sexta-feira, 28 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Desvincular BPC do salário mínimo é medida necessária

O Globo

Trocar correção pela inflação não traria perda a beneficiários e ajudaria a equilibrar as contas públicas

‘Não considero isso gasto, gente.’ A frase do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a idosos e deficientes de baixa renda, revela o longo caminho que o governo tem a percorrer para controlar a dívida pública. Como o BPC está vinculado ao salário mínimo, desde o ano passado passou a ser regido pela mesma regra de correção, que prevê aumento acima da inflação.

O histórico recente do BPC é de alta. Nos 12 meses terminados em março, a quantidade de benefícios assistenciais cresceu 12%, pelos dados do Instituto Brasileiro de Economia (FGV/Ibre). Essa expansão foi decisiva para aumentar o rombo da Previdência federal, equivalente a 3,9% do PIB em 2023. Isso se faz sentir nos resultados fiscais de maio, que registrou déficit de R$ 61 bilhões ante superávit de R$ 1,8 bilhão no ano passado. De acordo com o Tesouro, o déficit foi puxado pelo crescimento de R$ 24,4 bilhões nos benefícios previdenciários.

Fernando Abrucio -Escolas cívico-militares: um atraso amplo

Valor Econômico

O Brasil está propondo uma solução não educacional a complexos problemas relativos à qualidade do ensino sem que haja qualquer evidência da efetividade de tal proposta

A forma como os países organizam a educação tem efeitos que ultrapassam essa política pública. Lembrar disso é fundamental quando a adoção das chamadas escolas cívico-militares é ampliada no Brasil. Elas devem ser analisadas não só na maneira como impactam o modelo de ensino, mas também nas consequências que têm sobre o Estado e a visão de democracia.

Neste sentido, a militarização da política educacional bate de frente com várias conquistas obtidas a partir da redemocratização, levando a um retrocesso amplo que expressa o atraso civilizacional brasileiro em sua versão do século XXI.

O primeiro ponto que chama atenção no modelo das escolas cívico-militares é sua singularidade frente à experiência internacional recente. Nenhum dos países com resultados destacados em política educacional no mundo adota um padrão similar a essa nova jaboticaba brasileira. Militarizar o funcionamento das escolas não é característica nem dos governos mais próximos do autoritarismo que aparecem bem em rankings como o da avaliação do Pisa, exame organizado pela OCDE com cerca de 80 países.

Indo mais direto à essência da singularidade dessa proposta: não passa pela cabeça de gestores, educadores ou pesquisadores de educação em qualquer parte minimamente desenvolvida do mundo colocar militares aposentados como resposta a desafios educacionais.

José de Souza Martins - Imobilizados na mediocridade do repetitivo

Valor Econômico

O autoritarismo brasileiro condenou o país à eternidade da farsa

As pesquisas de opinião têm revelado a lentidão das esquerdas na conquista da preferência e do apreço do brasileiro. Na verdade, o povo não está dividido entre direita e esquerda. Um terço significativo dele está imobilizado na extrema direita e não se sente desafiado a sair do imobilismo. Gosta do atraso.

O que alguns sugerem ser esquerda está aprisionado no território político residual de uma direita que se julga consolidada, mas é politicamente frágil porque dilacerada em fragmentos antipolíticos e antidemocráticos. Longe de ser conservadora, a direita brasileira é reacionária e imobilista. Seus instrumentos de manipulação das consciências podem ter chegado ao limite da eficácia. A mentira política, gasta, já mostrou sua verdade infantil e ridícula.

Luiz Carlos Bresser-Pereira - Europa Ocidental à deriva

Valor Econômico

Semiestagnação e ameaça do nacional populismo avançam na região em que a forma de capitalismo é a mais avançada

Nas eleições recentes para o Parlamento Europeu, a direita radical fez novos avanços. Ao contrário do que se previa, não foi uma grande vitória, mas fez estragos nos dois países centrais da zona do euro, a França e a Alemanha. Já nos Estados Unidos, essa direita já esteve no poder e poderá voltar a ele no final deste ano. Não quero, porém, discutir esse país, mas sim a Europa Ocidental. Meu argumento é que o capitalismo do mundo rico está em crise - uma crise mais política do que econômica - e esta crise se vê mais claramente no Europa Ocidental.

