segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Fernando Gabeira - Mudanças não vão doer quase nada

O Globo

O Brasil assumiu dois importantes compromissos em Glasgow: reduzir o desmatamento e a emissão de metano na atmosfera.

O interessante é que o país não disse como fará isso e foi muito discreto sobre suas decisões, como se não estivesse muito seguro delas. A redução do metano foi um deus nos acuda. O que diriam os ruralistas? Como reagirá o agronegócio?

Em circunstâncias normais, um governo tomaria a decisão, faria um plano e trataria de convencer a sociedade a seguir o caminho. O agronegócio não é um bicho-papão. Existem muitos atores que compreenderiam as vantagens de reduzir o metano, um gás decisivo no aquecimento global. Vai dar trabalho? Vai. Vai custar dinheiro? Vai.

No entanto os benefícios são enormes, desde uma melhor articulação entre floresta, agricultura e pecuária até a possibilidade de envasar e vender o gás metano que se perde e sobe para a atmosfera. Esse simples movimento de reaproveitar tornaria a produção mais redonda, mais circular.

Miguel de Almeida - Uma vez Aécio, sempre Bozo

O Globo

Ao final de “Casablanca”, o chefe da polícia, malandro, sempre jogando a sujeira debaixo do tapete, perpetra:

— Prendam os suspeitos de sempre.

No caso das estranhíssimas votações comandadas pelo coronel Lira, ficaria assim:

— Tragam o Aécio.

Por trás de qualquer malfeitoria, nos últimos anos, haverá a digital do deputado. Depois de se enfurnar tarde da noite no quarto de Joesley Batista, deu para estar enfileirado aos bozofrênicos. Em Minas e no Baixo Leblon, já se afirma:

— De madrugada, todos os gatos miam aecim.

Desta vez, não esteve só. Trouxe junto toda a bancada mineira do PSDB para aninhar-se no colo do coronel Lira e pavimentar a reeleição do Bozo e dos frentistas do Centrão. É de perguntar: que oposição é essa, meu filho? Como são surdos, entenderão se tratar de posição, para esclarecer: de quatro, capitão.

Marcus André Melo* - Eleição para procuradores?

Folha de S. Paulo

O único país a ter promotores públicos eleitos são os EUA; e a experiência não é boa

Agentes públicos não eleitos (como procuradores e juízes) são frequentemente acusados de não serem responsabilizáveis porque não são eleitos. O que sugere que seria desejável que o fossem. Segundo o Oxford Handbook of Prosecutors and Prosecution (2021), o único país a ter procuradores/promotores públicos eleitos são os EUA. E a experiência não é boa. O que deveria frustrar os defensores de eleições como forma de contrarrestar a notável expansão recente do poder do ministério público nas democracias atuais.

Nos EUA, em 2017, segundo Carissa Hessik (UNC) e M. Morse (Harvard), em artigo recente, 95% dos procuradores (a nomenclatura varia: district attorneys, prosecuting attorneys etc.) são eleitos em primárias e eleições gerais. As exceções são Alasca, Connecticut, Delaware e New Jersey. Apenas os procuradores gerais (AG) dos estados não são eleitos, mas indicados pelo Executivo e confirmados pelo Legislativo. As eleições são partidárias (exceto em cinco estados): os candidatos brandem sua filiação partidária.

Celso Rocha de Barros – Lula e Alckmin

Folha de S. Paulo

Mesmo se a chapa não sair, é de uma solução com esse espírito que o Brasil precisa

Na última semana, Mônica Bergamo noticiou que Lula e Geraldo Alckmin discutem a formação de uma chapa para disputar a Presidência da República em 2022.

Sou a favor, mas tenho dúvidas se é possível. Talvez nós, como país, não tenhamos mais o nível de inteligência coletiva, senso de responsabilidade e caráter necessários para fazer algo assim.

É fácil imaginar uma chapa Lula-Alckmin entrando em curto-circuito porque as respectivas militâncias vão repetir os mesmos clichês cansados uns contra os outros, porque algum idiota como Sergio Moro vai entrar em cena dizendo: "Ó lá os políticos profissionais corruptos, não são como o Onyx que me pediu desculpas", ou porque a elite brasileira gosta dessa degeneração pestífera que é o Brasil de Bolsonaro.

De qualquer jeito, ao menos como exercício, vou explicar por que eu acho que a chapa Lula/Alckmin seria uma boa ideia.

Ruy Castro - A mentira disparada no ar

Folha de S. Paulo

A primeira fake news a decidir uma eleição no Brasil aconteceu 73 anos antes de ter esse nome

Em fins de 1945, derrubada a ditadura de Getúlio Vargas e a dias da primeira eleição presidencial desde 1930, havia um favorito disparado: o brigadeiro Eduardo Gomes. Era o símbolo da honestidade e da oposição a Getúlio, mas de total inaptidão para o poder. Seu adversário, o general Eurico Gaspar Dutra, ex-ministro germanófilo da ditadura, convertido à causa dos Aliados na guerra, era dúbio e oportunista. Mas, então, 73 anos antes de a prática receber um nome, o Brasil conheceu o primeiro caso de fake news. E sua vítima foi o brigadeiro.

Num discurso no Theatro Municipal do Rio, indagado sobre se queria conquistar os partidários de Getúlio, ele respondeu que "dispensava o voto da malta de desocupados que apoiava o ditador". Um empresário paulista, Hugo Borghi, notório por transações milionárias e ilegais com o Banco do Brasil sob Vargas e já julgado culpado de corrupção por um órgão federal, ouviu aquilo e foi ao dicionário. Queria saber o que era "malta".

