sexta-feira, 6 de maio de 2022

Vera Magalhães: EUA, aborto e os danos à democracia

O Globo

A atual convulsão por que passam os Estados Unidos diante do risco real de que a Suprema Corte revise a jurisprudência firmada em 1973, no caso Roe versus Wade, em que reconheceu o direito da mulher ao aborto, é uma demonstração muito eloquente de como um movimento que provoca solavancos sistemáticos na democracia deixa danos permanentes às instituições e aos direitos civis mesmo quando derrotado nas urnas.

O trumpismo se apropriou da pauta antiaborto e de outras bandeiras de direita que fermentam na sociedade americana há décadas, com raízes ligadas a movimentos supremacistas brancos, à direita religiosa radical e a outros subgrupos da extrema direita e da direita alternativa (a “alt-right”).

Com sua Presidência antiestablishment, Donald Trump foi um galvanizador desses interesses até então difusos, sem uma via partidária para chegar a ameaçar conquistas históricas como a que assegurou às mulheres o direito à interrupção da gravidez e à população outros direitos civis.

Ao esgarçar os limites até então vigentes, e respeitados pelos partidos, de uma convivência republicana em que disputas eram dirimidas no Congresso ou na Suprema Corte, e os vencidos acatavam o resultado das urnas, de votações ou de julgamentos, Trump, mesmo fora da Casa Branca, segue sendo esse ímã que atrai toda sorte de interessados em provocar retrocessos civilizatórios no país.

Pode ser que o vazamento do rascunho do relatório do juiz Samuel Alito evite que a Corte de fato revise a jurisprudência quase cinquentenária. A reação do Partido Democrata, do governo Biden, da imprensa, dos movimentos feministas e de outros de defesa dos direitos civis, além do vazamento sem precedente de um relatório prevendo o placar de um julgamento (algo que jamais havia acontecido nos EUA, diferentemente daqui, onde os ministros do STF são mais acessíveis, e as sessões públicas), pode levar a Suprema Corte a recuar da intenção.

Fernando Luiz Abrucio*: A herança bolsonarista é profunda

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Em algum momento a população cobrará resultados e não adiantará mais falar em nome de Deus, da Pátria e da Liberdade ou chamar os adversários de comunistas

Assumir a cadeira presidencial em 2023 será bem mais difícil do que em qualquer outro período da história recente. Claro que sempre é complicado governar o Brasil, um país complexo, desigual, com um sistema político que exige muitas negociações e com parte dos parlamentares interessados mais em negociatas do que no interesse público. Isso faz parte do jogo. Mas o bolsonarismo deixou uma herança que amplia os obstáculos à governabilidade em dois sentidos: ele não resolveu ou aprofundou os problemas do país e, pior, criou travas para a resolução das grandes questões nacionais.

O primeiro sentido da herança negativa do bolsonarismo está expresso no conjunto de problemas que ele deixou ou agravou em quatro grandes áreas de políticas públicas. A primeira refere-se às políticas sociais, cujas estruturas construídas em décadas foram desmontadas. Pegue-se o exemplo da saúde e da educação e se constata que o desastre foi enorme, com consequências de curto e longo prazo.

O fracasso na saúde ficou bem claro com a má condução da política nacional contra a pandemia de covid-19. Se não fosse o SUS, com seus profissionais qualificados e sua estrutura que ajudou a construir os serviços nos estados e municípios, talvez tivéssemos um número mais próximo de 1 milhão de mortes. Mas se não tivesse havido o negacionismo e a descoordenação federativa produzida por quem deveria zelar para cooperação entre os níveis de governo, a quantidade de óbitos teria sido bem menor. Especialistas calculam que em torno de 400 mil mortes poderiam ter sido evitadas, para não falar daqueles que estão até hoje sofrendo sequelas terríveis da doença.

Os problemas da política sanitária bolsonarista não estão apenas no combate à covid-19. A cobertura vacinal do país está caindo vertiginosamente e a dengue explodiu neste ano, o que revela que o país não tem estratégias para combater doenças que atingem muita gente. Igualmente desastrosa é a gestão dos insumos de saúde, com a falta de vários medicamentos básicos no SUS, como não acontecia desde o início da década de 1990. E os programas para grupos mais vulneráveis, como a população indígena, tiveram um retrocesso gigantesco.

Luiz Carlos Azedo: Os recados sobre as eleições, inclusive do passado

Correio Braziliense

Pôr em dúvida a segurança do pleito abre caminho para a contestação de um resultado adverso. Não faltam aqueles que estão dispostos a não aceitar eventual derrota eleitoral de Bolsonaro, custe o que custar

O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, encaminhou ofício, ontem, ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, no qual solicita que as sugestões e os questionamentos das Forças Armadas sobre as eleições fossem divulgados publicamente. O objetivo seria dar “maior transparência e segurança ao processo eleitoral” e “estimular o debate entre a sociedade acerca do aperfeiçoamento” do sistema.

O gesto vai na linha dos questionamentos feitos pelo presidente Jair Bolsonaro e, de certa forma, corrobora as preocupações em relação ao envolvimento direto dos militares no seu projeto de permanência no poder. Pôr em dúvida a lisura do pleito abre caminho para a contestação de um resultado adverso. Não faltam aqueles que estão dispostos a não aceitar eventual derrota eleitoral de Bolsonaro, custe o que custar, ainda mais se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva for vitorioso.