Minha impressão é que esta região está à deriva. Seus dirigentes não sabem que rumo tomar. No pós-guerra, os europeus ocidentais construíram o capitalismo mais avançado de que temos notícia. Um capitalismo social-democrático. Em 1990 seu PIB per capita era quase igual ao dos Estados Unidos, enquanto a distribuição de renda era (e continua a ser) substancialmente melhor, o mesmo valendo para a qualidade de vida. Mas, desde então, a Europa Ocidental vem crescendo 50% menos do que os Estados Unidos. Entre 1990 e 2023 o PIB per capita cresceu 66% nos Estados Unidos contra apenas 48% na Europa Ocidental. Se considerarmos um período mais recente, de 2010 e 2023, as taxas médias de crescimento do PIB foram de 2,1% nos Estados Unidos contra 1,4% na Europa Ocidental.

Bernardo Mello Franco – Tempestade no Altiplano

O Globo

País andino não é o único a conviver com tentativas de tutela militar sobre o poder civil

A ação se deu à luz do dia, com transmissão ao vivo na TV. Tanques do Exército cercaram a Praça Murillo, sede do poder político na Bolívia. Um blindado avançou contra o palácio presidencial e arrombou o portão, abrindo caminho para a invasão fardada.

A quartelada de quarta-feira deixou o governo de Luis Arce por um fio. Após horas de tensão, o general Juan José Zúñiga foi preso, e a tentativa de golpe foi derrotada. Mas o episódio expôs os fantasmas que ainda rondam a democracia na América Latina.

No início da semana, Zúñiga disse estar “atento aos maus bolivianos” e ameaçou prender o ex-presidente Evo Morales para impedi-lo de voltar ao poder pelo voto. “Somos o braço armado do povo”, justificou.

César Felício - Lula muda estratégia para pautar noticiário

Valor Econômico

Presidente agora aceita correr riscos

Há uma evidente mudança de estratégia de comunicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As recentes entrevistas às rádios CBN e Itatiaia e ao portal UOL mostram isso.

O Lula de 2023 fez uma opção preferencial em se comunicar com entrevistadores mais alinhados a seu pensamento e a veículos de alcance regional, nas ocasiões em que cumpria agenda de viagens aos Estados, com pauta específica. Tentou também fazer uma mídia direta, com a entrevista ao vivo que concedia pelos canais da TV Brasil. Eram ambientes controlados. A mudança de estratégia sinaliza que não funcionou.

O Lula de agora aceita correr riscos. Ele se vê obrigado a responder de improviso a questões desconfortáveis. Joga com as pedras brancas do xadrez, dá o lance inicial. Em três entrevistas o presidente descartou alternativas para cortes de gastos, como revisões de vinculações constitucionais, retomou os ataques ao presidente do Banco Central, disse que não gosta do grande favorito para vencer as eleições americanas e que não pretende ter diálogo com o presidente argentino, a não ser que ele se humilhe. No plano político, Lula condicionou a permanência de um ministro de seu governo, nominou os possíveis candidato da direita em 2026 e deixou claro que pensa na reeleição.

Vera Magalhães - Qual o saldo das entrevistas de Lula?

O Globo

Presidente prestar contas é desejável, mas tem de haver objetivo de comunicação, que petista desperdiçou ao falar a rádios e portais

O governo Lula 3 superou a marca dos 500 dias em maio. O mês de junho foi marcado por uma turnê de entrevistas do presidente a rádios e portais de internet, algo sempre bem-vindo, pois a prestação de contas é primordial em governos democráticos. Mas qual o saldo das falas do petista? Se for feita uma pesquisa, provavelmente o que mencionarão serão as críticas, em diferentes tons de agressividade, ao Banco Central, à política monetária e ao presidente da instituição, Roberto Campos Neto.

No dia da primeira das entrevistas da série, à CBN, o dólar fechou em R$ 5,43, maior patamar desde janeiro de 2023. Durante a fala ao UOL, na última quarta-feira, a moeda americana rompeu o patamar de R$ 5,50 pela primeira vez desde janeiro de 2022. Não adianta o presidente perder a esportiva e chamar de “cretinos” os que apontam coincidência entre suas falas e os movimentos do câmbio, porque a entrevista foi ao vivo, e a oscilação da moeda em tempo real. Claro que a depreciação do real não se deve exclusivamente às entrevistas do presidente, mas xingar a imprensa, ainda mais com dados imprecisos, não retira o peso das palavras.

