terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Merval Pereira - A luta continua

O Globo

Relação de Lula com o Congresso eleito não será fácil.Ainda teremos vários embates

Tem razão de ser a desconfiança do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, de que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar inconstitucional o orçamento secreto tem a interferência política do presidente eleito, Lula. Como político calejado, a não ser que a “húbris” o tenha cegado, Lira deveria imaginar que um negociador como Lula, provado nas lides sindicais, não ficaria inerte vendo-se refém dele, que foi aumentando suas exigências enquanto parecia encurralá-lo nas cordas.

Afinal, Lula não é Bolsonaro e não começaria seu terceiro mandato nas mãos do Centrão sem pelo menos tentar desvencilhar-se. Tinha razão o senador Renan Calheiros quando avisou ao PT que não deveria depositar todas as suas fichas na PEC da Transição, pois ficaria nas mãos de Lira. As razões de Renan eram regionais, sua disputa de espaço com Lira em Alagoas, mas ele também tem a mesma expertise de seu adversário, sabe como se faz uma boa chantagem política.

Míriam Leitão - O Supremo motivo da decisão do STF

O Globo

O STF derrubou o orçamento secreto porque esse tipo de emenda não está prevista na Constituição e sua prática fere princípios constitucionais

Orçamento Secreto foi derrubado pelo Supremo porque fere princípios constitucionais e porque não tem previsão legal. As emendas individuais estão previstas, mas não as emendas de relator. No Direito Privado pode-se fazer tudo o que não está proibido, no Direito Público só se pode fazer aquilo que a lei permite. Como disseram todos os ministros que seguiram o brilhante voto de Rosa Weber, simplesmente não é possível, aceitável e defensável a manutenção do Orçamento Secreto. Mesmo os divergentes acompanharam em parte o voto da relatora, apenas Nunes Marques avaliou que isso era assunto do Congresso.

Eu havia escrito aqui no dia 6 de dezembro que o STF derrubaria o Orçamento Secreto e que haveria seis votos decretando a sua inconstitucionalidade. Foram exatamente seis os votos que formaram o veredito de ontem. Quando o ministro Lewandowski pediu tempo, muita gente avaliou que a presidente seria derrotada. Mas foram as circunstâncias que levaram o ministro a esperar. 

Luiz Carlos Azedo - PCB, da luta armada à defesa da democracia

Correio Braziliense

O livro tem um olhar crítico sobre a atuação de Prestes, sem embargo de reconhecer seu papel decisivo na história do Brasil

Biógrafo do jornalista Carlos Castelo Branco (Todo aquele imenso mar de liberdade) e do senador Teotônio Vilela (Senhor República), o escritor e jornalista político Carlos Machi lança hoje o seu mais novo livro: Longa jornada até a democracia (Fundação Astrojildo Pereira), o primeiro volume de uma história dos 100 de fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), desde as ideias que lhe dariam origem, em 1922, até a realização do VI Congresso, em dezembro de 1967. Será às 19h, no Beirute, tradicional reduto de estudantes, jornalistas e boêmios de esquerda, na Asa Sul do Plano Piloto de Brasília.

Quem imagina uma obra apologética e maniqueísta, irá se surpreender. O livro conta a história do PCB como quem prepara o peixe com um olho no gato e o outro na frigideira. O duplo olhar de Marchi contextualiza o papel do PCB na história do Brasil e, ao mesmo tempo, mostra as contradições de seus dirigentes com a antiga União Soviética, e entre eles próprios. Um processo no qual uma das vítimas foi o próprio fundador do partido, o jornalista e escritor Astrojildo Pereira, que caiu em desgraça após uma viagem a Moscou, em 1930, mesmo depois de capitular diante dos dirigentes do Comintern, que consideravam muito próxima uma revolução comunista no Brasil.

Maquiavel: o que o autor de 'O príncipe' tem a ensinar sobre democracia aos brasileiros?

Estudiosos contestam a fama 'maquiavélica' do florentino e o apresentam como um defensor do povo contra os 'Grandes'

Por Ruan de Sousa Gabriel / O Globo

Caso mudar o mundo esteja entre as suas resoluções de ano, vale a pena estudar obra de um diplomata florentino que, num livrinho chamado “O príncipe”, afirmou que um governante precisa estar disposto a “atuar contra a palavra dada, contra a caridade, contra a humanidade, contra a religião” se quiser conquistar e manter o poder: Nicolau Maquiavel (1469-1527). De cara, essa sugestão causa algum estranhamento. Afinal, “O príncipe” deu origem ao adjetivo “maquiavélico” (pérfido, ardiloso). No entanto, em “Maquiavel, a democracia e o Brasil” (Estação Liberdade), o professor do Departamento de Filosofia da USP e ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro escreve que o “Secretário Florentino” é “uma boa inspiração para quem quer mudar o mundo”.

