quinta-feira, 18 de março de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A ‘linha vermelha’ – Opinião / O Estado de S. Paulo

Para muitos brasileiros, Jair Bolsonaro já cruzou a “linha vermelha” há muito tempo. Para os líderes do Centrão, contudo, ainda há uma margem de tolerância para seu desgoverno – mas essa margem se estreitou consideravelmente nos últimos dias.

“Não teremos paciência com ele”, disse o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), referindo-se ao futuro ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. “É acertar ou acertar”, continuou o deputado, aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira, hoje um dos principais avalistas do governo Bolsonaro. E arrematou: “A situação não permite que o ministro da Saúde tenha tempo para aprender a ser ministro. As respostas terão que ser rápidas e efetivas”.

A “linha vermelha”, disse o deputado Ramos, é a vacinação contra a covid-19. Segundo o parlamentar, o Centrão não terá como continuar a apoiar o presidente se o programa de imunização não deslanchar. Para o deputado Ramos, o ministro Queiroga “começa com todo o apoio e com toda a torcida para que dê certo”, mas, “se ele errar, serão outros milhares de brasileiros mortos”.

Alberto Aggio* - O que mudou

- Blog Horizontes Democráticos

A decisão de 08 de março do Ministro Edson Fachin, do STF, que, no fundamental, garante elegibilidade a Lula (PT) na corrida presidencial de 2022, gerou um verdadeiro terremoto nas relações de força entre os principais atores políticos.

Na forma como se deu, contestando a validade do fórum de Curitiba no qual protagonizava o ex-juiz Sérgio Moro, o fato equivale a uma profunda derrota do chamado “tenentismo de toga” (Werneck Vianna) expresso na operação Lava-Jato durante os últimos anos. Em função da visão messiânica que visava a regeneração da Nação, tal movimento colocou em suspensão toda a política brasileira e o resultado foi a identificação da política com corrupção. A Lava-Jato foi mais uma face da ideia de que o País necessita de uma ruptura histórica e, por essa razão, contribuiu para a emergência de fenômenos de antipolítica que grassam desde 2013.

Independente das suas intenções e aparentemente sem uma estratégia definida, a adesão de Sergio Moro ao governo Bolsonaro, a partir de 2018, implicou uma aposta de alto risco que, por fim, fracassou. Sua saída do governo não redundou em força para o movimento. A Lava-Jato restou parada no ar e se enfraqueceu. Agora, atingida no coração, seu destino parece estar selado. Em sentido profundo, mitigar ou tentar eliminar a política e sobrepô-la pela dimensão jurídica, concentrando suas ações num único ponto, a corrupção, apenas confirmou que este não pode ser o caminho da política democrática com vistas a resolver os principais problemas do País nem o orientar em direção ao futuro.

Merval Pereira - Rejeição em alta

- O Globo

Todas pesquisas recentes revelam queda na popularidade do presidente Bolsonaro, que mantém ainda cerca de 25% a 30% de apoio, mas seu núcleo duro gira em torno dos 15%, segundo revela a mais recente pesquisa do Datafolha. São esses seguidores fanáticos, que o apoiam, faça o que fizer, que garantem um patamar mínimo para a manutenção de sua popularidade em níveis competitivos.

Esse grupo seria a base barulhenta que sustentou a candidatura de Bolsonaro em 2018 e ainda hoje é arregimentada para trabalhos sujos, como os ataques contra a médica Ludhmila Hajjar comandados pelos integrantes do gabinete do ódio de dentro do Palácio do Planalto. Os ataques diretos ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF) foram controlados pela reação rápida e até mesmo temerária do STF, que abriu inquéritos para investigar as ações desses grupos nas redes sociais.

Classifico de temerária porque o Supremo é investigador e juiz de casos de fake news que configuram ataques contra a própria instituição, sem a interferência do Ministério Público. Essa anomalia, no entanto, foi superada pelos fatos subsequentes, quando ataques à própria democracia foram realizados, com o apoio tácito do presidente Bolsonaro.

O Ministério Público pediu a abertura de inquérito, que também está sob o comando do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, e a vinculação entre as duas investigações ficou evidente, revelando uma organização criminosa com financiamento até mesmo do exterior.

Malu Gaspar - O jogo do centrão

- O Globo

Não há grandes dúvidas de que a troca de titulares no Ministério da Saúde terá o efeito de um placebo sobre os rumos do governo federal no enfrentamento à pandemia. Só não dá para dizer o mesmo dos efeitos da mudança sobre o futuro do governo Bolsonaro. Desde que o presidente anunciou a indicação do cardiologista Marcelo Queiroga para o cargo, uma fissura surgiu na aliança do bolsonarismo com o Centrão, bloco que sustenta politicamente o governo no Congresso. A dispensa da também cardiologista Ludhmila Hajjar, candidata de Arthur Lira e de vários outros membros influentes do bloco, fez com que começasse a circular na boca de seus líderes uma palavra que o presidente da República teme mais do que lockdown: impeachment.

