Ao contrário de crises anteriores, a ajuda do governo virou poupança — e deverá irrigar a economia
Pelo terceiro mês consecutivo, a recuperação nas vendas do varejo (5,2% em julho) surpreende os que apostam numa crise prolongada em virtude da pandemia. A indústria também dá sinais de que tenha recuperado o nível de atividade anterior às quarentenas. A retomada no Brasil, presente na pressão inflacionária que atinge setores como alimentação e construção civil, não é uniforme. Mesmo assim, repete o padrão que vem sendo verificado no mundo todo, desenhando o formato de V com que vários economistas tentam descrevê-la.
A China, primeiro país a sofrer os efeitos do vírus, também foi o primeiro a esboçar uma reação vigorosa: alta de 11,5% no PIB, comparando o segundo trimestre ao anterior. Nos Estados Unidos, o outro motor da economia global, a expectativa é de alta de 7% no terceiro trimestre. Pelas estimativas do economista Jim O’Neill, diversos outros países registrarão recuperação entre 10% e 15% até o final de outubro.
É verdade que não há consenso sobre a velocidade da retomada, pela incerteza que cerca a pandemia. Países europeus soam o alerta para o risco de uma segunda onda de casos. É o que ocorre no Reino Unido, onde a disparada no contágio levou à proibição de aglomerações com mais de seis pessoas. Mesmo assim, a economia britânica tem crescido por três meses consecutivos — e espera alta de 15% neste trimestre.
No Brasil, a queda de quase 10% do PIB devolveu a produção aos níveis de 2009. Mesmo na expectativa otimista, apenas no ano que vem a atividade voltará a ser o que era em 2014. Apesar disso, o próprio temor inflacionário traduz uma sensação de que o pior já passou. A partir do momento em que houver confiança no controle da pandemia, estão dadas as condições para uma recuperação veloz.
O motivo é que a causa da paralisia foi externa à economia. O novo coronavírus obrigou todos a ficar em casa para sobreviver e evitar o colapso dos hospitais. Centenas de atividades foram interrompidas, houve ondas de demissão, empresas fecharam. O dinheiro injetado pelo governo não foi, porém, usado para tapar buracos financeiros ou corrigir falhas estruturais, como em crises anteriores. Quando não foi para o consumo, virou poupança.
Pelas contas do economista Samuel Pessôa, enquanto o setor público amargou um déficit da ordem de R$ 390 bilhões no primeiro semestre, a poupança do setor privado subiu R$ 443 bilhões (6% do PIB). Em junho, o total de dinheiro em circulação, depósitos bancários, fundos remunerados, contas de poupança e títulos de instituições financeiras crescera R$ 476 bilhões acima da média nos três anos anteriores (mais de 6% sobre o total).
Toda essa dinheirama deverá nalgum momento irrigar a economia, seja pelo consumo, seja pelo investimento produtivo. A dúvida está na capacidade de controlar o vírus. A OMS estima em US$ 35 bilhões o custo de vacinas para todo o mundo. É um valor irrisório perto das perdas já registradas. A não ser que falhem todas as vacinas e tratamentos em pesquisa, há motivo para esperança em uma retomada rápida.
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