sábado, 17 de dezembro de 2022

Oscar Vilhena Vieira* - Democracia combatente

Folha de S. Paulo

Grupos reunidos em frente a quartéis não parecem conscientes de que estão cometendo um crime

A democracia liberal é um regime político que se caracteriza pelo pluralismo e pela ampla esfera de proteção à liberdade de expressão e manifestação. Isso não significa, porém, que a democracia deva ser indiferente àqueles que contra ela conspiram.

Da perspectiva jurídica, o maior desafio é estabelecer fronteiras objetivas entre as formas de manifestação protegidas pela Constituição e aquelas que podem ser legitimamente coibidas, especialmente quando estamos nos referindo a manifestações discursivas.

A nova Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (lei 14.197/2021) inseriu no Código Penal brasileiro, em substituição à velha Lei de Segurança Nacional, diversas categorias jurídicas que impõem às instituições de aplicação da lei a defesa vigorosa da democracia em face de seus inimigos.

Foram tipificadas a tentativa de "abolir o Estado democrático de Direito", o "golpe de Estado", caracterizado como tentativa de "depor... o governo legitimamente constituído", assim como a tentativa de "impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado". Nos três casos, não é necessário que o resultado seja consumado. A conduta criminosa só se concretizará, no entanto, se envolver emprego de "violência ou grave ameaça". Trata-se de uma exigência rigorosa por parte do legislador.

Ascânio Seleme - Não culpem Mercadante

O Globo

Lula pode até governar em outra direção, e é razoável acreditar nessa hipótese, mas quando fala aponta um caminho que gera insegurança

Não culpem Aloizio Mercadante pelos solavancos do mercado. Muito menos Fernando Haddad. Este, aliás, só tem feito apaziguar ânimos e injetar otimismo e confiança nos mais reticentes quanto à responsabilidade que quer empregar na condução da economia. O problema é outro, maior, mais complexo e atende pelo nome de Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente eleito pode até governar em outra direção, e é razoável acreditar nessa hipótese, mas quando fala aponta um caminho que gera insegurança. Talvez porque se empolgue demais com a plateia ou com os acontecimentos prévios.

O anúncio de Mercadante para o BNDES teve estes dois componentes. Primeiro, Lula estava irritado com a baderna terrorista da véspera em Brasília e abriu aquele discurso atacando Bolsonaro, parecia ainda em campanha. Depois, reagiu empolgado. Disse que ouviu críticas ao companheiro e boatos de que ele iria para o banco. E, então, num rompante, anunciou: “Não é mais boato, Mercadante será presidente do BNDES”. Não precisava desse tom, que pareceu um desafio. E ainda avisou que não haverá privatizações no seu governo (veja nota ao lado), uma permanente expectativa do mercado brasileiro. Claro que haveria solavancos.

Pablo Ortellado - Bolsonaristas perderam ilusão de falar pelo povo

O Globo

Grupo será obrigado a se reinventar, não apenas como oposição, mas também com a amarga suspeita de ser uma minoria

As mobilizações bolsonaristas têm mostrado resiliência, com ações de protesto sustentadas por um período bastante estendido, mas também vêm perdendo apoio. Isso não apenas deixa os bolsonaristas radicais isolados, como tem consequências políticas para a estratégia populista do grupo.

Quando analisamos a evolução do levante antipetista, na sua duração mais longa, chama a atenção como a identidade política vai mudando de uma rejeição a rótulos, nas primeiras mobilizações contra Dilma Rousseff em 2015-2016, para uma afirmação entusiasmada das identidades de “direita” e de “conservador”, que surgem com força na campanha de 2018.

Eduardo Affonso - O jogo de cassa-palavras

O Globo

A Comissão de Promoção de Igualdade Racial do TSE elegeu uma série de expressões pretensamente racistas

Na série de filmes “Sexta-feira 13”, quando se pensava que o vilão já era — depois de ter sido decapitado, esquartejado, triturado —, ei-lo que ressurgia no episódio seguinte, todo pimpão, como se nada tivesse acontecido. Mais resilientes, só as listas de “palavras e expressões racistas” que você TEM de banir de seu vocabulário, sob pena de ser um monstro escravagista.

Uma a uma, essas cartilhas são refutadas por linguistas, etimólogos, historiadores. Mas, qual Jasons, elas renascem, incólumes e implacáveis, cada vez que uma instituição pública resolve extrapolar sua função e incorporar um Torquemada ou um puritano de Salem. Que, na falta de hereges e bruxas, sai caçando — e cassando — palavras.

Carlos Alberto Sardenberg - O marketing da riqueza na Copa

O Globo

A monarquia absolutista do Catar quis se apresentar ao mundo. Do modo como vimos: ostentação

Camarotes e acomodações especiais para os VIPs não são novidade nos eventos da Fifa ou em qualquer outro grande jogo de futebol. Pessoas importantes — chefes de Estado, governantes, artistas, ex-jogadores, membros da família real do Catar ou simplesmente caras muito ricos — esperavam essas, digamos, facilidades na Copa. Tiveram muito mais. Instalações espetaculares, com um detalhe especial: essas pessoas especiais receberam autorização para não respeitar uma das regras sagradas do islã, o veto às bebidas alcoólicas.

