terça-feira, 3 de maio de 2022

Opinião do dia – CNBB: Mensagem ao povo brasileiro

“A grave crise sanitária encontrou o nosso País envolto numa complexa e sistêmica crise ética, econômica, social e política, que já nos desafiava bem antes da pandemia, escancarando a desigualdade estrutural enraizada na sociedade brasileira. A COVID-19, antes de ser responsável, acentuou todas essas crises, potencializando-as, especialmente na vida dos mais pobres e marginalizados.

O quadro atual é gravíssimo. O Brasil não vai bem! A fome e a insegurança alimentar são um escândalo para o País, segundo maior exportador de alimentos no mundo, já castigado pela alta taxa de desemprego e informalidade. Assistimos estarrecidos, mas não inertes, os criminosos descuidos com a Terra, nossa casa comum. Num sistema voraz de “exploração e degradação” notam-se a dilapidação dos ecossistemas, o desrespeito com os direitos dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, a perseguição e criminalização de líderes socioambientais, a precarização das ações de combate aos crimes contra o meio ambiente e projetos parlamentares desastrosos contra a casa comum.

Tudo isso desemboca numa violência latente, explícita e crescente em nossa sociedade. A crueldade das guerras, que assistimos pelos meios de comunicação, pode nos deixar anestesiados e desapercebidos do clima de tensão e violência em que vivemos no campo e nas cidades. A liberação e o avanço da mineração em terras indígenas e em outros territórios, a flexibilização da posse e do porte de armas, a legalização do jogo de azar, o feminicídio e a repulsa aos pobres, não contribuem para a civilização do amor e ferem a fraternidade universal.

Diante deste cenário esperamos que os governantes promovam grandes e urgentes mudanças, em harmonia com os poderes da República, atendo-se aos princípios e aos valores da Constituição de 1988, já tão desfigurada por meio de Projetos de Emendas Constitucionais. Não se permita a perda de direitos dos trabalhadores e dos pobres, grande maioria da população brasileira. A lógica do confronto que ameaça o estado democrático de direito e suas instituições, transforma adversários em inimigos, desmonta conquistas e direitos consolidados, fomenta o ódio nas redes sociais, deteriora o tecido social e desvia o foco dos desafios fundamentais a serem enfrentados.

*Mensagem ao povo brasileiro, 59ª. Assembleia Geral da CNBB, 25 a 29/4/2022

Merval Pereira: Máquina do tempo

O Globo

Nos anos 90, ficou famosa no Rio a história de um velho comunista que, para comemorar os 60 anos, soprou as velinhas colocadas sobre confeitos em forma da foice e do martelo e, em vez do tradicional “Parabéns para você”, foi saudado pelos amigos com o hino da Internacional Socialista. Já àquela altura, com a queda do Muro de Berlim, era um ato simbólico extemporâneo de antigos membros do Partidão, um saudosismo inofensivo, quase juvenil.

O que dizer de Geraldo Alckmim, outrora acusado de ser do Opus Dei, ouvindo (não acredito que conhecesse a letra para cantá-la) a Internacional Socialista todo empertigado, numa reunião do Partido Socialista Brasileiro (PSB), ao lado do ex-presidente Lula? Se nos anos 90 já era apenas um retrato na parede da memória, o que será agora?

Tão surpreendente quanto anacrônico, o ato é uma amostra fiel do que vem sendo a campanha de Lula, que diz que criará uma moeda latino-americana para não depender mais do dólar. Fatos como esse do hino socialista, ou da crítica aos policiais, que o obrigou a desculpar-se de público, ajudam Bolsonaro a espalhar o medo entre eleitores de centro-direita que, desapontados com ele, pensam em votar em Lula. O medo, já ensina o sociólogo Manuel Castells, é um grande impulsionador nas escolhas eleitorais.

Carlos Andreazza: Negocia-se com o golpismo

O Globo

Acompanhei com perplexidade, minha perplexidade derivando da simples observação do mundo real combinada a algo de memória, o noticiário segundo o qual o Senado se mobilizaria para resistir ao galope autocrático de Bolsonaro e defender — a partir da ode ao sistema eleitoral — o Supremo.

Uau!

Haveria mesmo uma consciência institucional do Senado como última fronteira parlamentar antes do golpe — consciência até aqui expressa em notas de jornal e em tuítes do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco.

E de repente me lembrei de o jurista Pacheco costurando para, em desprezo a um comando constitucional óbvio, não instaurar a CPI, direito da minoria, que investigaria a barbárie em que consistiu a atividade do governo durante a peste.

Já teremos nos esquecido?

Do senador Randolfe Rodrigues, li que a Câmara estaria capturada pelo bolsonarismo. O juízo é correto. A Câmara aderiu — capturar não será o verbo correto — desde que a sociedade entre Planalto e o consórcio comandado por Arthur Lira fundou bases na gestão obscura e arbitrária do Orçamento.

A questão — motivo da minha perplexidade — é o Senado como espaço de resistência. Nada contra palavras em resposta aos arreganhos golpistas de Bolsonaro. Tudo a favor de um olhar direto às práticas. A realidade, com sua gritante objetividade, está aí.

