderes, mas “com altivez e vigilância e não com contemplação nem subserviência”. Ao seu lado, o presidente Jair Bolsonaro, finalmente de máscara, apesar das telas transparentes que separavam os ministros e autoridades, não mexia um músculo.

Fux também criticou a judicialização da política e o excesso de ações que o Supremo julga por ano – 115.603 em 2019. Ao dizer que o Judiciário não é “oráculo”, pregou que Executivo e Legislativo resolvam seus conflitos internos, sem que o Supremo atue verticalmente, e prometeu uma “intervenção minimalista” em matérias sensíveis: “menos é mais”, disse. Além de enaltecer a democracia e a mínima interferência em temas dos demais Poderes, ele se comprometeu veementemente com uma ação firme em favor de minorias, liberdade de expressão e de imprensa e, junto com isso, com o combate à corrupção e ao crime organizado.

O recado mais objetivo do discurso de posse, porém, foi quando Fux saiu dos princípios gerais, das frases de efeito e das citações eruditas para dizer com todas as letras, sem subterfúgio, que sua gestão será pró-Lava Jato. Além de citar diretamente a operação e o mensalão, marcos contra a corrupção no Brasil, ele fez mais: lembrou aos quatro ventos, especialmente para a cúpula do poder nacional, ali presente, que todas as operações foram realizadas com autorização judicial. Inclusive do próprio Supremo.

César Felício - Distância regulamentar

- Valor Econômico

Luiz Fux frisou que deferência a outros Poderes tem limite

A interlocutores nos últimos meses, o ministro Luiz Fux já havia indicado que pretendia demarcar uma certa distância em relação ao presidente Jair Bolsonaro. A convivência prometida iria muito pouco além da protocolar. Não haveria ambiente para visitas inesperadas, ou encontros no fim de semana.

Este não foi um traço de seu antecessor no cargo, Dias Toffoli, como ficou patente anteontem, com a irrupção de Bolsonaro em sessão do Supremo, para o assombro dos demais ministros.

Aboletado ao lado de Toffoli, a seu convite, Bolsonaro fez questão de lembrar que chegou onde chegou porque foi votado por milhões de eleitores. Ao passo que Toffoli e seus pares lá estavam por indicação presidencial. O momento não foi uma fotografia que colocou o Supremo em uma posição altiva, para dizer o mínimo.

Ao tomar posse ontem como novo presidente da Corte, Fux demonstrou o tamanho da distância regulamentar, ainda que o presidente estivesse ao seu lado, conforme manda o ritual.

Ele se mostrou disposto ao jogo político, ao deixar claro que quer ser “minimalista” e “pragmático” ao julgar ações de outros Poderes.

Bruno Boghossian – Fux no labirinto

- Folha de S. Paulo

Posse de Fux prova que tribunal não vê caminhos entre omissão e ativismo exagerado

A carta de intenções de Luiz Fux em sua posse como presidente do STF deixa poucas dúvidas: o tribunal está perdido no labirinto político em que se meteu. O ministro propôs um pacto para reduzir a interferência do Judiciário sobre outros Poderes, mas se recusou a reconhecer os erros cometidos pela corte.

Fux descreveu o Supremo como uma espécie de vítima de suas próprias decisões. No discurso desta quinta-feira (10), ele se queixou de “grupos de poder” que recorrem ao tribunal para resolver divergências que deveriam ficar restritas a outras arenas. Os pobres ministros, sob essa ótica, seriam praticamente forçados a agir como árbitros.

O novo chefe do Judiciário pediu “um basta” ao que chamou de “judicialização vulgar e epidêmica de temas e conflitos em que a decisão política deve reinar”. Nada disso seria necessário se o STF tivesse delimitado suas fronteiras de atuação com clareza ao longo dos últimos anos.

