sábado, 17 de outubro de 2020

Merval Pereira - Falta de decoro

- O Globo

Mais uma vez estamos diante de uma disputa entre Poderes da República, e de membros de poderes entre si, que não dignifica o papel do Senado como instituição. Alegar que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) não pode suspender o mandato de um senador eleito pelo povo é uma falácia, pois, se a lei manda consultar o Senado, será sempre dele a palavra final.  

Por isso, o que estará em votação é a permanência em atividade de um senador que foi apanhado em flagrante tentando esconder dinheiro ilegal da maneira mais baixa já registrada nos anais policiais envolvendo nossas excelências.  

Esse compadrio que começa a tomar conta dos senadores reflete apenas o temor de que seja um deles a próxima vítima de batidas policiais. A maioria está espantada com o despreparo de um “senador experiente” que não soube se desvencilhar da prova do crime, ou não teve sangue frio para assumir a posse desse dinheiro sem se auto denunciar no gesto extremo.   

Não pelo local em si em que o senador Chico Rodrigues, um septuagenário, pretendeu esconder a bufunfa que roubou, segundo a Polícia Federal, da verba extraordinária que conseguiu para ajudar os povos indígenas durante a pandemia. Maior prova de falta de decoro não poderia ter havido.  

Quando lembramos que o  deputado federal Barreto Pinto teve que renunciar apenas porque apareceu numa fotografia de O Cruzeiro de cueca e fraque, vítima de um truque do repórter David Nasser que garantiu ao senador que apenas a parte de cima apareceria na foto, vemos como regredimos. As cuecas de Barreto Pinto não guardavam nada além de suas partes íntimas, já as do senador Chico Rodrigues guardavam dinheiro roubado. Sair de cueca numa foto era um crime contra o decoro no tempo em que se tinha noção do que seja decoro parlamentar.  

Ascânio Seleme - Um político vulgar

- O Globo

Episódio do dinheiro “entre as nádegas” de Chico Rodrigues é mais um símbolo que servirá para balizar estes tempos

 Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja”. João Guimarães Rosa inicia assim “Grande sertão: veredas”, um dos mais extraordinários romances da língua portuguesa. “Não tem nada a ver (...) querer vincular o fato de ele ser vice-líder com a corrupção do governo”. Jair Bolsonaro encerra desta forma uma das últimas farsas do seu mandato. Referia-se ao senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado pela Polícia Federal com dinheiro na cueca, e que, segundo o presidente, “gozava de prestígio e carinho de quase todos”.

Na verdade, Bolsonaro enterrou muito antes a promessa de fazer um governo honesto, distante da banda podre do Congresso Nacional. O primeiro passo foi deixar embarcar no seu bonde a velha e conhecida turma do centrão. O senador de Roraima é um quase nada se comparado aos próceres daquele agrupamento. Gente como Arthur Lira, Ricardo Barros, Ciro Nogueira e Valdemar Costa Neto responde a todo tipo de ação na Justiça: fraude em licitações, formação de quadrilha e organização criminosa, lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito e até violência doméstica. O centrão foi criado pelo ex-deputado Eduardo Cunha, que se solto estivesse, certamente apoiaria o governo.

O episódio do dinheiro “entre as nádegas” de Chico Rodrigues é mais um símbolo que servirá para balizar estes tempos. Da mesma forma que um outro episódio de dinheiro escondido na cueca marcou o governo Lula em 2005, quando um assessor do líder do PT José Guimarães foi detido num aeroporto de São Paulo com R$ 100 mil escondido nos fundilhos. Símbolos não faltam nos dias de hoje. No caso da corrupção, houve dois, este do senador da cueca e o da demissão do ministro Sergio Moro. Ou mais, se você quiser incluir os casos das rachadinhas dos filhos que obrigou a aproximação do pai ao Supremo.

Míriam Leitão - O Brasil vai de Mello a Mello

- O Globo

Foi uma semana marcante. O ministro Celso de Mello encerrou seu tempo no Supremo Tribunal Federal (STF) deixando a sensação de que 31 anos podem ser poucos, que sai quando é ainda necessário ao país. O STF foi tragado por uma voragem conflituosa envolvendo o novo decano, Marco Aurélio Mello, e o presidente Luiz Fux. Os dois Mellos não têm qualquer parentesco em nenhum sentido da palavra, mas os eventos ajudam a refletir sobre o Supremo e o país.

Não poderiam ser mais distantes os estilos dos dois decanos, o que sai e o que entra. Celso de Mello era construtor de maiorias, era a pessoa para a qual os pares olhavam, Marco Aurélio é um lobo solitário e passa a impressão de que o debate no colegiado importa menos do que marcar sua singularidade. Sempre preferiu votos indiossincráticos, amparados em teorias por vezes incompreensíveis aos mortais. Com grande frequência terminava sozinho, como nesta semana com o placar de nove a um. Recebeu o conforto das reprimendas dos colegas ao ato de Fux de cassar sua liminar, mas o desagrado de ver que ninguém daria liberdade ao traficante André do Rap.