Míriam Leitão: Lula precisará falar de economia

O Globo

O país vive uma baita crise econômica, criada pelo atual governo, por má gestão dos choques externos e por seus erros, e o ex-presidente Lula, que está na frente das pesquisas há meses, não tem falado sobre economia. Como ele pensa em conduzir o país para fora da crise? Desta vez a herança maldita de fato é maldita. No governo, o PT errou e acertou. Portanto, a dúvida sobre os caminhos ficará. Lula, nessa questão, e em outras, escolheu a estratégia de falar apenas para os seus fiéis eleitores. Esses votos são dele. O que é preciso, explicou um dos seus ex-ministros, é não assustar os que têm propensão de votar nele neste momento.

Na economia, quando assumiu em 2003, Lula superou a disparada do dólar que havia ocorrido por dois motivos, a crise de confiança em relação à política econômica que seguiria e o baixo nível de reservas cambiais. Na lista dos seus acertos, houve uma forte acumulação de reservas. Fez isso porque aproveitou o boom das commodities que ocorreu no início do seu governo, mas poderia ter malbaratado essa oportunidade, como fez por exemplo a Argentina. As reservas cambiais ajudaram o Brasil a passar melhor por todas as crises que se seguiram. Foi a vacina usada por todos os governos, inclusive este. Na semana passada, o Banco Central estava vendendo dólares para evitar o estresse que surgiu por mais um confronto institucional criado por Bolsonaro.

Eliane Cantanhêde: Catequização via internet

O Estado de S. Paulo

Contaminação de militares contra STF, urnas eletrônicas e vacinas de crianças é via redes sociais

Os militares não são um monobloco, assim como evangélicos, agricultores, sindicalistas, médicos, etc. também não, mas, se eles reagiram no início do governo contra atos golpistas que levavam bolsonaristas às portas do Planalto e o próprio presidente às do QG do Exército, a percepção é de que balançam com os ataques de Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas e ao Supremo. Mal comparando, eles também não se deixaram ludibriar com a campanha contra as vacinas de covid para adultos, mas cederam nas de crianças.

Nos dois casos, é efeito das redes sociais e de grupos, ou bolhas, de famílias, vizinhos, escolas, igrejas e também de militares, da ativa e da reserva, que disseram não quando provocados contra vacinas e a favor de atos golpistas (para os quais o presidente até arrastou o então ministro da Defesa em helicóptero das Forças Armadas). Depois, porém, vêm baixando a guarda e sendo capturados por teses delirantes.

Joel Pinheiro da Fonseca: A terceira via não existe

Folha de S. Paulo

Todos os esforços de tirar a ideia do chão foram, até agora, um fracasso completo

Duas lições das manifestações de domingo: Lula, apesar da liderança nas pesquisas, tem uma dificuldade muito grande em mobilizar eleitores. Bolsonaro, apesar de ver seus atos diminuírem, ainda é, com folga, o político que mais consegue trazer eleitores para a rua. Se isso é prenúncio de uma aproximação dos dois líderes nas pesquisas nos próximos meses, ou se Lula manterá a liderança confortável, o futuro dirá.

Independente de se achar um desses superior ao outro, é bem compreensível que alguém não se sinta representado nessa dicotomia.

Afinal, o governo Bolsonaro é um desastre completo —na educação, no meio-ambiente, na diplomacia, na saúde pública; some-se a isso o fato de inundar o país com fake news e discussões espúrias sobre maluquices ideológicas, além de atentar diretamente contra a democracia em suas falas.

Luiz Carlos Azedo: Quando a liberdade de expressão é um subterfúgio

Correio Braziliense

Há limites para esse direito, em especial quando é utilizado para violar garantias estabelecidas pela Constituição. São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas

O pensamento liberal no Brasil muitas vezes é traduzido com segundas intenções. Por exemplo, na Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I, o direito à propriedade privada não foi adotado para favorecer o florescimento de uma economia capitalista como as que se desenvolviam na Europa e nos Estados Unidos, mas para proteger o regime escravocrata.

O dogma liberal era invocado sempre que se falava de abolição, pois os escravos eram considerados propriedade inalienável. Ou seja, um fundamento das revoluções burguesas serviu a três gerações de escravocratas, até 1888. Hoje, o racismo estrutural, a causa de muitas das nossas desigualdades, é um mal invisível, que ninguém confessa, como a inveja.

De igual maneira, a nossa legislação trabalhista surgiu durante a Carta Magna de 1937, a constituição fascista do Estado Novo. Nem todos os seus dispositivos estavam a serviço do regime autoritário, mas toda a parte que envolvia os direitos coletivos, como greves, sindicatos, convenção coletiva e mesmo a Justiça do Trabalho, serviam ao corporativismo estatal inspirado na Carta del Lavoro, fascista. Entretanto, o engessamento da legislação trabalhista e sindical não impediu o posterior desenvolvimento dos direitos dos trabalhadores nem o avanço nas relações sociais.

Andrea Jubé: Lula testa quadros do PT para a Fazenda

Valor Econômico

Alexandre Padilha e Jaques Wagner são vozes de Lula sobre economia

Sem alarde, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a dar sinais de reedição do método adotado em 2002, quando venceu a eleição presidencial, para escolher quem será o responsável, em seu eventual futuro governo, pela condução da política fiscal.

Naquele ano, o ex-prefeito de Ribeirão Preto Antonio Palocci foi acumulando missões, ampliando a interlocução com empresários e com o mercado financeiro, na função de coordenador do programa de governo.