Vinicius Torres Freire - Banqueiros a favor de Haddad

Folha de S. Paulo

Em público ou entre pares, gente da banca quer menos ruído e mais apoio a plano fiscal

Banqueiros maiores querem colocar panos frios na chapa de Fernando Haddad, que anda esquentando neste ano. Acham que Luiz Inácio Lula da Silva espalha brasas, é verdade. Mas, em geral, não gostam de tumulto, ainda que seus tesoureiros possam ganhar algum dinheiro com isso no curto prazo (para os demais prazos, não vale a pena). Dão a entender que o investimento mais prudente de relações públicas é dar uma força ao ministro da Fazenda.

É o que têm feito tanto em conversas entre pares como em manifestações públicas, muito institucionais e que parecem mera diplomacia. É o que fez nesta quarta-feira, mais uma vez, Isaac Sidney, presidente da Febraban, na terceira reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o "Conselhão" do Lula.

Eliane Cantanhêde - Susp como o SUS

O Estado de S. Paulo

Governo se autoconcede mais poder e instrumentos contra o crime

Os governos vêm perdendo a guerra contra a violência há décadas, com as organizações criminosas, as milícias e o tráfico de drogas derrubando fronteiras e cooptando agentes do Estado, e uma das fragilidades da União é a falta de instrumentos, legais e policiais, para entrar na linha de frente. É para corrigir essa falha e atualizar o modelo de combate que o Ministério da Justiça enviou ao Congresso uma proposta de emenda à Constituição (PEC), se autoconcedendo mais poderes, ou mais instrumentos de ação.

Luiz Carlos Azedo - Datena embola a disputa eleitoral em São Paulo

Correio Braziliense

O PSDB renasce das cinzas, como fênix, na capital paulista. O apresentador comemorou o resultado da pesquisa Quaest sobre a disputa eleitoral: “A cidade procura uma alternativa”

Pesquisa Genial Quaest, divulgada ontem, sobre as eleições para a Prefeitura de São Paulo, roubou as atenções políticas em Brasília, porque mostra um surpreendente empate técnico entre o prefeito Ricardo Nunes (MDB), com 22% de intenções de votos, o deputado federal Guilherme Boulos (PSol), com 21%, e o apresentador José Luiz Datena (PSDB), com 17%. Os três estão embolados na margem de erro da pesquisa, que é de 3% para mais ou para menos.

Com Datena, o PSDB renasce das cinzas, como fênix, no seu berço histórico, a capital paulista. O apresentador comemorou o resultado da pesquisa: “Ficou claro que a cidade procura uma alternativa. Quero ser prefeito para tirar o crime organizado da prefeitura e dos serviços públicos. O PCC não vai mais mandar nos ônibus de São Paulo”, afirmou. Segundo o diretor da Quaest, Felipe Nunes, Datena é o mais rejeitado entre os pré-candidatos, mas também é o mais conhecido.

Bruno Boghossian - O fator Datena

Folha de S. Paulo

Ainda improvável, candidatura de apresentador dá pistas de etapa precoce da disputa

José Luiz Datena se habituou a fazer de suas aventuras políticas um espetáculo. Há mais de uma década, o apresentador repete o script: atrai holofotes, se filia a um partido e anuncia planos para uma eleição. Com a mesma desenvoltura, ele aparece na TV semanas depois para anunciar que desistiu de concorrer.

Em 2018, Datena deixou seu programa no prazo previsto na lei, falou em disputar o Senado e chegou a indicar o filho como substituto. Mudou de ideia em poucos dias. Fez algo parecido nas eleições seguintes e, agora, avisou que sairá de férias para se dedicar à campanha para a Prefeitura de São Paulo pelo PSDB.

Hélio Schwartsman - A decisão caquética

Folha de S. Paulo

Tentativa de apaziguar parlamentares enfraqueceu a tese constitucional

Mais uma vez, o STF meteu os pés pelas mãos. O julgamento da constitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas, que determina penas para usuários de substâncias ilícitas, deveria, se não ser algo simples, ao menos seguir um roteiro conhecido. Embora o não tão douto ministro André Mendonça o ignorasse, vários países, incluindo os vizinhos Colômbia e Argentina, já percorrem esse caminho.