No ofício, o general Paulo Sérgio coloca as Forças Armadas no mesmo patamar de responsabilidade da Justiça Eleitoral em relação ao pleito, o que não é sua atribuição constitucional: “Com a finalidade de cumprir a obrigação legal e de conferir a maior transparência possível aos atos da gestão pública e em face da impossibilidade de ver concretizada a reunião solicitada por este ministro a Vossa Excelência, venho, por meio deste expediente, propor a esse tribunal que os documentos ostensivos relacionados à CTE (Comissão de Transparência do TSE) sejam amplamente divulgados, conjuntamente, pelo Ministério da Defesa e por essa Corte Eleitoral, haja vista o amplo interesse público no tema em questão”.

Flávia Oliveira: A juventude com a bola

O Globo

É o futuro que nos acena com esperança quando a juventude responde ao chamado de se habilitar ao voto. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Edson Fachin, anunciou que o prazo de regularização dos títulos de eleitor para o pleito deste ano chegou ao fim com incremento de 2,042 milhões de adolescentes de 16 a 18 anos aptos a votar. A mobilização intensa — do TSE aos famosos locais e estrangeiros, passando por coletivos de juventude e brasileiros comuns, todos preocupados com o destino de uma democracia sob permanente ataque — impactou brasileiras e brasileiros menores de idade, que disseram “sim” à participação política, mesmo desobrigados de ir às urnas.

— A juventude brasileira foi convocada a participar das eleições em outubro, e a resposta foi impressionante — festejou Fachin.

Nesta semana, o ministro já tinha proferido no Supremo Tribunal Federal (STF) discurso contundente contra a atmosfera golpista que emana do Planalto:

— O respeito entre as instituições e a harmonia entre os Poderes dependem hoje não só da abertura para o diálogo, mas também de uma posição firme: não transigir com as ameaças à democracia; não aquiescer com informações falsas e levianas; não permitir que se corroa a autoridade do Poder Judiciário.

Cristian Klein: Urnas eletrônicas 20 vezes aceitas


Valor Econômico

Bolsonaro não contestou sistema em 20 vitórias

Das nove eleições que disputou - uma para vereador (1988), sete para deputado federal (1990, 94, 98, 2002, 06, 10, 14) e uma para presidente (2018) - Jair Bolsonaro conquistou mandatos nas últimas seis vezes por meio das urnas eletrônicas. Em duas décadas, não contestou o resultado. Não fez cruzada contra o sistema de votação.

Seus rebentos Flávio (2002, 06, 10, 14 e 18), Carlos (2000, 04, 08, 12, 16 e 20) e Eduardo (2014 e 18) obtiveram, juntos, outros 13 mandatos (a vereador, deputado estadual, federal e senador). Todos sem voto impresso. A ex-mulher Rogéria, mãe dos três filhos políticos, elegeu-se vereadora do Rio duas vezes (1992 e 1996), uma pelo antigo e outra na estreia do então novo modelo. Até hoje, a família colheu 20 vitórias pelas urnas eletrônicas, sem reclamar do veredito da Justiça eleitoral.

Mas bastou Bolsonaro sair da posição de um azarão do baixo clero que vencia o primeiro turno da corrida presidencial, há quatro anos, para começar a semear suspeitas sem fundamento sobre o processo eleitoral. Dizia, sem qualquer evidência, que poderia ter ganhado já na primeira etapa. Coerente com toda sorte de ultraje que demonstrou durante a campanha, acrescentou a cereja do bolo ao seu perfil: o de mau vencedor.

Bernardo Mello Franco: Lula e o direito de errar

O Globo

Após a vitória de 2002, Lula passou a repetir que não tinha o direito de errar. Citava o exemplo de Lech Walesa, o ex-presidente polonês. Eleito com ampla maioria, o sindicalista fez um governo desastroso. Quando tentou voltar ao poder, teve 1% dos votos. “Se eu errar, a classe trabalhadora nunca mais vai eleger alguém do andar de baixo”, dizia o petista. Vinte anos depois, ele se aproxima de outro momento decisivo.

Lula lidera a corrida presidencial de 2022. Desfeitas as ilusões sobre uma terceira via, desponta como o único político capaz de derrotar Jair Bolsonaro. Apesar do favoritismo, ele tem colecionado gafes e tropeços. Ouvidos pela coluna, três ex-ministros de gestões petistas apontaram os mesmos problemas na pré-campanha: desorganização, falta de estratégia para atrair eleitores indecisos e excesso de falas desastradas do candidato.

Bruno Boghossian: O tamanho dos passos de Lula

Folha de S. Paulo

Após escolha de Alckmin, campanha petista hesita sobre concessões à direita

Aliados de Lula reconhecem há tempos que uma vitória neste ano depende da expansão de sua base em direção ao centro. O ex-presidente emitiu sinais precoces a esse eleitorado e venceu resistências para escolher um vice notadamente conservador. Em conversas internas, também admitiu que não pretende fazer um governo só do PT.

Ao lançar essas cartas na mesa tão cedo, o petista frustrou quem esperava uma espécie de troca completa de figurino ainda na fase inicial da disputa. Depois do compromisso firmado com Geraldo Alckmin, a campanha do ex-presidente demonstra uma certa hesitação sobre a amplitude dos movimentos que devem ser feitos para conquistar os votos necessários fora da esquerda.