“Não haverá um próximo ministro da Saúde. O que pode haver é um outro presidente da República”, dizia um desses inconformados, na terça-feira. A mensagem foi repetida diversas vezes nos últimos dias, com outros termos, a uma variedade de interlocutores no governo e na imprensa. E causou frisson nos bastidores justamente porque talvez não haja, em Brasília, nenhum termômetro mais bem calibrado para as expectativas de vida dos governos que o Centrão. Mas, antes que se imagine Arthur Lira encarnando um Eduardo Cunha 2.0 e partindo para o enfrentamento com Jair Bolsonaro, é preciso entender o que está em jogo nesse tabuleiro.

Desde que o presidente da República deixou Sergio Moro na estrada e abandonou as vestes anticorrupção, o bloco de Lira e seus aliados vêm ocupando cada vez mais espaço no governo. Seus apadrinhados estão na Fundação Nacional de Saúde (Funasa), no Departamento Nacional de Obras Contra Secas (DNOCS) e no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Há menos de um mês, um de seus quadros, João Roma (Republicanos-BA), tomou posse no Ministério da Cidadania, que, além de ter o maior volume de verbas não carimbadas da Esplanada, ainda administra o Bolsa Família e o auxílio emergencial. Não consta, portanto, que o Centrão seja maltratado pelo presidente.

Luiz Carlos Azedo - Pior momento de Bolsonaro

- Correio Braziliense

A estratégia de responsabilizar governadores e prefeitos pela crise sanitária, adotada por Bolsonaro, fracassou: 56% dos entrevistados o consideram incapaz de liderar

A pesquisa DataFolha de ontem confirmou o que mundo político já estava esperando: o governo Bolsonaro vive o seu pior momento, acumulando desgastes, principalmente em razão das suas atitudes negacionistas em relação à pandemia da covid-19, cujo descontrole assombra o mundo. Segundo o instituto, cresceu para 56% o número de brasileiros que consideram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) incapaz de liderar o país. Em janeiro, eram 50%. A pesquisa caiu como uma bomba no Palácio do Planalto, a jaula de cristal na qual a bolha dos partidários do presidente da República nas redes sociais tem mais influência nas decisões do que todos os demais interlocutores do governo juntos.

Segundo o levantamento, o percentual de brasileiros que consideravam Bolsonaro capaz de liderar caiu de 46% para 42% de janeiro para março, com oscilação negativa no limite da margem de erro. Em abril de 2020, ele era considerado capaz de liderar o país por 52% dos brasileiros, em detrimento de 42% que o julgavam incapaz. Entre os que hoje julgam o presidente mais incapaz estão os mais ricos, que ganham acima de 10 salários mínimos (62%), os que têm curso superior (também com 62%) e moradores da região Nordeste, dos quais 63% julgam o presidente incapaz de liderar o Brasil. A base de apoio de Bolsonaro mais resiliente é formada por moradores das regiões Sul (51%) e Norte/Centro-Oeste (49%) e evangélicos 52%.

William Waack - Não ao mais do mesmo

- O Estado de S. Paulo

A comoção nacional em torno da pandemia é o grande obstáculo à reeleição de Bolsonaro

Jair Bolsonaro ocupou a crista de duas ondas de grande amplitude política e social. A primeira o levou ao Planalto, num fenômeno que surpreendeu a ele mesmo. A segunda está muito próxima – se é que já não atingiu – do ponto de repetir em relação a Bolsonaro o que ocorreu na cabeça dos eleitores em 2018 diante de um candidato que representava Lula: a maioria não queria repetir mais do mesmo.

O “mais do mesmo” é a noção majoritária no público, e com alta probabilidade de se tornar irreversível, de que o governo Bolsonaro é incompetente para tratar da saúde e do bolso das pessoas. Em 2018 o presidente foi capaz de detectar as mudanças de sentimentos na política e como o “momento” se formava em seu favor. Agora, percebeu tarde, mas não entendeu a profundidade e a amplitude das emoções (e política é emoção) trazidas pela angústia, medo e insegurança ligados ao avanço da pandemia.

Ricardo Noblat - De volta para o futuro às vésperas do maior colapso hospitalar

- Blog do Noblat / Veja

História que se repete como farsa

Se um marciano, que sobrevoou o Planalto há um ano, tivesse retornado para ver como as coisas estão, seria capaz de imaginar que regulara sua nave para uma viagem de volta ao passado. Ou, em se tratando do Brasil, uma viagem de volta ao futuro.

Passado e futuro deram-se as mãos, ontem, em cenários distintos. Num deles, anunciou-se mais um recorde na média móvel de mortos e de infectados pela pandemia. O país avança na direção do maior colapso sanitário hospitalar da sua história.

No outro cenário, o governo do presidente Jair Bolsonaro deu-se ao luxo de exibir um par de ministros da Saúde seguros de si – um do que acha que fez muito, o outro do que pretende fazer, ambos em perfeita sintonia e a baterem na tecla da continuidade.

É tudo o que o Brasil não precisa – continuidade. Uma simples passagem de bastão entre o ministro que sai, o general Eduardo Pazuello, especialista em logística capaz de trocar Rio Branco por Manaus, e o que entra, Marcelo Queiroga, médico bolsonarista.

