O Globo
De todos que falham em temas urgentes, o
Congresso tem o comportamento mais aviltante
A Operação Carbono Oculto, que revelou a
extensão da infiltração do crime organizado na economia formal, parecia ter
freado a ousadia da Câmara dos Deputados de seguir adiante com a indefensável
PEC da Blindagem. Passados pouco mais de 15 dias, no entanto, os deputados
deixam claro que não estão nem aí para essa e outras emergências do país. O que
importa, mesmo, é agir em causa própria e garantir à classe política uma
salvaguarda de que o restante da sociedade não dispõe.
A nova investida, muito mais convicta, vem
noutro momento, em que fica gritante o contraste entre a realidade brasileira e
a particular dos blindados: no dia seguinte à execução, no litoral paulista, do
ex-delegado-geral de São Paulo Ruy Ferraz Fontes, um dos mais experientes
policiais do país em enfrentamento ao PCC, a mais poderosa das facções
criminosas brasileiras.
Se não estivessem tão afoitos para levar a cabo seu próprio “salve geral” — que inclui ainda a tentativa de passar a qualquer preço uma anistia aos condenados por tentativa de golpe de Estado —, os deputados, Hugo Motta à frente, poderiam estar empenhados em votar a PEC da Segurança e em pressionar o governo pelo envio imediato do Projeto de Lei antimáfia.
Trata-se de dois instrumentos capazes de
prover as forças de segurança de melhores condições de enfrentar o crime
organizado, e não perder de goleada. Ações como a de segunda-feira e a execução
do delator do PCC em plena luz do dia no maior aeroporto do país, meses atrás,
são gravíssimas porque mostram o escárnio com que essas organizações tratam a
polícia, o governo, a Justiça e os legisladores.
Deveriam merecer uma resposta pronta e
articulada de todos esses atores, que, além de estarem voltados a outros temas
não prioritários para a população, ainda batem cabeça quanto ao mérito das
propostas, pois ninguém quer abrir mão de nacos ilusórios de poder.
De todos que falham e se omitem no
enfrentamento de temas urgentes do Brasil em áreas vitais como segurança ou
economia, o Congresso tem o comportamento mais aviltante, e a Câmara comandada
por Motta resolveu mandar às favas todos os escrúpulos.
Motta viajou para São Paulo em pleno domingo,
acompanhado do senador Ciro Nogueira (este, sim, seu maior mentor, e não o
antecessor, Arthur Lira), para comunicar ao governador Tarcísio de Freitas uma
versão mais branda da anistia ampla, geral e irrestrita pretendida pela ala
mais radical do bolsonarismo. Voltou a Brasília disposto a matar no peito a PEC
da Blindagem, como comunicou a líderes ainda na manhã de terça-feira.
O cálculo, difícil de levar a sério e de
explicar, pelo casuísmo absoluto, é mais ou menos assim: a gente passa o
salvo-conduto a deputados e senadores, todo mundo fica feliz, e talvez o
Centrão tope derrubar a urgência da anistia vale-tudo em nome de uma mais
branda.
Outra pérola do surrealismo parlamentar foi a
nomeação de Eduardo Bolsonaro, deputado que desertou do Brasil para trabalhar
contra o país, para líder da minoria! Essa, parece, nem Hugo Motta terá coragem
de deixar passar. Ele deverá aguardar a manifestação da assessoria jurídica da
Casa — que preside desde fevereiro na base das surpresas diárias e da pressão
permanente — antes de se manifestar, mas parece que pode se encher de bravura e
vetar a audácia.
Enquanto isso, outro projeto que diz respeito
a milhões, a isenção do Imposto de Renda, e que precisaria de análise minuciosa
também das contrapartidas para impedir que haja desequilíbrio de arrecadação,
vai ficando para depois na fila da boiada que Motta e seus liderados querem
fazer passar bem diante dos olhos incrédulos da população.
Nenhum comentário:
Postar um comentário