Ainda assim, causou espécie quando veio a público a nomeação de um médico para o Ministério da Fazenda. Para o desempenho da função, Palocci cercou-se de quadros ortodoxos e abalizados como Marcos Lisboa e Joaquim Levy.

Duas décadas depois, após afirmar a uma dezena de interlocutores que pretende nomear um político para o Ministério da Fazenda - caso saia vitorioso do pleito em outubro -, Lula voltou a colocar em prática o velho método, destacando quadros orgânicos do PT para a interlocução com empresários e com o mercado financeiro.

Luiz Gonzaga Belluzzo*: Machado de Assis e o Brasil de Bolsonaro**

Valor Econômico

Não é prudente apostar, como o faz Bolsonaro, na idiotice geral

“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas”. Com essa dedicatória aos vermes, o saudoso Machado de Assis abriu sua obra magna, Memórias Póstumas de Brás Cubas.

Digo saudoso Machado, assim como poderia deplorar a ausência de João Guimarães Rosa palmilhando as Veredas de seu Grande Sertão ou de José Lins do Rego apagando o fogo do Engenho onde vivia o menino.

Voltemos às memórias de Brás Cubas. Ele jurou “que essa orquestra da morte foi muito menos triste do que podia parecer. De certo ponto em diante chegou a ser deliciosa. A vida estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos de vaga marinha, esvaía-se-me a consciência, eu descia à imobilidade física e moral, e o corpo fazia-se-me planta, e pedra e lodo, e coisa nenhuma”.

Na morte brasileira perpetrada pelo Capitão, esvai-se a consciência, avança a imobilidade social e moral, o corpo tem a mobilidade das plantas e das pedras imersas no lodo e os que desgovernam o país são coisa nenhuma.

Helena Chagas: Discurso golpista afasta o centro e isola Bolsonaro

Jair Bolsonaro compareceu ao esvaziado ato anti-STF de Brasília e mandou um vídeo ao de São Paulo, mas é nítido que baixou o tom. Não discursou no DF e ficou no leto-lero para agradar aos paulistanos. Por que? Porque foi avisado por coordenadores políticos da campanha de reeleição que, pelos primeiros levantamentos, o discurso golpista contra o Supremo e as ameaças à eleição não angariaram um só voto a favor de sua reeleição.

Bolsonaro continua encarcerado em sua bolha, e foi para agradá-la que marcou certa presença cautelosa nos atos.  Mas sabe que precisa avançar ao centro para ter alguma chance de chegar mais perto de Lula na eleição, e a narrativa golpista de colocar as Forças Armadas para contar votos só conseguiu assustar esses setores. Foi lembrado que, na última investida antidemocrática, no 7 de setembro, amargou o crescimento de sua rejeição nas pesquisas por quatro meses.

Mirtes Cordeiro*:1° de Maio, Dia do Trabalho… ou do Trabalhador

Em 02.05.2022

Considerado o Dia do Trabalhador por sua luta por maiores direitos, o Primeiro de Maio é comemorado no mundo inteiro, tendo surgido com a intensificação da revolução industrial, quando o trabalho nas fábricas era realizado em condições precárias, pois o objetivo era maior obtenção de lucros, sacrificando a vida dos que vendiam sua mão de obra, os trabalhadores.

Naquela época, no século XIX, a jornada de trabalho era de 12 a 16 horas, sendo comum que os trabalhadores fossem colocados sob condições de trabalho degradantes, sem direito ao dia de descanso. Em 1886 aconteceram grandes mobilizações em Chicago (EUA), quando houve grande repressão, inclusive com a morte dos líderes do movimento anarco-sindicalista, também conhecidos como Mártires de Chicago.

Chicago era a cidade mais industrializada dos Estados Unidos e abrigava um grande contingente de imigrantes europeus, familiarizados com as ideias anarquistas e socialistas.

A data Primeiro de Maio, no entanto, só se tornou feriado em 1919, inicialmente na França, após a jornada de oito horas diárias ter sido ratificada por lei, enquanto no Brasil o feriado passou a ser considerado em 1924.

As manifestações de trabalhadores no Brasil, segundo alguns historiadores, tiveram início na década de 1910, culminando com uma grande greve em 1917.

No entanto, a luta dos trabalhadores foi utilizada pelo governo Vargas para implantar e ampliar o seu projeto ditatorial no chamado Estado Novo e, “nesse sentido, as manifestações do Primeiro de Maio eram utilizadas pelo governo como propaganda de suas “benesses” e como eventos para ressaltar os valores cívicos e o patriotismo”. (Mundo Educação)

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

A verdadeira herança maldita

O Estado de S. Paulo

Bondades eleitoreiras e incontáveis erros acumulados em quatro anos formam o legado desastroso de Bolsonaro para o próximo governo

Uma conta de pelo menos R$ 82,3 bilhões será passada a quem assumir a Presidência da República em 1.º de janeiro. Esse é o custo, por enquanto, das bondades eleitorais do presidente Jair Bolsonaro. Sua campanha de reeleição, extremamente cara, tem sido e continuará, nos próximos anos, sendo financiada com recursos públicos. A soma inclui R$ 41 bilhões da parcela complementar do Auxílio Brasil, R$ 12 bilhões do reajuste dos servidores, R$ 1,9 bilhão do auxílio-gás e R$ 27,4 bilhões de redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Se a apuração confirmar as atuais pesquisas de intenção de voto, o sucessor de Bolsonaro terá vários motivos para falar de uma herança maldita.