Reinaldo Azevedo: Braço forte e mão amiga do golpismo

Folha de S. Paulo

Até a CIA reconhece que golpistas querem impedir, se eleito, a posse de Lula

Ninguém mais tem o direito de duvidar de que setores das Forças Armadas, em concerto com o presidente Jair Bolsonaro, estão empenhados em impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva caso este vença as eleições de outubro. Chega de fingir normalidade! Chamemos as coisas pelo nome enquanto é tempo. Querem nos impor uma democracia tutelada, em que generais atuem como cabos e soldados de um capitão arruaceiro. Sem nem um jipe.

Será que devemos nos tranquilizar com a informação de que William Burns, diretor-geral da CIA, deixou claro a Bolsonaro e a assessores, em julho do ano passado, que o rompimento da ordem por aqui seria inaceitável para os EUA, convidando-o a não pôr em dúvida o sistema eleitoral? Ao contrário. Como a Inteligência americana não costuma enviar mensagens com esse teor, tem-se a evidência de que a turma detectou risco real de bagunça.

Um mês depois, no dia 5 de agosto de 2021, Bolsonaro recebeu a visita de Jake Sullivan, assessor especial de Joe Biden. Este estava acompanhado de Juan Gonzalez e Ricardo Zúñiga, altos funcionários do Conselho de Segurança Nacional para o Hemisfério Ocidental. E o que fez o guia genial do golpismo? Disse ao trio que tinha a firme convicção de que Donald Trump fora vítima de fraude. E atacou as urnas eletrônicas. Vale dizer: pôs em dúvida a legitimidade de Biden e do sistema eleitoral nativo.

Eliane Cantanhêde*: A escalada de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro une Forças Armadas e Centrão na sua sanha contra as eleições

O clima no Planalto é de “já ganhou”, com uma torcida para que o presidente Jair Bolsonaro ultrapasse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas ainda no primeiro semestre. Se no bunker de campanha de Lula há apreensão e troca de acusações, na ampla massa órfã da “terceira via” espalha-se o pânico.

Enquanto milhões de cidadãos e cidadãs não conseguem imaginar a reeleição, Bolsonaro ocupa espaços: conquistou o comando de fato das Forças Armadas, domina a Câmara, acua o Supremo, foca na eleição do Senado e lidera uma campanha de descrédito da mídia.

Assim como jogou a boiada na Amazônia e nas comunidades indígenas, ele conseguiu minar a confiança nas urnas eletrônicas, um orgulho nacional, e o respeito pelo estado democrático de direito, baseado no princípio de que “decisão judicial não se questiona, se cumpre”.

Sergio Amaral*: A escalada da guerra na Ucrânia

O Estado de S. Paulo

As ameaças de Putin, ainda que não se concretizem, poderão gerar uma nova corrida armamentista,desta vez de artefatos nucleares táticos.

Clausewitz, o grande estrategista militar prussiano do século 19, afirmava que a lógica da guerra é a escalada aos extremos. É o que estamos assistindo hoje no conflito na Ucrânia.

Em sua declaração de guerra de 24 de fevereiro, depois de relembrar os antecedentes históricos da invasão da Ucrânia, o presidente russo deixou uma ameaça no ar: se alguém interviesse na invasão das tropas russas ao país vizinho, sofreria consequências imprevisíveis, numa alusão às armas nucleares táticas russas.

As tropas russas deixaram um mar de devastação e provocaram uma crise humanitária na Ucrânia, mas não lograram ocupar Kiev nem mudar o seu governo. Uma nota formal da embaixada russa em Washington transmitiu ao governo norte-americano uma segunda advertência, de consequências também imprevisíveis, no caso de os EUA continuarem a armar a Ucrânia.

Se a Finlândia e a Suécia confirmarem sua intenção de ingressar na Otan, a ampliação substancial da fronteira da organização com a Rússia provocaria, nas palavras de Moscou, a perda da neutralidade de que gozam hoje ambos os países europeus. Por fim, o afundamento do navio Moscou, a nau capitânia da esquadra russa, no Mar Negro, na avaliação de Medvedev, ex-primeiro-ministro russo, provocará a nuclearização da esquadra russa na região. Mais uma vez, uma perigosa banalização do uso da arma nuclear.

Thomas Friedman*: Aviso para Biden sobre a Ucrânia: fale menos

O Estado de S. Paulo

Promessas e exageros dos EUA podem inflar demais as expectativas e criar consequências indesejadas

Crescendo em Minnesota, fui fã do time local de hóquei no gelo, o North Stars, e um comentarista esportivo, Al Shaver, me ensinou a primeira lição sobre política e estratégia militar. Ele terminava os programas com a seguinte frase: “Quando perder, fale pouco. Quando vencer, fale menos. Boa noite e bons esportes”.

O presidente Joe Biden e seu time fariam bem em adotar a sabedoria de Shaver. Semana passada, na Polônia, perto da fronteira com a Ucrânia, o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, chamou minha atenção – e a de Vladimir Putin – ao declarar que o objetivo americano não é mais apenas ajudar os ucranianos, mas também produzir uma Rússia “enfraquecida”.