Por dinheiro.

Quem chegava de carro ao estádio Al Bayt topava com um placa indicando os caminhos: “spectators”, ou seja, os comuns, deveriam dirigir-se à direita para os bolsões mais distantes. Pessoas com ingressos ou credenciais das categorias hospitality, VIP e VVIP (sim, very, very important people) seguiam em frente.

Hélio Schwartsman - Um julgamento político

Folha de S. Paulo

Num mundo melhor, eu fecharia com Rosa Weber

Num mundo em que as palavras correspondessem às coisas, a missão de uma corte constitucional, quando aprecia um diploma legal ou hábito político, seria decidir se ele se conforma ou não aos ditames da Carta. Em caso positivo, deveria apor seu "nihil obstat"; em caso negativo, deveria invalidá-lo. Vivemos, porém, num mundo menos inequívoco, em que grande parte das realizações humanas é intermediada pela política. E é aí que a porca torce o rabo.

O voto da ministra Rosa Weber sobre o chamado orçamento secreto é tecnicamente irreparável. Ela mostrou as muitas dimensões em que as emendas parlamentares a cargo do relator do Orçamento violam princípios constitucionais, notadamente os da separação dos Poderes, impessoalidade, publicidade e eficácia da administração pública. Se a maioria da corte optar por aniquilar as emendas RP9, o nome oficial do arranjo, terá razões jurídicas de sobra para fazê-lo. Essa análise, vale observar, vai ao encontro do que dizia Lula na campanha sobre o orçamento secreto, o qual qualificou como maior "bandidagem" já feita em 200 anos.

Cristina Serra - Janio, jornalismo e democracia

Folha de S. Paulo

Sua longevidade no front é um símbolo poderoso de que é possível atuar na profissão com dignidade

Poucos jornalistas brasileiros podem ser alçados à categoria de lenda. Janio de Freitas está nesse panteão com honra e glória. Muitos de nós decidiram ser jornalistas por causa dele, inspirados por ele. Querendo ser como ele. Muitos de nós ficaram (e ficam) pelo caminho: porque as dificuldades da profissão são imensas, porque os salários são baixos e as pressões, às vezes, insuportáveis.

A longevidade de Janio no front é um símbolo poderoso de que é possível atuar na profissão com dignidade e altivez. Ele atravessou o século 20 e já adentra a terceira década do 21, tendo inscrito seu nome na história do jornalismo brasileiro ainda muito jovem.

Como contou Ruy Castro, por ocasião dos 90 anos do mestre, em junho, Janio foi a mente ousada e criativa no comando da reforma gráfica do Jornal do Brasil, que desencadeou uma revolução na imprensa nacional, forçada a tentar imitar a modernidade do concorrente. Janio não tinha chegado aos 30.

Demétrio Magnoli - Não imite Biden, Lula!

Folha de S. Paulo

Presidente eleito não precisa repetir os erros do americano que recolocaram a direita radical no jogo

Como Joe Biden, Lula derrotou nas urnas um presidente extremista –e, como Biden, enfrentou a contestação golpista do resultado eleitoral. Mas o brasileiro não precisa reproduzir os erros seguintes do americano, que recolocaram a direita radical no jogo do poder.

Biden venceu no voto popular por 4 pontos percentuais e os democratas conquistaram maiorias na Câmara e no Senado. Daí, concluíram erradamente que dispunham de um mandato político irrestrito.

De saída, o presidente articulou dois pacotes fiscais: um de infraestrutura, negociado com os republicanos, de US$ 1,2 trilhão, e outro social e ambiental, combatido pelos republicanos, de US$ 1,9 trilhão. Poderia aprovar logo o primeiro, selando um mega triunfo parlamentar, e fatiar o segundo, passando suas iniciativas mais relevantes.

A húbris não deixou. Contrariando o discurso de reconciliação nacional empregado na campanha presidencial, os democratas transformaram o pacote bipartidário em refém do pacote controverso, exigindo a aprovação simultânea de ambos. Previsivelmente, fracassaram: numa batalha de meses, que consumiu o capital político do presidente, o estímulo fiscal maior foi derrotado.

João Gabriel de Lima* - A mão que rabisca um mapa

O Estado de S. Paulo

Livro mostra grupos organizados que pavimentaram o caminho para o atual presidente

Um mapa de Brasília publicado no site do Estadão mostra os lugares onde extremistas que apoiam o presidente Jair Bolsonaro queimaram ônibus, explodiram carros e depredaram prédios – entre eles, a 5.ª delegacia da Polícia Civil. A navegação digital permite assistir aos vídeos que mostram os vândalos bolsonaristas em ação. São cenas de horror.

É inevitável lembrar de outro mapa – este do Rio de Janeiro, rabiscado há mais de 30 anos, à mão. Nele, um militar desenha o sistema de abastecimento hidráulico da cidade, com destaque para a adutora do Guandu. Diante de uma repórter incrédula, ameaça colocar uma bomba na adutora caso uma reivindicação de reajuste salarial não fosse atendida. A repercussão da reportagem, publicada na revista Veja, atrapalhou os planos do militar.