Essa herança resultará, em grande parte, de medidas improvisadas, como têm sido, com frequência, as iniciativas presidenciais no atual mandato, iniciado em 2019. Nunca houve, nesse período, um plano de governo, com metas, programas e projetos articulados. Nem a saúde fiscal, uma bandeira sustentada com razoável constância pela equipe econômica, tem sido levada em conta, normalmente, nas decisões do presidente. Mesmo com alguma resistência, o ministro da Economia, Paulo Guedes, acabou geralmente acatando as pretensões de seu chefe.

Algumas decisões, como o pagamento do auxílio-gás às famílias pobres, são defensáveis, mas nunca foram integradas em programas de desenvolvimento econômico e de inclusão social. Nem poderiam ter sido, porque programas desse tipo nunca foram formulados. Tributos foram cortados, ocasionalmente, para conter aumentos de preços ou para beneficiar o sistema produtivo. Mas foram sempre soluções tiradas de algum bolso de colete. Até hoje, nada permite, por exemplo, vincular a redução do IPI a uma política de recuperação e de modernização do enfraquecido setor industrial.

Poesia | Fernando Pessoa: A espantosa realidade das coisas

 

Música | Teresa Cristina: As forças da natureza (João Nogueira)

 

segunda-feira, 2 de maio de 2022

Opinião do dia – Rodrigo Pacheco*: manifestações 1º de Maio

“Manifestações populares são expressão da vitalidade da Democracia. Um direito sagrado, que não pode ser frustrado, agrade ou não as instituições. O 1o de maio sempre foi marcado por posições e reivindicações dos trabalhadores brasileiros.

Isso serve ao Congresso, para a sua melhor reflexão e tomada de decisões. Mas manifestações ilegítimas e antidemocráticas, como as de intervenção militar e fechamento do STF, além de pretenderem ofuscar a essência da data, são anomalias graves que não cabem em tempo algum.”

*Rodrigo Pacheco, senador(PSD-MG), presidente do Senado, presidente do Congresso Nacional, ontem, no Twitter.

Paulo Fábio Dantas Neto*: Banho de urna para o Brasil ficar no purgatório

Sei que o título desta coluna, embora fale de urna, não é sedutor, pelo déficit de esperança que aparentemente carrega. De fato, observado o que ocorre e o que pode ocorrer na política brasileira, vejo que o melhor futuro do presente é ser um presente contínuo. Explico: a terra mais firme à vista é uma ilha ameaçada por lavas de vulcão ainda durante um tempo indeterminado. Mas ilha ao menos um pouco mais distante da porta do inferno, onde nos encontramos agora. A expectativa otimista e, ao mesmo tempo, razoável é que haja eleições normais, que o resultado do pleito presidencial se oponha ao de 2018 e que ele prevaleça contra ações golpistas, que já se encontram em fase avançada de testes. A seguir tentarei argumentar que esse pouco não é só mais do mesmo. Portanto, deve nos incitar a agir. Dentro dos estreitos limites em que o Brasil respira, é um horizonte esperançoso, sem ser delirante.

Começo contando como assisti Gilberto Gil, nosso mais recente imortal, apresentar-se, na última sexta-feira, 29, na Concha Acústica do Teatro Castro Alves. Show a ser guardado na memória. Primor de tempestividade política sem pronunciamento que a formalizasse. Escolheu a dedo, para o começo, um repertório que a maioria da plateia ouviu e cantou sentada, o que já foi – tratando-se de Gil, cantando na Bahia – um sinal de que a noite não seria trivial. Quem tem mais de 60 anos, mais perto ou além dos 70, ouviu e viu o artista como se sua voz ainda tivesse a potência exortadora dos seus vinte e poucos anos. Tempo de sombras, então desafiados, agora evocados por Gil, cantando como quem dá um recado. Esse começo durou sete ou oito músicas, o introito acabou e ele subiu ao palco para valer. A comunicação direta com o momento coletivo mostrou aquele senhor artista cheirando a talco compartilhando com o seu público de todas as idades, agora de pé, o desejo de ver o inferno fora daqui! Nesse grito não havia crença nem programa, apenas desejo, necessidade e vontade titânicos de alívio do momento opressivo.

Fernando Gabeira: A liberdade do lobo e a morte do cordeiro

O Globo

‘A liberdade do lobo quase sempre significa a morte do cordeiro.’ Essa frase de Isaiah Berlin volta a circular no momento em que a liberdade de expressão torna-se um debate global. Nos EUA, foi intensificado com a compra do Twitter por Elon Musk. No Brasil, é o pretexto de Bolsonaro para perdoar um deputado.

Acho interessante que o pensamento de Isaiah Berlin sobre liberdade volte a ser estudado. Confesso que, há muitos anos, tinha uma certa resistência aos textos de Berlin. Ele desmontava de uma forma implacável o romantismo revolucionário que existia em mim. Foi muito bombardeado pela esquerda, sobretudo a partir da Rússia, por causa de sua amizade com artistas perseguidos pelo stalinismo, como a poeta Anna Akhmátova.