E ele não está sozinho em sua defesa do maquiavelismo. Nos últimos meses, chegaram às livrarias títulos que destacam a originalidade do pensamento de Maquiavel e contestam sua fama de mau. Não só o autor de “Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio” não é nenhum professor de tiranos — ele nunca disse que os fins justificam os meios —, como também oferece valiosas lições de liderança e até de democracia.

Ou melhor: de republicanismo. Estudiosos enxergam em Maquiavel um herdeiro de uma tradição que remonta à filosofia grega e foi renovada pelos chamados humanistas cívicos nos primórdios da Modernidade, período em que viveu o autor. O velho Nicolau, quem diria, era um defensor do “governo largo” ou “misto”, o qual, diferentemente da monarquia e da aristocracia, assegura os direitos dos “Grandes” e também do povo.

Joel Pinheiro da Fonseca – Embate de Poderes requer inteligência

Folha de S. Paulo

Com o fim da alucinação bolsonarista, é hora de discutir o poder do Supremo

As duas importantes decisões do Supremo desde domingo mostram que, passado o bolsonarismo, ele continuará dando as cartas da vida pública.

A primeira decisão tirou do Executivo a necessidade de uma PEC para gastar acima do teto para viabilizar o auxílio de R$ 600. Mesmo que tudo dê errado na PEC da Transição, a principal promessa do novo governo será cumprida.

A segunda tirou das mãos do Congresso o principal mecanismo de compra de apoio parlamentar. Um dinheiro alocado sem nenhuma transparência, sem critério técnico, para deputados não assinalados, sem isonomia, apenas para garantir apoio de aliados. Não é coincidência que tenha irrigado a corrupção local por todo o território brasileiro.

Cristina Serra - Desejos de Ano-Novo para o Brasil

Folha de S. Paulo

Aspiração imediata é que todo brasileiro volte a comer sempre que sentir fome

Ao presidente que sai (e que nunca deveria ter entrado), desejo processo, condenação e prisão. Anistia, não! Esquecimento, não! E sem essa de senador vitalício. Genocídio é crime sem perdão.

Ao presidente Lula, ao vice Alckmin e aos novos ministros, força e coragem. Vão precisar. Desejo que nosso compromisso com a democracia seja definitivo e a luta contra o fascismo permanente. Que política seja negociação e não chantagem, que construa consensos e não que aprofunde ódios e antagonismos. Espero instituições agindo dentro de suas competências com o sentido de urgência que o país requer. E que o Brasil volte a um patamar decente e salutar de normalidade.

Alvaro Costa e Silva - Vendo o sol nascer redondo

Folha de S. Paulo

De frente ao mar, ex-governador poderá curtir seu legado de corrupção

No Rio toda criança em idade escolar —mesmo que no momento não esteja estudando por falta de vagas no ensino público— já decorou a lição extracurricular de história recente: nos últimos seis anos, seis governadores ou ex-governadores foram presos ou afastados do mandato. Eles ficam um tempo (que pode ser curto ou longo) atrás das grades, recorrem das condenações e respondem a elas em liberdade. Enquanto isso, o esquema de corrupção que os levou ao cárcere segue em moto-contínuo.

Último dos moicanos ainda vivendo em regime fechado em decorrência das apurações da Lava Jato, Sérgio Cabral conseguiu a revogação da prisão preventiva por 3 votos a 2 no STF —o voto de desempate foi dado pelo ministro Gilmar Mendes ressaltando que a decisão não significa absolvição.

Andrea Jubé - STF abre crise a dez dias da posse de Lula

Valor Econômico

Danilo Forte alerta que relação entre os Poderes deve piorar

O veterano deputado Danilo Forte (União Brasil-CE) alertou, há alguns dias, que eventual decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) declarando o orçamento secreto inconstitucional colocaria o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) diante de uma crise institucional antes mesmo de tomar posse. Era um vaticínio.

Boa parte do mundo político reagiu com perplexidade nesta segunda-feira ao voto de minerva do ministro Ricardo Lewandowski do STF, que jogou pá de cal sobre o orçamento secreto. Ele acompanhou a decisão da relatora e presidente da Corte, ministra Rosa Weber, para formar a maioria de 6 votos a 5 contra a ferramenta de distribuição das emendas de relator. O mecanismo - utilizado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para ampliar sua base no Congresso - notabilizou-se pela falta de transparência na aplicação dos recursos públicos.

César Felício - Judiciário tira Lula do corner

Valor Econômico

Com a decisão sobre o orçamento secreto, o STF entrega a Lula uma considerável melhora da governabilidade, que seria difícil construir com um governo de minoria no Legislativo

O presidente Jair Bolsonaro passou a segunda metade de seu governo tutelado pelo Congresso, por meio do orçamento secreto, e emparedado pelo Judiciário, pelos inquéritos contra atividades antidemocráticas e diversas iniciativas do Supremo Tribunal Federal (STF) que contiveram sua ação. Ainda antes de assumir o governo, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva já está de muitas formas devedor do Judiciário.