Adriana Fernandes - Corrida para salvar o orçamento secreto

O Estado de S. Paulo

A corrida para liberação das emendas de relator pode interferir na votação da PEC da Transição

Antes do veredicto do julgamento do STF, o governo Jair Bolsonaro correu para acelerar a liberação do saldo total de cerca de R$ 1,9 bilhão de emendas do orçamento secreto na área de Saúde. Essa liberação a jato ajuda o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), nos compromissos de distribuição das emendas de relator, antes da decisão do STF.

É uma verdadeira corrida para salvar as emendas de relator de 2022 do modo como elas funcionam hoje, sem transparência nenhuma.

O roteiro até chegar a esse desfecho teve os seguintes passos: o governo acelerou a concessão de benefícios previdenciários antes da eleição, motivo de seguidas queixas ao longo da semana do futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Bolívar Lamounier* - A política de um país despolitizado

O Estado de S. Paulo

O desinteresse pelo conhecimento político é um inimigo sempre à espreita e empenhado em solapar nossas tentativas de estabelecer um convívio civilizado

“Sentir” que um candidato é melhor que outro ou que “parece” mais inclinado a governar segundo nossos desejos é um dom que todos possuímos.

Mas daí a compreender a política a ponto de poder influenciá-la, somar forças com a sociedade a fim de balizá-la da melhor maneira possível, vai uma grande distância. Essa capacidade de contribuir de forma positiva (ou negativa, no caso dos irrecuperavelmente perversos) é o que apropriadamente podemos designar como conhecimento político. Ou, dito de outro modo, como compreensão das engrenagens ou fundamentos sobre os quais se assenta a vida pública de um país.

Entendamo-nos, primeiro, sobre um equívoco corriqueiro. Não estou sugerindo que só exista uma política “correta”, uma única doutrina que possa alicerçar um consenso numa coletividade nacional. Isso nunca existiu e jamais existirá. Divergências e antagonismos sempre existirão, sobre as mais variadas questões, materiais ou ideais. E essa é a razão que nos obriga a compreender a política como a contínua busca de um convívio aceitável com o mínimo possível de violência.

Já toquei nesse assunto neste espaço algumas vezes, e peço desculpas ao leitor se o aborreço voltando uma vez mais a ele. Dentro de poucos dias, empossaremos um novo governo. Não um “novo governo” qualquer, mas um que terá como primeira incumbência desarmar os espíritos, diluir o mau humor que se formou nos últimos anos e criar um ambiente no qual possamos retomar o crescimento econômico, a criação de empregos e a busca do bem-estar para a maioria.

Marcus Pestana - A dinâmica política pós-2022

As eleições de 2022 determinaram uma nova correlação de forças. A eleição presidencial foi a mais apertada de todos os tempos, reforçando a polarização entre o petismo e seus aliados de esquerda e o bolsonarismo. Nas eleições parlamentares, a direita ampliou sua presença na Câmara e no Senado, mas não deverá ter comportamento monolítico.

A estabilidade política para governar e fazer avançar a agenda dos desafios nacionais depende de formação de maioria parlamentar. Embora a proibição das coligações proporcionais e a cláusula de desempenho tenham racionalizado o quadro de representação parlamentar, a fragmentação ainda é grande, dificultando a recuperação do chamado “presidencialismo de coalisão”.

Lula tem grande experiência e habilidade política, acumuladas em seus dois mandatos anteriores e durante toda sua trajetória. Acompanhou de perto a crise do governo Dilma Rousseff e sabe que não conseguirá êxito na superação da crise sem maioria parlamentar.

É natural que as forças que pretendem compor a base de sustentação parlamentar do novo governo queiram participar do Ministério e da administração. Lula, até a última quinta, havia anunciado apenas nomes ligados ao PT e seus aliados de esquerda. Aguarda o desenlace da votação da “PEC da Transição” e a definição sobre o “orçamento secreto”.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula não deveria se associar à ditadura de Nicolás Maduro

O Globo

Quem se elegeu proclamando a defesa da democracia não pode tratar o venezuelano como parceiro

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, não esconde querer se reaproximar do ditador Nicolás Maduro. Enviou carta ao venezuelano informando a intenção de reatar relações entre os dois governos e de repudiar o interino de Juan Guaidó. Encarregou o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, de garantir a presença de Maduro em sua posse, driblando a proibição de entrada no Brasil decretada pelo governo Jair Bolsonaro. Por fim, atribuiu ao embaixador Mauro Vieira a missão de reabrir a embaixada e os sete consulados brasileiros na Venezuela. “O governo que foi eleito é o governo do presidente Maduro”, disse Vieira em uma de suas primeiras declarações como futuro chanceler.

A eleição de Maduro e os demais pleitos venezuelanos têm sido sistematicamente condenados por observadores independentes. Seu poder ditatorial deriva da convocação, em 2017, da Assembleia Constituinte aparelhada por representantes biônicos para esvaziar o Legislativo controlado pela oposição, única instituição independente que restava na Venezuela depois de quase duas décadas de chavismo. Violações repugnantes de direitos humanos estão documentadas por entidades independentes e pela insuspeita relatora das Nações Unidas, a chilena Michelle Bachelet. A tragédia econômica chavista levou metade da população para a pobreza e afugentou 7 milhões dos 30 milhões de venezuelanos (maior população deslocada do mundo). Em vez de condenar a ditadura de Maduro, como faz até o governo esquerdista chileno, Lula tenta se reaproximar.