Por que, entre tantos liberais, Isaiah Berlin merece ser descoberto? Ele, de uma forma brilhante, compreendeu que as liberdades humanas não formam um todo harmonioso: podem entrar em conflito umas com as outras e, quando o fazem, devemos escolher entre elas. A inspiração de Berlin foi lutar contra o totalitarismo que falha em proteger liberdades específicas, mas também suprime a própria possibilidade de liberdade.

Demétrio Magnoli: STF, Silveira & Sands

O Globo

Bobby Sands, irlandês, católico, militante do IRA, morreu aos 27 anos, em maio de 1981, em consequência de uma greve de fome de 66 dias na prisão de Maze. No 40º dia da greve de fome, foi eleito para a Câmara dos Comuns por um distrito da Irlanda do Norte. O Reino Unido, onde fica o mais antigo Parlamento do mundo, não vetava mandatos parlamentares de prisioneiros que cumpriam sentença. Quando debate as implicações da crise gerada pelo caso Daniel Silveira, o STF precisa estudar o episódio de Sands.

Silveira ocupa a extremidade de um longo fio de crise institucional desenrolado a partir do “petrolão”. No vácuo aberto pela corrupção crônica e pela Operação Lava-Jato, o STF subiu uma escadaria de incêndio e, em meio à desmoralização da elite política, reinventou-se como Poder Moderador. A aventura de concentração de poder conduziu os juízes a romper um limite constitucional sagrado, por meio do sequestro do direito de cassar mandatos parlamentares.

Carlos Pereira*: Presidencialismo multipartidário ficou refém ou é reversível?

O Estado de S. Paulo

Uma boa gerência de coalizão cria condições para a sustentabilidade democrática e inclusão social responsável

Até que ponto o equilíbrio da Constituição de 1988 e do Plano Real, caracterizado pelo tripé inclusão social, responsabilidade macroeconômica e democracia, estaria ameaçado?

Meu colega Marcos Mendes, um dos maiores especialistas em contas públicas, acredita que existem problemas estruturais que estariam colocando em risco tal equilíbrio. Na sua coluna na Folha de S. Paulo (22/04/2022), Marcos vaticinou que, diante do enfraquecimento do Executivo na política orçamentária e do baixo crescimento econômico, as condições de governabilidade estariam se deteriorando e que problemas institucionais se avizinhariam.

Marcos tem razão ao expressar preocupação com a perda de discricionariedade do presidente no orçamento. Hallerberg e Marier já haviam demonstrado que um Executivo forte, via centralização do processo orçamentário, é a chave para reduzir déficit público e gerar políticas públicas universais, especialmente em sistemas eleitorais proporcionais de lista aberta para o Legislativo que estimula paroquialismos, como é o brasileiro.

Bruno Carazza*: O que Janones tem a ensinar sobre a política

Valor Econômico

Políticos tradicionais não conseguem se conectar com o eleitor

Eu tenho um grande amigo que diz que a única dúvida dele sobre as eleições deste ano é se Janones ficará em terceiro ou quarto lugar na disputa pela Presidência. A frase, que poderia soar como ironia, expõe uma dura realidade sobre a política brasileira.

No último Datafolha, o deputado André Janones (Avante-MG) apareceu entre os cinco primeiros candidatos na pesquisa espontânea - bem atrás de Lula e Bolsonaro, mas empatado dentro da margem de erro com Sergio Moro e Ciro Gomes -, o que é um feito notável para um político novato, vinculado a um partido nanico e que há apenas três anos chegou a Brasília para o seu primeiro mandato eletivo.

Na maioria das pesquisas recentes, Janones pontua à frente de políticos muito mais experientes e conhecidos, como os ex-governadores João Doria (PSDB-SP) e Eduardo Leite (PSDB-RS), a senadora Simone Tebet (MDB-MS) e o deputado federal Luciano Bivar (União Brasil-PE).

Sergio Lamucci: Economia mostra melhora, mas situação segue delicada

Valor Econômico

Cenário é difícil, em especial devido à inflação elevada

O desempenho da economia brasileira no primeiro terço do ano aponta para um cenário um pouco mais positivo em 2022 do que se projetava no fim de 2021. A atividade econômica teve um crescimento um tanto mais forte nos primeiros meses deste ano, com um resultado melhor do que se esperava no mercado de trabalho. A situação, porém, segue delicada, principalmente devido à persistência e disseminação das pressões inflacionárias, o que corrói o poder de compra da população e deverá exigir juros mais altos por mais tempo. Taxas mais elevadas obviamente afetarão a atividade, em especial a partir do segundo semestre, dado o efeito defasado de mudanças na Selic.

Além disso, o cenário externo está longe de ser tranquilo. A guerra entre Rússia e Ucrânia elevou o risco na economia global e encareceu as commodities, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) se prepara para acelerar o ritmo de alta dos juros e a China adota medidas rigorosas de restrição à mobilidade social para tentar deter o avanço da covid-19, com impacto óbvio sobre o ritmo de expansão da economia local - e por tabela, da mundial.

Celso Rocha de Barros*: Jair quer criar o Exércentrão

Folha de S. Paulo

Militares aceitam ser arma do latrocínio que Bolsonaro comete diariamente?

Daniel Silveira é o novo vice-presidente da comissão de Segurança da Câmara. Ganhou o cargo como recompensa porque ameaçou de morte os ministros do STF, foi condenado à cadeia e perdoado pelo presidente da República.

