Valor Econômico
Não há garantia de que a palavra do
ex-presidente Bolsonaro será mantida até o fim
A perspectiva de que a condenação de Jair Bolsonaro (PL) abre caminho para uma candidatura presidencial do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), gera euforia em setores do mercado e do Centrão. Nesses círculos, a tese é que as circunstâncias levarão Bolsonaro a sentir-se impelido a antecipar a chancela ao aliado e, assim, consolidá-lo como o nome do bolsonarismo e da centro-direita para 2026. Mas alto lá. A hipótese é fundamentada em uma premissa questionável, ou seja, que Bolsonaro cumpre acordos políticos.
Dois exemplos mostram o oposto. O primeiro
ocorreu em meados de 2021, quando o então presidente da Câmara dos Deputados,
Arthur Lira (PP-AL), decidiu colocar em votação a PEC do Voto Impresso. Na
época, em momento de crescente tensão entre os Poderes e, segundo a denúncia da
Procuradoria-Geral da República (PGR) início da trama golpista, Lira disse ter
obtido de Bolsonaro o compromisso de que a decisão do plenário da Casa seria
respeitada.
Era uma forma de virar a página, esvaziar o
discurso golpista e os seguidos ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao
Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Deve-se recordar que no dia da votação
ocorreu o lamentável desfile de blindados da Marinha na Esplanada dos Ministérios,
ladeando o Congresso Nacional. A Força sustentou que a movimentação não tinha
relação com pauta da Câmara, porém o episódio provocou repúdio entre
parlamentares e ministros do Supremo - além de expor a obsolescência dos
veículos, que soltavam bastante fumaça.
Mas a pressão do Palácio do Planalto foi
insuficiente. Eram necessários 308 votos para aprovar a PEC do voto impresso, e
os bolsonaristas só conseguiram reunir o apoio de 229 deputados. Apesar da
derrota, o combinado não foi respeitado: poucas horas depois, o então
presidente da República voltava a questionar a lisura das urnas eletrônicas.
Sobraram questionamentos a Lira sobre sua
decisão de levar ao plenário uma PEC que já havia sido rejeitada na comissão
especial que tratara do tema. Afinal, nada iria garantir que o chefe do Poder
Executivo cessaria sua retórica golpista.
Há outro exemplo mais fresco na memória de
analistas e lideranças de partidos de centro. E este diz respeito à última
campanha municipal.
Jair Bolsonaro agiu de forma bastante errática
na eleição para prefeito de São Paulo no ano passado, uma hora apoiando a
reeleição do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e em outros momentos se aproximando
do influenciador Pablo Marçal (PRTB).
Logo de cara, o ex-presidente exigiu que a
indicação do vice na chapa de Nunes fosse sua, o que acabou ocorrendo com a
escolha do coronel Mello Araújo. No entanto, como o emedebista avançava aos
poucos nas sondagens, começou a campanha mantendo distância do prefeito.
Para Nunes, é bom dizer, não era um mau
negócio. O apoio de Bolsonaro lhe garantia votos importantes à direita, mas,
por outro lado, a sua presença em palanques poderia levar à perda dos eleitores
que rejeitavam o radicalismo personificado pelo ex-presidente.
Com o avanço de Nunes nas pesquisas, contudo,
Bolsonaro mudou de postura e tentou se incluir entre os vitoriosos. Chegou a
fazer uma aparição surpresa, por vídeo, em um jantar de apoio ao prefeito. A
ligação ocorreu uma semana depois de Bolsonaro afirmar que ainda era muito cedo
para entrar de forma massiva na campanha do emedebista.
Pouco antes, o então presidente já tinha dado
uma entrevista elogiando Marçal. Disse que Nunes não era o seu candidato dos
sonhos e, nos bastidores, alertava que uma eventual derrota do prefeito
prejudicaria a imagem de Tarcísio no Estado.
No entanto, o crescimento da popularidade do
influenciador na direita assustou a família Bolsonaro. Preocupados em perder o
poder de influência sobre uma parcela relevante de eleitores, o então
presidente e seus filhos passaram dos elogios ao ataque.
Um ponto de inflexão ocorreu quando Marçal
foi às redes sociais e escreveu uma mensagem de apoio a Bolsonaro, chamando-o
de capitão. “Como você disse: eles vão sentir saudades de nós”, emendou o
empresário, que devido à sua péssima conduta na campanha ficou inelegível.
Bolsonaro respondeu com uma pergunta irônica.
“Nós? Abraços”. E logo foi rebatido por Marçal: “Isso mesmo presidente.
Coloquei 100 mil na sua campanha, te ajudei com os influenciadores, te ajudei
no digital, fiz você gravar mais de 800 vídeos. Por te ajudar, entrei para a
lista de investigados da PF [Polícia Federal]. Se não existe o nós, seja mais
claro”.
Entre os que presenciaram essas histórias,
fica a mensagem de que Tarcísio pode estar se fiando em um ativo de elevadíssimo
grau especulativo.
Interlocutores do governador de São Paulo
podem argumentar que na política é importante mostrar-se fiel a um antigo
aliado em momentos difíceis. E isso de fato é valorizado no Congresso e pelos
dirigentes dos partidos políticos.
Pode-se dizer também, como mostrou o Valor, que a Tarcísio interessa
fazer o possível agora para tirar esse assunto do caminho no futuro, caso seja
eleito presidente em 2026. Mas, ainda assim, o histórico indica que ele não
terá a garantia de que a palavra de Bolsonaro será mantida até o fim.

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