Poesia | Luís de Camões - Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

 

Música | Caetano Veloso, Maria Gadú - Vaca Profana

 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Fernando Abrucio* - Como reconstruir as políticas públicas (2)

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

É preciso fortalecer a lógica de cooperação, uma vez que há bastante heterogeneidade entre os setores

A reconstrução das políticas públicas desmanchadas pelo governo Bolsonaro vai exigir uma combinação de retomada da trajetória anterior com a adoção de algumas novas abordagens, resultantes do aprendizado dos últimos anos. Está-se discutindo muito o nome dos futuros ministros e obviamente ter boas lideranças é um passo muito importante. Só que existem dimensões institucionais e de gestão que são inescapáveis para produzir ações governamentais de qualidade. Apresenta-se aqui um conjunto de cinco pontos essenciais para que o governo federal possa novamente ter um papel central na melhoria da vida da população.

No artigo anterior foi destacada a interligação entre as políticas públicas, em suas três dimensões principais - a intersetorialidade, a transversalidade e o imbricamento. Neste, o argumento central diz respeito a fatores que condicionam o sucesso das políticas. Foram selecionados os cinco mais relevantes, começando pela dimensão burocrática (1), indo depois para o plano da gestão por resultados (2), tratando a seguir da questão federativa (3), passando ainda pelo relacionamento com a sociedade (4), para terminar o texto com a questão dos eixos prioritários (5).

Não é possível produzir boas políticas públicas sem uma burocracia profissional, engajada, bem organizada e responsabilizada por seus atos. O governo federal brasileiro tem um quadro de funcionários altamente qualificado, em geral com salários muito atraentes e com uma quantidade bastante razoável de burocratas que já foram testados em funções de liderança. É um ótimo ponto de partida, mas que foi jogado completamente fora pelo governo Bolsonaro, que preferiu perseguir uma parcela grande daqueles que tinham assumido postos executivos em outros períodos. Além disso, o bolsonarismo é inimigo de especialistas autônomos e preferia contar com quem seguisse cegamente as visões ideológicas dos chefes. Do ponto de vista da burocracia, pode-se dizer que foi o governo do medo - e esse sentimento não produz desempenho satisfatório em nenhuma organização.

César Felício - O governo Bolsonaro acabou antes do fim

Valor Econômico

Presidente deixa armadilhas difíceis de superar

Há semanas em que se passam décadas, diz uma frase atribuída a Lenin, e portanto, na falta de 15 dias para o fim da administração federal atual, seria a princípio prematuro fazer um balanço do que representou a passagem de Jair Bolsonaro pelo poder. Os acontecimentos dos últimos dias, contudo, vão na direção contrária. O governo acabou.

O bolsonarismo e Bolsonaro seguem politicamente vivos e capazes de interferir no destino brasileiro, percebe-se nas redes sociais, nas portas dos quartéis e nos autos do inquérito de atividades antidemocráticas, em relação ao qual a operação deflagrada nesta quinta-feira por ordem do ministro Alexandre de Moraes foi um marco, mas a gestão iniciada em 1 de janeiro de 2019 deixou de existir.

O sinal mais evidente nesta direção é a possibilidade de se usar a PEC da Transição para pagar despesas do ano em curso, chancelada pelo Senado. Ou seja, o resíduo do Orçamento deste ano está sendo tratado pelos hierarcas do Congresso com os articuladores do presidente eleito. Lula já pauta o Legislativo, como se pode constatar também pela aprovação das mudanças da Lei de Estatais na Câmara.

Luiz Carlos Azedo - A opção preferencial de Lula pelos mais pobres

Correio Braziliense

Lula criou mais confusão no mercado, porque falou que colocaria os pobres no orçamento e os ricos no imposto de renda. É uma síntese do que vem dizendo aos colaboradores mais próximos

“Ele se aniquilou…” e “todas as vezes que fizestes ao mais pequenino dos meus irmãos, a mim o fizestes” são dois textos bíblicos, respectivamente, Filipenses 2, 7 e Mateus 25, 40, muito citados pelos teólogos da “Teoria da libertação”, para os quais a divindade de Jesus se manifesta na sua radical humanidade. O encontro com o Senhor presente no pobre seria a gênese de uma nova práxis religiosa e política. Nas décadas de 1960 e 1970, essa nova doutrina social da Igreja Católica, resultante de uma interpretação do Concilio Vaticano II, principalmente na América Latina, resultou na formação das comunidades eclesiais de base, principalmente nas zonas rurais, e no crescente envolvimento dos padres com movimentos populares e de esquerda, inclusive armados, até o Vaticano puxar o freio de mão, sob comando do papa João Paulo 2º e, principalmente, Bento 16.

Ontem, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no “Natal dos Catadores”, organizado pela Associação Nacional dos Catadores em São Paulo, do qual participa há 19 anos, prometeu ao padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo da Rua de São Paulo, que irá se encontrar com os moradores em situação de rua na capital paulista assim que tomar posse na Presidência. “Faltando 15 dias para assumir a Presidência, é um compromisso meu que vamos dar uma vida decente para o morador de rua”, afirmou.