O que entusiasmou seus colegas de Parlamento foi o precedente jurídico que o caso Silveira estabeleceu: de agora em diante, está decidido que presidentes podem soltar aliados condenados pela Justiça.

STF não reagiu à provocação do presidente da República porque teme que as Forças Armadas deem um golpe de Estado em apoio a Bolsonaro. Ninguém tem medo do Jair. O medo é do Exército. Como se viu no último 7 de Setembro, quando o Exército não aparece para brigar por ele, Jair se senta no chuveiro e chora.

Marcus André Melo*: A imunidade parlamentar gera corrupção e abuso?

Folha de S. Paulo

Sonho paraguaio de imunidade vitalícia é o canto das sereias de aspirantes a autocrata

É intuitiva a noção de que as imunidades são precondição para o exercício da atividade política nas democracias. Como podemos concebê-la se há espaço para retaliação política pelos governantes? Ou ainda sem plena liberdade de expressão? Mas é inegável que ela cria incentivos para o arbítrio e a corrupção.

Chafetz mostrou que duas tradições informaram os dispositivos legais para as imunidades nos EUA e no Reino Unido. A primeira delas, a versão forte do princípio que a soberania parlamentar deve prevalecer em relação a qualquer agente externo, inclusive tribunais, predominou até o século 19; na segunda, a soberania é exercida contra o monarca mas também sobre parlamentares. O Judiciário é visto aqui como potencial agente do povo.

Ana Cristina Rosa: A que ponto chegamos

Folha de S. Paulo

Mesmo com inflação e desemprego, a distopia tem demonstrado concretude perturbadora

No Dia do Trabalhador, um país forjado sobre os pilares da escravização e que desde a década de 1990 reconhece oficialmente perante a comunidade internacional a existência de trabalho forçado em seu território deveria ir às ruas para exigir respeito e geração de trabalho decente para a população.

Mesmo diante da maior prévia da inflação mensal em 27 anos, da queda no salário médio e de uma multidão de desempregados estabilizada na casa dos 12 milhões, no Brasil a realidade parece ter decidido competir com a ficção dada a quantidade e a proporção de despautérios. E a distopia tem demonstrado uma concretude perturbadora.

Ruy Castro: Em dias mais felizes

Folha de S. Paulo

Bom saber que o Brasil é craque em aviõezinhos de papel

Há duas semanas, o Museu do Amanhã, aqui no Rio, abrigou a decisão da etapa brasileira do Campeonato Mundial de Aviãozinho de Papel. Não ria. Os vencedores foram Pedro Capriotti e Isaac Queiroz, paranaenses. Pedro foi o campeão na modalidade tempo no ar, com 7s61, e Isaac, na de distância percorrida, com 40,3 metros. Eles derrotaram 600 concorrentes em eliminatórias disputadas durante meses pelo país. Os dois partem agora para representar o Brasil na grande final em Salzburgo, Áustria, contra 60 países.

Se você acha o assunto irrelevante, experimente fazer um aviãozinho de papel —sabe fazer um, não?— e atirá-lo. Aposto que ele subirá meio metro, se tanto, e descerá vergonhosamente de bico contra o chão. Na mão dos campeões, no entanto, a aeronave já parte sabendo a distância a atingir e o tempo a se manter em voo. E, se o vento e a pressão atmosférica forem favoráveis, eles se arriscam até a piruetas. É um esporte, e proponho a sua inclusão nos próximos Jogos Olímpicos.

Marcello Serpa: O vírus e o mundo corporativo

O Globo

Depois de dois anos de pandemia, trabalho remoto e escritórios vazios, não parece coincidência duas séries excelentes retratarem o lado surreal do mundo corporativo.

“Severance”, criada por Dan Erickson e produzida por Ben Stiller, é uma obra-prima distópica tão estranha quanto imperdível. Uma empresa fictícia, Lumon, cria uma tecnologia que permite ao funcionário separar a vida particular do trabalho, literalmente. Um chip implantado na cabeça dos funcionários divide a consciência em duas, eles não lembram nada da vida pessoal enquanto no escritório e, quando fora, não recordam o que aconteceu no trabalho.

Os personagens principais são quatro funcionários trabalhando em cubículos apertados no centro de uma enorme sala vazia. Passam o dia digitando números sem sentido, falando abobrinhas sobre a vida do escritório, ganhando incentivos inúteis ao superar metas invisíveis, supervisionados por um chefe de sorriso branco e frio como uma lâmpada fluorescente numa mistura de terror com a mais fina ironia.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

O papel do Supremo na democracia

O Estado de S. Paulo

STF está sob ataque. Os cidadãos precisam entender o que está em jogo quando isso acontece e por que defender a instituição é o mesmo que defender a liberdade e a paz social

O Supremo Tribunal Federal (STF) está sob ataque. Real e simbólico. Não há outra forma de descrever as ações hostis e o desrespeito a decisões da Corte por parte do presidente Jair Bolsonaro e de parlamentares e lideranças do Congresso. O momento é gravíssimo. O País não assistia a uma afronta tão desabrida à instância máxima do Poder Judiciário desde o conflituoso mandato do presidente Floriano Peixoto (1891-1894). O “Marechal de Ferro” não era um democrata e fazia pouco-caso da tripartição dos Poderes da República e do sistema de freios e contrapesos. Assim como Bolsonaro.