Maria Hermínia Tavares* - Trincheiras do atraso

- Folha de S. Paulo

Argumento surrado cria inimigos imaginários e deixa correr soltas as ameaças reais à Amazônia.

Na semana passada, o Brasil decidiu desdenhar da iniciativa de mais de 60 nações —entre elas Alemanha, França, Espanha e nove países latino-americanos. O grupo propôs à ONU incluir na sua Carta de Direitos a garantia ao meio ambiente seguro, limpo e sustentável. O pleito tem forte valor simbólico ao dar à sustentabilidade o caráter de valor universal.

Entre quatro paredes, as autoridades de Brasília justificaram a omissão, alegando que a iniciativa se vincula a supostos interesses internacionais na Amazônia e reafirmando o mantra de que o país não aceita ingerência na região. Os acusados de sempre são as ONGs ambientalistas e as potências estrangeiras que supostamente cobiçam nossas riquezas ou querem barrar a entrada de nossos produtos primários em seus mercados —o repetido chavão dos que se imaginam patriotas.

Bruno Boghossian – Dois ministros, nenhum plano

- Folha de S. Paulo

Pazuello e Queiroga não falam em urgência porque Bolsonaro não demonstra angústia

O Brasil deve ser o único país do mundo que tem dois ministros para gerenciar uma política oficial desastrosa na saúde. No momento em que a média de mortes ultrapassou a faixa de 2.000 por dia, o general Eduardo Pazuello e o doutor Marcelo Queiroga apareceram juntos para mostrar que o governo continua sem um plano de emergência para a fase crítica da pandemia.

De saída, o militar parece interessado na missão impossível de salvar a própria imagem. Pazuello assistiu no cargo à escalada de mortes 15 mil para 285 mil em dez meses e seguiu as vontades mais descabidas do chefe. Ainda assim, ele acha que conseguirá evitar uma merecida condenação pública ao deixar o posto.

Gabriela Prioli -Sua natureza é a traição

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro não consegue evitar

Muito se discutiu sobre qual seria a reação do presidente Bolsonaro ao fato de seu maior adversário político voltar à arena. Alguns esperavam a eterna moderação que nunca vem, já que agora Bolsonaro teria um incentivo de cortejar os setores empresariais que detestam Lula. Outros temem que a presença de um líder cujo governo ainda é lembrado pelos projetos sociais faça o presidente deixar de lado uma pretensa austeridade e focar no populismo que consiga votos.

Seu egocentrismo transforma em estratégia governar para os poucos que o idolatram cegamente. Sem remorso, queimará todos os outros aliados de ocasião na fogueira: centrão, militares, empresários ou policiais.

É como na fábula do sapo e do escorpião. Os dois afundam, pois o escorpião não consegue ir contra os seus instintos. A verdade é que ele adota a sua natureza como método e reluta em se distanciar dela.

Mariliz Pereira Jorge - Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Pequi roído e genocida

Ignóbil. Basculho. Baixo. Repugnante. Canalha. Deplorável. Mesquinho. Patife. Ordinário. Reles. Pulha. Sórdido. Torpe. Velhaco. Abominável. Detestável. Ralé. Biltre. Infame. Bandalho. Aberração. Calhorda. Desprezível. Pífio. Ignorante. Vil. Ribaldo. Soez. Jacodes. Cafajeste. Bronco. Inculto. Boçal. Néscio. Estúpido. Rude. Verme. Desgraçado. Maldito. Jumento. Monstruoso. Sádico. Burro. Insensível. Mentecapto. Demônio. Desalmado. Incapaz. Covarde. Crápula. Incompetente. Doentio. Sociopata. Peste. Idiota. Energúmeno. Reaça. Desequilibrado. Imoral. Rato. Mandrião. Beócio. Abjeto. Descarado. Pusilânime.

Roberto Macedo* - Mercado vê PIB crescendo 3,2% em 2021, mas deve ficar perto de zero

- O Estado de S. Paulo

A expectativa dessa taxa de 3,2% vem mais da forte queda do PIB em 2020

Esse forte contraste se explica por que, ao olhar para o produto interno bruto (PIB) de 2021, o mercado está muito influenciado pela taxa a ser anunciada pelo IBGE no início de 2022, prevista como muito alta pelo andar recente da economia, e muito mais impactada pela forte queda da economia em 2020 do que pelo desempenho da economia em 2021. Essa previsão de 3,2% acompanha procedimentos estatísticos adotados pelo IBGE ao medir as variações do PIB, conforme explicarei em seguida, pedindo ao leitor desculpas por recorrer a algumas tecnicalidades que tentarei minimizar.

Recorde-se que o PIB teve em 2020 um movimento na forma de um V incompleto na sua haste direita, caindo fortemente com a pandemia da covid-19 a partir de meados de março e até o segundo trimestre. Depois o PIB passou a crescer, mas sem superar a queda anterior, levando a uma redução de 4,1% no ano. Como o IBGE chegou a esse valor? É como se calculasse a variação média trimestral do PIB ao longo de um ano, por meio de um índice, e a comparasse com a do ano anterior.

