Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sábado, 17 de outubro de 2020
Merval Pereira - Falta de decoro
Ascânio Seleme - Um político vulgar
Episódio
do dinheiro “entre as nádegas” de Chico Rodrigues é mais um símbolo que servirá
para balizar estes tempos
‘Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram
de briga de homem não, Deus esteja”. João Guimarães Rosa inicia assim “Grande
sertão: veredas”, um dos mais extraordinários romances da língua portuguesa.
“Não tem nada a ver (...) querer vincular o fato de ele ser vice-líder com a
corrupção do governo”. Jair Bolsonaro encerra desta forma uma das últimas
farsas do seu mandato. Referia-se ao senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado
pela Polícia Federal com dinheiro na cueca, e que, segundo o presidente,
“gozava de prestígio e carinho de quase todos”.
Na
verdade, Bolsonaro enterrou muito antes a promessa de fazer um governo
honesto, distante da banda podre do Congresso Nacional. O primeiro passo foi
deixar embarcar no seu bonde a velha e conhecida turma do centrão. O senador de
Roraima é um quase nada se comparado aos próceres daquele agrupamento. Gente
como Arthur Lira, Ricardo Barros, Ciro Nogueira e Valdemar Costa Neto responde
a todo tipo de ação na Justiça: fraude em licitações, formação de quadrilha e
organização criminosa, lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito e até
violência doméstica. O centrão foi criado pelo ex-deputado Eduardo Cunha, que
se solto estivesse, certamente apoiaria o governo.
O
episódio do dinheiro “entre as nádegas” de Chico Rodrigues é mais um
símbolo que servirá para balizar estes tempos. Da mesma forma que um outro
episódio de dinheiro escondido na cueca marcou o governo Lula em 2005, quando
um assessor do líder do PT José Guimarães foi detido num aeroporto de São Paulo
com R$ 100 mil escondido nos fundilhos. Símbolos não faltam nos dias de hoje.
No caso da corrupção, houve dois, este do senador da cueca e o da demissão do
ministro Sergio Moro. Ou mais, se você quiser incluir os casos das rachadinhas
dos filhos que obrigou a aproximação do pai ao Supremo.
Míriam Leitão - O Brasil vai de Mello a Mello
Foi
uma semana marcante. O ministro Celso de Mello encerrou seu tempo no Supremo
Tribunal Federal (STF) deixando a sensação de que 31 anos podem ser poucos, que
sai quando é ainda necessário ao país. O STF foi tragado por uma voragem
conflituosa envolvendo o novo decano, Marco Aurélio Mello, e o presidente Luiz
Fux. Os dois Mellos não têm qualquer parentesco em nenhum sentido da palavra,
mas os eventos ajudam a refletir sobre o Supremo e o país.
Não
poderiam ser mais distantes os estilos dos dois decanos, o que sai e o que
entra. Celso de Mello era construtor de maiorias, era a pessoa para a qual os
pares olhavam, Marco Aurélio é um lobo solitário e passa a impressão de que o
debate no colegiado importa menos do que marcar sua singularidade. Sempre
preferiu votos indiossincráticos, amparados em teorias por vezes
incompreensíveis aos mortais. Com grande frequência terminava sozinho, como
nesta semana com o placar de nove a um. Recebeu o conforto das reprimendas dos
colegas ao ato de Fux de cassar sua liminar, mas o desagrado de ver que ninguém
daria liberdade ao traficante André do Rap.
Marco Antonio Villa - Aprender com 1930
O
panorama atual é bem diverso. O País está amorfo, naquele, como diria Monteiro Lobato, mutismo de peixe
Tivemos, no Brasil, o momento mais complexo deste século. Há uma junção de crises: econômica, política, sanitária e de valores. Para piorar há também uma ausência de lideranças em todos os setores, mais precisamente uma crise das elites. Assim como no futebol, o vazio acabou sendo ocupado. E por indivíduos absolutamente sem preparo frente a desafios tão grandes. Os 21 meses do governo Bolsonaro demonstram de forma inequívoca que sem uma profunda renovação política o país tende à paralisação, sem condições de poder enfrentar os graves problemas nacionais.
O
Brasil passou no século passado por uma turbulência tão ou mais grave que a
atual. Se reportarmos a crise de 1929 podemos observar que ao desastre
econômico foi somado uma grave crise política, a sucessão presidencial de
Washington Luís, que acabou conduzindo à Revolução de outubro de 1930. As
condições para a recuperação econômica eram muito mais difíceis que as atuais.
O Brasil dependia na pauta das exportações fundamentalmente do café. Tínhamos
uma tímida diversificação econômica. E sérios problemas estruturais. Mas,
diversamente dos tempos atuais, havia lideranças e planos, muitos planos para
sair da crise, entre as diversas correntes políticas.
