sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Claudia Safatle - O risco de dar tiro nos pés

Valor Econômico

Total de vencimentos da dívida nos próximos 12 meses é de R$1,338 trilhão

Parece que ninguém no governo eleito está entendendo a gravidade do quadro fiscal. Bastaria conversar com quem está com os dedos no pulso do mercado para se inteirar do que está acontecendo. O Tesouro está fazendo resgates líquidos de dívida com o caixa que tem, em vez de refinanciar, porque não quer sancionar o que o mercado está pedindo. Nos poucos leilões que faz, só para não ficar ausente do mercado, o Tesouro está pagando juros de 13,61 % a 13,79% ao ano para papéis de prazos mais curtos (2023 a 2026, segundo o leilão desta quinta-feira, 15).

Fernando Haddad, ministro da Fazenda indicado pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, não disse uma palavra sequer para ao menos criar o “benefício da dúvida”, como disse o ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida.

Para ter uma ideia do quanto representa o pedido de poder gastar R$ 200 bilhões acima do teto que consta da PEC da Transição, o relatório Focus, do Banco Central, aponta que a dívida pública como proporção do PIB cresce quatro pontos percentuais do PIB (Produto Interno Bruto) nos próximos anos. Haddad disse ontem, em um evento de Natal com catadores em São Paulo, que Lula lhe pediu para que coloque os pobres dentro do Orçamento e os ricos no Imposto de Renda. Perfeito! Se já não é assim é porque tem algo de muito errado na política tributária e na definição das prioridades quando da elaboração do Orçamento.

O fato é que R$ 277 bilhões foram usados do caixa do Tesouro para resgatar liquidamente papéis do governo. Hoje ainda há uma boa margem para resgatar títulos caso a área econômica do governo não queira aceitar as taxas que o mercado quer para continuar financiando o setor público. O caixa da União ainda tem pouco mais de um trilhão: é R$ 1,029 trilhão.

A questão é que a demanda por papéis do governo está secando. E em janeiro tem uma grande parcela de vencimentos da dívida: são R$ 293 bilhões, e mais R$ 178 bilhões em março e aí começa-se a esbarrar nos limites prudenciais definidos para o uso do caixa. Um dos limites é que o caixa deve ser suficiente para arcar com três meses de dívidas vincendas. Aí, ou o governo cede ao que o mercado quer ou não haverá mais financiamento para o gasto público. Tem um outro problema: se a demanda está secando, mesmo pagando mais os investidores podem não querer assumir o risco de levar um “calote”.

Neste ano a União recebeu um bocado de dinheiro extraordinário. Foram R$ 75 bilhões de resultado positivo do Banco Central, mais R$ 47 bilhões em dividendos pagos sobretudo pela Petrobras; e outros R$ 46 bilhões que foram obtidos com a desvinculação do dinheiro dos fundos. Esses e mais outros recursos permitiram ao governo dizer “não, não e não” às pretensões do mercado, para evitar colocar mais lenha na fogueira da volatilidade.

Só que as coisas têm limites, e o Tesouro Nacional não poderá agir assim eternamente sob pena de ficar sem financiamento para pagar a suas contas.

Os técnicos que administram as contas do setor público federal não têm ilusões sobre um eventual recuo das taxas de juros. Estão esperando, porém, que “as coisas minimamente se acalmem”. A demanda por títulos públicos começou a cair, inicialmente, porque o mercado não sabia o que aconteceria com os juros internos e externos. Depois, começou a secar pelo conjunto de informações que veio recebendo da área política, principalmente com as escolhas do presidente eleito para composição do governo. Isso mais as declarações de Lula têm sido um tiro nos pés. Ontem, por exemplo, ele disse nesse evento que “não se cuida dos pobres se ficar olhando a política fiscal”. É exatamente o contrário, presidente!

Os técnicos do Tesouro controlaram as emissões de títulos da dívida de forma que os indicadores não ultrapassaram os limites determinados pelo PAF (Plano Anual de Financiamento). Paralelamente, o ano começou com cerca de R$ 1,132 trilhão em caixa. Em outubro esse valor era de R$ 1,029 trilhão. O total de vencimentos da dívida nos próximos 12 meses é de R$ 1,338 trilhão.

Mansueto, que conhece bem a situação das finanças públicas, subiu o tom de alerta e apontou uma solução para o governo. Primeiramente, ele teria que desistir de ter autorização do Congresso para gastar R$ 200 bilhões, reduzindo à metade essa pretensão.

Esses R$ 200 bilhões, por si só, elevam a dívida para a casa dos 90% do PIB nos próximos quatro anos, segundo dados do mercado. Já os números oficiais apontam para algo no intervalo de 80% e 90%.

Se o governo Lula não sabe como vai pagar esses bilhões, há o risco de simplesmente não pagar!

 

Um comentário:

Anônimo disse...

"Parece que ninguém no governo eleito está entendendo a gravidade do quadro fiscal."

Bobagem.