Resolvi conferir essa taxa de 4,1% com base no último relatório do PIB trimestral do IBGE, divulgado em 3 de março e, nele, a Série Encadeada do Índice de Volume Trimestral (Média de 1995=100). Tomei as médias dos quatro índices trimestrais de 2020 e 2019 e, dividindo a primeira média pela segunda, o resultado levou a essa queda de 4,1% em 2020.

Vinicius Torres Freire - BC dá choque inesperado no juro

- Folha de S. Paulo

Alta foi inesperada, é atitude de risco e mira o dólar, diz gente do mercado

O Banco Central resolveu fazer barba, cabelo e bigode com um choquezinho de juros. A taxa básica de juros da economia, a Selic, passou da mínima histórica de 2% ao ano para 2,75%, alta além da esperada por opiniões reputadas da praça.

O BC ainda se comprometeu com outro aumento de 0,75 ponto percentual em sua reunião de maio. Não quis deixar dúvida alguma para especulações de que poderia tolerar inflação. Tem gente de alto nível no mundo da finança que qualificou a decisão como “arriscada”, com o objetivo imediato de conter a desvalorização do real.

Ficam outras tantas dúvidas, como as sequelas de uma elevação assim rápida da Selic, em particular no crédito para pequenas e médias empresas. Não é certo que mesmo uma alta acelerada da Selic possa conter a desvalorização da moeda (“atraindo” mais dólares). O dólar sobe por efeitos externos, dúvidas duradouras sobre o que será da dívida pública e por bolsonarices.

Míriam Leitão - BC surpreende e passa recado

- O Globo

A alta de juros era esperada. Mesmo assim, o Banco Central surpreendeu duplamente. Pela decisão de elevação em 0,75%, que era a aposta de um grupo pequeno no mercado, e por indicar que será mais rápido o ajuste da política monetária. O Banco Central preferiu fazer um movimento mais decidido, para aumentar as chances de cumprimento da meta de inflação e, ao mesmo tempo, combater a piora da confiança na economia brasileira. A alta de juros ocorre no pior momento da pandemia, com os governadores e prefeitos decretando paralisação de atividades, para tentar conter o colapso.

Difícil explicar como os juros podem subir numa hora dessas. A economia está parando, as expectativas de crescimento piorando e a pandemia se agravando. Pelo comunicado, a piora da pandemia pode reduzir a atividade e, portanto, a pressão inflacionária, porém o risco fiscal está elevado no país. Não só pelo aumento dos gastos necessários para combater a pandemia, mas porque os sinais de ajuste futuro não estão claros. Pelo contrário.

Celso Ming - Forte alta dos juros básicos

- O Estado de S. Paulo

Há quase seis anos os juros básicos (Selic) não subiam. Pois desta vez, a mordida foi valente, de 0,75 ponto porcentual ao ano, de 2% para 2,75%, porque a inflação foi longe demais. O recado foi o de que alguém assumiu o comando de uma economia sem rumo. Com seu único instrumento, a política monetária, o Banco Central teve de lidar com forças que trabalham em direções opostas. 

A mais importante dessas forças é o estouro confuso e inesperado da inflação em tempos de retração da economia. Depois de cinco anos de baixo avanço e em queda, em fevereiro a inflação medida em 12 meses (evolução do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)saltou para 5,2%, fortemente acima da meta do ano, que é de 3,75%. A expectativa dos agentes econômicos, medida pela Pesquisa Focus, é de uma inflação anual em dezembro de 4,6%, número que tende a se encorpar.  O próprio Copom projeta para alguma coisa em torno dos 5,0%.

O Banco Central vinha perdendo as condições de ancoragem, que é a capacidade de levar os fazedores de preços a acreditar que a inflação vai para onde o Banco Central quer que vá.

Em boa medida, a estocada descontrolada da inflação é consequência da alta do dólar que, apenas em 2021, já está perto dos 8%, a despeito das intervenções agressivas do Banco Central para contê-la. O encarecimento da moeda estrangeira também puxa para cima os preços dos importados e dos produtos amarrados ao dólar, como os combustíveis e rações animais. 

Adriana Fernandes - Boiadas da pandemia

- O Estado de S. Paulo

 Não queremos a continuidade prometida pelo futuro ministro da Saúde

Mesmo sob ameaças e críticas daqueles que defendem a economia acima de tudo e das mortes de brasileiros que poderiam ser evitadas, esta coluna de análise econômica vai continuar apoiando e alardeando a necessidade de adoção de medidas restritivas de isolamento para conter a transmissão acelerada da doença. E também para salvar a economia do desastre maior. Repetir e repetir.

Para um país sem vacinas suficientes para imunizar em massa a sua população, é o único caminho apontado por cientistas para conter o colapso do sistema de saúde público e privado que transformou todo o Brasil numa grande Manaus e celeiro de variantes do vírus.

Necessitamos de medidas (efetivas), bem planejadas em cada localidade, que aumentem a taxa de isolamento, e não ações de prefeitos e governadores que vão sendo desidratadas e acabam resultando em ganho muitíssimo limitado por causa da pressão econômica e política dos seus adversários. Temos de parar de verdade. É preciso coragem política e espírito humanitário para afastar interesses eleitorais neste momento de descontrole, o maior colapso sanitário e hospitalar da história do País, na definição da Fiocruz.