Marco Antonio Villa - Aprender com 1930

- Revista IstoÉ

O panorama atual é bem diverso. O País está amorfo, naquele, como diria Monteiro Lobato, mutismo de peixe

Tivemos, no Brasil, o momento mais complexo deste século. Há uma junção de crises: econômica, política, sanitária e de valores. Para piorar há também uma ausência de lideranças em todos os setores, mais precisamente uma crise das elites. Assim como no futebol, o vazio acabou sendo ocupado. E por indivíduos absolutamente sem preparo frente a desafios tão grandes. Os 21 meses do governo Bolsonaro demonstram de forma inequívoca que sem uma profunda renovação política o país tende à paralisação, sem condições de poder enfrentar os graves problemas nacionais.

O Brasil passou no século passado por uma turbulência tão ou mais grave que a atual. Se reportarmos a crise de 1929 podemos observar que ao desastre econômico foi somado uma grave crise política, a sucessão presidencial de Washington Luís, que acabou conduzindo à Revolução de outubro de 1930. As condições para a recuperação econômica eram muito mais difíceis que as atuais. O Brasil dependia na pauta das exportações fundamentalmente do café. Tínhamos uma tímida diversificação econômica. E sérios problemas estruturais. Mas, diversamente dos tempos atuais, havia lideranças e planos, muitos planos para sair da crise, entre as diversas correntes políticas.

Hélio Schwartsman – Ciência em ação

- Folha de S. Paulo

Jair Cloroquina Bolsonaro e Donald Lysol Trump não dão pelota a especialistas

Não me parece muito prudente a posição dos mais de 6.000 cientistas e médicos que assinaram uma carta aberta pedindo aos governos dos EUA e do Reino Unido que estimulem a circulação de jovens para atingir a imunidade de rebanho, mas acho importante que esse tipo de manifestação ocorra e gere discussões.

A polarização política fez com que dividíssemos os governantes no campo dos que seguem a ciência e no dos que a rejeitam. Não há a menor dúvida de que dirigentes como Jair Cloroquina Bolsonaro, Donald Lysol Trump e Alexander Sauna & Vodca Lukashenko agem sem dar pelota para o que os especialistas têm a dizer sobre a pandemia, mas daí não decorre que a ciência tenha respostas únicas e inequívocas para todas as nossas perguntas. Pelo contrário, se há algo que caracteriza a ciência (ainda que não os cientistas) é a dúvida metódica e o ceticismo em relação a suas próprias conclusões. Em ciência, até as certezas são necessariamente provisórias.

Cristina Serra - Generais e seus labirintos

- Folha de S. Paulo

Villas-Bôas não destoa da atuação histórica das Forças Armadas no Brasil


Passou quase em branco informação importante publicada nesta Folha para a reconstituição dos bastidores do golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff (ou alguém aqui ainda acredita em pedaladas fiscais?). A colunista Camila Mattoso, no Painel, informou que, um ano antes do impeachment, o vice, Michel Temer, teve um encontro sigiloso com o então comandante do Exército, Eduardo Villas-Bôas, e o chefe do Estado Maior, Sérgio Etchegoyen.

A revelação foi feita pelo filósofo e amigo de Temer, Denis Rosenfield, que intermediou o encontro. Segundo ele, o comandante o procurou porque os militares estavam "preocupados com o país". Etchegoyen foi nomeado ministro da Segurança Institucional de Temer. Villas-Bôas é o general tuiteiro que se tornou uma espécie de tutor-geral da República, com desenvoltura suficiente para postar ameaças ao STF quando bem entende.

Alvaro Costa e Silva - O pós-turismo de Bolsonaro na 'Cancún brasileira'

- Folha de S. Paulo

Depois da destruição do Pantanal e da Amazônia, governo volta-se para o litoral de Angra dos Reis

Só comunistas, antipatriotas e maconheiros não admitem: em seu projeto de destruição ambiental, o governo é um sucesso. Bem encaminhados os desastres pantaneiro e amazônico, a sanha volta-se agora para o litoral de Angra dos Reis.

A repórter Ana Luiza Albuquerque revelou que Bolsonaro está de olho na ilha do Sandri, a maior entre as 29 que integram a Estação Ecológica de Tamoios, criada em 1990 como contrapartida à instalação de usinas nucleares na região e em cuja extensão é proibido ancorar barcos, desembarcar e fazer edificações.

A investida —que conta com a subserviência do prefeito Fernando Jordão (MDB)— é parte do plano para transformar Angra dos Reis na "Cancún brasileira". É um velho sonho do presidente: entupir a faixa litorânea de enormes hotéis e resorts com piscinas interligadas e réplicas do Hard Rock Cafe. A sensação do turista, com a cabeça entorpecida pelo reggaeton, é que está não no México, mas nos Estados Unidos. Dá até pena do lindo mar azul do Caribe.

Demétrio Magnoli* - A cadeira do juiz

- Folha de S. Paulo

Juízes que fazem política fracassan duas vezes, como políticos e como magistrados

Amy Coney Barrett, a juíza indicada à Suprema Corte dos EUA, é uma originalista. Os fundamentalistas religiosos querem que as sociedades se curvem aos textos sagrados “tal como foram escritos”.