Flávia Oliveira - Avanço relativo

O Globo

Na origem, Gilmar Mendes defendeu a descriminalização do porte de qualquer tipo de droga para consumo próprio

Movimentos é uma organização de jovens favelados e periféricos brasileiros, que atuam, via educação, arte e comunicação, no enfrentamento à violência, ao racismo, às desigualdades. Estruturaram-se sob a batuta de Julita Lemgruber (CESeC), uma das grandes pesquisadoras do país em segurança pública. No lançamento, em 2017, com a presença da vereadora Marielle Franco, assassinada no ano seguinte, participei de uma roda de conversa com a filósofa Djamila Ribeiro e o historiador Douglas Belchior. Quando o Supremo Tribunal Federal anunciou, na última terça-feira, que definiria a tese de repercussão geral do julgamento que descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal, a primeira postagem que me saltou aos olhos na rede social foi da dúzia de moças e rapazes hoje à frente da iniciativa.

Orlando Thomé Cordeiro - Viva a Idade Média!

Correio Braziliense

A permanente ofensiva dos talibãs brasileiros precisa ser respondida por quem acredita em uma sociedade apoiada nos princípios do respeito à diversidade e à liberdade de culto

Pesquisando na internet, é possível encontrar notícias como as reproduzidas abaixo:

"Brasil registra 1.463 feminicídios em 2023. Ou seja, cerca de um caso a cada seis horas, representando uma alta de 1,6% em relação a 2022. Em 18 estados, a taxa de feminicídios ficou acima da média nacional, de 1,4 morte para cada 100 mil mulheres. Entre 2015 e 2023, quase 10,7 mil mulheres foram vítimas. Esse é o maior número registrado desde que a lei contra feminicídio foi criada, em 2015, segundo o relatório publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)."

"Atlas da Violência indica que uma mulher sofre violência sexual no país a cada 46 minutos, sendo vítimas mais frequentes as que têm de 10 a 14 anos de idade. Mostra também que mais de 144 mil mulheres foram vítimas de algum tipo de agressão em 2022, sendo os homens os principais agressores."

André Roncaglia - Doença holandesa e produtividade

Folha de S. Paulo

Teoria liga vício na estrutura produtiva baseada em extrativismo de recursos naturais a uma prisão no subdesenvolvimento

Liderado pelo professor Luiz Carlos Bresser Pereira, o Novo Desenvolvimentismo (ND) oferece uma teoria econômica que explica a doença holandesa. É uma espécie de vício da estrutura produtiva em extrativismo de recursos naturais ou de rendas financeiras que aprisiona os países no subdesenvolvimento de seu potencial produtivo.

Esta condição afeta, por exemplo, países ricos em petróleo —como Venezuela, Noruega, Holanda e Brasil— e se manifesta como uma tendência à sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio, que asfixia a lucratividade das empresas industriais na fronteira tecnológica de seus setores. O resultado é a desindustrialização prematura e acelerada.

Fabio Giambiagi - Por que a produtividade deve ser nossa prioridade

O Globo

De 1980 a 2023, a produtividade se expandiu ao ritmo de 0,1% ao ano. Está na hora de o tema ser tratado como prioridade pela liderança política

O PIB de um país só pode aumentar por conta de um dos seguintes fenômenos: i) porque há mais pessoas produzindo; ii) porque há mais capital, na forma de máquinas, equipamentos ou construção civil; e/ou iii) porque, dada a mesma quantidade desses fatores, eles são combinados de forma a poder produzir mais.

Comecei a estudar Economia em 1980. Nos 40 anos anteriores, com todas as qualificações que possam ser feitas à qualidade das estatísticas antigas, o fato é que a produtividade por pessoa ocupada no Brasil aumentara à respeitável taxa de 4,2% a.a. Já nos 43 anos entre 1980 e 2023, a mesma variável se expandiu ao ritmo vergonhoso de 0,1 % a.a.

Talvez nada expresse de forma mais eloquente do que essa comparação a ideia de que nosso país “parou no tempo”. Com um agravante: o assunto passa a anos-luz das questões discutidas no ambiente político, onde perdemos tempo com propostas equivocadas, quando não ocupados com debates ridículos.

Poesia | O Mapa, de Mário Quintana

 

Música | Simone e Ney Matogrosso - Azul da Cor do Mar / Primavera - Prêmio da Música Brasileira

 

quinta-feira, 27 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Decisão do STF sobre maconha representa avanço

O Globo

Corte eliminou principal lacuna da lei ao estabelecer critério objetivo para distinguir usuário de traficante

Foi acertada a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de descriminalizar o porte de maconha para consumo próprio e fixar uma quantidade — 40 gramas, o equivalente, segundo estudos, a 80 cigarros da droga — para distinguir usuário e traficante. Dependendo das circunstâncias (presença de balança, caderno de anotações e outros indícios), a prisão não dependerá da quantidade. A principal lacuna da legislação atual era a indefinição, responsável pelo encarceramento em massa — e injusto — de dezenas de milhares de usuários. A dificuldade de consenso e as pressões fizeram o julgamento se arrastar por mais de uma década.