“Agora, estão colocando paralelepípedos embaixo da ponte, criando obstáculos embaixo da ponte, colocando coisa de ferro para não ter espaço para vocês dormirem. Não é que eles não cuidam. É que eles não querem nem que vocês tenham direito de deitar embaixo da ponte. Não tem nenhum significado, nenhum sentido humanista, não tem nenhum sentido de paixão, de amor, não tem nenhum sentido de compreensão só porque vocês vivem nesse país”, discursou. Era uma resposta ao veto de Bolsonaro à lei do Congresso que proíbe esse tipo de prática.

Bernardo Mello Franco - Lira mostra faca a Lula

O Globo

Depois de encurralar Bolsonaro, deputado tenta emparedar presidente eleito e STF

Arthur Lira é um aluno aplicado. Aprendeu com Eduardo Cunha a sufocar a oposição e esmagar o governo até arrancar o que deseja. O chefão da Câmara encurralou Jair Bolsonaro, transformando-se num arremedo de primeiro-ministro. Nesta semana, apresentou a Lula seu cartão de visita.

O presidente eleito precisa abrir espaço no Orçamento para manter o Bolsa Família em R$ 600 e reajustar o salário mínimo acima da inflação. Para cumprir as duas promessas, depende de uma emenda à Constituição que flexibilize o teto de gastos. A proposta, batizada de PEC da Transição, foi aprovada com folga no Senado. Ao chegar à Câmara, parou na barreira de Lira.

O deputado apresentou uma farta lista de pedidos. Depois de fazer campanha pela reeleição de Bolsonaro, quer abocanhar cargos de peso no governo Lula. Como ainda não houve acordo, a votação da PEC foi adiada para a semana que vem. O impasse travou a definição dos futuros ocupantes da Esplanada.

Vera Magalhães - Orçamento secreto trava a transição

O Globo

Votação da PEC empaca diante da expectativa de deputados e senadores quanto ao destino das emendas do relator

A probabilidade de o Supremo Tribunal Federal tesourar para além do esperado o Orçamento secreto paralisou as negociações da PEC da Transição e ameaça criar um impasse entre os três Poderes, uma vez que, embora o embate seja com o Judiciário, setores do Legislativo culpem o futuro governo de Lula por atuar nos bastidores para minar o instrumento tão caro a deputados e senadores.

A interrupção do julgamento das ações que pedem a inconstitucionalidade das emendas do relator vai deflagrar uma intensa negociação de bastidores até segunda-feira para que o voto médio que vem sendo encaminhado seja assimilado pela cúpula do Congresso. Difícil, uma vez que a proposta do ministro Alexandre de Moraes retira o poder de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco de arbitrar para onde vão os recursos alocados nas famosas emendas RP9, o nome “técnico" do Orçamento secreto.

Nesta quinta-feira o placar era todo truncado. Cinco votos pela inconstitucionalidade total do mecanismo, corrente puxada pela relatora das ações e presidente do STF, Rosa Weber, 2 votos pela constitucionalidade, mas com transparência, equidade e fim do poder discricionário do comando do Congresso, e 2 votos, os dos bolsonaristas, a favor do libera geral.

Claudia Safatle - O risco de dar tiro nos pés

Valor Econômico

Total de vencimentos da dívida nos próximos 12 meses é de R$1,338 trilhão

Parece que ninguém no governo eleito está entendendo a gravidade do quadro fiscal. Bastaria conversar com quem está com os dedos no pulso do mercado para se inteirar do que está acontecendo. O Tesouro está fazendo resgates líquidos de dívida com o caixa que tem, em vez de refinanciar, porque não quer sancionar o que o mercado está pedindo. Nos poucos leilões que faz, só para não ficar ausente do mercado, o Tesouro está pagando juros de 13,61 % a 13,79% ao ano para papéis de prazos mais curtos (2023 a 2026, segundo o leilão desta quinta-feira, 15).

Fernando Haddad, ministro da Fazenda indicado pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, não disse uma palavra sequer para ao menos criar o “benefício da dúvida”, como disse o ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida.

Para ter uma ideia do quanto representa o pedido de poder gastar R$ 200 bilhões acima do teto que consta da PEC da Transição, o relatório Focus, do Banco Central, aponta que a dívida pública como proporção do PIB cresce quatro pontos percentuais do PIB (Produto Interno Bruto) nos próximos anos. Haddad disse ontem, em um evento de Natal com catadores em São Paulo, que Lula lhe pediu para que coloque os pobres dentro do Orçamento e os ricos no Imposto de Renda. Perfeito! Se já não é assim é porque tem algo de muito errado na política tributária e na definição das prioridades quando da elaboração do Orçamento.

Fabio Giambiagi - Um balanço realista

O Globo

Governo Bolsonaro sai mal na foto na comparação com o passado e também não faz boa figura na comparação com outros países no presente

Chega ao fim o governo Bolsonaro. O saldo final da sua gestão soa divorciado do ufanismo oficial. Abaixo figuram as taxas de crescimento da renda per capita em diversos governos do país, assumindo um crescimento do PIB de 3% em 2022.