Os juízes originalistas são fundamentalistas constitucionais: ignoram a dinâmica histórica em nome de um literalismo absoluto. Mas, paradoxalmente, a confirmação de Barrett descortina a possibilidade de um necessário reordenamento da democracia americana. Além disso, ajuda o Brasil a diagnosticar a moléstia que debilita o STF.

Na ponta oposta dos originalistas encontram-se os neoconstitucionalistas, representados no STF por Luís Roberto Barroso. A corrente jurídica acredita que a norma formal (o que está escrito) deve se subordinar à norma axiológica (os princípios morais genéricos inspiradores da Constituição).

O juiz converte-se, a partir daí, em intérprete livre do texto legal, com a prerrogativa de infundir-lhe significados que contrariam seus significados explícitos. Abre-se a autopista do ativismo judicial: o sopro purificador do juiz-ativista produz legislação, ocupando a cadeira dos parlamentares.

João Gabriel de Lima - O grid de largada e a ‘escuderia Bolsonaro’

 

- O Estado de S.Paulo

Eleições municipais definem o ‘grid de largada’ para o próximo pleito presidencial

Os dias anteriores às eleições municipais são úteis para que o eleitor compare os candidatos. O monitor do Estadão fez um excelente cotejo de propostas, e esta coluna iniciará na próxima semana uma série de podcasts sobre os principais temas do debate.

Existe, no entanto, outro aspecto nas eleições municipais brasileiras. Descasadas das federais e estaduais, elas definem uma espécie de “grid de largada” para o próximo pleito presidencial. Prefeitos de grandes capitais se credenciam automaticamente a disputar o Planalto – como ocorreu recentemente com Fernando Haddad. O xadrez das prefeituras também define, entre as candidaturas presidenciais já insinuadas, quem jogará com vantagem.

O tabuleiro deste ano apresenta um componente extra. O presidente da República não tem partido e é candidatíssimo à própria reeleição. Em que condições ele vai emergir dos pleitos municipais?

Bolívar Lamounier* - Nossa infindável fragilidade

- O Estado de S.Paulo

A chance de Brasília fazer uma reforma política e administrativa séria é remota

A pandemia e a certeza de que tão cedo não teremos um ajuste fiscal seguro trouxeram de volta a preocupação com a fala de “resiliência” do sistema político brasileiro. Esse termo significa que nosso Estado cambaleia toda vez que se depara com situações muito negativas.

Triste é constatar que essa joia do jargão politológico não diz nem metade do que precisa ser dito. A fragilidade da organização política brasileira não é ocasional. Não se manifesta somente quando batemos de frente com algum obstáculo poderoso. Trata-se de uma fragilidade mal compreendida, abissal, que deriva de várias causas e produz efeitos crudelíssimos sobre as parcelas mais vulneráveis da sociedade. Seu aspecto mais perceptível é o que Ricardo Noblat certa vez denominou “o céu dos favoritos”. A fauna brasiliense compõe-se de numerosas espécies que diferem em quase tudo, menos no apetite. E na volúpia. Habitam os três Poderes e se valem deles para se apropriarem de cifras estratosféricas, sob a forma de salários, de ajudas de custo, das cotas ministeriais que alimentam o famigerado “presidencialismo de coalizão” e de assessores-de-coisa-alguma, sem esquecer as proverbiais “rachadinhas”. Com as exceções de praxe, claro.

Adriana Fernandes - Ouvidos moucos

- O Estado de S.Paulo

A economia brasileira vive um dos momentos mais delicados dos últimos anos

Em entrevista ao Estadão, o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore não poderia ter definido melhor o quadro da política em Brasília nos dias atuais. Para ele, o presidente Jair Bolsonaro e os congressistas teimam em não entender a situação da economia e da escalada acelerada de deterioração da percepção de risco do País. Fazem ouvidos moucos.

O resultado é que o Brasil poderia estar agora aproveitando uma onda mais positiva após as medidas de mitigação dos efeitos da pandemia da covid-19, que impediram um tombo maior da economia, e vêm sustentando o processo de recuperação neste segundo semestre.

Ao contrário, o Brasil vive um dos momentos mais delicados dos últimos anos e isso pode se agravar se governo e Congresso continuarem errando a mão. Qualquer que seja a solução, será preciso encontrá-la urgentemente. Até agora, porém, está todo mundo perdido em Brasília e atirando cada qual para um lado: não faltam propostas e sobra inação.

A mais recente ideia é a de criação de um fundo para receber receitas de renúncias tributárias e desonerações para deixar as despesas com o novo programa social fora do teto de gastos. Variações do mesmo tema.

Marcus Pestana* - Trump, Biden e o Brasil

Os americanos irão às urnas no próximo dia 3 de novembro. Será a 59ª. eleição presidencial da maior democracia das Américas. Os impactos irão muito além das fronteiras dos EUA. 

O ambiente que cerca as eleições é dramático. São quase 8 milhões de infectados pela Covid-19 e mais de 216 mil mortes, diante de um Trump negacionista, que desafiou permanentemente a ciência, deseducou e desmobilizou a população em relação à prevenção e ao distanciamento social e confrontou prefeitos e governadores. 

São mais de 16 milhões de desempregados e uma perspectiva de queda do PIB americano que deve superar 4%. Além disso, a questão racial explodiu nas ruas com uma radicalidade que há muito não se via, desde a morte de George Floyd.