Hélio Schwartsman – Ciência em ação
Jair
Cloroquina Bolsonaro e Donald Lysol Trump não dão pelota a especialistas
Não
me parece muito prudente a posição dos mais de 6.000
cientistas e médicos que assinaram uma carta aberta pedindo aos
governos dos EUA e do Reino Unido que estimulem a circulação de jovens para
atingir a imunidade de rebanho, mas acho importante que esse tipo de
manifestação ocorra e gere discussões.
A
polarização política fez com que dividíssemos os governantes no campo dos que
seguem a ciência e no dos que a rejeitam. Não há a menor dúvida de que
dirigentes como Jair Cloroquina Bolsonaro, Donald Lysol Trump e Alexander Sauna
& Vodca Lukashenko agem
sem dar pelota para o que os especialistas têm a dizer sobre a pandemia, mas
daí não decorre que a ciência tenha respostas únicas e inequívocas para todas
as nossas perguntas. Pelo contrário, se há algo que caracteriza a ciência
(ainda que não os cientistas) é a dúvida metódica e o ceticismo em relação a
suas próprias conclusões. Em ciência, até as certezas são necessariamente
provisórias.
Cristina Serra - Generais e seus labirintos
Villas-Bôas não destoa da atuação histórica das Forças Armadas no Brasil
Passou quase em branco informação importante publicada nesta Folha para a reconstituição dos bastidores do golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff (ou alguém aqui ainda acredita em pedaladas fiscais?). A colunista Camila Mattoso, no Painel, informou que, um ano antes do impeachment, o vice, Michel Temer, teve um encontro sigiloso com o então comandante do Exército, Eduardo Villas-Bôas, e o chefe do Estado Maior, Sérgio Etchegoyen.
A revelação foi feita pelo filósofo e amigo de Temer, Denis Rosenfield, que intermediou o encontro. Segundo ele, o comandante o procurou porque os militares estavam "preocupados com o país". Etchegoyen foi nomeado ministro da Segurança Institucional de Temer. Villas-Bôas é o general tuiteiro que se tornou uma espécie de tutor-geral da República, com desenvoltura suficiente para postar ameaças ao STF quando bem entende.
Alvaro Costa e Silva - O pós-turismo de Bolsonaro na 'Cancún brasileira'
Depois
da destruição do Pantanal e da Amazônia, governo volta-se para o litoral de
Angra dos Reis
Só
comunistas, antipatriotas e maconheiros não admitem: em seu projeto de destruição
ambiental, o governo é um sucesso. Bem encaminhados os desastres pantaneiro e
amazônico, a sanha volta-se agora para o litoral de Angra dos Reis.
A
repórter Ana Luiza Albuquerque revelou que Bolsonaro está de olho na ilha do
Sandri, a maior entre as 29 que integram a Estação Ecológica de Tamoios, criada
em 1990 como contrapartida à instalação de usinas nucleares na região e em cuja
extensão é proibido ancorar barcos, desembarcar e fazer edificações.
A investida —que conta com a subserviência do prefeito Fernando Jordão (MDB)— é parte do plano para transformar Angra dos Reis na "Cancún brasileira". É um velho sonho do presidente: entupir a faixa litorânea de enormes hotéis e resorts com piscinas interligadas e réplicas do Hard Rock Cafe. A sensação do turista, com a cabeça entorpecida pelo reggaeton, é que está não no México, mas nos Estados Unidos. Dá até pena do lindo mar azul do Caribe.
Demétrio Magnoli* - A cadeira do juiz
Juízes
que fazem política fracassan duas vezes, como políticos e como magistrados
Amy Coney Barrett, a juíza indicada à Suprema Corte dos EUA, é uma originalista. Os fundamentalistas religiosos querem que as sociedades se curvem aos textos sagrados “tal como foram escritos”.
Os
juízes originalistas são fundamentalistas constitucionais: ignoram a dinâmica
histórica em nome de um literalismo absoluto. Mas, paradoxalmente, a
confirmação de Barrett descortina a possibilidade de um necessário
reordenamento da democracia americana. Além disso, ajuda o Brasil a
diagnosticar a moléstia que debilita o STF.
Na
ponta oposta dos originalistas encontram-se os neoconstitucionalistas,
representados no STF por Luís Roberto Barroso. A corrente jurídica acredita
que a norma formal (o que está escrito) deve se subordinar à norma axiológica
(os princípios morais genéricos inspiradores da Constituição).
O
juiz converte-se, a partir daí, em intérprete livre do texto legal, com a
prerrogativa de infundir-lhe significados que contrariam seus significados
explícitos. Abre-se a autopista do ativismo judicial: o sopro purificador do
juiz-ativista produz legislação, ocupando a cadeira dos parlamentares.