Maria Cristina Fernandes - Um carimbador na saúde e o mercado de vacinas

- Valor Econômico

Ao indicar ministro da Saúde, filho do presidente demonstra que vai marcar de perto o avanço do Centrão no mercado de vacinas. Entre, um e outro está um presidente acossado pelo protagonismo de Lula no tema

Se um milésimo da esperteza usada pelo presidente Jair Bolsonaro para trocar o ministro sem mudar a política de saúde, fosse destinada a enxotar a covid-19, os brasileiros não teriam uma vala comum por horizonte. A astúcia presidencial é proporcional não à tragédia da pandemia, mas ao quinhão que está em jogo. Foi a arbitragem desta disputa, e não sua inépcia, que derrubou Eduardo Pazuello. De tão grande, a esperteza de Bolsonaro despertou o apetite do Centrão, demonstrado na derrubada dos vetos presidenciais. Antes de Bolsonaro, porém, é a saúde dos brasileiros que será engolida.

O roteiro é auto-explicativo. Primeiro o presidente driblou a pressão pelo deputado Luiz Antonio Teixeira (PP-RJ), presidente da comissão de acompanhamento da covid-19, que já era chamado de ministro na Câmara. Depois deixou na mão a fileira de padrinhos poderosos da cardiologista Ludhmila Hajjar, alguns dos quais recebeu no sábado, no Palácio do Alvorada.

Naquela manhã, Pazuello fez conferência virtual em que apalavrou o pagamento, pelo ministério, das 37 milhões de doses acertadas pelos governadores do Nordeste com um fundo russo que financia a Sputnik V, sob a condição de que seriam redistribuídas para todo o país. À tarde, recebeu o convite de Bolsonaro para participar da conversa com Ludhmila.

No dia seguinte, Bolsonaro montou o circo da audiência com a cardiologista, que, bombardeada, renunciou ao convite que o presidente jamais quis fazer. O deputado Arthur Lira (PP-AL), que, num primeiro momento, parecia resignado a negociar o segundo escalão do ministério, acabou com um tuíte de apoio a Ludhmila para não passar recibo do atropelamento. Desde o princípio, era Marcelo Queiroga o nome que Bolsonaro tinha na manga.

É o segundo ministro que o senador Flávio Bolsonaro emplaca em menos de seis meses. O primeiro, Kassio Nunes Marques, estava destinado a compor sua retaguarda no Supremo Tribunal Federal. Já a indicação de Marcelo Queiroga é uma jogada de quem se antecipa aos fatos, a compra de milhões de doses de vacinas cujo atraso empurrou o Brasil para a naturalização da barbárie.

Ribamar Oliveira - O enigma do novo gatilho de 95%

- Valor Econômico

PEC 186 não resolve problema de acionar as medidas de ajuste

Há uma unanimidade entre os analistas de que a despesa obrigatória da União, submetida ao teto de gastos, só vai ultrapassar 95% da despesa total em 2024 ou 2025. Este é o novo gatilho que dispara as medidas de ajuste das contas, introduzido pela PEC Emergencial, promulgada como emenda constitucional 109.

O problema do novo gatilho, no entanto, não está apenas na demora para ele ser acionado, mas também no fato de que se a despesa obrigatória chegar a 95% da despesa total, vários serviços públicos à população já estarão paralisados, ou, como preferem dizer os economistas, a administração estará em “shutdown”. Assim, a fixação do gatilho em 95% foi claramente um erro.

Em ofício ao Congresso Nacional, datado de 14 de dezembro de 2020, o ministro da Economia, Paulo Guedes, propôs mudança na meta fiscal deste ano e reestimou a receita e a despesa da União para 2021, uma vez que os parâmetros utilizados na elaboração do projeto de lei orçamentária anual (PLOA), em agosto do ano passado, estavam ultrapassados.

Cora Rónai – A tesoura e a Covid

- O Globo

O drama é que a Covid-19 ainda é recente demais para que se possa saber a extensão dos estragos que faz conosco

Um dos objetos mais usados aqui em casa é uma tesoura de cozinha desmontável, composta por duas lâminas com um encaixe no meio. Ela faz papel de tesoura, faca, quebra-nozes, trinchante, abridor de potes teimosos, auxiliar de desempacotamento de encomendas. Estava servindo nessa última função quando o telefone tocou e eu atendi. Era uma conversa longa. Fui para a sala, olhei pela janela, me espichei no sofá, me desespichei, voltei lá para dentro — e nunca mais consegui descobrir onde ficou a metade de tesoura que estava na minha mão.

Isso foi há duas semanas. Procurei em todos os cantos possíveis e impossíveis. Desapareceu. Tive de comprar outra igual, e agora tenho três metades de tesoura. Não tenho coragem de jogar fora a que está sobrando porque estou convencida de que, assim que ela for para o lixo, a sua parceira vai aparecer.

A tesoura descasada é só a ponta de um iceberg de pequenas calamidades. À medida em que a pandemia avança, os dias ficam mais e mais difíceis. Faço café e me esqueço de tomar, me levanto cheia de determinação da escrivaninha e assim que chego à porta do escritório já não sei mais para onde ia, faço um mesmo pagamento duas vezes e não me lembro de pagar outras contas.