A dívida começou a ser formada em 2019, quando o STF reviu o entendimento sobre o cumprimento de pena após trânsito em julgado na segunda instância. O fim dessa possibilidade permitiu que o petista saísse da cadeia. Em março de 2021, com outra canetada, o ministro Luiz Edson Fachin devolveu a Lula a elegibilidade. Poucos meses depois, o STF considerou suspeito o ex-juiz Sérgio Moro, o que anulou as condenações e os processos contra Lula.

Pedro Cafardo - Lições da Copa para o Brasil

Valor Econômico

A primeira e mais importante é que o Brasil não é mais o “país do futebol”

Copa do Mundo que terminou domingo, com o terceiro título mundial para a Argentina, trouxe algumas lições para o futebol brasileiro.

A primeira e mais importante é que o Brasil não é mais o “país do futebol”. Agora esse título está mais bem atribuído, considerados os últimos desempenhos das seleções, a países como Argentina, França, Croácia e até mesmo Marrocos.

A seleção brasileira, há 20 anos sem título mundial, precisa ser repensada. Os grandes jogadores estão espalhados pelo mundo. Por melhores que sejam individualmente, não conseguem adquirir o entrosamento necessário para enfrentar as superpreparadas seleções europeias.

Quem viu as copas de 1958, 1962 e 1970, torneios em que o Brasil foi campeão, tem saudade das seleções que jogavam “por música”, formadas com a base de times brasileiros: Botafogo e Santos, por exemplo, eram o núcleo das duas primeiras copas ganhas pelo Brasil. Aos jogadores desses dois times se juntavam alguns craques de outras equipes.

Bernard Appy* - Despedida

O Estado de S. Paulo.

O desafio é grande, mas confio na boa política

Em 2013 comecei a escrever minha coluna no Estadão, jornal no qual meu pai havia trabalhado por quase 60 anos – desde sua chegada ao Brasil, em 1953, até sua morte. Por isso, minha relação com o jornal é não apenas profissional, mas também um tanto afetiva.

A partir de janeiro passarei a integrar a equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e não poderei mais manter a minha coluna. Quero agradecer ao Estadão pela confiança e pela disponibilidade do espaço para a manifestação das minhas opiniões ao longo desses nove anos (minha única reclamação é com relação ao tamanho dos artigos, que foi encolhendo ao longo do tempo: 2.500 caracteres é muito pouco).

Pedro Fernando Nery - A ciência do altruísmo de como fazer o bem

O Estado de S. Paulo.

A prescrição mais conhecida do altruísmo efetivo é se dedicar àquilo que se faz melhor

Minha vida tem propósito? Devo mudar o rumo da minha carreira? Como ajudar mais o próximo no ano que vem? Reflexões que são mais comuns no final do ano. Um movimento tenta ajudar com essas inquietações fornecendo respostas sobre “como fazer o bem”. Vamos falar hoje sobre essa espécie de ciência do altruísmo.

A turma do “altruísmo efetivo” reúne evidências para ajudar pessoas em dúvida sobre para que tipo de ONG doar seu dinheiro, ou ainda que área deve escolher quem quer impactar o mundo com seu trabalho.

A Givewell monitora com dados que iniciativas de caridade alcançam maior impacto com os recursos recebidos. No planeta, sugere doações para ONGS que trabalham em prevenção da malária (como distribuição de mosquiteiros) e desparasitação, por exemplo.

Carlos Andreazza - Um dia chegar a Nélida

O Globo

Na última mensagem, desde Santiago de Compostela, contou-me — voz baixinha — que cumpria “rota profissional intensa, mas sobretudo uma rota do coração”.

Adorava quando ela me dizia, como se conspirasse:

— Estou escrevendo algo perigoso.

E gargalhava gostosamente. Ante o mistério, ante a natureza subversiva — imprevisível — do ofício, ria como menina.

Ria como criança, a maior brasileira que conheci, compartilhando a aventura.

Sabia que eu adorava aquilo, a cumplicidade. E me enredava. Primeiro, o anúncio — grave. E então a gargalhada. Era uma espécie de senha nossa; para mim o código generoso de que não fosse apenas o editor. Sobretudo expressão de uma artista que jamais se acomodou.

Como nunca se terá dado ao relaxamento da glória a autora de um épico da altitude de “A república dos sonhos”, romance de 1984? Pensei nisso pela primeira vez quando recebi os originais de “A camisa do marido”, em 2014 — aliás, ótima introdução à literatura de Nélida Piñon. O erotismo daqueles contos me instigou — perturbou — não pela caretice de ir a escritora avançada nos 70, mas porque havia ali um exercício de experimentação cuja naturalidade só vejo no movimento de Caetano Veloso.