Catarina Rochamonte* - A ditadura de Lira, a PEC e a Rosa

Folha de S. Paulo

O governo montou um esquema que só encontra paralelo no mensalão petista

Com votação pela madrugada, descumprimento do regimento interno e muito dinheiro das famigeradas emendas de relator que se pagam por meio do indecoroso orçamento secreto, o presidente da Câmara, Arthur Lira, conseguiu ver aprovada, em primeiro turno, a PEC dos Precatórios.

Sob o demagógico pretexto de atender aos mais carentes via Auxílio Brasil, a muito bem apelidada PEC do Calote autoriza o governo a não pagar o que deve a pobres, remediados e ricos; e a furar o teto de gastos, desorganizando a economia, aumentando a inflação e arrasando com a já baixa credibilidade do Brasil.

Denis Lerrer Rosenfield* - Política e teto dos gastos públicos

O Estado de S. Paulo

Quando não há mais limites orçamentários, a própria noção de limite político torna-se fluida, sinalizando que nem a Constituição teria de ser obedecida

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, também dita PEC Fura Teto, tem um forte componente político, complementar ao da responsabilidade fiscal, garantida em lei e que deveria ser assumida por qualquer governante sensato. E governante sensato significa alguém comprometido com a ideia de coisa pública, de bem-estar social de todos os brasileiros. O problema, hoje, consiste em que até a sensatez do ponto de vista político tornou-se um bem raro.

Quando a Lei do Teto de Gastos Públicos foi instituída, ela implicava politicamente que houvesse uma redistribuição dos dispêndios e compromissos estatais nos ministérios, tanto internamente do ponto de vista individual quanto em relação aos demais. Ou seja, sua consequência deveria ter sido que os atores políticos discutissem o destino dos recursos públicos tendo como parâmetro limites que, extrapolados, teriam como consequência a piora das contas públicas, repercutindo em mais inflação, menor investimento e menos bem-estar social no médio e no longo prazos.

Bruno Carazza* - Ideias ruins e promessas vazias

Valor Econômico

Campanha antecipada incentiva debate de propostas

Na semana passada, enquanto o teto desabava com as manobras para a aprovação da PEC dos precatórios, tivemos um ensaio do que poderá ser o debate eleitoral a respeito de propostas econômicas para tirar o país do buraco a partir de 2023. Na segunda (01/11), em conversa transmitida pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT), o ex-ministro Guido Mantega e o professor da Unicamp Guilherme Mello discutiram o “Passado, Presente e Futuro” da economia brasileira. No dia seguinte, o presidenciável Ciro Gomes condenou o tripé macroeconômico em artigo crítico à visão de Armínio Fraga na Folha de S.Paulo - e teve tréplica. Já na sexta, especulações sobre a presença de Persio Arida na equipe de Sergio Moro, ainda que posteriormente desmentidas, animaram o mercado.

A vantagem de a campanha presidencial já estar na rua faltando ainda onze meses para o primeiro turno é a possibilidade de analisarmos com calma as propostas de cada pré-candidato. E já existem planos concretos na mesa.

O retorno de Guido Mantega à esfera pública depois de um longo afastamento chama a atenção por ressuscitar velhas ideias da famosa “Nova Matriz Econômica”. Comparando a pandemia à situação enfrentada pelo governo petista em resposta à crise financeira de 2008, Mantega defendeu a reedição do uso dos bancos públicos para estimular o crédito e a recapitalização do BNDES, a utilização do poder de compra da Petrobras e grandes projetos de infraestrutura governamentais para ampliar o investimento produtivo, além de políticas de distribuição de renda e de valorização real do salário-mínimo.

Gustavo Loyola* - A ressurreição da “Nova Matriz”

Valor Econômico

Parcelar pagamento de precatórios para abrir espaço para novos gastos soa como nova forma de pedalada fiscal, tão ou mais grave do que aquelas que foram atribuídas à administração Dilma

No Brasil, não basta apenas o passado ser incerto. Aqui o presente e o futuro são permanentemente assombrados por fantasmas de vilões notórios do passado. O recente assassinato do teto dos gastos pelas mãos do governo Bolsonaro é prova disso. Bolsonaro, com a ajuda do Congresso Nacional, acaba de trazer de volta a famigerada e catastrófica “Nova Matriz Econômica” que marcou o governo petista de Dilma Rousseff.

Essa volta de 360 graus colocando o arcabouço fiscal praticamente na mesma posição em que estava quando do impeachment de Dilma vai trazer enormes prejuízos para a sociedade brasileira. No curto prazo, interrompe a recuperação da econômica que se seguiu à pandemia da covid-19. No médio e longo prazo, em razão do enfraquecimento das instituições fiscais, põe em risco a solvência do setor público e representa uma ameaça inflacionária de graves proporções.

Não se trata de catastrofismo. Ao contrário. São abundantes as evidências de que as instituições que sustentam a solvência do setor público estão se enfraquecendo continuadamente nos últimos meses, com a cumplicidade, em maior ou menor grau, dos três Poderes da República. O uso abusivo, em 2021, das emendas de relator para criação de um orçamento paralelo para atender interesses paroquiais de parlamentares, em detrimento de alocações para despesas obrigatórias, deu partida a um ataque generalizado à responsabilidade fiscal, culminando com a proposta do próprio Poder Executivo de violação do teto de gastos para viabilizar um programa de transferência de renda com intuito visivelmente eleitoreiro.

Mirtes Cordeiro* - Por que se mobilizam os jovens?