João Gabriel de Lima - O grid de largada e a ‘escuderia Bolsonaro’
Eleições
municipais definem o ‘grid de largada’ para o próximo pleito presidencial
Os
dias anteriores às eleições municipais são úteis
para que o eleitor compare os candidatos. O monitor do Estadão fez
um excelente cotejo de propostas, e esta coluna iniciará na próxima semana uma
série de podcasts sobre os principais temas do debate.
Existe,
no entanto, outro aspecto nas eleições municipais brasileiras. Descasadas das
federais e estaduais, elas definem uma espécie de “grid de largada” para o
próximo pleito presidencial. Prefeitos de grandes capitais se credenciam
automaticamente a disputar o Planalto – como ocorreu recentemente com Fernando Haddad. O xadrez das
prefeituras também define, entre as candidaturas presidenciais já insinuadas,
quem jogará com vantagem.
O tabuleiro deste ano apresenta um componente extra. O presidente da República não tem partido e é candidatíssimo à própria reeleição. Em que condições ele vai emergir dos pleitos municipais?
Bolívar Lamounier* - Nossa infindável fragilidade
A
chance de Brasília fazer uma reforma política e administrativa séria é remota
A
pandemia e a certeza de que tão cedo não teremos um ajuste fiscal seguro
trouxeram de volta a preocupação com a fala de “resiliência” do sistema
político brasileiro. Esse termo significa que nosso Estado cambaleia toda vez
que se depara com situações muito negativas.
Triste
é constatar que essa joia do jargão politológico não diz nem metade do que
precisa ser dito. A fragilidade da organização política brasileira não é
ocasional. Não se manifesta somente quando batemos de frente com algum
obstáculo poderoso. Trata-se de uma fragilidade mal compreendida, abissal, que
deriva de várias causas e produz efeitos crudelíssimos sobre as parcelas mais
vulneráveis da sociedade. Seu aspecto mais perceptível é o que Ricardo Noblat
certa vez denominou “o céu dos favoritos”. A fauna brasiliense compõe-se de
numerosas espécies que diferem em quase tudo, menos no apetite. E na volúpia.
Habitam os três Poderes e se valem deles para se apropriarem de cifras
estratosféricas, sob a forma de salários, de ajudas de custo, das cotas
ministeriais que alimentam o famigerado “presidencialismo de coalizão” e de
assessores-de-coisa-alguma, sem esquecer as proverbiais “rachadinhas”. Com as
exceções de praxe, claro.
Adriana Fernandes - Ouvidos moucos
A
economia brasileira vive um dos momentos mais delicados dos últimos anos
Em
entrevista ao Estadão,
o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore não
poderia ter definido melhor o quadro da política em Brasília nos dias atuais. Para
ele, o presidente Jair Bolsonaro e os congressistas
teimam em não entender a situação da economia e da escalada acelerada de
deterioração da percepção de risco do País. Fazem ouvidos moucos.
O
resultado é que o Brasil poderia estar agora aproveitando uma onda mais positiva
após as medidas de mitigação dos efeitos da pandemia da covid-19, que impediram um tombo maior
da economia, e vêm sustentando o processo de recuperação neste segundo semestre.
Ao
contrário, o Brasil vive um dos momentos mais delicados dos últimos anos e isso
pode se agravar se governo e Congresso continuarem errando a
mão. Qualquer que seja a solução, será preciso encontrá-la urgentemente. Até
agora, porém, está todo mundo perdido em Brasília e atirando cada qual para um
lado: não faltam propostas e sobra inação.
A
mais recente ideia é a de criação de um fundo para receber receitas de
renúncias tributárias e desonerações para deixar as despesas com o novo
programa social fora do teto de gastos. Variações do mesmo tema.
Marcus Pestana* - Trump, Biden e o Brasil
Com seu estilo populista-autoritário, diante de tão grave situação econômica, sanitária, social e racial, Trump não refrescou, não buscou unir o país, ao contrário, jogou lenha na fogueira do dissenso, da discórdia e da polarização.
Desde a sua independência em 1783 e da Constituição americana de 1789, os EUA, ao lado da Inglaterra e França, são os grandes esteios da democracia moderna. Um abalo na dinâmica e nas instituições democráticas americanas em pleno século XXI seria um péssimo exemplo e estímulo para outros líderes populistas autoritários confrontarem os valores permanentes da liberdade e da democracia.
