- O Estado de S.Paulo
Redes sociais costumam ser o território do monólogo; lives abrem espaço para o diálogo
Jana e Tchelo. Tchelo e Jana. Jana é Janaina Paschoal, deputada estadual em São Paulo pelo PSL. Tchelo é Marcelo Freixo, deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro. Alguém teve a ideia de convidá-los para o mesmo vídeo – e, por incrível que pareça, eles mais concordaram que discordaram. Janaina concordou que “as pessoas de esquerda” têm razão em se sentir ameaçadas com o ambiente de ódio que vigora no Brasil atualmente. Freixo concordou que a direita têm motivos para se queixar de discriminação, especialmente no ambiente acadêmico. Os dois concordaram que alguém dizer que prefere ter um filho morto a um filho gay só demonstra “ignorância” – palavra usada por Janaina.
A conversa entre Jana e Tchelo – como eles passaram a se tratar, em tom de brincadeira, durante a gravação – pode ser assistida no YouTube. Ela é parte do Fura Bolha, série de vídeos reunindo personagens da vida política que pensam que modo diferente. A primeira temporada, com oito episódios, teve até agora uma audiência de 12 milhões de pessoas. Entre os pares convidados, além de Freixo e Janaina, estão Sâmia Bomfim e Kim Kataguiri; Tabata Amaral e Vinícius Poit; Joice Hasselmann e Randolfe Rodrigues.
A era digital fornece ferramentas para o monólogo e para o diálogo. As redes sociais costumam ser o território do monólogo. Como eu não vejo meu interlocutor, sou levado a lacrar, causar – e posso xingar à vontade. Já os vídeos e lives, popularizados pela pandemia, abrem espaço para o diálogo. “Quando você é obrigado a interagir com alguém, seja virtualmente, seja presencialmente, precisa articular um pensamento, em vez de apenas latir e vociferar”, diz o cientista político Sérgio Fausto, um dos mentores do Fura Bolha e personagem do minipodcast da semana. A série foi criada pelo sociólogo Bernardo Sorj, codiretor, com Fausto, do projeto Plataforma Democrática. No Fura Bolha, Fausto e Sorj trabalharam em parceria com a página digital Quebrando o Tabu.
O time das redes e o time das lives disputam o debate digital. Eles têm comportamentos diferentes. Tanto Freixo quanto Janaina apanharam de seus seguidores nas redes sociais, apenas por topar conversar em público com um adversário político. Em contrapartida, choveram comentários elogiando a iniciativa – mostrando que o time das lives começa a equilibrar o jogo. “Nas redes sociais, o que acontece muitas vezes é a não conversa, quem coloca uma opinião lá quer apenas ganhar a discussão e não trazer ideias ao debate”, diz a jornalista Alana Rizzo, uma das líderes do projeto Redes Cordiais, pioneiro nesse tipo de iniciativa. No ano passado, o Redes juntou num debate, por exemplo, a deputada bolsonarista Alê Santos e a criadora do movimento Ninguém Solta a Mão de Ninguém, Thereza Nardelli. Ninguém morreu nem saiu ferido.
Para o jornalista britânico Edmund Fawcett, autor do livro Liberalismo, a vida de uma ideia, o cerne da democracia é a crença de que nunca existirá uma sociedade em que todos acham a mesma coisa – e só o debate civilizado entre os que pensam de modo diferente pode levar à melhora coletiva. O Fura Bolha e o Redes Cordiais mostram que, mesmo num ambiente polarizado, é possível ter uma conversa serena e inteligente, adjetivos que sempre andam juntos – da mesma forma que burrice e gritaria costumam ser inseparáveis.
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