Falou & Disse

A participação dos jovens sempre foi intensa pelo mundo afora, nas lutas de libertação, nos movimentos estudantis e sociais. Também na luta política, nos movimentos culturais e etc…

No Brasil, a juventude se engajou com força na luta contra a ditadura – tarefa de grande parte da minha geração – pelas diretas já, pelo impeachment de Collor, por educação de qualidade, pela reforma agrária, contra os vários tipos de preconceito, pela melhoria da qualidade de vida e contra o racismo e a violência.

Atualmente, com o advento da internet, os jovens se organizam em redes sociais e grupos específicos de interesses em suas comunidades, conscientes da importância do seu protagonismo na construção de um mundo com sustentabilidade e equidade.

Cabe à sociedade criar as condições para que a juventude possa traçar os seus caminhos.

A Conferência do Clima das Nações Unidas (COP26) em Glasgow, na Escócia, trouxe à mídia a pujança da juventude de boa parte do planeta terra. Embora tenha reservado um dia para discutir a participação dos jovens, o que se via desde o início era a efervescência de delegações da juventude mundial, que lá aportavam desde o início.

A preocupação com a falta de cumprimento das metas do Acordo de Paris e com um futuro que se aproxima carregado de circunstâncias nefastas, produzidas pelos gases que provocam o efeito estufa e influenciam no aquecimento da terra causando desequilíbrios como temporais, nevascas, desertificação do solo, elevação dos níveis dos oceanos e elevação da temperatura na terra, levou a que os jovens intensificassem suas manifestações contra as ações humanas que muito têm contribuído para essa situação de desequilíbrio ambiental e por um engajamento efetivo da juventude nas tomadas das decisões.

José Álvaro Moisés - A atualidade do pensamento de Francisco Weffort diante da ameaça à democracia

O Estado de S. Paulo / Aliás

Professor da USP, cientista político e ex-ministro da Cultura deixou legado para o País

O professor Francisco Weffort dedicou a sua vida e a sua carreira acadêmica à defesa da democracia. Desde os seus primeiros estudos sobre o populismo, a sua obra abordou, a partir de diferentes perspectivas analíticas, as questões mais fundamentais do devir e do funcionamento do regime democrático em condições históricas adversas, como têm sido as  do Brasil. Nos seus principais livros e artigos sobre o tema, Weffort tratou da natureza multidimensional do fenômeno democrático, e sem recorrer a qualquer definição maximalista, tomou por referência a noção relativamente consensual na ciência política contemporânea, segundo a qual a democracia supõe, antes de tudo, o império da lei, ao qual se subordinam – ou devem se subordinar – governados e governantes, e ainda a liberdade dos cidadãos para se organizar e competir de modo pacífico pelo poder, e o direito de escolha dos eleitores, através do voto, tanto das condições de constituição do poder, como da definição de políticas públicas demandadas pela sociedade. 

Sua leitura do processo democrático - visto como uma cose a fare desafiadora, no sentido preconizado por Maquiavel, ou seja, como uma inconclusa construção a ser feita -, implicou desde o início no diagnóstico crítico das desigualdades sociais e na defesa da justiça social. Seu ponto de partida para a consideração desses elementos como atributos mínimos e essenciais da democracia de qualquer tempo ou de qualquer lugar em que o regime exista ou tenha existido foi a noção toquevilliana de egalité de condition, segundo a qual o regime democrático só se realiza plenamente quando as pessoas comuns são reconhecidas como indivíduos portadores de direitos iguais e compartilhados.

Em seus primeiros textos sobre o populismo dos anos 50 e 60, Weffort buscou responder ao duplo paradoxo do fenômeno que, segundo ele, se caracterizava pelo fato de que setores dos grupos dominantes que tinham ascendido ao poder a partir da Revolução Liberal de 1930 promoviam a participação política das massas populares sob a condição de que, nessas circunstâncias, elas se constituíssem em fator de legitimação política, mesmo que precário, de um regime em que, de outro modo, elas eram dominadas.

Antonio Risério - Como o novo feminismo ameaça sua autonomia

O Estado de S. Paulo / Aliás

Uma suposta defesa da causa, que infantiliza todo o debate, resultou na criação de um intolerante fundamentalismo identitário

Camille Paglia fala de uma espantosa infantilização das mulheres na esfera do neofeminismo puritano hoje reinante, como se as moças precisassem de tutores e babás. O avesso do feminismo libertário e “pro-sex” da década de 1960, quando as mulheres resolveram falar e agir por si mesmas, assumindo as consequências de seus atos e desejos. Mas a verdade é que uma incrível infantilização das pessoas tomou conta de toda a movimentação identitária norte-americana. Bradley Campbell e Jason Manning começam por aqui o livro The Rise of Victimhood Culture (A Ascensão da Cultura do Vitimismo), sobre a onda neurótico-vitimária estadunidense, hoje se espalhando por outros países e continentes. 

Eles partem do anúncio da vitória eleitoral de Trump sobre Hillary Clinton, na eleição presidencial de 2016. Estudantes entraram em desespero “existencial” com a notícia, enxergando no horizonte verdadeiros pogroms contra “progressistas”.

Universidades forneceram assistência psicológica aos mais abalados. Algumas só faltaram apelar para cantigas de ninar. A Universidade do Kansas ofereceu terapia com cachorros, a de Cornell criou um espaço onde serviam chocolate e a de Michigan reservou uma área onde estudantes passassem o tempo com livros para colorir.