O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais
Os
acusados são soltos quando deveriam estar presos; e são presos, a depender do
caso, quando melhor seria que estivessem soltos
No
mundo da aviação, sabe-se que, por trás de todo acidente aéreo, há uma
sequência de erros que explica o triste episódio. Quase sempre é uma sinistra
combinação de falhas humanas com as de equipamentos. Se nem todos esses
equívocos tivessem acontecido simultaneamente, a catástrofe seria evitada e as
vidas que se perderam com a queda da aeronave poderiam ser preservadas.
Guardadas todas as proporções, a libertação do traficante André do Rap tem
semelhanças com a soma de imperfeições que leva um avião a se destroçar em
solo. Membro graduado de uma das facções mais perigosas do Brasil, o criminoso
se beneficiou de uma sucessão de desacertos, que inclui a perda de prazo para a
prorrogação de sua prisão, passa pelo mau funcionamento dos sistemas do STF e
culmina em uma tentativa inoportuna do ministro Marco Aurélio Mello de marcar
posição. Uma diferença de apenas algumas horas e o delinquente ainda estaria na
cadeia, lugar apropriado para quem desempenha sua atividade.
Mas
além das falhas e brechas que permitiram a libertação de um malfeitor de alta
periculosidade, a trajetória de André do Rap revela, numa perspectiva mais
profunda, um outro mal que põe em risco a segurança dos cidadãos brasileiros:
as engrenagens que abastecem as fileiras do PCC, a maior e mais ameaçadora
facção criminosa do país. Aos 19 anos, ele foi preso pela primeira vez com
trinta papelotes de cocaína, em Santos. Não portava armas nem tinha
antecedentes criminais, mas, como estava acompanhado de um comparsa de 17 anos,
recebeu um agravamento de pena por corrupção de menores, sendo levado para o
Carandiru, o famoso presídio paulista extinto em 2002. Começava ali mais uma
carreira no mundo do crime. Considerado inteligente e educado pelos colegas,
André acabou sendo recrutado pelo PCC em troca de segurança na penitenciária.
Fora dela, pagou sua dívida com a organização transformando-se em um de seus
líderes.
Poesia | Fernando Pessoa - Azuis os Montes
Azuis os montes que estão longe param.
De eles a mim o vário campo ao vento, à brisa,
Ou verde ou amarelo ou variegado,
Ondula incertamente.
Débil como uma haste de papoila
Me suporta o momento. Nada quero.
Que pesa o escrúpulo do pensamento
Na balança da vida?
Como os campos, e vário, e como eles,
Exterior a mim, me entrego, filho
Ignorado do Caos e da Noite
Às férias em que existo.
sexta-feira, 16 de outubro de 2020
Fernando Gabeira* - O Brasil não é uma ilha
Exceto
se reduzirmos o País aos limites mentais de Bolsonaro e seus mais retrógrados
apoiadores
Política
externa não é um tema popular. Mas nas circunstâncias do mundo de hoje erros ou
acertos nesse campo vão repercutir no cotidiano das pessoas comuns. É preciso
acionar os sinais de alerta para uma configuração negativa no horizonte. Nela
nos poderemos isolar, simultaneamente, da Europa e dos Estados Unidos.
No front europeu, são inúmeras as
advertências de que o acordo comercial com o Mercosul subiu no telhado por
causa da política ambiental do governo Bolsonaro. A recusa começa por
Parlamentos nacionais, estende-se ao Parlamento Europeu e já aparece no
discurso oficial da França. Angela Merkel tem sofrido forte pressão, embora
reconheça, como estadista, a importância do acordo e a necessidade de salvá-lo
dos desatinos bolsonaristas.
Nos
EUA, além da China, o Brasil foi o único país a ocupar a agenda do debate na
campanha presidencial: Joe Biden anunciou a possibilidade de reunir
investimentos de US$ 20 bilhões para preservar a Amazônia e ameaçou com sérias
consequências econômicas caso não se altere a política do governo brasileiro na
região.
Além
das divergências no campo ambiental, Biden discorda claramente da visão de
Bolsonaro sobre a tortura no regime militar. Ele veio pessoalmente entregar a
Dilma Rousseff documentos do governo americano que confirmam e até mesmo
ampliam o conhecimento sobre a repressão no período. São textos de diplomatas
americanos, baseados também na ampla equipe de informantes nacionais, militares
incluídos.
Merval Pereira - Dinheiro sujo
Míriam Leitão - A corrupção sempre presente
O
escândalo enojante, em todos os sentidos da palavra, do ex-vice-líder do
governo, senador Chico Rodrigues, é a mais recente prova de como Jair Bolsonaro
usou abusivamente a bandeira do combate à corrupção, vendendo-se diferente do
que sempre foi. Não precisava mais nada no governo, mesmo assim houve essa
última excrescência. Bastava a abundância de dinheiro sem origem ou sem
explicação clara que circula nas mãos ou nas contas de Bolsonaro, seus filhos,
sua mulher e suas ex-mulheres. No fim do dia, o ministro Luís Roberto Barroso
determinou o afastamento do senador do mandato por 90 dias, decisão ainda
sujeita à aprovação pelo Senado.