O uso de maconha para consumo pessoal, dentro dos parâmetros e circunstâncias estabelecidos, deixa de ser crime. Fica sujeito a sanções administrativas, punidas com advertência ou medidas educativas, e à apreensão da droga. O presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, fez questão de esclarecer no julgamento que a decisão não legaliza a maconha. O consumo de drogas em lugares públicos continua sendo ato ilícito. A decisão vigora até que o Congresso delibere sobre o assunto.

Maria Hermínia Tavares - Democracia à brasileira

Folha de S. Paulo

Para pesquisadores, modelo brasileiro se impôs ao autoritarismo de Bolsonaro

O modelo brasileiro de democracia se impôs ao autoritarismo de Jair Bolsonaro. Essa a conclusão do livro "Por que a Democracia Brasileira Não Morreu?", dos cientistas políticos Marcus André Melo (UFPe) e Carlos Pereira (FGV-RJ).

Do muito que se tem escrito sobre a turbulência política que engolfou o Brasil desde 2013, a obra é sem dúvida a mais ambiciosa e desafiadora. Na contramão do senso comum, sustenta que nossas instituições políticas são fortes —e o demonstra tratando não só dos quatro anos do governo Bolsonaro, mas de todo o agitado período que o antecedeu, incluindo o impeachment de Dilma Rousseff e o curto mandato de Michel Temer.

O argumento central do livro é que o peculiar arranjo institucional do país freou o impulso autoritário cevado no Palácio do Planalto. Esse arranjo, que os cientistas políticos chamamos "consociativo", constitui um mecanismo eficaz para impedir a concentração de poderes em um único centro de decisões.

Merval Pereira - Supremo busca o equilíbrio

O Globo

A necessidade de autocontenção do plenário do STF nunca havia sido tão debatida abertamente

O que era falado nos bastidores, e não por todos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), veio à tona na discussão sobre descriminalização do uso pessoal da maconha. O que era uma decisão de suma importância passou a ser, para alguns ministros, uma intromissão indevida do Supremo em decisões que deveriam ser tomadas pelo Congresso, com a ajuda de órgãos oficiais como a Anvisa, a agência de vigilância sanitária que decide questões ligadas à saúde da população.

Vários dos 11 ministros, em maior ou menor grau, pronunciaram-se afirmando que deveria caber ao Legislativo distinguir entre usuários e traficantes. O ministro Luiz Fux foi mais enfático, exortando seus colegas à autocontenção, afirmando que um “protagonismo deletério” corrói a credibilidade dos tribunais. Ele salientou que cabe aos Poderes eleitos pelo povo — Executivo e Legislativo — decidir questões “permeadas por desacordos morais que deveriam ser decididas na arena política”.

Míriam Leitão - O falso dilema do governo Lula

O Globo

As declarações ambíguas do presidente sobre a economia acabam alimentando a alta do dólar e o ambiente de crise

O presidente Lula deu mais uma declaração ambígua sobre economia. E isso num dia de aversão a risco com o dólar subindo. Subia por razões externas, mas a fala do Lula sobre a dúvida entre cortar gastos ou aumentar a arrecadação caiu mal. Primeiro porque era num dia ruim, segundo porque essa é a terceira declaração fora do tom em poucos dias. Isso alimenta a especulação. O problema é que o dólar bate na inflação, e quando ela sobe, diminuem as chances de os juros serem reduzidos. Lula acaba favorecendo o oposto do que quer. Este ano, o dólar já subiu quase 14% diante do real.

Bruno Boghossian - O general inconformado

Folha de S. Paulo

General palpitou sobre eleição, deu pitaco sobre decisão judicial, ameaçou usar a força e fracassou

O comandante do Exército da Bolívia acordou na segunda-feira (23) disposto a dar palpites sobre a política do país. O general Juan José Zúñiga foi a um canal de TV e afirmou que Evo Morales não tinha o direito de disputar a eleição de 2025. Depois, ameaçou prender o ex-presidente caso ele tentasse voltar ao poder.