Cláudio Gonçalves Couto* - Sobre apostas, filhos e ministros

- Valor Econômico

17/03/2021

Troca na Saúde é último blefe de Bolsonaro, que faz política não como investidor racional, mas como jogador inveterado

Jair Bolsonaro parece tomar novas atitudes em relação à pandemia, em reação a eventos incômodos decorrentes de suas próprias escolhas anteriores. A mais importante é a própria condução da política sanitária, se é que pode ser chamada assim. Não é muito fácil compreender a lógica das decisões de Bolsonaro para lidar com tal problema. Racionalmente faria sentido investir desde o início em medidas de contenção do contágio e, depois disso, na vacinação, assegurando o mais rapidamente possível a chamada “imunidade de rebanho”, permitindo a retomada da vida normal e, com ela, da economia.

Bolsonaro, porém, não é um investidor, mas um apostador. Por isso optou desde o princípio por sabotar as medidas de isolamento social, repudiar as vacinas e apostar na promoção de medicamentos sem eficácia comprovada, como a cloroquina. Como explicar isso racionalmente?

O presidente fez uma aposta: melhor manter as atividades normalmente, não apesar do contágio, mas exatamente para o produzir; assim, obter-se-ia a imunidade de rebanho e, com ela, a superação da pandemia sem maiores sacrifícios econômicos. As centenas de milhares de mortes advindas desse darwinismo vulgar seriam apenas efeito colateral inevitável; afinal, para Bolsonaro, um dia todos vão morrer e é preciso enfrentar a coisa de peito aberto, sem frescuras.

Armando Castelar Pinheiro* - Heranças da pandemia

- Valor Econômico

17/03/2021

O Brasil terá pressões inflacionárias, juros externos mais altos, desemprego elevado e alimentos mais caros

 Chegamos ao meio de março sem conseguir acelerar o ritmo da vacinação nacional. Ao todo, foram 12 milhões de vacinas aplicadas a pouco mais de 4% da população brasileira. Em termos de vacinas por 100 habitantes (5,5 no Brasil), somos o 39º país de uma lista que tem Israel (110) no topo e, na sequência, Emirados Árabes Unidos (67), Reino Unido (40), Chile (40) e Estados Unidos (35). Por conta da focalização nos grupos de maior risco, nesses países já há alguma normalização da atividade econômica, como refletido em indicadores de mobilidade e emprego, por exemplo.

Essa “luz no fim do túnel” tem estimulado trabalhos que discutem a herança deixada pela pandemia, seja em termos de problemas que ficam por resolver, seja de lições para lidar com futuras crises.

Alguns desses temas foram discutidos no workshop “Macroeconomia de la pandemia y los impactos de Covid-19 en América Latina”, promovido pelo Grupo de Conjuntura do IE/UFRJ, que cobriu a experiência não apenas do Brasil, mas também de outros países da região. Destaco três dos tópicos vistos no workshop.

Primeiro, o atraso da América Latina na retomada da atividade econômica, em termos de PIB e emprego, por conta da forma ineficiente com que a região lidou com a pandemia. As novas projeções econômicas da OCDE reforçam esse ponto: tomando a média de Argentina, Brasil e México, as três maiores economias da região, tem-se que em 2022 seu PIB ainda estará um pouco abaixo do de 2019 (-0,2%). O mesmo estudo projeta um PIB mundial 6,1% maior ano que vem do que em 2019.

Música | Caetano Veloso - Suas mãos ( Antonio Maria )

 

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.

quarta-feira, 17 de março de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Novo ministro, velhos problemas – Opinião / O Estado de S. Paulo

O sucesso do novo ministro da Saúde depende não de suas qualidades, e sim da função que ele terá nos cálculos políticos de Jair Bolsonaro

O novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, tratou logo de dizer a que veio: “A política (de saúde) é do governo Bolsonaro. A política não é do ministro da Saúde. O ministro da Saúde executa a política do governo”. Trata-se de uma versão mais polida da célebre frase do antecessor de Queiroga, Eduardo Pazuello, a respeito de sua atuação no Ministério: “É simples assim: um manda, o outro obedece”.

Mais do que isso: Queiroga disse que assumiu o cargo “para dar continuidade” ao trabalho de Pazuello, aquele que se limitava a cumprir as ordens absurdas do presidente Jair Bolsonaro – e que, talvez por isso mesmo, tenha sido considerado por seu chefe como um ministro da Saúde “excepcional”, um “tremendo gestor”.

Quando o “tremendo gestor” assumiu interinamente o Ministério da Saúde, em junho de 2020, o Brasil registrava cerca de 58 mil mortos pela covid-19; quando foi anunciada sua substituição, o País somava 279 mil mortos. Não se chega a esse macabro resultado sem muito empenho.

Se é a esse “trabalho” que o novo ministro da Saúde pretende dar continuidade, só resta rezar. Mas é preciso dar a Marcelo Queiroga o benefício da dúvida. Afinal, o novo ministro pelo menos é médico, uma das tantas competências que faltavam ao intendente Eduardo Pazuello. Sendo do ramo, é possível que Marcelo Queiroga tenha maior noção da urgência da vacinação, da abertura de leitos de UTI e da adoção de rígidas medidas de isolamento em quase todo o País.