“Queremos ver a Rússia enfraquecida para que ela não seja capaz de fazer o que fez ao invadir a Ucrânia”, afirmou. “Os russos já perderam muito de sua capacidade militar e muitos soldados. E queremos vê-los sem a capacidade de recuperar isso rapidamente.”

Por favor, digam-me que essa declaração foi resultado de uma reunião do Conselho de Segurança Nacional (CSN) liderada pelo presidente. Não ficou claro se somos capazes de fazer isso sem arriscar uma resposta nuclear de um Putin humilhado.

José de Souza Martins*: A menina yanomâmi

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Não só o índio, o mais desvalido, mas o negro, o pobre, a mulher, a criança, o idoso e o morador de rua são vítimas de ocorrências de tratamento incompatível do outro com a condição humana

A notícia de que uma menina yanomâmi de 12 anos de idade havia sido sequestrada, estuprada por um grupo de garimpeiros de um garimpo ilegal e assassinada, em Roraima, despertou indignação e medo nos últimos dias. Sobretudo aumentou nossas incertezas sociais.

A denúncia foi de Júnior Hekurari Yanomami, jovem líder indígena, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomâmi e Ye’kwana. Os garimpeiros invadiram a comunidade e sequestraram uma mulher, uma criança de 4 anos e a adolescente. A criança caiu no rio.

A situação de risco étnico na Terra Indígena Yanomâmi vem sendo denunciada há tempos. Com dados de 2021, a Hutukara Associação Yanomâmi e a Associação Wanasseduume Ye’kwana, duas entidades que se ocupam da situação e dos problemas dessa população, com apoio do Instituto Socioambiental, publicaram neste abril de 2022 o bem fundamentado documento a respeito: “Yanomâmi sob ataque - garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomâmi e propostas para combatê-lo”.

O estudo, com base em fotografias de satélite, mostra que naquela área há imensas cicatrizes na floresta, a dos 19 garimpos, que cresceram 46% do ano passado para cá. Há nela cerca de 200 aldeias yanomâmi, algumas de índios ainda não contatados e completamente vulneráveis ao assédio dos garimpeiros.

Ruy Castro: Nem turista, nem aprendiz

Folha de S. Paulo

Há 110 anos, Roquette-Pinto foi à Amazônia como cientista

Não é uma data a justificar oba-obas oficiais. É muito mais. No dia 22 de julho próximo, serão 110 anos da viagem do cientista Edgard Roquette-Pinto (1884-1954) à Amazônia, a convite do general Candido Rondon, em mais uma expedição para desbravar a região, contatar tribos e demarcar fronteiras. Em cada viagem, Rondon levava um perito para cada disciplina. Ao chamar Roquette-Pinto, levou um homem-equipe.

Naquela expedição, Roquette foi cartógrafo, etnógrafo, sociólogo, geógrafo, arqueólogo, botânico, zoólogo, médico, farmacêutico, legista, linguista, desenhista, fotógrafo, sonoplasta e folclorista. Registrou toda a aparência da região: folha, árvore, floresta, composição dos solos, contorno dos rios, variedade da fauna.

Nas visitas às tribos já contatadas, mediu o crânio de seus membros, comparou pesos e alturas, analisou suas endemias e descreveu seus conhecimentos, formas de produção, comércio e transporte, relações familiares, língua, hábitos religiosos e coreografias. Anotou musicalmente seus cantos e gravou-os em cilindros de cera. Roquette realizou até a primeira autópsia de um indígena --por acaso, uma mulher.

Vinicius Torres Freire: Mercado dá alerta de tumulto à vista

Folha de S. Paulo

Virada financeira americana deve afetar um Brasil que mal fica de pé

É provável que tenhamos tumulto financeiro preocupante nos próximos meses. O Banco Central americano e os donos do dinheiro do mundo parecem não ter ideia do que será de inflação e taxa de juros. Em um Brasil que vive de salários deprimidos, se vive, que discute o golpe e a eleição crucial deste 2022, essa conversa de juros nos EUA parece um luxo.

Não é.

Temos tomado uns aperitivos do problema, como nesta quinta-feira de dólar subindo 2,4% e a Bolsa perdendo o restinho do avanço do ano, abatida pelo tombo americano. É fácil perceber o problema que é um dólar mais caro.

Mas tem mais.

Se os donos do dinheiro não têm noção do destino das taxas de juros nos EUA, do ritmo em que vão subir, as idas e vindas do mercado financeiro serão mais frequentes ou também acentuadas (a volatilidade aumenta). Entre outros problemas, não é um ambiente propício para se colocar dinheiro em negócio de risco, como no Brasil. Mas tem mais.

Claudia Safatle: Se Bolsonaro for reeleito, teto poderá ser reavaliado

Valor Econômico

Ao recusar 5% de correção linear de salários, risco do servidor é de ficar sem nada

Em um eventual segundo mandato do presidente Jair Bolsonaro, a expectativa de assessores econômicos atuais é que sejam aprovadas as reformas tributária e administrativa e que seja, também, feita uma reavaliação da lei do teto do gasto público de forma a permitir, por exemplo, que sejam usados os recursos advindos das privatizações ou de pagamento de dividendos das empresas estatais para um programa de erradicação da pobreza sem que ele esteja contabilizado no teto do gasto.