O
senador foi removido da vice-liderança pelo governo, mas isso não apaga o fato
de que foi líder, tinha com o presidente da República uma relação definida por
Bolsonaro como “quase uma união estável”, emprega no seu gabinete Leo Índio, o
notório primo dos filhos do presidente. O distanciamento que Bolsonaro tenta
agora ter em relação ao senador foi o mesmo movimento que ele executou contra o
advogado Frederick Wassef, o mesmo que tenta manter de Fabrício Queiroz, que,
por sua vez, tinha ligação com Adriano da Nóbrega, chefe miliciano.
Bernardo Mello Franco - A poupança do senador
Na
quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro disse que daria uma “voadora no
pescoço” de quem praticasse corrupção. No mesmo dia, a Polícia Federal flagrou
um dos vice-líderes de seu governo com dinheiro escondido entre as nádegas.
A
PF apreendeu R$ 33 mil na cueca do senador Chico Rodrigues. Segundo os agentes,
parte do butim estava ocultada “em regiões íntimas”. A filmagem da operação
registrou cenas escatológicas. Para nos poupar delas, o ministro Luís Roberto
Barroso mandou trancar o vídeo num cofre.
O
senador do DEM é suspeito de desviar verbas federais enviadas a Roraima
combater a pandemia. Os investigadores afirmam que ele ajudou a fraudar a
compra de testes da Covid. O Estado tem 15 municípios, mas só a capital conta
com leitos de UTI.
Luiz Carlos Azedo - O traficante e o senador
O
julgamento do habeas corpus de André do Rap foi o assunto político da semana,
mas acabou ofuscado pelo flagrante no senador Chico Rodrigues (DEM-RR), com R$
37 mil na cueca
O
Supremo Tribunal Federal(STF), por 9 a 1, confirmou a decisão do presidente da
Corte, ministro Luiz Fux, que cassou a liminar que soltou o traficante André de
Oliveira Macedo, o André do Rap, da lavra do ministro Marco Aurélio Mello. Um
dos chefões do Primeiro Comando da Capital (PCC), o traficante fugiu para o
exterior. A decisão era pedra cantada, assim como o bate-boca no final do
julgamento entre os dois ministros. Novo decano, Marco Aurélio sustentou sua
posição, embora tenha negado um habeas corpus de um comparsa do fugitivo, cujo
advogado alegou as mesmas razões acolhidas no caso de André do Rap, para pedir
sua libertação.
Apesar
do resultado dilatado, a sessão de ontem foi tensa. Todos ressaltaram a
necessidade de o presidente da Corte respeitar as liminares dos ministros, e
trataram o caso de André do Rap como excepcionalidade. O ministro Ricardo
Lewandowski chegou a criticar Fux por ter sustado uma de suas liminares,
durante um plantão, quando era vice-presidente do Supremo. Houve críticas dos
ministros à proposta de mudanças no sistema de distribuição de processos por
ato administrativo feita por Fux.
O
ministro Gilmar Mendes destacou as falhas no caso de André do Rap, uma vez que
a liminar concedida por Marco Aurélio foi dada após o advogado do traficante
ter peticionado pela segunda vez; antes, havia retirado outro pedido de habeas
corpus, que fora distribuído para a ministra Rosa Weber. Também criticou a
omissão do juiz de primeira instância, que deveria ter se pronunciado no prazo
de 90 dias, e o Ministério Público Federal (MPF), que somente recorreu da
decisão no sábado passado, o que também facilitou a fuga do traficante, que não
foi devidamente monitorado pela polícia.
Eliane Cantanhêde* - Dói na alma
A
nova obsessão do Bolsonaro 4.ª versão é a ‘sua’ vacina contra a ‘dele’, Doria
Em
seu quarto personagem desde a eleição e a posse, há menos de dois anos, o presidente Jair Bolsonaro vai se
metamorfoseando de acordo com as circunstâncias e conveniências políticas, mas
de uma coisa ele não abre mão: dobrar a aposta a toda semana, a toda hora, na
sua versão da “gripezinha”. São 152 mil mortos, mais de 5,1 milhões de
contaminados e o discurso do presidente do Brasil é o mesmo,
inacreditavelmente, irritantemente, negacionista.
Eu
estava no velório do jornalista Alberto
Coura, na quarta-feira, quando Bolsonaro insistiu que a
pandemia é “superestimada”. Como assim? O que mais é preciso, no Brasil e no
mundo, para o presidente admitir para sua gente que o coronavírus é grave,
gravíssimo, uma tragédia na história da humanidade? Ele sabe exatamente o que
se passa, mas não admite por estratégia, por cálculo político. Aliás, como fez
e faz seu ídolo e mentor Donald Trump nos EUA.