Mas o sucesso do novo ministro depende não de suas qualidades, que ainda estão por ser conhecidas e testadas, e sim da função que ele terá nos cálculos políticos de Bolsonaro.

Sabe-se que o presidente não trocou de ministro da Saúde por livre e espontânea vontade. Muito pelo contrário: Eduardo Pazuello era o ministro ideal, por sua absoluta subserviência ao presidente.

Bolsonaro aceitou dispensar Pazuello por pressão do Centrão, que ora coloniza o governo. Multiplicam-se os sinais de que a crise causada pela pandemia, somada à volta à cena política do ex-presidente Lula da Silva, ameaça a reeleição de Bolsonaro – e não consta que o Centrão aceite se abraçar a quem está se afogando.

Vera Magalhães - Lockdown já

- O Globo

O Brasil precisa parar por duas semanas. Nosso sistema hospitalar não dá mais conta de resistir a medidas paliativas ou meramente figurativas de distanciamento social nem à recusa suicida de grande parcela da sociedade em fazer o mínimo: a parte de cada um para evitar o morticínio.

A troca de guarda no Ministério da Saúde, já é possível ver, será de seis por meia dúzia. Marcelo Queiroga até conforta pela fala mansa, conciliatória, contrastante com o tom arrogante e desconectado da realidade do general Eduardo Pazuello.

Suas credenciais, que colhi em entrevistas com médicos e dirigentes de entidades médicas, são boas, de alguém zeloso da ciência e das evidências, que não aderirá facilmente a condutas criminosas como as que Pazuello chancelou batendo continência.

Só que isso não basta. Para que se mude o rumo da tragédia sanitária brasileira, que preocupa o mundo e condena o planeta a não superar a pandemia, é preciso que o Brasil pare, se tranque em casa e dê apoio muito mais intensivo e urgente aos que não têm de onde tirar o sustento a não ser na rua e a empresas que quebrarão se fecharem as portas.

Mas elas precisam fechar, sob pena de continuarmos a assistir diariamente à perda de mais de 2.000 pessoas como se isso fosse um dado da natureza.

Bernardo Mello Franco - Continuidade é morte

- O Globo

Na reta final do governo, José Sarney entregou o comando do antigo Inamps ao médico que atendia sua família. Ao se apresentar aos colegas, o escolhido arriscou um gracejo: “Sou um dos poucos brasileiros que já viram o presidente nu”. Na lógica do patrimonialismo, estava justificada a nomeação.

Jair Bolsonaro convidou Marcelo Queiroga a assumir o Ministério da Saúde. Qualquer médico seria melhor que o general Eduardo Pazuello, mas o indicado não tem qualquer experiência em gestão pública. Suas credenciais são outras: ele pediu votos para o capitão e é íntimo de Flávio, o primeiro-filho.

Queiroga deu as caras no dia em que o Brasil registrou novo recorde de mortes na pandemia: 2.798. Na primeira declaração pública, ele prometeu “continuidade”. “A política é do governo Bolsonaro. O ministro da Saúde executa a política do governo”, disse.

A gestão de Pazuello foi um desastre político e humanitário. Suas primeiras ações foram militarizar a pasta e maquiar números oficiais para esconder cadáveres. Ele se dizia especialista em logística, mas deixou faltar testes, medicamentos e até oxigênio nos hospitais.

Rosângela Bittar - Enquanto isso...

- O Estado de S. Paulo

Recobrando a liberdade de ir e vir, o ex-presidente Lula reanima velhos contatos

Discretamente, como convém a quem ainda não ganhou certificado de inocência nem a plena reabilitação política, o ex-presidente Lula vai escrevendo, na prática, seu roteiro de candidato. A manifestação da volta, pensada por ele mesmo, um retrato fiel do velho Lula de sempre, contém indicação ampla sobre o que se deve observar nos passos seguintes. Tanto no que revelou como no que escondeu.

pandemia foi a preliminar de efeito político imediato. A simples menção às ações necessárias já resultou na troca do ministro da Saúde. Satisfez o eleitorado só pelo contraste entre suas palavras de mero bom senso e a realidade política atual, forjada na irracionalidade.

Recobrando a liberdade de ir e vir, mesmo que em modo virtual, Lula reanima velhos contatos. Chama a atenção de empresários e convoca políticos amigos, como os caciques do MDB. Partido disseminado por todos os Estados, o MDB é uma federação de lideranças neutras ideologicamente, que agrega civis e militares, empresários e sindicatos, capital e interior, uma salada de referências na sociedade.

Ainda neste campo sua agenda registra o Centrão. O bloco dá sustentação fiel ao presidente Jair Bolsonaro. Mas governo e eleição são duas coisas diferentes, o Centrão está aí, para o que der e vier.