Os cidadãos precisam ter em conta o que está em jogo quando o Supremo é atacado, seja por meio de ameaças explícitas ou veladas a seus ministros, servidores e familiares, depredações de suas dependências físicas ou pelo descumprimento puro e simples de suas decisões. Em outras palavras: é preciso entender qual é o papel de uma Corte Suprema na democracia e por que defender a instituição é o mesmo que defender a manutenção das liberdades civis e da paz social.

A Constituição, em seu artigo 102, delega sua guarda ao Supremo. Do ponto de vista prático, “guardar” a Constituição significa interpretar o seu texto e ter a palavra final diante de conflitos em torno de nosso pacto social. Quando o Supremo é desqualificado como última instância com poder para dirimir esses conflitos e pacificar a sociedade, rui a própria ideia da Justiça como um avanço civilizatório. A partir daí, vale tudo, não há mais limites. Comandos legais correm o risco de perder valor. Em casos extremos, cidadãos podem olhar para esse processo de deslegitimização do Supremo – liderado por altas autoridades da República, que deveriam servir como modelos de cidadania e respeito às leis – como uma espécie de autorização tácita para resolver suas contendas particulares da forma que bem entenderem, inclusive pela imposição da força bruta.

Poesia | Vladimir Maiakovski: O Amor

 

Música | Chico Buarque: Quem te viu, quem te vê

 

domingo, 1 de maio de 2022

Dorrit Harazim: Consciência

O Globo

Convém não confundir as coisas — enquanto o cérebro nos é dado pela biologia, é a vida que transforma esse cérebro em mente. Há mais de 5 mil anos poetas e filósofos, sumidades religiosas e Prêmios Nobel de Medicina tentam desvendar os mistérios dessa dualidade. Avançou-se relativamente pouco. Embora o conhecimento científico dos atributos físicos e do comportamento do cérebro tenha dado saltos triunfais, a composição metafísica da mente humana continua fugidia. Isso porque ela pode ser definida como essência, não substância. A mente reflete tudo o que o corpo inteiro percebe e sente. Em suma, é o universo privado e subjetivo com que respondemos a emoções, medicamentos, enzimas, poluição, genes, hormônios, percepções e tudo o mais. Na mente de cada um também mora a consciência, que por vezes vem acompanhada de busca do saber, coragem de ver e ouvir. E de reagir.

Esta semana foi infame para a História do Brasil, pois não reagimos.

Merval Pereira: Novos olhares da política

O Globo

Foi-se o tempo em que a vitória do ex-presidente Lula nas eleições de outubro era dada como certa, e provavelmente no primeiro turno. Pesquisas recentes, feitas por diversos métodos e institutos, alertam para uma tendência de crescimento do presidente Bolsonaro, que em algumas delas já se aproxima de um empate técnico que os bolsonaristas acreditam que em julho estará superado a seu favor.

Erros na campanha petistas já estão sendo detectados, como a mudança do marqueteiro, e o isolamento dentro do partido de Franklin Martins, que não se sabe se continuará na coordenação da comunicação. Mas não é só isso. Existem queixas sobre a abordagem do PT nas coligações partidárias, tanto que a federação de esquerda não é integrada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), apesar da indicação de Geraldo Alckmim para vice na chapa petista.  

Também o partido Rede Sustentabilidade, que decidiu oficialmente apoiar a candidatura de Lula, não teve a adesão do grupo de sua principal líder, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Não que Marina não admita apoiar Lula, muito menos que, como Lula alega, tenha mágoa com o PT, mas seu grupo acha que não se deve dar apoio incondicional a ninguém antes que um programa específico seja negociado. Não deixaram de notar, por exemplo, que a palavra “sustentabilidade” não foi usada por Lula em nenhum momento de seu discurso na solenidade de oficialização do apoio.

Bernardo Mello Franco: A tática do abafa

O Globo

A oposição parece ter entendido a tática da comunicação bolsonarista. Falta deslocar o debate para o que importa

Lula levou cinco dias para comentar o indulto de Jair Bolsonaro ao deputado que incitou a violência contra ministros do Supremo. Na terça-feira, o petista foi questionado sobre o decreto do capitão. Depois de chamá-lo de “estúpido” e “medíocre”, justificou o próprio silêncio.

“Eu nem comentei nada porque tudo o que ele queria era o que aconteceu. Ele abafou o carnaval”, afirmou. “Ele fez isso na quinta-feira. Ficou quinta, sexta, sábado, domingo, segunda e terça no auge do noticiário. Tudo o que ele quer é permanecer no noticiário, e ele não tem nenhum interesse se é coisa boa ou ruim”, prosseguiu.

Bolsonaro sabe como desviar o foco de assuntos incômodos. Nos dias que antecederam o decreto, o IBGE registrou a maior inflação para março em 28 anos. O governo foi obrigado a admitir que os pastores lobistas do MEC estiveram 35 vezes no Planalto. O noticiário revelou novas suspeitas de desvios na Codevasf, estatal loteada entre deputados do Centrão.

Elio Gaspari: A crise tem data marcada

O Globo

O Brasil corre o risco de viver a sua maior crise institucional desde o dia 13 de dezembro de 1968, quando o marechal Costa e Silva baixou o Ato Institucional nº 5. Ela tem data e hora marcadas: a noite de 2 de outubro, quando se conhecerá o resultado da eleição.

