quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Câmara manda às favas os escrúpulos. Por Vera Magalhães

O Globo

De todos que falham em temas urgentes, o Congresso tem o comportamento mais aviltante

A Operação Carbono Oculto, que revelou a extensão da infiltração do crime organizado na economia formal, parecia ter freado a ousadia da Câmara dos Deputados de seguir adiante com a indefensável PEC da Blindagem. Passados pouco mais de 15 dias, no entanto, os deputados deixam claro que não estão nem aí para essa e outras emergências do país. O que importa, mesmo, é agir em causa própria e garantir à classe política uma salvaguarda de que o restante da sociedade não dispõe.

A nova investida, muito mais convicta, vem noutro momento, em que fica gritante o contraste entre a realidade brasileira e a particular dos blindados: no dia seguinte à execução, no litoral paulista, do ex-delegado-geral de São Paulo Ruy Ferraz Fontes, um dos mais experientes policiais do país em enfrentamento ao PCC, a mais poderosa das facções criminosas brasileiras.

Se não estivessem tão afoitos para levar a cabo seu próprio “salve geral” — que inclui ainda a tentativa de passar a qualquer preço uma anistia aos condenados por tentativa de golpe de Estado —, os deputados, Hugo Motta à frente, poderiam estar empenhados em votar a PEC da Segurança e em pressionar o governo pelo envio imediato do Projeto de Lei antimáfia.

Trata-se de dois instrumentos capazes de prover as forças de segurança de melhores condições de enfrentar o crime organizado, e não perder de goleada. Ações como a de segunda-feira e a execução do delator do PCC em plena luz do dia no maior aeroporto do país, meses atrás, são gravíssimas porque mostram o escárnio com que essas organizações tratam a polícia, o governo, a Justiça e os legisladores.

Deveriam merecer uma resposta pronta e articulada de todos esses atores, que, além de estarem voltados a outros temas não prioritários para a população, ainda batem cabeça quanto ao mérito das propostas, pois ninguém quer abrir mão de nacos ilusórios de poder.

De todos que falham e se omitem no enfrentamento de temas urgentes do Brasil em áreas vitais como segurança ou economia, o Congresso tem o comportamento mais aviltante, e a Câmara comandada por Motta resolveu mandar às favas todos os escrúpulos.

Motta viajou para São Paulo em pleno domingo, acompanhado do senador Ciro Nogueira (este, sim, seu maior mentor, e não o antecessor, Arthur Lira), para comunicar ao governador Tarcísio de Freitas uma versão mais branda da anistia ampla, geral e irrestrita pretendida pela ala mais radical do bolsonarismo. Voltou a Brasília disposto a matar no peito a PEC da Blindagem, como comunicou a líderes ainda na manhã de terça-feira.

O cálculo, difícil de levar a sério e de explicar, pelo casuísmo absoluto, é mais ou menos assim: a gente passa o salvo-conduto a deputados e senadores, todo mundo fica feliz, e talvez o Centrão tope derrubar a urgência da anistia vale-tudo em nome de uma mais branda.

Outra pérola do surrealismo parlamentar foi a nomeação de Eduardo Bolsonaro, deputado que desertou do Brasil para trabalhar contra o país, para líder da minoria! Essa, parece, nem Hugo Motta terá coragem de deixar passar. Ele deverá aguardar a manifestação da assessoria jurídica da Casa — que preside desde fevereiro na base das surpresas diárias e da pressão permanente — antes de se manifestar, mas parece que pode se encher de bravura e vetar a audácia.

Enquanto isso, outro projeto que diz respeito a milhões, a isenção do Imposto de Renda, e que precisaria de análise minuciosa também das contrapartidas para impedir que haja desequilíbrio de arrecadação, vai ficando para depois na fila da boiada que Motta e seus liderados querem fazer passar bem diante dos olhos incrédulos da população.

 

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