Com seu estilo populista-autoritário, diante de tão grave situação econômica, sanitária, social e racial, Trump não refrescou, não buscou unir o país, ao contrário, jogou lenha na fogueira do dissenso, da discórdia e da polarização.

Desde a sua independência em 1783 e da Constituição americana de 1789, os EUA, ao lado da Inglaterra e França, são os grandes esteios da democracia moderna. Um abalo na dinâmica e nas instituições democráticas americanas em pleno século XXI seria um péssimo exemplo e estímulo para outros líderes populistas autoritários confrontarem os valores permanentes da liberdade e da democracia. 

O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais

O paradoxo brasileiro – Opinião | Revista Veja

Os acusados são soltos quando deveriam estar presos; e são presos, a depender do caso, quando melhor seria que estivessem soltos

No mundo da aviação, sabe-se que, por trás de todo acidente aéreo, há uma sequência de erros que explica o triste episódio. Quase sempre é uma sinistra combinação de falhas humanas com as de equipamentos. Se nem todos esses equívocos tivessem acontecido simultaneamente, a catástrofe seria evitada e as vidas que se perderam com a queda da aeronave poderiam ser preservadas. Guardadas todas as proporções, a libertação do traficante André do Rap tem semelhanças com a soma de imperfeições que leva um avião a se destroçar em solo. Membro graduado de uma das facções mais perigosas do Brasil, o criminoso se beneficiou de uma sucessão de desacertos, que inclui a perda de prazo para a prorrogação de sua prisão, passa pelo mau funcionamento dos sistemas do STF e culmina em uma tentativa inoportuna do ministro Marco Aurélio Mello de marcar posição. Uma diferença de apenas algumas horas e o delinquente ainda estaria na cadeia, lugar apropriado para quem desempenha sua atividade.

Mas além das falhas e brechas que permitiram a libertação de um malfeitor de alta periculosidade, a trajetória de André do Rap revela, numa perspectiva mais profunda, um outro mal que põe em risco a segurança dos cidadãos brasileiros: as engrenagens que abastecem as fileiras do PCC, a maior e mais ameaçadora facção criminosa do país. Aos 19 anos, ele foi preso pela primeira vez com trinta papelotes de cocaína, em Santos. Não portava armas nem tinha antecedentes criminais, mas, como estava acompanhado de um comparsa de 17 anos, recebeu um agravamento de pena por corrupção de menores, sendo levado para o Carandiru, o famoso presídio paulista extinto em 2002. Começava ali mais uma carreira no mundo do crime. Considerado inteligente e educado pelos colegas, André acabou sendo recrutado pelo PCC em troca de segurança na penitenciária. Fora dela, pagou sua dívida com a organização transformando-se em um de seus líderes.

Música | Madredeus - A andorinha da primavera / Não muito distante / Alma

 

Poesia | Fernando Pessoa - Azuis os Montes

Azuis os montes que estão longe param.

De eles a mim o vário campo ao vento, à brisa,

Ou verde ou amarelo ou variegado,

Ondula incertamente.

Débil como uma haste de papoila

Me suporta o momento.  Nada quero.

Que pesa o escrúpulo do pensamento

Na balança da vida?

Como os campos, e vário, e como eles,

Exterior a mim, me entrego, filho

Ignorado do Caos e da Noite

Às férias em que existo.

 


sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Fernando Gabeira* - O Brasil não é uma ilha

-  O Estado de S.Paulo

Exceto se reduzirmos o País aos limites mentais de Bolsonaro e seus mais retrógrados apoiadores

Política externa não é um tema popular. Mas nas circunstâncias do mundo de hoje erros ou acertos nesse campo vão repercutir no cotidiano das pessoas comuns. É preciso acionar os sinais de alerta para uma configuração negativa no horizonte. Nela nos poderemos isolar, simultaneamente, da Europa e dos Estados Unidos.

No front europeu, são inúmeras as advertências de que o acordo comercial com o Mercosul subiu no telhado por causa da política ambiental do governo Bolsonaro. A recusa começa por Parlamentos nacionais, estende-se ao Parlamento Europeu e já aparece no discurso oficial da França. Angela Merkel tem sofrido forte pressão, embora reconheça, como estadista, a importância do acordo e a necessidade de salvá-lo dos desatinos bolsonaristas.

Nos EUA, além da China, o Brasil foi o único país a ocupar a agenda do debate na campanha presidencial: Joe Biden anunciou a possibilidade de reunir investimentos de US$ 20 bilhões para preservar a Amazônia e ameaçou com sérias consequências econômicas caso não se altere a política do governo brasileiro na região.

Além das divergências no campo ambiental, Biden discorda claramente da visão de Bolsonaro sobre a tortura no regime militar. Ele veio pessoalmente entregar a Dilma Rousseff documentos do governo americano que confirmam e até mesmo ampliam o conhecimento sobre a repressão no período. São textos de diplomatas americanos, baseados também na ampla equipe de informantes nacionais, militares incluídos.