Tal flexibilidade não deve atingir o Auxílio Brasil, programa que foi aprovado como permanente pelo Senado, na quarta-feira. Até então, pela legislação, o auxílio de R$ 400 valeria apenas para este ano. Como permanente ele agrega mais R$ 90 bilhões na despesa orçamentária anual.

O senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator do Orçamento para 2023, disse que tem ouvido especulações de que o governo estaria pensando em retirar o Auxílio Brasil do cômputo do teto de gastos. Ele adiantou que apoiaria essa ideia. O programa substituiu o Bolsa Família e garante a renda mensal para cerca de 18 milhões de famílias.

Armando Castelar Pinheiro*: O bom, o mau e o feio

Valor Econômico

O salto dos fed funds para 3,5% até meados de 2023 pode levar os EUA à recessão e não trazer a inflação de volta a 2%

Em geral, três preços ditam muito do que ocorre na economia mundial: o do petróleo, o do dólar, e o dos fundos disponibilizados pelo Banco Central (BC) americano, a taxa do Fed funds. No último ano e, em especial, no primeiro quadrimestre de 2022, os três se mexeram bastante, com fortes impactos no cenário econômico global.

O preço do barril de petróleo, em dólares, subiu incríveis 62% nos últimos 12 meses, sendo que 2/3 dessa alta se deram nos primeiros quatro meses deste ano. Não foi só o petróleo que ficou mais caro. O índice de preços do FMI para commodities não energéticas, por exemplo, subiu 23% nos 12 meses até março, sendo que a alta para as commodities de alimentos foi de 28%.

A alta no preço de commodities em geral é boa para o Brasil, elevando nossas exportações e estimulando a produção doméstica desses produtos. Nos 12 meses até março, o preço de nossas exportações subiu 30%, sendo 17% apenas no primeiro trimestre de 2022. A alta deve ter continuado em abril.

Nelson Motta: A eterna luta do mal contra o mal

O Globo

Bolsonaristas e lulistas são fanáticos que obedecem cegamente os comandos de seus líderes, aumentam e mentem suas qualidades e conquistas e desqualificam qualquer crítica

Lula e Bolsonaro em um ringue de box, de calções largos e camisetas, com os capacetes protetores lhes cobrindo a cabeça e os ouvidos. Em vez de luvas, microfones sem fio. Soa o gongo. Começam a trocar jabs de mentiras e bravatas, esquivas de culpas e responsabilidades, cruzados de ofensas e palavrões, diretos abaixo da cintura moral, uppercuts na ética, na democracia e na Constituição. O som estourando nas caixas da arena abarrotada. Metade do público delira, metade vaia. Metade ri, metade chora de raiva. Os combatentes não se ouvem nem ouvem o público e lutam até cair sem voz, sujos de sangue, suor e urina, na lona verde e amarela do Brasil.

É tudo fantasia, metáfora, imaginação, mas às vezes a ficção é a melhor, ou única forma de expressar sentimentos, comentários e reflexões sobre a realidade.

Tenho muitos amigos lulistas, inteligentes, informados, honestos, entendo seus motivos e respeito suas escolhas, reconheço as qualidades de Lula. E os defeitos. Nunca brigaremos por causa disso. Com bolsonaristas, não há diálogo, a menos que seja algum conhecido, seguidor nas redes ou companheiro de trabalho enrustido e discreto.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Inflação impõe desafios paralelos ao Fed e ao BC

O Globo

Autoridades monetárias do mundo todo estão diante de um desafio comum: combater uma inflação que, para onde se olhe, não para de galopar. No esforço para conter a alta, o Fed, banco central americano, elevou na quarta-feira a taxa básica de juros em 0,5 ponto percentual, maior aumento desde maio de 2000. Quando algo dessa magnitude acontece, os reflexos são mundiais. No mesmo dia, o Banco Central (BC) do Brasil aumentou a Selic para 12,75%, a maior taxa desde fevereiro de 2017.

Os dois países têm metas de inflação distintas, índices diferentes e histórico de altas dos juros incomparáveis, mas estão engalfinhados na mesma briga contra os preços. Tanto lá quanto aqui, há dúvida se as decisões serão capazes de resolver o problema no curto prazo.

Várias causas são comuns. A pandemia fez governos estimular o consumo num momento em que a produção e o comércio não estavam prontos para reagir. Resultado: preços sobem porque a oferta é insuficiente para atender a demanda. Quando esse problema começava a ser resolvido, veio a guerra na Ucrânia, dando ímpeto a outro tipo de pressão inflacionária: o aumento do custo. No caso, da energia e dos combustíveis.

Poesia | Hagamos un trato: Mario Benedetti (en su propia voz)

 

Música | Orquestra Instituto GPA: O que é, o que é (Gonzaguinha)

 

quinta-feira, 5 de maio de 2022

Merval Pereira: Uns tempos estranhos

O Globo

Os tempos que estamos vivendo podem favorecer que situações impensáveis numa democracia sejam normalizadas, como se fizessem parte de um diálogo saudável. Não há nada de saudável, no entanto, no envolvimento de militares no debate das urnas eletrônicas ou na declaração do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, de que as Forças Armadas continuam “em estado de permanente prontidão” para o cumprimento de suas missões constitucionais. Se continuam, é porque já estão “de prontidão”, o que é preocupante e inexplicável.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e os líderes políticos estão caindo numa armadilha institucional quando colocam os militares em condições de igualdade com os Três Poderes da República nessas conversações.

O presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, em discurso ontem, provavelmente decepcionado com a nota oficial do Ministério da Defesa, referiu-se ao Legislativo quando disse que estavam juntos na defesa da democracia. Não colocou o Executivo nessa conta, muito menos os militares, cujo comportamento institucional pressupõe que estejam a serviço dos Três Poderes, e não apenas de um deles, no caso o Executivo comandado pelo presidente Bolsonaro.

O elogio da liberdade de imprensa em seu dia, feito também por outros ministros do STF, tem a ver com essa disputa pela defesa da democracia. Outro ministro do Supremo, Edson Fachin, que preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), afirmou que não se pode transigir com ameaças à democracia, nem permitir a corrosão da autoridade do Judiciário.

A nota do Ministério da Defesa sobre o encontro do ministro Paulo Sérgio com Fux no mínimo causa estranheza ao falar em “prontidão”, situação que se enquadra quando há guerra, sublevação, questão interna de segurança. Não consta que exista nada disso no momento, embora seja permitido temer que os ataques do presidente Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas possam causar desestabilização política no país.

Malu Gaspar: O que, afinal, está acontecendo com Lula?

O Globo

Provocaram frisson as declarações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à revista Time, na entrevista em que ele disse que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, é tão responsável pela guerra quanto o russo Vladimir Putin.

Referências para se posicionar de forma diferente, ele tinha.

No início de março, seu ex-chanceler Celso Amorim rechaçou a invasão da Ucrânia sem mas nem porém: “Eu não posso condenar a invasão dos Estados Unidos ao Iraque e depois aceitar outra invasão”.

O que interessa, nesse caso, não é nem a Ucrânia e nem o Iraque. Feliz ou infelizmente, a influência das palavras de Lula sobre os rumos da guerra é zero.

Seu principal efeito, no momento, é atordoar os estrategistas de campanha, que passam boa parte do tempo tentando convencer interlocutores políticos e jornalistas de que os “erros” não mais se repetirão, porque a comunicação mudará.

Eles sabem que, assim, Lula ajuda o bolsonarismo a reforçar o antipetismo, quando é vital reduzir índices de rejeição.

Mas, a cada vez que os aliados garantem que “agora Lula será diferente”, surge uma nova declaração que embaralha tudo. No final da semana passada, o ex-presidente afirmou que Bolsonaro “não gosta de gente, só gosta de policial”. Depois teve de pedir desculpas aos policiais. 

Há um mês, ele também teve de se explicar depois de conclamar os seguidores a bater na porta dos deputados e a abordar suas famílias para cobrar apoio a projetos.

Tal comportamento espanta quem já viu Lula ganhar uma eleição com a Carta aos Brasileiros e se reeleger com folga depois do mensalão, executando guinadas de discurso milimetricamente pensadas para atrair os não petistas.

Luiz Carlos Azedo: Entre Doria e Tebet, terceira via definha

Correio Braziliense

Ambos estão sendo pressionados a desistirem das respectivas candidaturas à Presidência pela maioria dos deputados e senadores de seus partidos, o PSDB e o MDB, porém, resistem

É cada vez mais difícil uma chapa que reúna o ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB) e a senadora Simone Tebet (MDB-MS). Nenhum dos dois aceita ser vice nem se apresenta como candidato competitivo o suficiente para atrair outros aliados. Ambos estão sendo pressionados pela maioria dos deputados e senadores de seus respectivos partidos a desistirem da disputa e resistem, com a diferença de que o presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), pretende manter a candidatura de Tebet, enquanto seu colega do PSDB, Bruno Araujo (PE), já foi até destituído da coordenação de campanha pelo candidato tucano.

Hoje, haveria uma reunião da Executiva do PSDB para dar um xeque-mate em Doria. Fora tudo combinado num encontro de cúpula na semana passada, promovido pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), do qual também participou Araújo. Foi tiro pela culatra. Doria agendou um jantar na noite de ontem com a bancada federal e esvaziou a reunião, que foi adiada. Advertido pelos aliados de que a maioria da bancada prefere não ter candidato, para utilizar os recursos do fundo eleitoral na própria campanha, o ex-governador pagou para ver. Tanto a ala que apoia Doria quanto a que desejava o ex-governador gaúcho Eduardo Leite, que declarou apoio ao colega paulista, mesmo juntas, são minoritárias.

É um jogo de faz de conta, no qual os deputados tucanos de São Paulo pontificam. Gostariam de se livrar de Doria, a pretexto de que isso possibilitaria mais espaço para a reeleição do governador Rodrigo Garcia (PSDB), que o sucedeu. Mas nenhum parlamentar paulista tem coragem de assumir essa posição — por que os outros o fariam? As inserções do PSDB na tevê e as viagens de Doria pelo país esvaziaram a conspiração. Todas esperam as próximas pesquisas para saber se o tucano conseguirá sair da margem de erro nas e ultrapassar os cinco dígitos. Doria aproveita para jogar com o tempo a seu favor. Se a terceira via se inviabilizar de vez, cogita montar uma chapa da federação PSDB-Cidadania tendo a senadora Eliziane Gama (MA) como vice.