Professores no papel de babás de identitários, que antes faziam discursos belicosos contra a opressão. Uma geração de bebês chorões pedindo proteção aos mais velhos, recolhendo-se nos chamados “safe spaces”, com salinhas de brincar ao modo do jardim de infância. E não só por Trump. Nossos autores contam que, quando a feminista Wendy McElroy foi à Brown University discutir o sentido da “cultura do estupro”, estudantes montaram um “safe space” (espaço seguro) para quem precisasse “se recuperar” de seus argumentos. Infantilização e imbecilização. E psicólogos já denunciam que a “cultura do vitimismo” forma pessoas mais vulneráveis ao pânico, à melancolia e à depressão.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Emendas obscuras

Folha de S. Paulo

Decisão do STF joga luz sobre barganha de verbas do Orçamento sob Bolsonaro

A magistrada apontou possível inconstitucionalidade dessa categoria de emendas ao Orçamento, dimensionadas em R$ 16,9 bilhões neste ano, por não atender aos princípios de transparência e impessoalidade na gestão pública.

Ao contrário do que ocorre com as emendas individuais e de bancada, nas de relator não há vinculação entre o requerente e o beneficiário da despesa —o que é grave.

A falta de transparência já havia sido alvo do Tribunal de Contas da União, mas aparentemente não suscitou resposta do Executivo. Em seu despacho, a ministra menciona o descaso do Congresso e de órgãos da administração com os mecanismos de governança e aponta para a perplexidade com o uso de dinheiro do contribuinte por vias informais e obscuras.

Daí a determinação de que haja ampla publicidade dos documentos que embasam a distribuição de emendas de 2020 e 2021 e de que todas as demandas apresentadas por parlamentares sejam registradas em plataforma eletrônica.

O problema da captura do Orçamento não é recente, por certo. A história inclusive se repete —o célebre escândalo dos anões, em 1993, se deu justamente a partir do uso das emendas de relator, que depois caíram em desuso, mas foram reativadas a partir de 2020.

Poesia | Joaquim Cardozo - 1930

Na estranha madrugada
O homem alto, transpondo o portão da velha casa, depõe no
[chão frio.
O corpo inanimado do seu irmão.
Da sombra das velhas mangueiras, por um momento,
Surgiram, curiosas, as sombras dos melhores heróis de
[Pernambuco antigo.
Sobre o corpo caiam gotas de orvalho e flores de cajueiro.

Música | Teresa Cristina - Quantas lágrimas

 

domingo, 7 de novembro de 2021

Sergio Fausto* - Por um patriotismo democrático

O Estado de S. Paulo

Patriotas são aqueles dispostos a colocar seus tijolos na nunca terminada construção de uma casa comum que seja de todos

Bolsonaro se crê um patriota. O engano é evidente. O atual presidente não revela traço algum de quem ama o seu país. O desprezo pela vida dos brasileiros, demonstrado na pandemia, e o descaso com o meio ambiente, em geral, e a Amazônia, em particular, falam por si. Bolsonaro não conhece nem tem apreço pela cultura brasileira, na sua imensa riqueza e diversidade. Se dependesse dele, a natureza e a cultura, que dão corpo e alma a este país, não resistiriam. E nossa história ficaria aprisionada nos chavões de um autoritarismo primitivo.

E, apesar de tudo isso, o bolsonarismo tenta se apoderar de símbolos nacionais, como o hino, a bandeira e a camisa da seleção brasileira. Patriotismo excludente, movido a ódio, exterminador do futuro.

Nações são comunidades imaginadas, na definição de Benedict Anderson, autor de um livro clássico sobre as origens dos Estados nacionais e a difusão do nacionalismo. Existem não como um dado da geografia física, mas como construções políticas e culturais, pelo fazer, o falar, o atuar e o escrever constantes de muitos que compartem uma língua e vínculos concretos e simbólicos com um território delimitado e um passado em comum, vivendo sob as mesmas leis. Para subsistirem, as nações precisam ser periodicamente reimaginadas para projetar um destino em comum, melhor para todos.

Os mitos da nacionalidade brasileira – a democracia racial, o gigante pela própria natureza, o país do futuro, etc. – estão em mau estado. Não resistiram ao embate com a realidade de um país que, em 200 anos, resolveu bem suas questões de fronteira, ocupou seu território, se urbanizou e industrializou, tornou-se uma grande economia, mas não conseguiu entregar à grande massa de sua população condições aceitáveis de vida e um terreno firme e plano para o exercício da cidadania.

Merval Pereira - A hora do Supremo

O Globo

A decisão liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender as chamadas emendas do relator liberadas pela presidência da Câmara nos momentos que antecederam a votação da proposta de emenda constitucional (PEC) que parcela o pagamento dos precatórios indica que o processo vicioso que levou à sua aprovação pode ser interrompido em uma segunda etapa da batalha jurídica, desta vez para suspender a votação do segundo turno marcada para terça-feira.

Só é possível aprovar uma PEC em segundo turno se ela tiver sido aprovada validamente no primeiro, o que não aconteceu na visão de vários deputados, que entraram com ações no Supremo para barrar a segunda votação. Este é o momento do controle prévio do Supremo sobre a constitucionalidade dos procedimentos, não sobre o mérito do caso, e é essa a base do mandado de segurança do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, impetrado ontem pelo escritório do constitucionalista Gustavo Binemboin.