Alon Feuerwerker - Um adversário de cada vez
O
centro erra ao combater ao mesmo tempo a esquerda e a direita
O movimento do presidente Jair Bolsonaro no sentido de uma composição com o chamado Centrão parlamentar tem algo, sim, de moderação. Mas já foi bem diagnosticado como uma guinada para a preservação do poder. Ele soube detectar de onde vêm as maiores ameaças: daqueles que o ajudaram na eleição, mas a contragosto.
A
flexão tática bolsonarista ao dito centro trouxe um efeito colateral
interessante, um fenômeno ainda por medir e observar. Um “novo centro” que,
paradoxalmente, radicaliza pela direita. Uma reação de parte do bolsonarismo
puro e deixado para trás, agora já um quase ex-bolsonarismo, e que tem tudo
para se agrupar em torno do ex-ministro Sergio Moro.
Aliás,
como era previsível, e foi previsto, ele desponta firme para se viabilizar no
arco-íris do autodeclarado centrismo.
Dora Kramer - Sabor do vento
A
impressão é a de que Jair Bolsonaro não só ficará pelo tempo regulamentar como
poderá repetir a dose e permanecer oito anos na chefia da nação
No
primeiro ano de governo, a impressão mais ou menos generalizada era a de que
Jair Bolsonaro não se aguentaria no cargo porque o país simplesmente não
aguentaria quatro anos “disso daí”: um presidente hostil, criador de casos,
defensor de causas retrógradas, refratário aos preceitos mínimos da civilidade
e, sobretudo, desprovido de preparo adequado para o exercício da função.
Pois
bem. Quase dois anos e uma pandemia depois, a impressão mais ou menos
generalizada é a de que Jair Bolsonaro não só ficará pelo tempo regulamentar
como poderá repetir a dose e permanecer oito anos na chefia da nação. Esta
passou a ser a previsão corrente desde que o presidente resolveu dar uma de
pessoa “normal”, adaptando-se às circunstâncias da política tradicional (para o
bem e para o mal). Colheu bons frutos nas pesquisas de avaliação e pôde, com
isso, perceber quanto o assistencialismo é bom de voto.
José de Souza Martins* - Terrivelmente o quê?
A geopolítica do confuso regime bolsonarista vem transformando evangélicos de governo em partido político imaginário para absolver-se de erros e enganos
Volta
e meia o presidente da República menciona que vai nomear alguém terrivelmente
evangélico para uma eventual vaga no Supremo Tribunal Federal. Por que não
alguém indiscutivelmente jurista, capaz, justo, de formação jurídica acima de
qualquer suspeita? Por que tem que ser alguém com um qualificativo que o
identifica como sectário de uma crença, que é o que significa o terrivelmente?
O do modo terrível, aterrorizante, medonho? Já não basta o medonho das
incertezas que estamos vivendo?
O
reiterado anúncio de um juiz “terrivelmente evangélico” não tem a seriedade que
se tem o direito de esperar e exigir de um presidente da República. Às vezes
parece gozação, outras vezes parece coisa de quem ouviu cantar o galo, mas não
sabe onde. No mais das vezes é claramente fala de alguém brandindo a língua
flamejante para ameaçar o povo brasileiro e as instituições. Mais do que o
improvável reconhecimento de cidadania a que os evangélicos têm direito.
Bruno Boghossian – Os valores do baixo clero
Presidente levou representantes da planície da política para o Palácio do Planalto
O
presidente não gostou da repercussão da batida policial que encontrou dinheiro
na cueca do senador Chico Rodrigues (DEM). “Não tenho nada a ver com isso”,
reclamou. O que se sabe do caso até
agora não sugere uma conexão entre os desvios e o Palácio do Planalto,
mas o protagonista do escândalo simboliza bem as relações políticas de Jair Bolsonaro.
Agora
notório, Rodrigues foi um deputado típico do baixo clero por cinco mandatos.
Nunca liderou a bancada de um partido e só presidiu uma única vez uma comissão
da Câmara. Foi na planície que ele conheceu Bolsonaro, um político que habitou
esse território por três décadas.
Num
vídeo que voltou a circular depois da operação, o hoje presidente chama
Rodrigues de “velho colega de Câmara” e brinca que a
relação de 20 anos entre os dois era “quase uma união estável”. Não foi
surpresa, portanto, quando o parlamentar inexpressivo se tornou vice-líder do
governo no Senado, nos primeiros meses de mandato de Bolsonaro.