Foi preciso fazer algumas simplificações, resultantes do fato de que os governos no passado não começavam em janeiro e de que alguns presidentes apenas completaram o mandato de outros, mas resumidamente o desempenho do PIB per capita seguiu a trajetória mostrada no gráfico 1, em termos de taxas médias anuais (%).

Noves fora as oscilações (com destaque para a reconstrução no governo Temer), mantivemos o quadro de relativa estagnação econômica no qual mergulhamos depois de 2010. Há um quê de ironia no fato de que no período 1995/2010, no conjunto dos governos FH e Lula — período ao qual o ministro Paulo Guedes costumava se referir como expressão do que ele denominava “fracasso social-democrata” — o país tenha experimentado um crescimento da renda per capita de 1,9% a.a. e, no período no qual o outrora crítico virou ministro, o crescimento do mesmo indicador sequer tenha alcançado 1% a.a.

José de Souza Martins* - A cara social da torcida das Copas

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Apesar do desempenho insuficiente da seleção, o reaparecimento das aglomerações de rua foi um bom sinal de que o protagonismo popular de propósitos identitários não foi abatido

Com a disseminação do interesse pelo futebol nas classes populares, tem sido reveladora do que socialmente somos e buscamos a metamorfose das torcidas de rua que se manifesta de modo peculiar, a cada quatro anos, por ocasião da Copa do Mundo.

A observação direta dessas torcidas de Copa mostra a mudança de sua função social na restauração periódica dos fatores de nossa identidade, que se fragmentou e se dispersou. Desde 1964, o país tem sido alcançado por forças de desagregação social e política. Vimos os efeitos destrutivos dessa tendência nos últimos quatro anos, os de um governo empenhado em minar o protagonismo construtivo do povo e o do papel renovador e democrático dos movimentos sociais.

Flávia Oliveira - Cotistas apegados

O Globo

Não é suficiente que os hegemônicos de sempre permaneçam nas posições de comando

Foi Sueli Carneiro, filósofa, líder do movimento de mulheres negras, referência de todas nós, que me apresentou, anos atrás, a “Cotistas desagradecidos”, artigo contundente do jornalista e historiador Tau Golin, em defesa de uma então embrionária política de ações afirmativas em favor do acesso de pobres, negros e indígenas às universidades públicas. Golin expunha a contradição de grupos sociais historicamente beneficiários de cotas — em particular, colonos estrangeiros brindados com porções de terras no Rio Grande do Sul — se levantarem contra sistema assemelhado em prol de brasileiros historicamente vulnerabilizados. Em suma: cotas para uns, outros que lutem.

Revivo a ideia de Golin para tratar do fenômeno da hora na política brasileira, os cotistas apegados. Muito já se falou — e mais ainda escrevi — sobre a crescente cobrança por representatividade de segmentos tornados invisíveis nos espaços de poder político, econômico, corporativo, artístico, cultural, midiático. Há décadas, mulheres, negros, indígenas, pessoas LGBTQIA+ qualificaram-se, elencaram pautas, enfileiraram diagnósticos e propostas para assumir assentos e empunhar canetas.

Ruy Castro - Só e mal-acompanhado

Folha de S. Paulo

A empáfia de Bolsonaro emanava da faixa presidencial; sem esta, é como se estivesse de cueca

Os grandes líderes sempre deixaram grandes frases para seus povos. Winston Churchill, primeiro-ministro inglês na Segunda Guerra: "Só posso prometer-lhes sangue, trabalho, lágrimas e suor." Getulio Vargas, pouco antes do tiro no peito: "Deixo a vida para entrar na história." Juscelino: "Costumo voltar atrás, sim. Não tenho compromisso com o erro." John Kennedy, presidente dos EUA: "Não pergunte o que seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por ele." E De Gaulle, premiê francês: "Como se pode governar um país que tem 246 espécies de queijo?". Já Jair Bolsonaro será lembrado por seus bordões: "Chega, porra! Acabou! Ponto final! Caso encerrado! Cala a boca!".

Hélio Schwartsman - Na transição, PT vai sendo PT

Folha de S. Paulo

Há sinais de que Lula será menos magnânimo do que poderia

Lula venceu a eleição e tem direito de nomear quem bem entender para os ministérios. Mas admito que, talvez por "wishful thinking", achei que o petista apostaria numa espécie de governo de união nacional, entregando cargos relevantes a outros partidos. Pelos nomes já anunciados e pelo que leio nas colunas de bastidores, o lado fominha do PT vai prevalecendo.

Vá lá que a Fazenda tenha ido para Fernando Haddad. Era o melhor jeito de Lula manter ascendência sobre a economia. Se tivesse dado o cargo a alguém com o perfil mais liberal, como o tal de mercado teria desejado, o ministro estaria comprometido com uma agenda diferente da do presidente. A voz do mandatário sempre prepondera (vide Guedes), mas, no limite, Lula precisaria demitir o ministro para impor sua vontade. Com Haddad não há esse risco.