A partir do momento em que a maneira imperial com que o deputado Artur Lira conduz os trabalhos na Câmara afronta a Constituição, é a hora de o Supremo intervir.  Dois problemas estão sendo questionados no mandado de segurança do ex-presidente da Câmara: para ganhar os votos de deputados da oposição, o presidente da Câmara, deputado Artur Lira fez uma barganha, tirando do bolso do colete uma emenda aglutinativa na PEC, contemplando o pagamento dos precatórios relativos ao Fundef, em três anos. Só que essa norma nunca existiu na PEC.

Míriam Leitão - Orçamento secreto no centro do palco

O Globo

Nesta semana haverá uma luta da democracia brasileira contra um perigoso ponto de erosão. O STF vai julgar a ação contra as emendas de relator, origem do orçamento secreto, para confirmar ou não o voto da ministra Rosa Weber, que mandou suspender esse mecanismo obscuro de distribuição de dinheiro público recriado no governo Bolsonaro. Por outro lado, o presidente Arthur Lira (PP-AL) está convocando os deputados para estarem segunda-feira em Brasília para na terça votarem o segundo turno da PEC dos precatórios. O combustível que a faz andar é a oferta de distribuição dessas emendas.

Na hora do voto, alguns partidos que ajudaram a aprová-la em primeiro turno vão definir o seu destino. O PSDB terá que enterrar a própria história se quiser manter o voto a favor dessa PEC. Ela dá calote, amplia despesas e fura o teto. O partido é o pai da responsabilidade fiscal, cujas bases criou no governo Fernando Henrique. O PMDB terá que derrubar o teto que aprovou no governo Michel Temer. O PSB e o PDT terão que assumir serem cúmplices do bolsonarismo, porque entregarão a um governo destrutivo R$ 100 bilhões para a compra de votos e manutenção do esquema tenebroso do orçamento secreto. O PSB está em situação mais contraditória porque é um dos autores da ação no STF contra exatamente esse esquema. E sempre foi por ele, e nunca pelos pobres, que se fez a escalada de horrores nessa proposta de emenda constitucional.

Eliane Cantanhêde - ‘Boiada’ na PF

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro depõe na PF sobre a PF, fala o que quer e Moro não pode questionar

O “depoimento” do presidente Jair Bolsonaro à Polícia Federal sobre interferência política na própria PF contém histórias mal contadas e os fatos desmentem a versão de Bolsonaro e confirmam a do ex-ministro Sérgio Moro. Ele saiu do governo atirando e gerou o inquérito contra o presidente, mas nem ele nem seus advogados foram sequer avisados do depoimento.

Segundo o ex-delegado Jorge Pontes, que se formou no FBI, foi representante do Brasil na Interpol e fala o que os colegas da ativa não podem, o presidente apresentou uma “denúncia vazia” contra Moro, ao acusar o ministro de tentar chantageá-lo por uma vaga no Supremo.

É a palavra de um contra o outro, mas Moro tem um trunfo: gravou no celular a proposta da deputada bolsonarista Carla Zambelli de que, se voltasse atrás, teria o STF. Sua resposta: “Cara, eu não estou à venda”. Por que diria uma coisa para o presidente e outra para a deputada, de quem foi padrinho do casamento?

Bolsonaro disse que chamou o delegado Carlos Henrique Souza para “conhecê-lo melhor”, antes de mandá-lo para a PF no Rio, justamente onde corre o inquérito das rachadinhas contra a família. E alegou “falta de produtividade” para trocar a PF em Pernambuco, apesar de não ter a ver com isso e a gestão da delegada Carla Patrícia ser muito elogiada.

Moro acusou Bolsonaro de mexer no Rio e no diretor-geral, Maurício Valeixo, por questões políticas. Agora, às vésperas de se lançar ao Planalto, ele lembrou a reunião ministerial de 22 de abril de 2020, quando o presidente exigiu acesso a informações sigilosas e disse que não admitia investigações de pessoas próximas a ele.

Bernardo Mello Franco - O mensalão do capitão

O Globo

Era um segredo de polichinelo. Para garantir maioria no Congresso, o bolsonarismo abriu um novo e obscuro ralo no Orçamento. As emendas do relator, que drenam recursos para parlamentares longe dos olhos do contribuinte.

O dinheiro jorrou antes da votação da PEC dos Precatórios, que fura o teto de gastos e legaliza o calote de dívidas para turbinar a campanha à reeleição. Em apenas dois dias, o governo liberou R$ 900 milhões para comprar apoio parlamentar.

A manobra foi denunciada pela oposição na noite de quarta-feira. Numa sessão que se estendeu por quase oito horas, 11 deputados usaram o microfone para relatar o uso do “orçamento secreto”. Os discursos falaram em “escândalo”, “fraude” e “compra de votos”.

Enquanto a turma se esgoelava, o presidente da Câmara, Arthur Lira, operava em voz baixa no celular. Graças ao empenho dele, a proposta foi aprovada por 312 votos — apenas quatro a mais que o necessário para mexer na Constituição.

A votação pode ter sido a última turbinada pelo esquema, revelado em maio pelo jornal O Estado de S. Paulo. Na sexta-feira, a ministra Rosa Weber determinou a suspensão do “orçamento secreto”. Sua decisão descreve o funcionamento de um sistema “obscuro” que viola o “princípio republicano” na destinação de verbas públicas.

Dorrit Harazim - Miudezas

O Globo

Nem mesmo uma arrancada tão concreta rumo a algum futuro para o país, como o ingresso do Brasil no universo 5G, consegue escapar da marca impressa por Jair Bolsonaro em tudo o que faz. Assim será enquanto durar o seu inquilinato no Palácio da Alvorada. Diante dos desdobramentos múltiplos do leilão ocorrido nesta semana, a fala presidencial na cerimônia de abertura acabou engolida pelo noticiário do substantivo fato em si. Ótimo. Mas é com miudezas de grandes momentos que se constrói, também, o retrato de um governante. Vamos então às miudezas.