Nélida, há muito consagrada, era movimento. Ela própria, a perigosa. Aquela senhora formal, rigorosa, jamais hermética, tinha segredos. Desejos. Razão por que nunca parou de produzir e se puxar. A maior brasileira que conheci estando também, sem favor, entre as maiores escritoras do Brasil em todos os tempos. A maior ensaísta, sem dúvida. (Na dúvida, recomendo “Filhos da América”).

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Supremo acertou ao acabar com o orçamento secreto

O Globo

Cabe ao Congresso estabelecer mecanismos mais transparentes para alocar os recursos públicos

Fez bem o Supremo Tribunal Federal (STF) ao proibir ontem o mecanismo orçamentário que permitiu aos presidentes da Câmara e do Senado destinar nos últimos três anos perto de R$ 55 bilhões em dinheiro do contribuinte a projetos escolhidos pelos parlamentares sem transparência nem critério técnico. Ao limitar drasticamente o uso das emendas do relator-geral, identificadas nas leis orçamentárias pela sigla RP9 e conhecidas pelo apelido “orçamento secreto”, o Supremo libera os R$ 19,4 bilhões previstos para elas no Orçamento de 2023 e lança sobre o Legislativo o dever de estabelecer e seguir regras mais republicanas e transparentes no uso do dinheiro público.

Com o fim das RP9s, passam a valer na distribuição das verbas a parlamentares apenas os critérios já vigentes para as emendas individuais e de bancada: distribuição igualitária e impositiva (o Executivo é obrigado a executar os pagamentos). Deixam de valer as regras do Projeto aprovado às pressas no Parlamento na sexta-feira passada, na tentativa de atrair votos recalcitrantes do Supremo para manter as emendas do relator.

Poesia | O que fizeram do Natal - Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Roberta Sá - Menino

 

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Fernando Gabeira - O cheiro de queimado em Brasília

O Globo

Ainda é tempo de evitar os mesmos erros e suprimir a extrema direita dessa alternância no poder

O cheiro de queimado aqui é metafórico. Tem chovido com frequência, e os sinais do fogo ainda podem ser vistos na grama defronte à delegacia atacada por extremistas de direita. Ônibus e carros destruídos já foram retirados das ruas, de forma discreta e rápida, como se retiram corpos de quem morre num hotel.

Brasília não foi feita para grandes manifestações. Os gritos se perdem na solidão do Planalto, ninguém abre as janelas para jogar papel picado, água ou mesmo máquina de escrever, como no Rio dos anos 1960. Mas o clima aqui mudou. A concentração diante do Q.G. do Exército ainda tem gente, embora não tanto quanto no princípio. Amiga que passa por lá diz que, de vez em quando, rezam ou cantam o Hino Nacional. Os vendedores ambulantes foram retirados, e o clima de feira livre se dissipou.

Miguel de Almeida - Sofá, Miami (em seis vezes) e lasanha (gratinada)

O Globo

Bolsonaristas do meio-fio brigam para que seu mundo não tenha mudanças

Desde 30 de outubro, em algo assemelhado a uma comédia familiar, alguns amigos perderam tias e primos para a porta dos quartéis. Trocaram a macarronada dos domingos por uma sopa rala e banheiro químico. Com o fechamento dos bingos, descobriram ali nova forma de estar entre os iguais.

O cérebro humano continua a ser um dos grandes mistérios do planeta. Por sua capacidade de criar invenções e por sua incapacidade de aprender com os erros. As vivandeiras do pós-goiabeira são netas, sobrinhas-netas ou agregadas dos militantes da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, afamada bucha de canhão, ou massa de manobra, basta escolher, que clamaram pelo golpe militar levado a cabo em 1964. Foram 21 anos de perseguições políticas, assassinatos, falta de liberdade, carestia brutal e inflação descontrolada.

Bruno Carazza* - Ninguém quer o fim do orçamento secreto

Valor Econômico

STF pode antecipar o presente de Natal da classe política

A inapropriada visita do ministro Ricardo Lewandowski ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, no mesmo dia em que o Congresso aprovou resolução tentando dar ares de constitucionalidade às emendas do relator, sinaliza que praticamente ninguém no meio político tem interesse em colocar areia na graxa que hoje azeita as relações entre Executivo e Legislativo.

O Supremo Tribunal Federal (STF) dedica as últimas sessões do ano para julgar quatro ações movidas por partidos políticos questionando a constitucionalidade do chamado orçamento secreto. Cidadania, PSB, Psol e PV, de modo independente e cada qual explorando argumentos próprios, pediram que o STF declare que o regime das emendas do relator descumpre preceitos fundamentais insculpidos na Constituição.