O cenário é previsível: fecham-se as urnas, totalizam-se os votos e, caso Jair Bolsonaro seja derrotado, ele anuncia que não aceita o resultado.

Em 1951, essa cartada foi tentada contra a posse de Getúlio Vargas, com o argumento de que ele não conseguira a maioria absoluta dos votos. Não prosperou, mas o desconforto militar reemergiu e em 1954 custou a vida ao presidente.

Em 1951, tratava-se de uma chicana conceitual. Hoje o presidente é um crítico do sistema de coleta e totalização dos votos. Chega a dizer que foi eleito em 2018 no primeiro turno, mas surrupiaram-lhe a vitória. Faltam cinco meses para a eleição e Bolsonaro faz sua campanha hostilizando o Judiciário e propondo que as Forças Armadas participem do processo de totalização.

Bolsonaro revelou parte da questão:

“Uma das sugestões das Forças Armadas é que, ao final das eleições, os dados vêm pela internet para cá (Brasília) e tem um cabo que alimenta a sala secreta do TSE. Uma das sugestões é que desse mesmo duto seja feita uma ramificação para que tenhamos um computador do lado das Forças Armadas para que possamos contar os votos no Brasil.”

Luiz Carlos Azedo: Da Internacional ao 1º de Maio, os sinais estão trocados

Correio Braziliense / Estado de Minas

O estrago que o velho hino está fazendo às imagens de Lula e Alckmin não foi aferido, mas o meme faz a festa bolsonarista. Nada mais simbólico para a falsa tese de que Lula e Alckmin são comunistas 

Quando o Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi fundado, em 25 de março de 1922, Astrojildo Pereira e seus oito companheiros de origem anarquista não sabiam cantar A Internacional, como registrou em seu poema Ferreira Gullar. Desde então, apenas os mais empedernidos comunistas sabem a letra do hino composto em 18 de junho de 1888 por Pierre Degeyter — um operário anarquista de origem belga, residente na cidade francesa de Lille —, com base no poema do também anarquista Eugéne Pottier, operário francês membro da Comuna de Paris.

O hino se tornou conhecido na França e se espalhou pela Europa após o congresso do Partido Operário Francês, em 1896. A ideia original de Pottier era fazer uma paródia da Marselhesa, o hino da Revolução Francesa, mas Degeyter deu-lhe vida própria. C’est la lutte finale./Groupons-nous et demain/L’Internationale/Sera le genre humain, o refrão original, na tradução portuguesa ficou assim: “Bem unidos façamos, / Nesta luta final, / Uma terra sem amos /A Internacional”.

A versão em russo serviu como hino da antiga União Soviética de 1917 a 1941, quando foi criado o hino soviético por Stalin, mas A Internacional continuou sendo o hino da maioria dos partidos comunistas. Entretanto, alguns partidos socialistas e social-democratas também haviam adotado o hino, antes do racha da II Internacional, por ocasião da Primeira Guerra Mundial. Hoje, são raros os que o mantêm.

Sérgio Augusto: Teatro de Molière é perfeito para definir o tempo em que vivemos

O Estado de S. Paulo

Metáforas de ‘Tartufo’ se aplicam aos hipócritas que nos cercam

Alguém só um pouco mais crescido que o menino que aporrinha o pai até descobrir o significado da palavra “plebiscito”, no antológico conto de Artur Azevedo, perguntou-me o que quer dizer “tartufo”. Não a homônima guloseima à base de chocolate, que ele já conhecia sob a forma de sorvete, mas os bípedes dignos desse epíteto; ou seja, aqueles indivíduos dados a cometer tartufarias ou tartufices. Gente que, evidentemente, não presta.

Como são muitos ao nosso redor, vez por outra não resisto à tentação de aludir ao traste que lhes deu origem e nomeada, substituindo com seu eufônico nome – Tartuffe (entre nós, Tartufo) – adjetivos bem mais corriqueiros como hipócrita, fingido, dissimulado, impostor, velhaco, espertalhão.

As gerações mais velhas e mais bem escolarizadas sabem de onde veio a palavra e quem a celebrizou: Molière, o maior comediógrafo da França, o Shakespeare gaulês. Dos tipos inesquecíveis que ele imortalizou no palco – o avarento Harpagão, o hipocondríaco Argan, o palerma Orgon – o farisaico Tartufo foi, et pour cause, quem mais impacto popular causou. Nenhuma outra de suas peças foi tão encenada desde sua primeira apresentação, em 12 de maio de 1664.

José Roberto Mendonça de Barros*: Sem perspectivas de crescer

O Estado de S. Paulo

O Brasil empobreceu nos últimos quatro anos, e não há populismo que seja capaz de alterar esse fato

A pré-campanha eleitoral segue numa polarização cada vez mais raivosa e, tudo indica, assim vai continuar. Lamentavelmente, do ponto de vista econômico só não se discute o principal: estamos sem crescer há muito tempo e sem perspectivas à frente. 

O debate de conjuntura está focado nos próximos meses. Discute-se, furiosamente, se o crescimento deste ano será de 0,5% ou 1%, sem atentar que essas diferenças pouco significam. Considerando os anos de 2019 a 2022, o crescimento médio será de 0,55% ao ano se o PIB corrente crescer 0,5%, ou de 0,68% se crescermos 1%, como prevê o Banco Central (a projeção do Focus está em 0,65%).