Merval Pereira - Dinheiro sujo

- O Globo

O Supremo Tribunal Federal (STF) esteve envolvido nos últimos dias em situações extremas, desde a soltura de um traficante condenado a 25 anos por tráfico internacional de drogas, até a suspensão de um senador da República que escondia dinheiro não apenas na cueca, mas também nas nádegas.  

O presidente Bolsonaro, que alardeava que em seu governo não havia corrupção, teve que abrir mão de seu vice-lider Chico Rodrigues, com quem dizia ter “quase uma relação estável”.  

O presidente do STF, ministro Luis Fux, teve ontem ratificada sua decisão de suspender o habeas corpus que seu colega Marco Aurélio Mello dera ao traficante André do Rap, em prisão preventiva. O que para Marco Aurélio desmoralizou o Supremo, para Fux a cassação salvou o tribunal da desmoralização.  

Mesmo os que se incomodaram com a possibilidade de o presidente do Supremo cassar decisão de um colega, admitiram que a medida foi acertada devido à urgência do caso e à periculosidade do condenado.  

Nos dois casos o Legislativo está envolvido. No habeas corpus, o ministro Marco Aurélio obedeceu à letra fria da lei, sem levar em conta outros critérios para apenas constatar que a prisão não fora reafirmada após 90 dias, como manda o artigo 316 introduzido no Código de Processo Penal (CPP) pelo Congresso através do pacote anticrime.  

Ao final do julgamento, ficou definido que a soltura dos presos depois de 90 dias sem revisão da prisão preventiva não é automática, como interpretou Marco Aurélio. O juiz de primeira instância que decretou a prisão terá que ser consultado sobre se as razões da prisão continuam válidas. Com isso, mantém-se a sentido benéfico da lei, que é o de impedir que presos sem acusação formal ou sem julgamento apodreçam nas prisões. Mas impede-se que criminosos do colarinho branco e grandes traficantes se beneficiem do artigo para fugir, como aconteceu com André do Rap.

Míriam Leitão - A corrupção sempre presente

- O Globo

O escândalo enojante, em todos os sentidos da palavra, do ex-vice-líder do governo, senador Chico Rodrigues, é a mais recente prova de como Jair Bolsonaro usou abusivamente a bandeira do combate à corrupção, vendendo-se diferente do que sempre foi. Não precisava mais nada no governo, mesmo assim houve essa última excrescência. Bastava a abundância de dinheiro sem origem ou sem explicação clara que circula nas mãos ou nas contas de Bolsonaro, seus filhos, sua mulher e suas ex-mulheres. No fim do dia, o ministro Luís Roberto Barroso determinou o afastamento do senador do mandato por 90 dias, decisão ainda sujeita à aprovação pelo Senado.

O senador foi removido da vice-liderança pelo governo, mas isso não apaga o fato de que foi líder, tinha com o presidente da República uma relação definida por Bolsonaro como “quase uma união estável”, emprega no seu gabinete Leo Índio, o notório primo dos filhos do presidente. O distanciamento que Bolsonaro tenta agora ter em relação ao senador foi o mesmo movimento que ele executou contra o advogado Frederick Wassef, o mesmo que tenta manter de Fabrício Queiroz, que, por sua vez, tinha ligação com Adriano da Nóbrega, chefe miliciano.

Bernardo Mello Franco - A poupança do senador

- O Globo

Na quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro disse que daria uma “voadora no pescoço” de quem praticasse corrupção. No mesmo dia, a Polícia Federal flagrou um dos vice-líderes de seu governo com dinheiro escondido entre as nádegas.

A PF apreendeu R$ 33 mil na cueca do senador Chico Rodrigues. Segundo os agentes, parte do butim estava ocultada “em regiões íntimas”. A filmagem da operação registrou cenas escatológicas. Para nos poupar delas, o ministro Luís Roberto Barroso mandou trancar o vídeo num cofre.

O senador do DEM é suspeito de desviar verbas federais enviadas a Roraima combater a pandemia. Os investigadores afirmam que ele ajudou a fraudar a compra de testes da Covid. O Estado tem 15 municípios, mas só a capital conta com leitos de UTI.

Luiz Carlos Azedo - O traficante e o senador

- Correio Braziliense

O julgamento do habeas corpus de André do Rap foi o assunto político da semana, mas acabou ofuscado pelo flagrante no senador Chico Rodrigues (DEM-RR), com R$ 37 mil na cueca

O Supremo Tribunal Federal(STF), por 9 a 1, confirmou a decisão do presidente da Corte, ministro Luiz Fux, que cassou a liminar que soltou o traficante André de Oliveira Macedo, o André do Rap, da lavra do ministro Marco Aurélio Mello. Um dos chefões do Primeiro Comando da Capital (PCC), o traficante fugiu para o exterior. A decisão era pedra cantada, assim como o bate-boca no final do julgamento entre os dois ministros. Novo decano, Marco Aurélio sustentou sua posição, embora tenha negado um habeas corpus de um comparsa do fugitivo, cujo advogado alegou as mesmas razões acolhidas no caso de André do Rap, para pedir sua libertação.

Apesar do resultado dilatado, a sessão de ontem foi tensa. Todos ressaltaram a necessidade de o presidente da Corte respeitar as liminares dos ministros, e trataram o caso de André do Rap como excepcionalidade. O ministro Ricardo Lewandowski chegou a criticar Fux por ter sustado uma de suas liminares, durante um plantão, quando era vice-presidente do Supremo. Houve críticas dos ministros à proposta de mudanças no sistema de distribuição de processos por ato administrativo feita por Fux.

O ministro Gilmar Mendes destacou as falhas no caso de André do Rap, uma vez que a liminar concedida por Marco Aurélio foi dada após o advogado do traficante ter peticionado pela segunda vez; antes, havia retirado outro pedido de habeas corpus, que fora distribuído para a ministra Rosa Weber. Também criticou a omissão do juiz de primeira instância, que deveria ter se pronunciado no prazo de 90 dias, e o Ministério Público Federal (MPF), que somente recorreu da decisão no sábado passado, o que também facilitou a fuga do traficante, que não foi devidamente monitorado pela polícia.

Eliane Cantanhêde* - Dói na alma

- O Estado de S.Paulo

A nova obsessão do Bolsonaro 4.ª versão é a ‘sua’ vacina contra a ‘dele’, Doria

Em seu quarto personagem desde a eleição e a posse, há menos de dois anos, o presidente Jair Bolsonaro vai se metamorfoseando de acordo com as circunstâncias e conveniências políticas, mas de uma coisa ele não abre mão: dobrar a aposta a toda semana, a toda hora, na sua versão da “gripezinha”. São 152 mil mortos, mais de 5,1 milhões de contaminados e o discurso do presidente do Brasil é o mesmo, inacreditavelmente, irritantemente, negacionista.

Eu estava no velório do jornalista Alberto Coura, na quarta-feira, quando Bolsonaro insistiu que a pandemia é “superestimada”. Como assim? O que mais é preciso, no Brasil e no mundo, para o presidente admitir para sua gente que o coronavírus é grave, gravíssimo, uma tragédia na história da humanidade? Ele sabe exatamente o que se passa, mas não admite por estratégia, por cálculo político. Aliás, como fez e faz seu ídolo e mentor Donald Trump nos EUA.

Alon Feuerwerker - Um adversário de cada vez

- Revista Veja

O centro erra ao combater ao mesmo tempo a esquerda e a direita

O movimento do presidente Jair Bolsonaro no sentido de uma composição com o chamado Centrão parlamentar tem algo, sim, de moderação. Mas já foi bem diagnosticado como uma guinada para a preservação do poder. Ele soube detectar de onde vêm as maiores ameaças: daqueles que o ajudaram na eleição, mas a contragosto.

A flexão tática bolsonarista ao dito centro trouxe um efeito colateral interessante, um fenômeno ainda por medir e observar. Um “novo centro” que, paradoxalmente, radicaliza pela direita. Uma reação de parte do bolsonarismo puro e deixado para trás, agora já um quase ex-­bolsonarismo, e que tem tudo para se agrupar em torno do ex-ministro Sergio Moro.

Aliás, como era previsível, e foi previsto, ele desponta firme para se viabilizar no arco-íris do autodeclarado centrismo.

Dora Kramer - Sabor do vento

- Revista Veja

A impressão é a de que Jair Bolsonaro não só ficará pelo tempo regulamentar como poderá repetir a dose e permanecer oito anos na chefia da nação

No primeiro ano de governo, a impressão mais ou menos generalizada era a de que Jair Bolsonaro não se aguentaria no cargo porque o país simplesmente não aguentaria quatro anos “disso daí”: um presidente hostil, criador de casos, defensor de causas retrógradas, refratário aos preceitos mínimos da civilidade e, sobretudo, desprovido de preparo adequado para o exercício da função.

Pois bem. Quase dois anos e uma pandemia depois, a impressão mais ou menos generalizada é a de que Jair Bolsonaro não só ficará pelo tempo regulamentar como poderá repetir a dose e permanecer oito anos na chefia da nação. Esta passou a ser a previsão corrente desde que o presidente resolveu dar uma de pessoa “normal”, adaptando-se às circunstâncias da política tradicional (para o bem e para o mal). Colheu bons frutos nas pesquisas de avaliação e pôde, com isso, perceber quanto o assistencialismo é bom de voto.

José de Souza Martins* - Terrivelmente o quê?

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

A geopolítica do confuso regime bolsonarista vem transformando evangélicos de governo em partido político imaginário para absolver-se de erros e enganos

Volta e meia o presidente da República menciona que vai nomear alguém terrivelmente evangélico para uma eventual vaga no Supremo Tribunal Federal. Por que não alguém indiscutivelmente jurista, capaz, justo, de formação jurídica acima de qualquer suspeita? Por que tem que ser alguém com um qualificativo que o identifica como sectário de uma crença, que é o que significa o terrivelmente? O do modo terrível, aterrorizante, medonho? Já não basta o medonho das incertezas que estamos vivendo?

O reiterado anúncio de um juiz “terrivelmente evangélico” não tem a seriedade que se tem o direito de esperar e exigir de um presidente da República. Às vezes parece gozação, outras vezes parece coisa de quem ouviu cantar o galo, mas não sabe onde. No mais das vezes é claramente fala de alguém brandindo a língua flamejante para ameaçar o povo brasileiro e as instituições. Mais do que o improvável reconhecimento de cidadania a que os evangélicos têm direito.