Alex Ribeiro - BC quer coordenação monetária e fiscal

Valor Econômico

Inflação ficará na meta no ano que vem apesar de gasto extra de R$ 130 bilhões, projeta Banco Central

O Banco Central começou a incluir nas suas contas as despesas acima do teto de gastos no ano que vem. O valor adicionado nos modelos de projeção econômica, por enquanto, chega a R$ 130 bilhões, e surpreendentemente não impede que a inflação caminhe para a meta no prazo proposto, em meados de 2024.

Isso não quer dizer que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, esteja completamente tranquilo. Um eventual descontrole fiscal machucaria muito mais pelo canal das incertezas, que levaria à alta da cotação do dólar, e pela desancoragem das expectativas de inflação. Por isso, os principais pontos da longa conversa dele na semana passada com o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foram sobre a definição da regra fiscal que vai vigorar no governo Lula e sobre a coordenação, daqui para frente, das políticas monetária e fiscal.

Marcus André Melo* - Eleições e economia

Folha de S. Paulo

Se o governo eleito não toma decisões impopulares no início do mandato, o que acontecerá nas próximas eleições?

Como os assassinos, os políticos devem não só ter uma arma, mas também um motivo e uma oportunidade para manipular a economia. A afirmação é de Edward Tufte, em "Political Control of the Economy". Ou seja, os políticos devem ter incentivos, instrumentos e a ocasião para, digamos, gerar déficits ou distribuir benefícios.

Tufte cita "Six Crises" (1962), livro no qual Nixon afirmava que o insucesso dos republicanos em 1954, 1958 e 1960, devera-se ao mal desempenho da economia nos anos eleitorais. Sim, o notório conservador fiscal reconhecia o retorno da expansão do gasto em ano eleitoral.

Na linguagem de Tufte, o incentivo para a expansão fiscal em ano eleitoral é a reeleição; as "armas do crime", variadas: aumento dos valores de benefícios e salário mínimo, desonerações etc; a oportunidade é o estado de calamidade, que cria cláusulas de escape de regras fiscais.

Celso Rocha de Barros - Marina, Simone, Izolda e Nísia

Folha de S. Paulo

Quatro nomes de peso que sinalizariam que a Frente Ampla estará no governo

Marina SilvaSimone TebetIzolda Cela e Nísia Trindade são quatro nomes de peso que aumentariam a representatividade feminina no ministério Lula, trariam bagagem de competência e sinalizariam que a Frente Ampla que o elegeu estará presente no novo governo.

Marina Silva é uma gigante da história política brasileira. Como ministra de Lula, comandou a maior redução de desmatamento da Amazônia da história. Sua indicação para o Ministério do Meio Ambiente teria efeito diplomático imediato, pois seu prestígio internacional é imenso. Sua reconciliação com o PT na campanha de 2022 foi festejada pelos melhores quadros da esquerda. Trabalhou ativamente por Lula na campanha, apesar dos ataques bisonhos que sofreu do PT em 2014.

Felipe Moura Brasil - A vitória do conchavo

O Estado de S. Paulo.

Governo eleito aposta no ‘toma lá, dá cá’ para aprovar PEC que turbina gastos

Nem o futebol salvou o Brasil em 2022. Enquanto a Argentina conquista a Copa do Mundo do Catar, consagrando a genialidade de Lionel Messi, nosso país segue sem foco ético, sem liderança altruísta, sem exemplo unificador.

De um lado, o petismo renova a compra de apoio parlamentar para turbinar gastos sem cortar privilégios, ou turbinando-os também. O aumento do número de ministérios de 23 para 37, a liberação da nomeação de políticos para 548 cargos de poder com o afrouxamento da Lei das Estatais e a legalização da versão maquiada do orçamento secreto são apostas do governo eleito de Lula para aprovar a PEC do Estouro à base de “toma lá, dá cá”, embora petistas ainda disputem com Centrão e aliados da “frente ampla” os cofres mais cheios e as pastas de maior retorno eleitoral.

Oliver Stuenkel - Ataque a órgão eleitoral vira tendência

O Estado de S. Paulo.

Estratégia é compartilhada por populistas como Trump, Bolsonaro e López Obrador

Enquanto alguns líderes com ambições autoritárias ainda optam pela abordagem clássica de destruir a democracia – como Pedro Castillo, cuja tentativa de autogolpe no dia 7 fracassou –, um grupo crescente escolhe uma estratégia mais sutil, buscando enfraquecer os órgãos eleitorais de seus respectivos países, para depois poder lançar dúvidas sobre os resultados. Sem apresentar provas concretas de fraude, tais líderes questionam a imparcialidade das estruturas responsáveis pela organização dos pleitos e sugerem que o sistema opera contra eles. Projetando-se como “homens do povo” em luta contra o establishment, argumentam que o sistema eleitoral é corrupto, enviesado e não transparente.

Denis Lerrer Rosenfield* - Entre as chamas e o atraso

O Estado de S. Paulo.