Maria Cristina Fernandes: Para não desviar o foco sobre o Brasil

Valor Econômico

Rede de proteção à democracia rejeita marola na Ucrânia

Luiz Inácio Lula da Silva arrancou uma capa deferente da revista “Time”. Ponto para o ex-presidente. Ao contrário de seu adversário na disputa presidencial, é reconhecido como um democrata no resto do mundo. Se já ganhou esta batalha, ainda não venceu a eleição. Por isso, Lula poderia ter feito melhor uso da entrevista. E por quê?

Há cerca de um mês, o senador Jaques Wagner (PT-BA), que estava nos Estados Unidos para participar de um seminário na Universidade de Harvard, foi chamado a Washington para uma conversa com Juan González, assistente especial do presidente Joe Biden e diretor para o Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional.

Lá foram explicitadas as preocupações do governo americano com os rumos da gestão Jair Bolsonaro, a consciência de que a corda foi demasiadamente esticada com a Venezuela e a expectativa de boas relações entre os dois países num eventual governo Luiz Inácio Lula da Silva. O senador, compreensivelmente, não confirma o encontro, relatado por duas outras fontes.

Dias depois, o presidente Joe Biden tomou a iniciativa de defender recompensas financeiras para que o Brasil mantenha suas florestas em pé e enviou dois subsecretários de Estado, Jose Fernandez e Victoria Nuland ao país.

Cristiano Romero: Lula e a dificuldade em atrair o voto não petista

Valor Econômico

Sem mea culpa, Lula torna seu o desastre da gestão Dilma

Em sua mais recente e sempre brilhante coluna no Valor, o sociólogo José de Souza Martins explica como funcionou, historicamente, a moderação de poder entre os extremos da política no Brasil. A polarização aguda não é novidade. A questão, e daí a importância da perspectiva histórica, é como a superamos.

Na monarquia, durante o 2º reinado (1840-1889), o poder moderador era exercido pelo rei, que detinha o mecanismo da terceira via para solucionar conflitos. “O mecanismo funcionava bem. Como, dentre outros, ressaltou Euclides da Cunha, os liberais inovavam e os conservadores decidiam como a inovação seria posta em prática”, diz Souza Martins em “Dificuldades da Terceira Via” (Valor, caderno EU&, página 3, edição de 29/04/2022).

O 2º reinado é apontado por historiadores como um período de relativa paz na história do país. Dom Pedro II valia-se do poder moderador para contornar impasses decorrentes da disputa de poder. Para Souza Martins, isso “nos fez um país de história politicamente lenta”. De fato, não há exemplo melhor dessa morosidade política do que o fim tardio da escravidão, ignomínia que, de tão longeva, tornou-se nossa principal característica nacional, razão do nosso fracasso.

Bruno Boghossian: O golpe de Bolsonaro é militar

Folha de S. Paulo

Forças Armadas lideram criação de roteiro para anular votação em caso de derrota

O ministro Luís Roberto Barroso foi até generoso quando perguntou se as Forças Armadas são "orientadas para atacar" as eleições. Depois de três anos no coração do poder, com uma adesão continuada às ameaças golpistas de Jair Bolsonaro, é impossível ver os generais como colaboradores que apenas obedecem cegamente às ordens do presidente.

Se Bolsonaro levar adiante o plano de melar as eleições, o golpe será militar. As Forças Armadas trabalham ativamente na confecção do roteiro que o presidente parece disposto a seguir para invalidar a votação e continuar no poder. Além disso, os generais passaram a disparar insinuações cada vez mais ameaçadoras de intervenção nesse processo.

Há meses, o militar indicado pelo Exército para atuar no TSE procura as brechas que Bolsonaro e seus sócios pretendem usar para anular a votação em caso de derrota.

Ruy Castro: A seguir: ditadura com Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Já não se dão à pachorra nem de desmentir o golpe

Há dois anos, quando comecei a dizer aqui que a cooptação por Jair Bolsonaro de militares, policiais e civis armados era a preparação para um golpe em caso de derrota na eleição, ouvi que estava vendo fantasmas debaixo da cama. No passado, essa imagem se aplicava aos comunistas, que, solertes, esperavam a hora de se pôr de pé, acender a luz e render os inocentes de pijama e camisola. Passaram-se 60 anos. Os comunistas seguem debaixo da cama, de onde nunca saíram, e quem hoje prepara o golpe —o autogolpe, como o definiu, com descaro, um general— é quem já está no poder.

É um golpe preparado às claras, com direito a ser pregado em carreatas, motociatas, cavalatas e outras atas bancadas com dinheiro público, sob a indiferença de instituições também pagas para coibi-las. E é tão ostensivo que, desde há algumas semanas, passou a ser abertamente denunciado pelos jornais e demais veículos de opinião, e nem assim os suspeitos de tramá-lo se dão à pachorra de desmenti-lo. É como se já o déssemos de barato —algo previsto para acontecer entre a eleição e o Dia de Finados.

Maria Hermínia Tavares*: O golpe pode dar errado

Folha de S. Paulo

Estratégia de Bolsonaro não vingará se a sociedade defender as instituições democráticas

Ele não disse nada, nem precisava. Ao participar, no Primeiro de Maio, de dois atos promovidos para atacar a Suprema Corte e ameaçar as instituições democráticas, Bolsonaro disparou um aviso pontiagudo do que intenta neste ano eleitoral. Que seu discurso vazio tenha sido recebido com certo alívio é um indício desalentador do quanto a política nacional foi sequestrada pelas provocações do ex-capitão.