Luiz Carlos Azedo - Apagão logístico na Saúde

- Correio Braziliense

Queiroga assume o ministério deslumbrado com o cargo e alinhado com Bolsonaro, mas completamente perdido diante da gravidade da crise sanitária

O novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, assume o cargo em meio a um apagão logístico: faltam vacinas, mesmo com o escalonamento da programação, leitos, respiradores, oxigênio, material para intubação, sedativos e pessoal treinado em várias regiões do país. Em São Paulo, o estado com mais recursos, maior rede hospitalar e principal produtor de imunizantes do país, a situação é dramática, com uma morte a cada dois minutos. Queiroga fez, ontem, um discurso ambíguo, no qual defendeu a “política de saúde do presidente Jair Bolsonaro” e, ao mesmo tempo, destacou a importância das “evidências científicas” na condução da pasta, o que é uma contradição. Bolsonaro é contra as medidas de governadores e prefeitos para conter a propagação do vírus e evitar o colapso do Sistema Único de Saúde (SUS). Está deslumbrado com o cargo, mas completamente perdido diante da gravidade da situação.

Ricardo Noblat - Acuado pelo vírus, Bolsonaro assiste Lula atrair velhos aliados

- Blog do Noblat / Veja

Versão Lulinha paz e amor de volta à cena

De Guilherme Boulos a Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda na ditadura entre 1967 e 1974, passando por José Sarney (MDB) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), todos admitem votar em Lula se ele disputar com Bolsonaro o segundo turno da eleição do próximo ano. É o tal “arco da sociedade” de antigamente.

Boulos e Delfim são os mais entusiasmados. O primeiro ainda não explicitou seu apoio a Lula porque tem antes de convencer o seu partido. A tarefa de Delfim é mais hercúlea – abrir trincas no paredão do mercado financeiro que resiste a Lula e ainda põe um resto de fé em Bolsonaro à espera das reformas.

Na eleição de 2018, quando o candidato do PSDB a presidente obteve no primeiro turno apenas 5% dos votos válidos, Fernando Henrique, embora amigo de Fernando Haddad (PT), preferiu não votar em ninguém no segundo turno. Arrependeu-se, como admitiu ontem em entrevista a Tales Faria, do UOL:

– Se ficar Lula e Bolsonaro, faço minha culpa, minha culpa e voto no menos ruim.

José Nêumanne - O bafo da mentira e o beijo da morte

- O Estado de S. Paulo

Ao levar o rebanho para o abismo da morte, mentindo, Bolsonaro é o Anticristo da pandemia

 “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida”, disse Jesus (João, 14; 6). João Evangelista, xará de meu avô paterno, era um marqueteiro de gênio: o slogan, composto em tríduo, como convém a apelos que vão ao coração e de lá à razão, resume bem a mensagem, que, creia-se ou não nela, é a mais completa tradução da busca da civilização na demolição da barbárie: a imunidade do espírito pela união do rebanho, com a busca permanente do conhecimento para retardar o fim pela sabedoria. Em três anos de seminário menor, preparei-me em orações, meditações e leituras para encarar o destino, não com trapaças e rixas, mas com resignação e fé. Ou seja, uma mistura de coragem e prudência, preservando o medo, forma imperfeita do cuidado.

Elio Gaspari - Bolsonaro fritou o bode

- O Globo / Folha de S. Paulo

O presidente e Pazuello encarnam um tipo de comando primitivo

Quando se acha que aconteceu de tudo, o capitão consegue mais uma. Fritando o general que transformou em bode expiatório, chamou a Brasília a médica Ludhmila Hajjar para convidá-la.

Bolsonaro e Pazuello encarnam um tipo de comando primitivo, às vezes confundido com o folclore da caserna. O general entrou no Ministério da Saúde com uma tropa de ocupação. Colocou 25 oficiais da ativa e da reserva em posições de comando. Um tenente-coronel cuidava das aquisições de insumos estratégicos; outro, de sua logística. Deu no que deu. O coronel secretário-executivo usava um brochinho com uma caveira atravessada por uma faca.

Afora isso, o próprio general dirigiu-se a parlamentares como se fosse um sargento falando a recrutas: “Não falem mais em isolamento social”.

Bruno Boghossian – A pandemia furou a blindagem

- Folha de S. Paulo

Morticínio abala tentativa do presidente de preservar força para reeleição

Quando a pandemia deu as caras, Jair Bolsonaro apostou todas as fichas em seu projeto de reeleição. O presidente sacrificou os esforços mais urgentes de contenção do vírus e tentou fazer com que a economia continuasse girando à força. A estratégia acentuou a tragédia no país e, agora, ameaça seus próprios planos políticos.

Até a virada do ano, Bolsonaro sustentou sua popularidade com base nesse discurso. O comportamento conflituoso manteve sua base eleitoral coesa, enquanto o pagamento do auxílio emergencial criou um colchão de aprovação ao governo. O morticínio que essa plataforma produziu, no entanto, começa a cobrar um preço do presidente.

A nova pesquisa do Datafolha indica uma tendência continuada de piora nos índices de avaliação de Bolsonaro. Ele nunca teve aprovação significativa durante a crise, mas agora 54% dos brasileiros consideram seu trabalho na pandemia ruim ou péssimo. A reprovação subiu tanto entre os mais pobres (que tiveram o auxílio) como entre os ricos (que já foram o núcleo de sua base de apoio).