Hélio Schwartsman - Bolsonaro e a corrupção
Há
uma semana, ele declarou que não havia corrupção em seu governo
Os
deuses sabem ser irônicos. Poucas horas depois de Jair Bolsonaro ter afirmado
que daria uma voadora no pescoço de quem praticasse corrupção em sua gestão, a
Polícia Federal flagrou o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), vice-líder do
governo, com cerca de R$ 100 mil em sua residência, dos quais R$ 30 mil se
encontravam em sua cueca, algumas notas "entre as nádegas", como
fizeram questão de publicar, por pudicícia, alguns veículos.
A
operação policial que apanhou o repleto senador é parte de uma investigação
sobre desvio de verbas destinadas ao combate à Covid-19. Uma semana antes dessa
pilhéria divina, o presidente declarara que não havia corrupção em seu governo
e que por isso ele acabara com a Lava Jato.
Embora Bolsonaro tenha no passado dito que tinha "quase uma união estável" com Rodrigues, esse não é o caso controverso mais próximo do presidente.
Ruy Castro* - Todos os fãs de Bolsonaro
Se
você gosta dele e acha que a corrupção acabou, veja se se enquadra em alguma
categoria
Iludem-se
os que acreditam que Jair Bolsonaro só tem adeptos entre a meia dúzia que vai
vê-lo quando ele sai do Alvorada para, digamos, trabalhar. Bolsonaro tem
seguidores em muitas categorias. Eis algumas.
Pecuaristas, madeireiros, garimpeiros, grileiros e incendiários infiltrados na Amazônia, no Pantanal, na mata atlântica, nos manguezais, restingas, dunas, terras indígenas e quaisquer santuários que possam ser destruídos e enriquecer amigos. Ex-cupinchas da Velha Política, sempre prontos a ser comprados.
Profissionais
das bancadas do boi, da bala e da Bíblia. Assessores de gabinete dispostos a
ceder 80% de seus salários pagos com dinheiro público, lavá-los e depositá-los
nas contas de seus familiares. Formadores de quadrilha, praticantes de peculato
e operadores de esquemas, investigados, denunciados ou réus em ações judiciais.
Juízes complacentes e advogados corruptos. Lobistas diversos, íntimos dos 01,
02 e 03.
Maria Cristina Fernandes - ‘União estável’ com senador tem fim abrupto
Senador
empregou parente dos filhos de Bolsonaro e controlava distrito sanitário
especial indígena
O ex-vice-líder do governo Bolsonaro no Senado, Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado com dinheiro grotescamente escondido e afastado do cargo pelo STF, foi o responsável pela indicação de Vitor Pacarat para o Distrito Sanitário Especial Indígena Leste, em Roraima, vinculado ao Ministério da Saúde. Lá, por meio de empresas de aliados, Rodrigues passou a fornecer equipamentos superfaturados.
A proximidade com o governo lhe valeu presença na viagem do presidente a Israel, em 2019, e na visita do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, a Roraima. Em vídeo, ainda na campanha, Bolsonaro diz ter com Rodrigues “quase uma união estável”, que ainda garantiu a um primo dos filhos do presidente, Leonardo Rodrigues, um emprego no gabinete do senador.
Em
entrevista na manhã de ontem, à saída do Palácio do Alvorada, o presidente da
República, Jair Bolsonaro, disse que a operação de busca e apreensão da Polícia
Federal na casa do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) é uma demonstração de que
seu governo não tem corrupção. Na tentativa de se descolar do vice-líder do seu
governo no Senado flagrado com dinheiro grotescamente escondido, o presidente
disse que seu governo, na verdade “combate a corrupção”.
Coube
ao senador, porém, a indicação, em 2019, de Vitor Pacarat como coordenador do
Distrito Sanitário Especial Indígena Leste, em Roraima, um dos 34 DSEIs do
país. Os distritos, responsáveis pelas comunidades indígenas, estão sob o
chapéu do Ministério da Saúde. As etnias sob a supervisão do DSEI Leste tinham
um outro candidato para o cargo e ocuparam as instalações do órgão em protesto.
Vinicius Torres Freire - A crise política da roubança na Covid
Cinco governadores estão ameaçados, mas corrupção é apenas parte do problema
A
história repugnante do dinheiro sujo
do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) e o fato de essa criatura
ser amiga de Jair Bolsonaro ofuscaram um outro fato. O político é acusado de
desviar recursos para o combate à Covid, que teria destinado a empresas de
parentes e agregados.
Acusações
de roubança de dinheiro reservado para atenuar a
epidemia ameaçam o mandato de pelo menos cinco governadores,
três deles da “nova política”. A cúpula de pelo menos nove governos estaduais é
investigada, além de dezenas de prefeituras. Além do problema do roubo, em si,
essas crises político-policiais explicitam mais uma vez quão longe do fim está
a ruína brasileira.