Foram menos de dez minutos de discurso no estilo definido por um ácido observador diário do presidente como “perdido de amor por si próprio”. Jair começou narrando sua visita à “Torre de PiZZa”, entrementes um clássico nos anais dos discursos da República. Por sorte, o intérprete de Libras da Presidência, Fabiano Rocha, sinalizou ao mundo que a torre mencionada era mesmo a de Pisa. Também exemplar foi o chefe do cerimonial, Marcos Henrique Sperandio, que corrigiu com zelo a posição adequada do boné amarelão 5G depositado no púlpito pelo orador. Fundamental!

O que se seguiu foi patético. Apesar de o momento ser de relevância não apenas nacional, como também mundial, Jair parecia estar a falar para seus apoiadores de cercadinho — e de certa maneira estava, pois o magma governista ali perfilado lhe faz reverência semelhante. Alinhavou de uma lufada só a “fábrica de fake news que temos no Brasil” (referia-se à imprensa, não aos filhos); pulou de pistas e futuros hotéis flutuantes nos rios amazônicos para uma de suas obsessões pessoais — “facilitar a vida de quem gosta de jet ski”. Disse já ter conversado com o comandante da Marinha sobre o tema. Por nunca ter tirado a carteira de habilitação obrigatória no país e zanzar em motoneta aquática por onde vai, reclamou da burocracia e acenou com um frondoso advir do “turismo de jet ski”. O 5G serviria para “consolidar tudo isso aí...”.

Luiz Carlos Azedo - Precatórios, ética e segurança jurídica

Correio Braziliense / Estado de Minas

Além do fisiologismo, a emenda constitucional dos precatórios legitima ilegalidades flagrantes e gera grande insegurança jurídica para cidadãos, empresas e investidores

A eleição do deputado Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara representou o alinhamento da Casa com o presidente Jair Bolsonaro e, também, a recidiva de velhas práticas políticas bastante conhecidas e estudadas. Três clássicos da nossa literatura política que nos dão a dimensão do atraso: Raízes do Brasil (Editora Globo), de Sérgio Buarque de Holanda; Coronelismo, enxada e voto (Companhia das Letras), de Vitor Nunes Leal; Os Donos do Poder (Editora Globo), de Raymundo Faoro.

Buarque nos mostrou, em 1936, o peso do colonialismo ibérico, da escravidão e do compadrio na formação de uma elite política patrimonialista, personalista e despótica; em 1948, Nunes Leal desnudou as relações de poder na base do “é dando que se recebe”, da Presidência aos estados, nos quais o coronelismo garantia existência de “currais eleitorais”, através de favores e da intimidação nos grotões do país; já em 1958, além das raízes lusitanas do nosso patrimonialismo, Faoro também demonstrou como o poder público é utilizado em benefício privado.

Há um choque permanente no Congresso entre o moderno, protagonizado pelos setores liberais e social-democratas, e o atraso, representado pelo chamado “baixo clero”, o conjunto de parlamentares fisiológicos e patrimonialistas, do qual o presidente Jair Bolsonaro é egresso. Na Constituinte, o “Centrão” representou a aliança de lideranças conservadoras e reacionárias com esse “baixo clero”. Destrinchar esse jogo nas votações nem sempre é fácil, porque há conservadores que querem a modernização do país, ainda que por uma via elitista, e setores transformistas de esquerda, com retórica nacional-libertadora e estatizante.

Elio Gaspari - Joe Biden está sem rumo

Folha de S. Paulo / O Globo

Pelo andar da carruagem, republicanos podem retomar controle do Congresso no ano que vem. Falta de rumo dos democratas pode ser ilustrada pelo caso paroquial, mas também significativo, do blogueiro Allan dos Santos

O presidente americano Joe Biden conseguiu perder a eleição na Virgínia um ano depois de ter vencido naquele estado com uma vantagem de dez pontos. Pelo andar da carruagem, os republicanos poderão retomar o controle das duas casas do Congresso no ano que vem, ressuscitando o trumpismo. A falta de rumo dos democratas pode ser ilustrada pelo caso do blogueiro Allan dos Santos. É um episódio menor, paroquial, e também significativo.

Tendo prometido uma revisão da política de controle das fronteiras e escolhido sua vice, Kamala Harris, para cuidar da encrenca, Biden não sabe para onde ir, e Kamala, com seu imenso sorriso, simplesmente sumiu.

Entre o final do governo Trump e outubro passado, foram deportados 56.881 brasileiros que tentavam entrar nos Estados Unidos sem a documentação adequada. É o jogo jogado, não tem os papéis, volta para casa. E Allan dos Santos?

O blogueiro está nos Estados Unidos desde julho do ano passado, e no início de outubro teve sua prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Seu visto de turista expirou há tempo, e Moraes pediu que ele fosse recambiado para o Brasil.

O blogueiro, estrela do bolsonarismo eletrônico, defende-se e quer ficar por lá. Ele sustenta que é jornalista e está sendo perseguido. Há dias, ele voltou ao ar: “Eu não sei se o Alexandre vai conseguir me calar. Mas uma coisa eu tenho certeza, e essa certeza é absoluta: quando vierem me calar, estarei falando.”