Bruno Boghossian – Os valores do baixo clero

- Folha de S. Paulo

Presidente levou representantes da planície da política para o Palácio do Planalto

O presidente não gostou da repercussão da batida policial que encontrou dinheiro na cueca do senador Chico Rodrigues (DEM). “Não tenho nada a ver com isso”, reclamou. O que se sabe do caso até agora não sugere uma conexão entre os desvios e o Palácio do Planalto, mas o protagonista do escândalo simboliza bem as relações políticas de Jair Bolsonaro.

Agora notório, Rodrigues foi um deputado típico do baixo clero por cinco mandatos. Nunca liderou a bancada de um partido e só presidiu uma única vez uma comissão da Câmara. Foi na planície que ele conheceu Bolsonaro, um político que habitou esse território por três décadas.

Num vídeo que voltou a circular depois da operação, o hoje presidente chama Rodrigues de “velho colega de Câmara” e brinca que a relação de 20 anos entre os dois era “quase uma união estável”. Não foi surpresa, portanto, quando o parlamentar inexpressivo se tornou vice-líder do governo no Senado, nos primeiros meses de mandato de Bolsonaro.

Hélio Schwartsman - Bolsonaro e a corrupção

- Folha de S. Paulo

Há uma semana, ele declarou que não havia corrupção em seu governo

Os deuses sabem ser irônicos. Poucas horas depois de Jair Bolsonaro ter afirmado que daria uma voadora no pescoço de quem praticasse corrupção em sua gestão, a Polícia Federal flagrou o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), vice-líder do governo, com cerca de R$ 100 mil em sua residência, dos quais R$ 30 mil se encontravam em sua cueca, algumas notas "entre as nádegas", como fizeram questão de publicar, por pudicícia, alguns veículos.

A operação policial que apanhou o repleto senador é parte de uma investigação sobre desvio de verbas destinadas ao combate à Covid-19. Uma semana antes dessa pilhéria divina, o presidente declarara que não havia corrupção em seu governo e que por isso ele acabara com a Lava Jato.

Embora Bolsonaro tenha no passado dito que tinha "quase uma união estável" com Rodrigues, esse não é o caso controverso mais próximo do presidente. 

Ruy Castro* - Todos os fãs de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Se você gosta dele e acha que a corrupção acabou, veja se se enquadra em alguma categoria

Iludem-se os que acreditam que Jair Bolsonaro só tem adeptos entre a meia dúzia que vai vê-lo quando ele sai do Alvorada para, digamos, trabalhar. Bolsonaro tem seguidores em muitas categorias. Eis algumas.

Pecuaristas, madeireiros, garimpeiros, grileiros e incendiários infiltrados na Amazônia, no Pantanal, na mata atlântica, nos manguezais, restingas, dunas, terras indígenas e quaisquer santuários que possam ser destruídos e enriquecer amigos. Ex-cupinchas da Velha Política, sempre prontos a ser comprados. 

Profissionais das bancadas do boi, da bala e da Bíblia. Assessores de gabinete dispostos a ceder 80% de seus salários pagos com dinheiro público, lavá-los e depositá-los nas contas de seus familiares. Formadores de quadrilha, praticantes de peculato e operadores de esquemas, investigados, denunciados ou réus em ações judiciais. Juízes complacentes e advogados corruptos. Lobistas diversos, íntimos dos 01, 02 e 03.

Maria Cristina Fernandes - ‘União estável’ com senador tem fim abrupto

- Valor Econômico

Senador empregou parente dos filhos de Bolsonaro e controlava distrito sanitário especial indígena

O ex-vice-líder do governo Bolsonaro no Senado, Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado com dinheiro grotescamente escondido e afastado do cargo pelo STF, foi o responsável pela indicação de Vitor Pacarat para o Distrito Sanitário Especial Indígena Leste, em Roraima, vinculado ao Ministério da Saúde. Lá, por meio de empresas de aliados, Rodrigues passou a fornecer equipamentos superfaturados. 

A proximidade com o governo lhe valeu presença na viagem do presidente a Israel, em 2019, e na visita do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, a Roraima. Em vídeo, ainda na campanha, Bolsonaro diz ter com Rodrigues “quase uma união estável”, que ainda garantiu a um primo dos filhos do presidente, Leonardo Rodrigues, um emprego no gabinete do senador.

Em entrevista na manhã de ontem, à saída do Palácio do Alvorada, o presidente da República, Jair Bolsonaro, disse que a operação de busca e apreensão da Polícia Federal na casa do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) é uma demonstração de que seu governo não tem corrupção. Na tentativa de se descolar do vice-líder do seu governo no Senado flagrado com dinheiro grotescamente escondido, o presidente disse que seu governo, na verdade “combate a corrupção”.

Coube ao senador, porém, a indicação, em 2019, de Vitor Pacarat como coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena Leste, em Roraima, um dos 34 DSEIs do país. Os distritos, responsáveis pelas comunidades indígenas, estão sob o chapéu do Ministério da Saúde. As etnias sob a supervisão do DSEI Leste tinham um outro candidato para o cargo e ocuparam as instalações do órgão em protesto.