Isso porque ele se prepara para tumultuar o processo de sua sucessão e contestá-lo pela violência se o resultado lhe for desfavorável. Abdicando de governar, dia sim, o outro também, a pé ou de moto, ele se dedica a açular a militância raivosa. Quando necessário, mostra que defende a sua turma —como fez com o Daniel Silveira— e vai dosando o xingatório contra ministros do STF, a Justiça Eleitoral e a urna eletrônica.

Nos porões dessa radicalização, ataques mais virulentos circulam nas redes bolsonaristas. Segundo o professor Marcelo Alves, do Departamento de Comunicação da PUC do Rio de Janeiro, de setembro do ano passado a março último, pipocaram no YouTube 1.701 vídeos contra o sistema eleitoral, vistos 69 milhões de vezes. Por fim, é explícita a corte do presidente às Forças Armadas, bem como o uso que delas faz para desfilar autoridade. Que outro sentido teria sua participação, fora da agenda, na reunião do Alto Comando do Exército, na terça-feira passada (3/5)?

William Waack: Não tem conversa

O Estado de S. Paulo

Chefes militares não querem ajudar nem Bolsonaro nem o Supremo

Jair Bolsonaro está arrastando menos oficiais-generais do que pensa na irresponsável aventura política, especialmente a de contestar o sistema eleitoral. Mas conseguiu ajudar a quebrar uma cadeia de entendimento que já foi bastante sólida entre o topo das Forças Armadas e o STF.

O presidente não perde oportunidade de participar de reuniões de fardados com muitas estrelas, como aconteceu esta semana com o Alto Comando do Exército. Só não percebe, diz um conhecedor dessas rodas, que já virou “encontro de comadres com restos da comida do dia anterior, não serve para nada”.

Os comandantes militares não estão dispostos a marchar com Bolsonaro rumo à insensatez. Contudo, repetem exatamente as mesmas críticas de Bolsonaro ao STF. Consideram que o Supremo deixou de ser um tribunal “unido” e se transformou num ajuntamento de togados obcecados por holofotes.

Mais ainda: interferem nos outros Poderes e exercem influência perniciosa na política, sem terem sido eleitos. A paciência se esgotou, resume oficial da ativa, quando integrantes do Supremo como o ministro Luís Roberto Barroso, ainda por cima falando a estrangeiros, distorcem a participação das Forças Armadas no processo eleitoral.

Eugênio Bucci*: Por que Bolsonaro ainda pode crescer

 

O Estado de S. Paulo

Estamos aprendendo, tarde demais, que não é por desinformação que muita gente o idolatra, mas por ódio a tudo o que seja informação. O desastre quica na área.

Até pouco tempo atrás, as passeatas de esquerda encenavam uma predisposição para o embate físico. A característica se fazia presente na coreografia de todos os comícios anticapitalistas, e não apenas no Brasil. Punhos erguidos socando o espaço sinalizavam a vontade de esmurrar o oponente. As palavras de ordem jorravam carregadas de agressividade quase bélica. Com frequência, lá vinham os black blocs atirando pedras nas vitrines e coquetéis molotov nos policiais. Naqueles tempos idos, embora tão recentes, a voz e o corpo da esquerda se opunham à ordem estabelecida, e sua linguagem eram as jornadas teatrais contra o establishment, a autoridade, as regras de trânsito e as boas maneiras.

Agora é o oposto. A velha gramática dos protestos virou de ponta-cabeça. Ano passado, nos Estados Unidos, quem promoveu arruaças foi a extrema-direita trumpista, que chegou ao cúmulo de promover a invasão do Capitólio. O símbolo mais icônico do atentado foi aquele sujeito enrolado num cobertor que parecia pele de urso e coroado, usando um capacete com dois chifres hediondos. O tipo ganhou o apelido midiático de “viking” e ficou famoso (no Brasil, um imitador do tal “viking” tem animado os convescotes golpistas do bolsonarismo).

Míriam Leitão: Juros em alta no Brasil e nos EUA

O Globo

A inflação está mais alta, mais espalhada, mais resistente e mais imprevisível. Ao Banco Central só cabe tentar levá-la de volta à curva descendente. E é isso que deverá conseguir no segundo semestre, mas ontem foi dia de elevação dos juros novamente. Em 14 meses, desde março do ano passado, os juros saltaram de 2% para 12,75%. E o BC indicou que é provável uma nova elevação da Selic em junho, o que deve levá-la para 13,25%. Ontem, houve pelo menos um alívio pelo banco central americano. Ele acelerou o ritmo de alta dos juros para meio ponto, mas praticamente descartou um passo ainda mais rápido, de 0,75% nas próximas reuniões. Isso ajudou a conter o dólar aqui no Brasil.

A inflação no país vem sofrendo pressões de vários lados. Da economia internacional, há o choque nos preços agrícolas pela guerra entre Rússia e Ucrânia e as novas medidas de lockdown na China, que afetam as cadeias de produção, com impacto nos produtos industriais. A expectativa de aumento dos juros nos EUA e o risco de desaceleração da economia chinesa reverteram parte dos ganhos que as moedas de países exportadores de commodities, como o real, tiveram no primeiro trimestre.