A diplomacia americana pode oferecer abrigo a Allan dos Santos ou pode tratá-lo como trata os estrangeiros sem a documentação adequada. O que não tem sentido é que nada faça. Faz tempo, ela deu asilo a Leonel Brizola em poucos dias, e não faz tempo, a imigração americana embarcou mais um avião de deportados para o Brasil.

Biden está sendo comido pelos dois lados. Pela direita, porque tem uma agenda de centro. Pela esquerda, pelo mesmo motivo. Se isso fosse pouco, dorme durante reuniões chatas.

Bruno Boghossian - A eleição do recall

Folha de S. Paulo

Nomes conhecidos e voto cristalizado estreitam caminho para outros candidatos

entrada de Sergio Moro na corrida presidencial deixa um pouco mais congestionado o cenário de 2022. Com ele, a próxima disputa terá ao menos quatro nomes com altíssimas taxas de conhecimento, anos de atuação na arena política e laços com segmentos fiéis do eleitorado.

Números preliminares sugerem que 2022 começa a se parecer com uma eleição de recall, favorecendo candidatos mais conhecidos. Uma primeira pista está nas pesquisas espontâneas —quando os entrevistados respondem em quem pretendem votar antes de receber uma lista de candidatos. É uma boa maneira de medir o voto cristalizado.

No último levantamento do Datafolha, em setembro, Lula aparecia com a preferência imediata de 27% dos eleitores. Jair Bolsonaro era citado espontaneamente por 20%. Só 38% não tinham um nome na ponta da língua no primeiro turno. Pesquisas realizadas nas últimas semanas por outros institutos captaram ainda menos entrevistados em dúvida.

Vinicius Torres Freire - Auxílio Brasil ainda é promessa oca

Folha de S. Paulo

Governo ainda não diz para quem e como vai pagar benefícios e corre risco no Congresso

Auxílio Brasil ainda não existe. O dinheiro para pagar o Auxílio Brasil também não. Talvez não exista dindim para bancar a aprovação desse e outros gastos no Congresso. É difícil acreditar que deputados e senadores deixem de aprovar uma renda básica para pobres, faltando menos de um ano para a eleição. Mas o caldo político engrossou, há problemas na Justiça e os prazos para entregar o benefício ao povo miúdo estão quase estourados.

O Auxílio Brasil por ora é apenas uma medida provisória oca. Ali não se diz quanto será pago a cada família, nem exatamente para quais, nem como, afora para aquelas que já estão no Bolsa Família e olhe lá. Faltam poucos dias para definir isso tudo e muito mais.

O Congresso ainda está longe de chancelar a contabilidade criativa e o calote que vão financiar (também) o Auxílio Brasil. Sem isso, dá para pagar benefícios neste ano. Para 2022, só tem dinheiro para bancar o velho Bolsa Família (cerca de R$ 190 mensais para 15,6 milhões, não R$ 400 para 17 milhões, como quer o governo).

Cabalar votos com o dinheiro de emendas parlamentares ficou mais difícil. A ministra Rosa Weber, do Supremo, suspendeu o pagamento das "emendas de relator" (mudanças de destinação de verba do Orçamento definidas pelo parlamentar que redige a proposta final da lei orçamentária. Em geral, beneficiam os escolhidos pelos chefes do centrão).

Janio de Freitas – No país que nunca chega lá

Folha de S. Paulo

Não se vê bom senso que preveja resultados não assustadores para o próximo ano

Piores notícias sobre o custo de vida e as condições da economia fortalecem, a cada dia, o contraste entre a urgência social de impulsos reais para a retomada e a inabilitação embromatória de Paulo Guedes. Nos últimos dias, sucederam-se as seguintes constatações, carentes da divulgação com a visibilidade necessária:

— A produção industrial caiu, em outubro, pelo quarto mês consecutivo. Já em pleno período de atividade para abastecer o comércio natalino. Queda de produção tem reflexo direto em desemprego, redução de salários em eventuais contratações e queda de arrecadação federal e local;

— 70% dos trabalhadores recebem, hoje, menos do que recebiam antes da pandemia, em 2019. E esses dados nem estão com atualização precisa. O economista Daniel Duque fez o estudo, na Fundação Getulio Vargas, com dados até junho. Mas nos quatro meses desde então, os componentes da pesquisa só a fariam mais ácida. A favor de Bolsonaro e Paulo Guedes, a pesquisa teve a correção de registrar ganhos, também: nos 30% que tiveram ganho ou, ao menos, nada perderam, os 10% mais abonados ganharam 8% limpinhos.

— Os preços dos alimentos consumidos pelas camadas mais pobres aumentaram 20% nos últimos 12 meses e agressivos 40% durante a pandemia;

Sobre esse chão esburacado, e em apenas dois dias da semana passada, Bolsonaro soltou R$ 909 milhões de verbas para aplicação por parlamentares. Foi seu modo de aprovar na Câmara o tal "projeto dos precatórios" (dívidas oficiais com pagamento programado). Essa autorização de elevados gastos efetivaria também o remendo social, e sobretudo eleitoral, chamado Auxílio Brasil, substituto do bem-sucedido Bolsa Família. Nada mais incerto, porém.