Vinicius Torres Freire - A crise política da roubança na Covid

- Folha de S. Paulo

Cinco governadores estão ameaçados, mas corrupção é apenas parte do problema

A história repugnante do dinheiro sujo do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) e o fato de essa criatura ser amiga de Jair Bolsonaro ofuscaram um outro fato. O político é acusado de desviar recursos para o combate à Covid, que teria destinado a empresas de parentes e agregados.

Acusações de roubança de dinheiro reservado para atenuar a epidemia ameaçam o mandato de pelo menos cinco governadores, três deles da “nova política”. A cúpula de pelo menos nove governos estaduais é investigada, além de dezenas de prefeituras. Além do problema do roubo, em si, essas crises político-policiais explicitam mais uma vez quão longe do fim está a ruína brasileira.

Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, foi afastado, deve ser deposto e provavelmente preso. Foi surfista eleitoral do bolsonarismo e é do PSC, partido religioso agregado do governo.

O impeachment quase certo de Carlos Moisés, de Santa Catarina, deve ser votado na quarta-feira que vem. É do PSL que elegeu Bolsonaro, partido ora cortado ao meio feito uma laranja.

Flávia Oliveira - A urgência da fome

- O Globo

IBGE disparou o alerta quando contou 10,3 milhões com privação alimentar grave em 2017-2018

Por uma porção de conveniência política e um punhado de incompetência técnica, o governo de Jair Bolsonaro adiou para depois das eleições 2020 a decisão sobre a política social no pós-pandemia. Na prática, ficará para 2021, já que o segundo turno do pleito municipal está marcado para 29 de novembro. Assim, ignorou-se descaradamente a regra número um de quem se ocupa do combate à extrema pobreza: quem tem fome tem pressa. A frase eternizada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, deu na cruzada brasileira pela erradicação da miséria; desaguou no Fome Zero, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva; emendou no Bolsa Família. Rendeu a saída do Brasil do Mapa da Fome da ONU, no início desta segunda década do século XXI, que chega ao fim com o recrudescimento da insegurança alimentar.

O aumento da vulnerabilidade social mundo afora, durante a pandemia da Covid-19, explica o Nobel da Paz concedido ao Programa Mundial de Alimentos, WFP da abreviação em inglês. A agência da ONU foi reconhecida pelas ações de combate à fome, por melhorar condições de paz em áreas de conflito e por atuar contra o uso da falta de alimentos como arma de guerra, informou o comitê norueguês do prêmio. Resumindo em hashtag: #comidaépaz. Segundo as Nações Unidas, o WFP é a maior organização humanitária do mundo; em 2019, assistiu 97 milhões de pessoas em 88 países. Foi festejada pela complexa logística que construiu para levar alimentos onde há fome na África, na Ásia e na América Latina. Opera com mais de cinco mil caminhões, uma centena de aviões, 30 navios.

Celso Ming - Hora de reconstruir

-  O Estado de S.Paulo

Cenário pós-pandemia exige um novo Bretton Woods, diz a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional

Tempo de reconstrução. No pronunciamento desta quinta-feira, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), a búlgara Kristalina Georgieva, pediu que a comunidade internacional encare os problemas da hora com o espírito da Conferência de Bretton Woods.

Esse foi o grande acordo costurado em 1946 nessa minúscula localidade do Estado de New Hampshire, nos Estados Unidos, em que 44 representantes dos principais países liderados pelos Estados Unidos definiram as bases econômicas da reconstrução.

Em 1944, a economia mundial estava prostrada em consequência de duas enormes devastações: a da Grande Depressão dos anos 1930 e a da 2.ª Grande Guerra, de 1939 a 1945.

Rogério L. Furquim Werneck* - Um pé em cada canoa

-  O Estado de S.Paulo / O Globo

Diante de tamanha incerteza sobre a gestão das contas públicas, não é surpreendente que o risco fiscal esteja em ascensão

Planalto pode até não ter percebido ainda, mas está, ou deveria estar, em desenfreada corrida contra o tempo. O ano legislativo está chegando ao fim. E, com os parlamentares mobilizados com as eleições municipais até pelo menos 15/11, sobrarão pouco mais de 30 dias para o governo extrair do Congresso uma saída razoável para o entalo fiscal em que se meteu.

Há um Orçamento a ser aprovado, mas nem mesmo foi instalada a comissão mista que deverá apreciá-lo. E, na proposta orçamentária submetida ao Congresso, faltam programas vultosos que o Planalto considera prioritários, como o que deverá substituir o Auxílio Emergencial, a ser extinto em 31/12, quando chegar ao fim o período de vigência do estado de calamidade decretado em decorrência da pandemia.

O governo não sabe ainda de onde virão os recursos que, sem violar o teto de gastos, financiarão o novo programa. A solução mais óbvia, proposta por um grupo de especialistas ligados ao Centro de Debates de Política Pública (CDPP), seria racionalizar programas sociais mal focados, como o abono salarial e o seguro-defeso, para liberar os recursos que se fazem necessários. Foi lamentável que tal solução tenha sido torpedeada de chofre pelo próprio Bolsonaro, que, mal assessorado, se apressou a declarar que não faria sentido tirar de pobres para dar a paupérrimos.