Wilson
Witzel, do Rio de Janeiro, foi afastado, deve ser deposto e
provavelmente preso. Foi surfista eleitoral do bolsonarismo e é do PSC, partido
religioso agregado do governo.
O
impeachment quase certo de Carlos Moisés, de Santa Catarina, deve ser votado na
quarta-feira que vem. É do PSL que elegeu Bolsonaro, partido ora cortado ao
meio feito uma laranja.
Flávia Oliveira - A urgência da fome
IBGE
disparou o alerta quando contou 10,3 milhões com privação alimentar grave em
2017-2018
Por
uma porção de conveniência política e um punhado de incompetência técnica, o
governo de Jair Bolsonaro adiou para depois das eleições 2020 a decisão sobre a
política social no pós-pandemia. Na prática, ficará para 2021, já que o segundo
turno do pleito municipal está marcado para 29 de novembro. Assim, ignorou-se
descaradamente a regra número um de quem se ocupa do combate à extrema pobreza:
quem tem fome tem pressa. A frase eternizada pelo sociólogo Herbert de Souza, o
Betinho, deu na cruzada brasileira pela erradicação da miséria; desaguou no
Fome Zero, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva; emendou no Bolsa
Família. Rendeu a saída do Brasil do Mapa da Fome da ONU, no início desta
segunda década do século XXI, que chega ao fim com o recrudescimento da
insegurança alimentar.
O
aumento da vulnerabilidade social mundo afora, durante a pandemia da Covid-19,
explica o Nobel da Paz concedido ao Programa Mundial de Alimentos, WFP da
abreviação em inglês. A agência da ONU foi reconhecida pelas ações de combate à
fome, por melhorar condições de paz em áreas de conflito e por atuar contra o
uso da falta de alimentos como arma de guerra, informou o comitê norueguês do
prêmio. Resumindo em hashtag: #comidaépaz. Segundo as Nações Unidas, o WFP é a
maior organização humanitária do mundo; em 2019, assistiu 97 milhões de pessoas
em 88 países. Foi festejada pela complexa logística que construiu para levar
alimentos onde há fome na África, na Ásia e na América Latina. Opera com mais
de cinco mil caminhões, uma centena de aviões, 30 navios.
Celso Ming - Hora de reconstruir
Cenário
pós-pandemia exige um novo Bretton Woods, diz a diretora-geral do Fundo
Monetário Internacional
Tempo de reconstrução. No pronunciamento desta quinta-feira, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), a búlgara Kristalina Georgieva, pediu que a comunidade internacional encare os problemas da hora com o espírito da Conferência de Bretton Woods.
Esse
foi o grande acordo costurado em 1946 nessa minúscula localidade do Estado de
New Hampshire, nos Estados Unidos, em que 44
representantes dos principais países liderados pelos Estados Unidos definiram
as bases econômicas da reconstrução.
Em 1944, a economia mundial estava prostrada em consequência de duas enormes devastações: a da Grande Depressão dos anos 1930 e a da 2.ª Grande Guerra, de 1939 a 1945.
Rogério L. Furquim Werneck* - Um pé em cada canoa
Diante
de tamanha incerteza sobre a gestão das contas públicas, não é surpreendente
que o risco fiscal esteja em ascensão
O Planalto pode
até não ter percebido ainda, mas está, ou deveria estar, em desenfreada corrida
contra o tempo. O ano legislativo está chegando ao fim. E, com os parlamentares
mobilizados com as eleições municipais até pelo menos 15/11, sobrarão pouco
mais de 30 dias para o governo extrair do Congresso uma saída razoável para
o entalo fiscal em que se meteu.
Há
um Orçamento a
ser aprovado, mas nem mesmo foi instalada a comissão mista que deverá
apreciá-lo. E, na proposta orçamentária submetida ao Congresso, faltam
programas vultosos que o Planalto considera prioritários, como o que deverá
substituir o Auxílio Emergencial,
a ser extinto em 31/12, quando chegar ao fim o período de vigência do estado de
calamidade decretado em decorrência da pandemia.
O
governo não sabe ainda de onde virão os recursos que, sem violar o teto de
gastos, financiarão o novo programa. A solução mais óbvia, proposta por um
grupo de especialistas ligados ao Centro de Debates de Política Pública (CDPP),
seria racionalizar programas sociais mal focados, como o abono salarial e o
seguro-defeso, para liberar os recursos que se fazem necessários. Foi
lamentável que tal solução tenha sido torpedeada de chofre pelo próprio Bolsonaro, que, mal assessorado, se
apressou a declarar que não faria sentido tirar de pobres para dar a
paupérrimos.