Diante
de tamanha incerteza sobre a gestão das contas públicas, não é surpreendente
que o risco fiscal esteja em ascensão
O Planalto pode
até não ter percebido ainda, mas está, ou deveria estar, em desenfreada corrida
contra o tempo. O ano legislativo está chegando ao fim. E, com os parlamentares
mobilizados com as eleições municipais até pelo menos 15/11, sobrarão pouco
mais de 30 dias para o governo extrair do Congresso uma saída razoável para
o entalo fiscal em que se meteu.
Há
um Orçamento a
ser aprovado, mas nem mesmo foi instalada a comissão mista que deverá
apreciá-lo. E, na proposta orçamentária submetida ao Congresso, faltam
programas vultosos que o Planalto considera prioritários, como o que deverá
substituir o Auxílio Emergencial,
a ser extinto em 31/12, quando chegar ao fim o período de vigência do estado de
calamidade decretado em decorrência da pandemia.
O
governo não sabe ainda de onde virão os recursos que, sem violar o teto de
gastos, financiarão o novo programa. A solução mais óbvia, proposta por um
grupo de especialistas ligados ao Centro de Debates de Política Pública (CDPP),
seria racionalizar programas sociais mal focados, como o abono salarial e o
seguro-defeso, para liberar os recursos que se fazem necessários. Foi
lamentável que tal solução tenha sido torpedeada de chofre pelo próprio Bolsonaro, que, mal assessorado, se
apressou a declarar que não faria sentido tirar de pobres para dar a
paupérrimos.
Tampouco
será possível contar com recursos que poderiam ter vindo da prometida redução
da rigidez orçamentária, que decorreria dos esforços de desindexação,
desvinculação e desobrigação alardeados por Paulo Guedes. Pouco ou nada foi feito
nessa linha. E é improvável que as medidas requeridas possam ser aprovadas a
toque de caixa, ainda em 2020.
Diante
de tamanha incerteza sobre a problemática gestão das contas públicas, não é
surpreendente que o risco fiscal esteja em franca e preocupante ascensão, como
bem sabe o secretário do Tesouro Nacional. O que, sim,
surpreende é que Bolsonaro permaneça tão alheio ao entalo com que se defronta o
governo.
Não
há sinais de que o presidente vá abandonar a postura ambígua que vem mantendo.
Ao mesmo tempo que resiste a contrariar todo e qualquer interesse que poderia
ser afetado por cortes de gastos e, pior, em que estimula queixas da ala
“desenvolvimentista” do governo contra o “fiscalismo” de Paulo Guedes, o
presidente dispensa afagos periódicos ao ministro da Economia,
para se assegurar de que ele continuará a bordo.
Tudo
indica que Bolsonaro pretende atravessar este atribulado final de ano descendo
a corredeira com um pé em cada canoa, certo de que não há melhor maneira de
deixar que as águas o conduzam à reeleição.
É
bem possível que a tranquilidade do Planalto advenha da percepção de que, em
último caso, o governo pode simplesmente prorrogar o estado de calamidade e,
com isso, abrir espaço para que o Auxílio Emergencial continue a ser pago, com
recursos extrateto, em 2021.
Parece
fácil, mas não é. A prorrogação seria até defensável, houvesse sério e
inequívoco recrudescimento da pandemia no País. Como, por ora, não há como
arguir nada parecido, o mais provável é que uma prorrogação nessas
circunstâncias venha a ser percebida como deveria ser: mero estratagema de um
governo que, não tendo conseguido viabilizar a reversão do aumento de gastos
ensejado pela pandemia, não pôde dar por findo o regime de exceção que permitia
gastos de emergência extrateto. Só com muito autoengano poderia alguém achar
que tal prorrogação não seria percebida como canhestro rompimento do teto.
Fazendo
uso do direito de autoplágio, repito a seguir, por oportuno, o parágrafo final
do artigo que aqui publiquei em 21/8: “Foi sob a sombra do teto de gastos que
se pôde montar o espetáculo fenomenal de uma economia com inflação ineditamente
baixa, taxa real de juros próxima de zero e contas fiscais escancaradamente
insustentáveis. O que ainda não se sabe é com que rapidez tal espetáculo será
inviabilizado, quando se disseminar a percepção de que a prometida preservação
do teto se mostrou fantasiosa”.
*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio
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