Se as chamas de Brasília mostram a violência do bolsonarismo, o seu estertor, graças aos novos governantes, está sinalizando para o passado

Benjamin Constant, o célebre liberal francês do início do século 19, escreveu que as chamas de Moscou eram a aurora da humanidade. Referia-se ele à derrota de Napoleão ante o Exército russo, pois, em sua perspectiva, o governante francês era um ditador, que viveria, naquele então, o seu ocaso. Este dizer veio-me à mente ao visualizar as chamas de Brasília, sem que, para além do estertor de Jair Bolsonaro, não se consiga entrever uma aurora qualquer, senão a volta a um suposto idílio petista anterior. Se as chamas mostram a violência do bolsonarismo, incapaz de conviver com as diferenças e a liberdade, o seu estertor, graças aos novos governantes, está sinalizando para o passado.

Fernando Carvalho - A doce Nélida Piñon

O Brasil, sábado, amanheceu mais pobre culturalmente.  Faleceu em Portugal aos 85 anos a escritora Nélida Piñon. Em 2015 seu oncologista deu a ela apenas seis meses de vida. Então ela passou a planejar a própria morte e viveu durante mais sete anos. Primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras, autora de vinte livros que incluem romances, crônicas e ensaios, deixou uma obra inédita. Nélida teve seus livros traduzidos para dezenas de países. 

Morre Nélida Piñon, escritora integrante da Academia Brasileira de Letras

O Globo

Primeira mulher a se tornar presidente da ABL, carioca tinha 85 anos

Morreu, sábado em Lisboa, aos 85 anos, a escritora e integrante da Academia Brasileira de Letras Nélida Piñon. A ABL está providenciando o traslado do corpo, que será velado no Petit Trianon. A Sessão da Saudade será realizada na reabertura dos trabalhos da Academia, no dia 2 de março.

Em Lisboa, onde estava há três meses, Nélida teve um problema de vesícula. Ao ser examinada, descobriu que estava com entupimento dos vasos biliares e precisou fazer uma operação. Segundo amigos, a escritora estava se recuperando bem da cirurgia, mas este sábado, ainda no hospital, sofreu complicações e não resistiu.

Segundo o presidente da ABL, Merval Pereira, "estamos em recesso de fim de ano, mas abriremos a casa para fazer o velório. E, em seguida, Nélida será sepultada no mausoléu da ABL no Cemitério São João Batista, onde já repousa a sua mãe".

Carioca, Nélida Piñon foi a primeira mulher a se tornar presidente da ABL, entre 1996 e 1997. Ela deu seus primeiro passos na Academia em 27 de julho de 1989, quando foi eleita para a cadeira que tem por patrono Pardal Mallet, e da qual foi a quinta ocupante. Ela tomou posse em 3 de maio de 1990, recebida por Lêdo Ivo. Sua obra, que contempla conto, romance, crônica, memória e ensaio, foi traduzida em mais de 30 idiomas.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Feminicídios em alta trazem desafio ao novo governo

O Globo

Estatísticas mostram crescimento de 11% desde 2019, período em que os homicídios caíram no Brasil

Na tarde de 11 de dezembro, Rosineia Catarina Lach, de 30 anos, foi assassinada pelo marido, Antônio Batista Fagundes de Oliveira, de 34, na casa de parentes em Joinville, Santa Catarina. Foi esfaqueada com um dos filhos no colo. A criança se feriu, mas sobreviveu. Há pelo menos uma década, ela denunciava ameaças, a última feita na manhã do dia fatídico. Em vão. O assassino acabou morto pela polícia ao reagir à prisão.

Histórias trágicas como a de Rosineia acontecem com regularidade desconcertante no Brasil. A cada dia são registrados quatro feminicídios, majoritariamente de mulheres negras (62%). Mudam nomes de vítimas e agressores, armas usadas ou cenários dos crimes, mas o roteiro que mescla covardia, brutalidade e negligência das autoridades é quase sempre o mesmo. O país somou, apenas no primeiro semestre deste ano, 699 feminicídios, um recorde segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - A morte do leiteiro

 

Música | Roberta Sá - Samba de amor e ódio

 

domingo, 18 de dezembro de 2022

Luiz Sérgio Henriques* - O reacionarismo de massas em questão

O Estado de S. Paulo.