Angela Alonso* - Lula e a rua

Folha de S. Paulo

Emoção é a mesma da primeira posse, em 2003, mas presidente eleito foi de líder a alvo

A emoção é a mesma da primeira vitória. A recepção da rua é outra. Em 2003, Lula chegou "sem medo de ser feliz". Levava sob o braço, como agora, a agenda redistributiva. Cercou-se de vermelho, que coloriu o vestido da primeira-dama e a sua gravata. Foi a cor do dia. Movimentos socialistas a carregavam nas bandeiras, quando lotaram Brasília. Saudaram o presidente como um dos seus.

O eleito prometeu, então, incorporar no governo os "anseios de mudança que se expressaram nas ruas". Incorporou também ativistas, convertidos em tocadores de políticas, autarquias, ministérios. Ocupados em governar, os movimentos desertaram o protesto.

Vácuo se preenche. Feixe de movimentos novos à esquerda cresceu no espaço aberto. O MTST é dessa leva, se destacou exigindo moradia nas cidades. Mas apareceram muitos outros, sobretudo em torno de costumes e de identidades, étnicas e de gênero. A rua deixou de ser homogênea. Ficou convidativa até para quem antes não costumava usá-la. Sendo o governo de esquerda, suas políticas (como a "bolsa esmola") e seus subsídios desconfortaram a direita e movimentos foram se organizando também por esse lado.

Reinaldo Azevedo - PEC da Responsabilidade Orçamentária

Folha de S. Paulo

Com a fascistada à solta, torço para que sensitivos do desastre estejam errados

"Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa; antes um argueiro, antes uma trave no olho". É Machado de Assis em "Memórias Póstumas de Brás Cubas", no capítulo intitulado justamente "A ideia fixa". O trecho acima é o mais citado, tanto quanto Machado ainda é referência, mas o sentido moral da metáfora se revela na conclusão daquele pequenino texto, e o mesmo farei eu nesta coluneta modesta, posto que, de Machado, não tenho "nem os transes da ventura nem os dons do pensamento".

O governo Lula, a 15 dias ainda da posse, será malsucedido de tantas e tão distintas e combinadas (e descombinadas) maneiras, assegura-se quase unanimemente na imprensa — e com muita ênfase nesta Folha —, que quase não sei como continuar estas mal traçadas sem me afundar na "tinta da melancolia", sem disposição até para a "pena da galhofa" porque não há graça em rir quase sozinho de si mesmo.

O futuro presidente tem um insuspeitado e terrível adversário a ser batido desde já: chama-se Luiz Inácio Lula da Silva, aquele do primeiro mandato, que teve "a coragem" de elevar o superávit primário em 2003 de 3,75% do PIB para 4,25%, realizando tal proeza por meio do corte de despesas, ainda que sacrificando o crescimento, dizia-se. O Belzebu se ajoelhava, então, no altar da ortodoxia, deixando, ele sim, a "esquerda perplexa e a direita indignada".

Vinicius Torres Freire - Sururu na economia, rolo na política

Folha de S. Paulo

Indefinição sobre dinheiro de emendas e cargos travou votação de pacotão de gasto

Luiz Inácio Lula da Silva pode até conseguir aprovar o aumento de gastos previsto no pacotão da PEC. A votação ficou para terça-feira que vem e ainda não há acordo sobre como vai ficar a emenda. Se aprovada a PEC, mesmo aos trancos e barrancos, seria uma demonstração de força política. Mas força muito provisória. Além do mau começo econômico, há desarranjo político.

Diz-se que a PEC enroscou porque Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, estaria cobrando muito caro pela aprovação da emenda, em termos de cargos para si e seu grupo. Pode ser. Mas se ouve de muito mais gente o ranger de dentes pela falta de promessas firmes de lugar rendoso no governo Lula 3

Laura Karpuska - Lula 3

O Estado de S. Paulo

Espero que o novo governo Lula-Alckmin não seja parecido com nenhum governo anterior do PT

Analistas vêm usando governos anteriores do PT como base preditiva para entender o novo governo. Muitos, inclusive, dizem torcer por um Lula I. Eu espero que o novo governo Lula-Alckmin não seja parecido com nenhum governo anterior do PT.

O mundo hoje é muito diferente daquele de 20 anos atrás. O centro de gravidade produtivo mudou, com a manufatura movendo-se para a Ásia e serviços sendo outsourced na Índia.

Além disso, surgem novos serviços, focados em entregas, entretenimento digital, de cuidados pessoais e de saúde. Com isso, novas relações trabalhistas emergem e demandam políticas públicas que restabeleçam a seguridade social e estimulem o aumento da produtividade em um novo ambiente.

Celso Ming - Loteamento de estatais

O Estado de S. Paulo

A operação de afrouxamento da Lei das Estatais (Lei 13.303/2016) é um desastre. É a tentativa de abrir outra vez as portas das empresas públicas para todas as formas de patrimonialismo e corrupção e mostrou que hoje os políticos se sentem mais à vontade para repelir os princípios republicanos.

Alguém lembrou que a nomeação de Aloizio Mercadante para o BNDES poderia ser barrada pela Lei das Estatais, que exige 36 meses de quarentena, além de qualificação comprovada, para que pessoas envolvidas em campanhas eleitorais e em política partidária pudessem assumir cargos de direção em estatais.