O ministro deu sua contribuição negativa à causa. Em 2017, ele cancelou sozinho uma votação da Câmara que havia modificado o pacote anticorrupção patrocinado pela força-tarefa da Lava Jato. Não importou, naquela época, a tal necessidade de resolver o processo legislativo dentro do Poder Legislativo.

Reinaldo Azevedo – Fux no STF e o E$quema no STJ

- Folha de S. Paulo

Que o ministro contribua para banir das terras nativas o direito criativo

Luiz Fux assumiu nesta quinta (10) a presidência do STF em meio a mais um espetáculo da Lava Jato-RJ, que vive seus dias de parceria física e metafísica com o bolsonarismo. Fez um strike contra Wilson Witzel e promete não deixar um só pino em pé com a Operação E$quema S, com esse cifrão que encanta os tiozões do WhatsApp que pedem golpe, com polo verde, ventre protuberante e meias e tênis pretos.

Leio que uma das missões do ministro seria manter as conquistas da Lava Jato, sua autonomia, seu poder, sei lá... Os objetos diretos variam de acordo com o entusiasmo do redator. Tomara que seja conversa mole. Sua tarefa é fazer valer a Constituição. Só.

Naquilo em que a Carta é explícita, deve fazê-lo sem margem para interpretações. Dou um exemplo: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Que seja em relação a isso tão aborrecido como o juiz de futebol que manda cobrar tiro de meta quando o atacante faz a bola escapulir pela linha de fundo do campo adversário —se for o defensor a fazê-lo, é escanteio.

Regras 16 e 17 da International Board. No caso da Carta, trata-se do inciso LVII do artigo 5º, cláusula pétrea que o próprio Fux ignorou ao validar um gol de mão da Lava Jato, que conseguiu manter Lula na cadeia contra a regra do jogo, num exercício de criatividade jurídica.

Hélio Schwartsman - Trump e a obrigação de mentir

- Folha de S. Paulo

Americano preferiu minimizar a pandemia, 'para não causar pânico'

Num dos textos mais estranhos da história da filosofia, "Sobre um Pretenso Direito de Mentir por Amor aos Homens", Immanuel Kant sustenta que estamos moralmente obrigados a jamais faltar com a verdade, mesmo que isso implique revelar para o assassino onde se esconde sua próxima vítima.

Donald Trump, que tem poucos traços kantianos, parece defender o que seria uma obrigação de mentir. O jornalista Bob Woodward revelou, com gravações, que Trump já sabia em fevereiro que a Covid-19 seria muito grave, mas preferiu minimizar a pandemia, "para não causar pânico".

Se definirmos pânico como uma condição patológica que leva as pessoas a comportar-se de forma irracional e contra seus próprios interesses, o presidente americano poderia ter um bom ponto de partida para sustentar sua posição. Mas, para não recair em paradoxos análogos aos que assombram Kant, precisaria observar duas condições.

Em primeiro lugar, as mentiras a ser contadas não poderiam comprometer os esforços do governo para combater a epidemia, uma obrigação mais importante do que evitar o pânico. Em segundo, elas não poderiam debilitar a credibilidade institucional da Presidência.

Ruy Castro* - Adivinhe quem é

- Folha de S. Paulo

Mente compulsivamente, até quando não precisa

‚Um doce para quem adivinhar o nome. Ele despeja acusações sem provas contra tudo e todos e, ao ver-se desmentido, nega ter dito o que disse e acusa a imprensa de tê-las inventado. Mente compulsivamente, até quando não precisa. Faz isso de propósito na frente dos repórteres, sabendo que eles só têm duas opções: ou o transcrevem de maneira neutra ou o contestam com provas --o que não lhe faz diferença porque, nos dois casos, ele terá pautado a mídia.

Insulta todos que não concordam com ele. Tenta barrar de suas entrevistas os veículos que vê como hostis --os que não rastejam à sua presença-- e é muito generoso para com os que lhe são servis. Em suas aparições pessoais, dispõe de valentões para constranger e ameaçar opositores. E, ao se ver incomodado por uma pergunta, não a responde. Manda calar a boca, encerra a conversa ou vai embora.

Tem uma massa de apoiadores zumbis, cegos e surdos à montanha de acusações que o mostram como ignorante, despreparado e fraudulento. Mas, quanto mais essas acusações se acumulam, mais eles ficam do seu lado. Faz-se passar por machão a todo instante, como se precisasse se assegurar disso. Por sinal, vive cercado de machões.

Flávia Oliveira - Memórias do cárcere

- O Globo

Experiências de prisão de Caetano e Luiz Justino, separadas por meio século, são pavorosamente semelhantes

Caetano Emanuel Viana Teles Veloso foi preso aos 26 anos, em fins de 1968, semanas após a publicação do Ato Institucional Número 5 (AI-5), marco da fase mais dura da ditadura militar. Com o amigo da vida toda, Gilberto Passos Gil Moreira, mesma idade, também cantor e compositor, foi levado de São Paulo para o Rio de Janeiro, onde ficou detido por 54 dias, a maior parte do tempo sem prestar depoimento nem ser informado do motivo da detenção. O violoncelista Luiz Carlos da Costa Justino, 23 anos, sofreu abordagem policial no Centro de Niterói, quando voltava com três amigos de uma apresentação na estação das barcas. Sem documento, foi conduzido à delegacia. Contra ele havia um mandado de prisão por assalto à mão armada, do qual nunca teve conhecimento e pelo qual fora acusado por reconhecimento fotográfico. Luiz tinha provas de que, no dia e hora do crime, estava tocando numa padaria; ainda assim, passou quatro dias encarcerado. Dois artistas da música, dois regimes políticos, duas experiências de prisão separadas por meio século. E pavorosamente semelhantes.

Caetano Veloso, ídolo da MPB, escreveu sobre os quase dois meses de prisão num capítulo de “Verdade tropical” (Companhia das Letras, 1997). Duas décadas depois, no ano da eleição que içou o deputado e capitão reformado Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto, gravou com Renato Terra e Ricardo Calil, diretores de “Uma noite em 67”, o depoimento que deu em “Narciso em férias”. O documentário, produzido por Paula Lavigne, é uma obra minimalista, em que não apenas o artista, mas o homem fala e se emociona e canta, sentado numa cadeira postada diante de um paredão de concreto. Uma hora e 23 minutos de imersão nas expressões e na voz de Caetano.

Críticas já publicadas sobre “Narciso em férias” chamam atenção para o horror de um Brasil, ao mesmo tempo brutal e ridículo, que parecia ter ficado para trás com a redemocratização, mas se mostra vivo com a escalada autoritária do atual governo. Em pronunciamento no Sete de Setembro, o presidente da República atropelou a verdade com uma História oficial que não representa o Brasil contemporâneo, em que negros, indígenas, mulheres resgatam do passado o protagonismo solapado.

Claudia Safatle - Volta o risco de insolvência do Estado

- Valor Econômico

Democracia está madura para buscar novo arranjo fiscal

Não é possível voltar ao período pré-pandemia, quando praticamente havia se afastado o risco de insolvência do Estado e estava colocada, na agenda da economia brasileira, a questão da produtividade e do crescimento. Estamos, novamente, sob o risco de insolvência.

O déficit primário consolidado do setor público, que era estimado em cerca de 1,5% do PIB para este ano, antes da pandemia, pulou para 13,4% do PIB, e a dívida bruta como proporção do PIB, que era de 80% com tendência de queda, subiu para 95,9%. O PIB, este ano, cresceria 2,2% e agora projeta-se contração de 5,4%, segundo dados do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Esse era o Brasil em fevereiro deste ano confrontado com o período da pandemia.

A necessária ação do Estado para socorrer empresas e famílias no auge da covid-19 afetou substancialmente os indicadores de solvência pública, que no início do ano caminhavam para sair do radar das grandes preocupações do país.

As contas públicas inspiravam cuidados, mas “o medo da insolvência já não assombrava tanto os analistas.” Assim Luiz Guilherme Schymura, diretor do Ibre/FGV, descreve a situação da conjuntura antes e depois da pandemia, na carta que circula hoje.

Vinicius Torres Freire – Melhora mais rápida do que se esperava

- Folha de S. Paulo

Na média, varejo já vende mais que em fevereiro, mas pobres podem ficar para trás

A recuperação da economia anda de fato mais rápida do que o esperado. Não, não quer dizer que a situação não seja horrível ou que tenhamos saído do poço. Pelas projeções por ora mais otimistas, mas ainda razoáveis, ao final de 2021 o PIB terá recuperado apenas três quartos da perda deste 2020. Muito importante, há um grande risco de a recuperação ser mais lenta para os mais pobres, para variar –mais sobre isso adiante.

As vendas no varejo aumentaram mais do que o esperado em julho e ultrapassaram o nível de fevereiro, mostram os dados do IBGE divulgados nesta quinta-feira. Há setores ainda muito arrebentados, bem abaixo nível de faturamento de antes da pandemia, convém lembrar. Trata-se das lojas de tecidos, vestuário e calçados, das livrarias, dos postos de combustíveis e de quem vende material para escritório e de informática, por exemplo. A pandemia ainda limita a circulação pelas cidades e a proximidade física, o que afeta muitos desses lojistas.

No varejo dito “ampliado”, a coisa ainda vai mal para veículos e suas peças, mas não para material de construção. A indústria de veículos, porém, é um dos centros da economia brasileira.

Simon Schwartzman* - A evolução do Bolsa Família

- O Estado de S.Paulo

O novo Programa de Responsabilidade Social é um importante salto de qualidade

Os programas de transferência de renda começaram no governo de Fernando Henrique Cardoso, foram ampliados no governo Lula e está aberta a discussão de como vão continuar. Pouca gente duvida de sua importância e necessidade. Se antes se pensava que a miséria era inevitável, hoje não se pode mais admitir que pessoas fiquem sem pelo menos um mínimo para se alimentarem e sobreviverem.

Nestes mais de 20 anos, muita coisa se aprendeu sobre o que funciona ou não no Bolsa Família. Ao contrário da maioria dos programas sociais brasileiros, o Bolsa Família é relativamente bem focalizado, atendendo a quem mais necessita, a partir das informações de um grande cadastro único. 

As transferências se dão de forma simples, sem burocracia, e o principal resultado é a redução do número de pessoas em situação de pobreza extrema. Por outro lado, as chamadas “condicionalidades”, que associam os benefícios à frequência das crianças na escola e ao atendimento nos serviços de saúde, funcionam pouco. E pela imprecisão do cadastro único existem muitas pessoas recebendo sem precisar e outras que precisam e ficam de fora.

Uma decisão importante para renovar o Bolsa Família é quanto dinheiro vai ser gasto. R$ 35 bilhões, como proposto pelo governo para 2020? Ou R$ 100 bilhões, o que talvez fosse possível se a economia melhorasse? Seja quanto for, é imprescindível avaliar a experiência até aqui e fazer o dinheiro ser mais bem empregado, focado em quem mais necessita e buscando resultados realistas.

É exatamente isso que faz a proposta do Programa de Responsabilidade Social elaborado por um grupo de especialistas liderados por Vinicius Botelho, Fernando Veloso e Marcos Mendes e patrocinado pelo Centro de Debates de Políticas Públicas de São Paulo. A primeira e talvez principal novidade é distinguir as situações de pobreza das situações de informalidade. Pessoas que trabalham informalmente nem sempre ganham muito pouco, mas vivem na incerteza. A ideia, por isso, é criar, ao lado da transferência de renda para os que ganham pouco ou nada, um seguro simples e barato que possa ser usado para as pessoas que trabalhem informalmente.