Ainda cabe reafirmar neste início de governo a necessidade de uma plataforma unitária que de novo conjugue esquerda e liberais – na economia e na política

Daqui por diante e pelos próximos anos, a democracia brasileira tem um desafio incontornável pela frente, a saber, o de esvaziar a extraordinária dimensão de massas que adquiriu entre nós a direita autocrática. Dezenas de milhões de cidadãos, sem obviamente serem fascistas ou coisa que o valha, deram por duas vezes seguidas consentimento – em eleições inquestionáveis – a um programa de natureza autoritária, num tempo em que o autoritarismo, especialmente o de ultradireita, tem mostrado por toda parte uma inclinação acentuadamente destrutiva.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Lula e os atalhos que retardam e embaraçam

Faço um pedido aos leitores que pode ser antipático, talvez presunçoso. O de que, se tiverem tempo e disposição, leiam ou releiam, como introito ao de hoje, os três artigos imediatamente anteriores desta coluna, todos, como o atual, dedicados ao atual contexto de transição pós-eleitoral a uma nova etapa da vida política nacional. É que me vejo no risco de repetir coisas já ditas nos últimos quarenta dias, tornando o enredo demasiadamente longo. Para quem não seguir a sugestão, resumo, para propor um fio de meada, o foco de cada um dos três artigos, mas sem retornar a todos os argumentos e evidências que neles procurei reunir.   

Luiz Carlos Azedo - Lula não pode ter “ilusão de classe” nem errar demais

Correio Braziliense

Sem base social robusta, com apoio da ampla maioria, o que segura o governo na ordem democrática são as instituições, em particular o Congresso

Houve um tempo em que a expressão “ilusão de classe” era um jargão da esquerda. Caiu em desuso porque estava relacionada à ideia de que o “ser operário” era a “classe geral”, historicamente destinada a libertar todos os explorados e oprimidos.

Como a classe operária está em extinção, substituída por robôs e algoritmos, a expressão perdeu o sentido que tinha antes. Mas há muitas formas de ilusão. Uma delas é acreditar que a elite política e econômica do país e a classe média estão de bem com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e vão apoiar uma política de combate às desigualdades sociais, num país de passado escravocrata, que fez quase todos os ciclos de modernização de forma excludente e autoritária, exceto nos governos de Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique Cardoso. Não estão satisfeitas — será preciso que o governo Lula dê certo.

Cristovam Buarque* - Não é por gratidão

Blog do Noblat / Metrópoles

Lula aceitou o desafio de ser presidente por compromisso com o Brasil, não por necessidade biográfica, nem para servir ao seu grupo político

O Brasil precisou de Lula e do PT para vencer a tragédia. Sem eles, dificilmente teríamos nome capaz de vencer a polarização política que o país atravessa, nem chegarmos em 2023 com um presidente preparado para nos reunificar e conduzir com coesão e rumo. Felizmente, em 2022, o Brasil teve Lula em condições e disponibilidade para dedicar quatro anos de sua vida, aos 76 anos de idade, para voltar à difícil tarefa de presidir o país. Lula aceitou o desafio de ser presidente por compromisso com o Brasil, não por necessidade biográfica, nem para servir ao seu grupo político.

A metade democrática do Brasil entendeu isto e votou nele, incluindo um significativo número de eleitores que não tinham o PT nem ele como primeira opção. Mas sabiam que sem ele teríamos pouca chance de vencer a tragédia e enfrentarmos os quatro anos seguintes para recuperarmos o país. Por pouco o presidente atual não foi reeleito. Até hoje, as pesquisas indicam que 32% dos brasileiros preferem um golpe militar a deixar Lula tomar posse. Ignorar esta realidade é tão negacionista e grave, quanto dizer que o covid era uma gripezinha.

Dorrit Harazim - País anda aos solavancos

O Globo

A vitória da frente comandada por Lula traz embutida uma oportunidade única de o Brasil encarar seu histórico de apagamento racista

Ninguém estranhou quando o presidente eleito, Lula, anunciou, dias antes de ser diplomado pelo Tribunal Superior Eleitoral, a formação do núcleo central do seu terceiro mandato. O quinteto escolhido recebeu acolhimento geral. Apenas aqui e ali apontou-se para o fato de Fernando HaddadFlávio DinoJosé Múcio MonteiroMauro Vieira e Rui Costa serem todos homens e quase todos brancos (o senador eleito Dino autodeclarou-se pardo pela primeira vez no registro eleitoral deste ano). Logo esse retrato seria corrigido. A necessária diversidade e inclusão verdadeira viriam à medida que a frondosa árvore de cargos ministeriais adquirisse seu formato final. O pecado original, porém, ninguém parece ter notado.

Passamos quatro anos denunciando o esfarelamento do ensino fundamental no país, a penúria imposta às universidades; aguentamos uma pandemia que deixou o Brasil de joelhos, e choramos a morte de 692 mil vítimas da Covid-19. O imperativo nacional de “melhorar a educação e a saúde” tinha virado mantra, quase que uma só palavra. Condição primeira para sair do atoleiro. O meio ambiente corria em paralelo como ponta de lança para apresentar o Brasil ao século XXI. Justamente nessas três áreas essenciais e prioritárias para a construção de um Brasil mais bem equipado para o futuro, o governo eleito dispõe de excelso naipe de ministeriáveis desde o início da transição. Pois nenhuma dessas três esferas — Educação, Saúde, Meio Ambiente — ainda integrou a comissão de frente do novo governo.