Cristovam Buarque* - Calotes seculares

Blog do Noblat / Metrópoles

Não há como pagar dívida com descendentes dos escravos arrancados da África, explorados e maltratados ao longo de toda a vida

É lamentável que sucessivos governos tenham acumulado dívidas financeiras que só serão pagas com atraso de anos e de década, graças aos precatórios; ainda mais lastimável que as dívidas sociais contraídas por todos os governos brasileiros não serão pagas, porque não podem ser transformadas em precatórios. Por causa da irresponsabilidade, ineficiência e descaso de governos, os brasileiros de hoje, pobres ou ricos, vão ter de pagar R$80 bilhões a brasileiros que foram ludibriados pelos governos anteriores. Para pagar pela irresponsabilidade passada dos governos, vão ter de desviar este montante de outras finalidades, que o país precisa para seu desenvolvimento futuro, e que as famílias precisam para a sobrevivência presente. É uma dívida de todos os brasileiros com estes brasileiros credores.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O caráter do Centrão é definido pelo governo

O Estado de S. Paulo

O Centrão não é nem bom nem ruim: é só o que o presidente quiser que seja. No passado, já foi o fiador de reformas; hoje, é apenas o arrimo fisiológico de um presidente em apuros

Tradicionalmente, o termo “Centrão” carrega uma conotação pejorativa, indicando o grupo de congressistas ideologicamente invertebrados, em especial os deputados do “baixo clero”, que se organizam para se aproximar do governo de turno e angariar vantagens, verbas e cargos para seus redutos paroquiais. Em outras palavras, a encarnação do clientelismo, do corporativismo e do patrimonialismo.

Por outro lado, o Centrão foi fiador das principais reformas e políticas públicas da Nova República, seja em políticas sociais (como o Bolsa Família), sanitárias (SUS), ambientais (Código Florestal) ou educacionais (novo Fundeb). Seja por virtude ou necessidade, houve participação do Centrão mesmo em campos que afetam diretamente sua traficância fisiológica, como nas reformas eleitorais de 2017 que estabeleceram a cláusula de desempenho dos partidos e a extinção das coligações, ou até na área fiscal, como na aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000, ou do teto de gastos, em 2016.

O aparente paradoxo se explica pela posição do Centrão no ecossistema pluripartidário do presidencialismo de coalizão brasileiro. Centrão é sinônimo de governismo. Se o governo é bom, o governismo será bom. Se o governo é ruim, o governismo será ruim.

Independentemente do mérito de suas agendas políticas, os governos FHC, Lula e Temer têm em comum o fato de terem desenhado propostas concretas e viáveis de políticas públicas que serviram de base para negociações no Congresso. Em contraposição, o voluntarismo de Fernando Collor e Dilma Rousseff inviabilizou seus governos a ponto de serem encerrados da maneira mais traumática: o impeachment.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - Sevilha em Casa

Tenho Sevilha em minha casa.
Não sou eu que está chez Sevilha.
É Sevilha em mim, minha sala.
Sevilha e tudo o que ela afia.

Sevilha veio a Pernambuco
porque Aloísio lhe dizia
que o Capibaribe e o Guadalquivir
são de uma só maçonaria.

Eis que agora Sevilha cobra
onde a irmandade que haveria:
faço vir as pressas ao Porto
Sevilhana além de Sevilha.

Sevilhana que além do Atlântico
vivia o trópico na sombra
fugindo os sóis Copacabana
traz grossas cortinas de lona

Música | Geraldo Azevedo - Sabor Colorido

 

sábado, 6 de novembro de 2021

Ricardo Noblat - Decisão de Rosa atinge o Centrão. Mexeu com ele, mexe com Bolsonaro

Blog do Noblat / Metrópoles

Em xeque, o Orçamento Secreto da União manejado por Arthur Lira, presidente da Câmara

Para o presidente Jair Bolsonaro talvez não faça grande diferença a decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, de suspender as emendas parlamentares que são pagas a deputados e senadores e controladas diretamente pelo relator-geral da lei do Orçamento da União para o ano eleitoral de 2022.

Se isso impossibilitar que vá adiante a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que desrespeita a lei do teto de gastos e aplica um calote em dívidas judiciais vencidas (precatórios), Bolsonaro enviará outra ao Congresso para garantir o pagamento de 400 reais mensais aos brasileiros mais pobres atingidos pela Covid-19.

Fará diferença, sim, para o Centrão que contava com a aprovação da PEC original para financiar suas campanhas no ano que vem. Para financiar a sua, Bolsonaro dará um jeito, por dentro ou por fora. Antes da aprovação da PEC na Câmara em primeiro turno, o governo liberou 1 bilhão de reais em emendas dessa natureza.

Demétrio Magnoli - Agonia do bolsonarismo

Folha de S. Paulo

Presidente encara as urnas sem o tríplice discurso que o catapultou ao Planalto

Jair Bolsonaro não pisou na COP26, preferindo fazer turismo na Itália, onde exercitou violências e delinquências. Mas sua participação virtual na cúpula do clima e os compromissos formais assumidos pelo governo brasileiro derrubaram a última estaca ideológica do bolsonarismo.

O acaso, as circunstâncias imponderáveis têm peso histórico maior do que imaginam os deterministas. Bolsonaro, o deputado primitivo engajado na promoção das carreiras políticas de sua família, nunca foi mais que um bufão insignificante.

Contudo, em 2018, ergueu-se em torno de sua candidatura uma tenda ideológica abrangente, apoiada em três estacas: o partido dos procuradores, o partido ultraliberal e o partido da extrema direita. A terceira, última remanescente, desabou na COP26.

O partido dos procuradores, organizado durante a Lava Jato ao redor do tema da corrupção, prega a redenção judicial do Brasil e, no percurso, a explosão do sistema político-partidário. A renúncia de Sergio Moro assinalou a queda da primeira estaca da tenda bolsonarista.

Hoje, depois da cisão, essa corrente tenta se reagrupar no Podemos, sob a ainda incerta candidatura presidencial do ex-juiz que manchou sua toga.