Assim, de uma hora para outra, sem análise e sem discussão pública, depois de um conchavo do PT com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, por 314 votos a favor e 66 contra, os deputados federais aprovaram a toque de caixa projeto de lei que reduz a quarentena exigida a apenas 30 dias. Além disso, o texto, que agora segue para exame no Senado, estendeu de 0,2% para 2,0% da receita operacional da estatal a verba destinada à publicidade. Isso significa, por exemplo, que, na Petrobras, esses recursos sobem de R$ 3,3 bilhões para R$ 13,3 bilhões por ano, considerada a receita operacional esperada para todo o ano de 2022.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Combate a golpismo não deve ser movido por desejo vingativo

O Globo

Rigor da lei é necessário — mas Lula e o PT fazem acusações falsas para tentar desviar de temas incômodos

Por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal (PF) cumpriu ontem mais de cem mandados de busca e apreensão para investigar apoiadores do presidente Jair Bolsonaro suspeitos de organizar atos antidemocráticos desde o anúncio do resultado do segundo turno da eleição presidencial. Já era hora de uma resposta ampla e coordenada.

O Brasil não pode ficar refém de nenhum grupo violento, de direita ou esquerda. O Estado tem o dever de prender os culpados por promover manifestações que agridem o Estado Democrático de Direito de forma violenta, como se viu na segunda-feira em Brasília. Pelo mesmo motivo, as investigações de empresários do ramo dos transportes e caminhoneiros que bloquearam estradas têm de prosseguir. A punição precisa ser exemplar para que não haja nenhum incentivo a quem cogite a hipótese de voltar a propagar o caos.

O rigor, porém, não deve ser contaminado por acusações levianas nem por um espírito vingativo. Um dia depois do ataque de bolsonaristas à sede da PF em Brasília, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, aumentou a temperatura e mentiu ao declarar que Bolsonaro “continua incentivando os ativistas fascistas que estão nas ruas se movimentando”.

Poesia | Poema em linha reta - Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

 

Música | Zeca Pagodinho - Atire a primeira pedra / Volta por cima (Ataulfo Alves)

 

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Luiz Carlos Azedo - Qual é o país que queremos?

Correio Braziliense

Existe um vazio de definições em relação à política do novo governo Lula, que assume o mandato num ambiente de contestação ao resultado das urnas e terra arrasada na gestão do presidente Bolsonaro

O Correio Braziliense promove, hoje, o seminário Desafios 2023 — o Brasil que queremos, no auditório Alvorada do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, com transmissão ao vivo pelo site e pelas redes sociais. O encontro será aberto pelo ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, às 14h, dando início a uma sequência de painéis: responsabilidade fiscal e responsabilidade social; retomada do crescimento e infraestrutura; educação e saúde. O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles falará sobre a importância da credibilidade na economia, e o encerramento será feito pelo ex-presidente Michel Temer, um arguto observador da cena política.

O evento é oportuno porque existe um vazio de definições em relação à política do novo governo Lula, que assume o mandato num ambiente de contestação ao resultado das urnas e terra arrasada na gestão do presidente Jair Bolsonaro, até agora inconformado por não se reeleger. O fato é que o presidente Luiz Inácio lula da Silva foi eleito sem um programa de governo, com base na memória de seus dois mandatos e no próprio carisma. Entretanto, foi uma eleição difícil, apertada, que somada à indefinição programática faz com que as políticas do novo governo, principalmente nas áreas abordadas pelo seminário, estejam em disputa, dentro da aliança de forças democráticas que viabilizou a sua vitória, no segundo turno, e fora, na sociedade.

Cristiano Romero - Vamos falar sobre o Estado?

Valor Econômico

Gaetani e Lago lançam obra fundamental para debate da reforma

Um dos temas mais controvertidos do debate nacional é, sem dúvida, o que diz respeito ao Estado brasileiro. Infelizmente, sua abordagem limita-se, em geral, à superfície do assunto, àquela que, talvez, seja a mais fácil de entender - o número de funcionários públicos e os valores de seus salários, o custo dos serviços públicos para a sociedade, o tamanho da carga tributária e da dívida pública, a “ineficiência” da máquina estatal etc. Pouco ou quase nada se fala sobre o Estado que temos (como chegamos até aqui) e que Estado queremos e podemos ter para cumprir a missão civilizadora inscrita na chamada Constituição “cidadã”.

A confusão nesse debate é tanta que, dos dois lados do espectro da discussão, são usados argumentos falsos, equivocados, imprecisos e/ou mistificadores. Estão errados tanto aqueles que dizem ser o Estado o maior obstáculo para o desenvolvimento do país quanto os que julgam desnecessária a sua reforma.

 “A crise da democracia e ascensão da extrema direita que temos testemunhado em vários lugares do mundo - entre eles, o Brasil - pode ser explicada por diversos fatores. Há, porém, um fator pouco debatido, ainda que extremamente relevante, que ajuda a explicar o aumento das crises: a perda de legitimidade do Estado, do governo e da administração pública, diz Gabriela Lotta, pesquisadora e professora da FGV em São Paulo, na apresentação de um livro indispensável que será lançado hoje em Brasília - “A construção de um Estado para o século XXI” (Cobogó, 2022).