Merval Pereira - Garganta profunda

O Globo

Grupos antibolsonaristas que não são necessariamente do PT precisam ser contemplados nesse novo governo

O PT não entendeu até agora o que aconteceu na eleição presidencial. Depois de ter sido derrotado em 2018 com um candidato “de raiz”, venceu desta vez por uma diferença ínfima tendo Lula como candidato. É claro que houve um uso abusivo da máquina pública, mas nada indica que Lula venceria se não tivesse o apoio de forças políticas de outras tendências.

O novo governo tem que dar motivos para que parte desse eleitorado que votou em Bolsonaro sem ser bolsonarista volte a acreditar no partido e em Lula. Para isso, precisa governar sem o radicalismo de grupos petistas, e sem a arrogância petista. Lula saiu do governo com 80% de aprovação, portanto muitos dessa metade que votou em Bolsonaro já gostou em algum momento do Lula.

O desgoverno de Dilma Rousseff, e as revelações de corrupção da Lava-Jato, confirmadas por confissões e devoluções de dinheiro roubado dos cofres públicos, fizeram com que o antipetismo levasse parte desse eleitorado, desinformado sobre o passado político dele, a escolher o que seria a antítese do PT e de Lula: um Bolsonaro com fama de ilibado, nacionalista, anticorrupção.

Nada disso se confirmou, os piores prenúncios, sim. Mesmo assim, na eleição presidencial, Lula teve pouco mais de 50% de votos. Uma diferença muito pequena, que só foi possível devido ao caráter de frente ampla que se formou. A montagem do novo governo começa a demonstrar que o PT não mudou, apesar das sinalizações que demonstram que precisa mudar para unir o país.

Bernardo Mello Franco – É preciso saber viver

O Globo

Alvo do MP, Cláudio Castro rebateu acusações cantando música de Roberto e Erasmo Carlos

O Rio de Janeiro teve cinco governadores presos e pode ter um sexto cassado por crime eleitoral. Se a ameaça se confirmar, não será por falta de aviso. Na quarta-feira, o Ministério Público Eleitoral pediu a revogação do diploma de Cláudio Castro. Ele é acusado de abuso de poder político e econômico no escândalo dos cargos secretos.

O esquema foi revelado pelo UOL, que noticiou a contratação de 18 mil pessoas sem registro no Diário Oficial e com pagamentos feitos na boca do caixa. Mais tarde, funcionários contaram à TV Globo que eram obrigados a devolver parte dos salários a quem os nomeou.

Em sabatina no GLOBO, Castro reclamou da imprensa e se irritou ao ser questionado sobre as irregularidades. “Não falemos de cargos secretos, porque não é verdade. Está informando a população de forma errada”, disse. A ação da Procuradoria conta outra história.

Míriam Leitão - O desafio é tirar o rico do orçamento

O Globo

Um governo de esquerda tem que encarar uma difícil agenda: reduzir os gastos tributários que beneficiam os de maior renda e as empresas

O futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem dito que é preciso colocar o pobre no orçamento, repetindo o presidente Lula. Isso é, de fato, o que o país precisa. O grande desafio, contudo, sempre será tirar o rico do orçamento. Para fazer um governo realmente progressista é preciso encarar a agenda de redução dos subsídios, isenções, deduções e privilégios que empresas, grupos de interesse, e os de maior renda têm no país.

A desigualdade no Brasil é enorme porque há muitas formas de se eternizar o tratamento desigual na distribuição de recursos públicos. O presidente Lula criticou as deduções para saúde no Imposto de Renda. É um ponto. Como as deduções são ilimitadas, quanto mais for a renda, mais a pessoa poderá gastar em tratamentos caros e transferir esses custos para o governo. Porque é assim que funciona. O custo privado é repassado para o Estado. O gasto tributário com despesas médicas estimado para 2023, de acordo com a Ploa, é de R$ 24,5 bilhões.

Elio Gaspari - A dupla Haddad-Mercadante e o Fies

O Globo

A década de governos petistas produziu políticas públicas exemplares e desastres. Na educação, conseguiu as duas coisas. No primeiro mandato de Lula, o ministro Tarso Genro, com a colaboração de Fernando Haddad, fez o ProUni.

Parecia mágica. As faculdades privadas recebiam isenções tributárias e argumentavam que ofereciam bolsas de estudo em contrapartida. Era meia-verdade, pois essas bolsas (quando existiam) eram distribuídas para amigos ou amigos dos amigos. O ProUni vinculou as bolsas à renda familiar do estudante e ao seu desempenho no Enem. Sem qualquer despesa, abriram-se as portas do ensino superior privado para jovens do andar de baixo.

Ia tudo bem, quando o ministro da Educação, Fernando Haddad (2005-2012), resolveu ressuscitar um programa de crédito público para estudantes de faculdades privadas, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies).