segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Fernando Gabeira - Mudanças não vão doer quase nada

O Globo

O Brasil assumiu dois importantes compromissos em Glasgow: reduzir o desmatamento e a emissão de metano na atmosfera.

O interessante é que o país não disse como fará isso e foi muito discreto sobre suas decisões, como se não estivesse muito seguro delas. A redução do metano foi um deus nos acuda. O que diriam os ruralistas? Como reagirá o agronegócio?

Em circunstâncias normais, um governo tomaria a decisão, faria um plano e trataria de convencer a sociedade a seguir o caminho. O agronegócio não é um bicho-papão. Existem muitos atores que compreenderiam as vantagens de reduzir o metano, um gás decisivo no aquecimento global. Vai dar trabalho? Vai. Vai custar dinheiro? Vai.

No entanto os benefícios são enormes, desde uma melhor articulação entre floresta, agricultura e pecuária até a possibilidade de envasar e vender o gás metano que se perde e sobe para a atmosfera. Esse simples movimento de reaproveitar tornaria a produção mais redonda, mais circular.

A julgar pelas promessas de grandes empresas e grupos financeiros, dinheiro não faltará. Se fôssemos depender apenas daqueles US$ 100 bilhões dos países mais ricos, tudo seria mais difícil. Mas as grandes empresas e as finanças mundiais mobilizam trilhões de dólares e querem usá-los em projetos de transição para uma nova economia.

Não me canso de lembrar que as chances do Brasil são muito boas. O problema é que Bolsonaro se liga aos setores mais atrasados ou então tem apenas como tática acionar o medo da mudança.

Ele libera amplamente o uso de agrotóxicos na esperança de aumentar a produção. Mas não percebe que, ao permitir produtos proibidos lá fora, cava um problema estratégico para seus parceiros no agro.

Seria necessário no Brasil não apenas estimular o medo dos ruralistas ou simplesmente estigmatizá-los. É preciso convencê-los de que a mudança é necessária, ainda que possa ameaçar alguns interesses imediatos.

Nem sempre é fácil cumprir esse papel. Minha experiência com alguns deles no Congresso foi positiva quando tentava convencê-los da importância do rastreamento do gado para a exportação de carne. Muitos resistiam pelos custos, outros passavam a, pelo menos, considerar a hipótese.

Nunca foi fácil falar de interesses estratégicos para quem vive no imediato. Sempre foi arriscado do ponto de vista eleitoral. Depois da internet, então, são muitas as porradas, sempre um corredor polonês pela frente.

Na semana passada, pensei nesse dilema. Um grupo de deputados, adeptos da causa das minorias, queria processar o jogador de vôlei Maurício Souza. Timidamente, argumentei que a homofobia deve ser condenada, mas que o processo pedagógico às vezes funciona mais que o punitivo.

Já havia escrito um artigo sobre o tema mostrando como a luta identitária nos EUA e no Brasil acabou sendo aproveitada pela extrema direita nas eleições de Trump e Bolsonaro. Como a censura a Maurício Souza não foi dosada, seus seguidores subiram de 200 mil para 2,6 milhões. E ele se candidatará a deputado.

É interessante encher o Parlamento de gente preconceituosa? Certamente que não; logo, é sempre necessário refletir sobre a tática.

Quem está direto na política gosta de polêmicas cotidianas. Quem não está pode se dar ao luxo de se guardar para grandes momentos, ter paz para o estudo.

De todas as mudanças, a transição para a economia de baixo carbono e o avanço do mundo digital já bastam para ocupar as horas fora da estrada.

Joe Biden intuiu bem a possibilidade de abrir milhares de empregos verdes e calcula que a evolução digital enriquecerá substancialmente seu país.

No ano que vem, tentaremos convencer os políticos de que também podemos abrir empregos verdes e de que a inclusão digital aumenta em pelo menos 15% a renda.

As mudanças virão e não vão doer tanto assim.

 

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