Demitido na noite seguinte, Zúñiga apelou para uma intervenção direta. Na quarta (26), o general levou militares às ruas, usou um blindado para arrombar a sede do governo e pôs de pé uma tentativa de golpe contra o presidente Luis Arce. Declarou insatisfação com a situação da Bolívia e exigiu a troca de ministros.

Ruy Castro - A tornozeleira e a vida social

Folha de S. Paulo

Os acusados pelo 8/1 têm todas as oportunidades para se defender; na ditadura, não tinha disso, não

Os acusados pelo 8/1, respondendo no conforto do lar aos crimes que cometeram em Brasília, não estão satisfeitos com essa condição. E com razão. A tornozeleira eletrônica que são obrigados a usar restringe sua vida social. Dependendo da hora, impede-os de prestigiar rodeios, cultos evangélicos e shows de cantores sertanejos. Além disso, ela é difícil de acomodar dentro das botas de vaqueiro. E a proibição de se comunicarem com seus aliados golpistas é mais um suplício —se não puderem conversar com outros bolsonaristas, vão conversar com quem?

Luiz Carlos Azedo - Pode apertar, mas ainda não pode acender agora

Correio Braziliense

O samba de Bezerra da Silva continua atual, porque o Supremo apartou traficantes de usuários de drogas, mas o consumo de maconha continua sendo ilícito e proibido em locais públicos

Caso ainda fosse vivo, o cantor e compositor pernambucano José Bezerra da Silva (1938-2005) estaria cantando um dos seus sambas que falam da maconha, talvez até tivesse feito uma nova canção, para comemorar o resultado final do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu descriminalizar o porte de até 40 gramas de maconha para o uso pessoal, encerrado nesta quarta-feira, após nove anos de discussão na Corte.

Para fugir da fome, Bezerra saiu do Recife (PE) aos 15 anos, apenas com a roupa do corpo, embarcado num navio que transportava açúcar para o Rio de Janeiro. Como outros sambistas, foi trabalhar na construção civil, como pintor de paredes. Exímio ritmista (tamborim, surdo e outros instrumentos), começou a carreira de músico na Rádio Clube, com Jackson do Pandeiro, para quem compôs suas primeiras músicas: O Preguiçoso e Meu veneno. Em 1969, pela gravadora Copacabana, lançou seu primeiro compacto. Depois de estudar oito anos de violão e harmonia, passou a fazer parte da Orquestra da Globo. Mas ficou famoso e ganhou dinheiro como o inventor do chamado sambandido, assim denominado porque seus sambas faziam muito sucesso nos presídios.

William Waack - Gogó cansado

O Estado de S. Paulo

Ações políticas de Lula pioraram para ele difíceis condições estruturais

Lula reclama das renúncias tributárias como se fosse um infortúnio recente trazido por alienígenas. Na verdade, elas mantiveram padrão razoavelmente constante nos últimos 20 anos, com ou sem PT no poder. Espelham fielmente o padrão do sistema político brasileiro, que é a acomodação de interesses setoriais ou privados à custa dos cofres públicos.

O palavrório em tom de esperneio do presidente é inconsequente, pois ele não tem condições de alterar os dois principais fatores que lhe causam tantos dissabores ao pretender que governa. O primeiro é o fato de que o patrimonialismo continua sendo a principal característica das relações público-privadas no País. O segundo é que o Legislativo mudou a relação de poder com o Executivo.

Eugênio Bucci - Bibliotecas secretas

O Estado de S. Paulo

As instituições democráticas não sabem o que elas pesquisam, testam e realizam. As agências reguladoras não conseguem inspecioná-las

Já é conhecido o poder econômico das empresas tecnológicas mastodônticas que revolucionaram o nosso tempo, as chamadas big techs. Na semana passada, tivemos mais uma prova de sua magnitude pecuniária: circulou a notícia de que a Nvidia – detentora de mais de 70% do mercado global de chips para inteligência artificial – conquistou o alto do pódio, a posição de mais valiosa do mundo, com um preço de US$ 3,33 trilhões. A Microsoft, dona do Windows, foi desbancada para o segundo lugar – vale “apenas” US$ 3,32 trilhões. Em terceiro segue a Apple, avaliada em US$ 3,21 trilhões. As três juntas somam uma cifra intergaláctica, que dá mais ou menos cinco vezes o PIB de um país do tamanho do Brasil.

José Serra - Indústria: refletir além da próxima esquina

O Estado de S. Paulo

A economia brasileira patina na incapacidade de avançar há tempos. Talvez pela falta de horizonte e pela doença da supremacia do curto prazo

A reflexão sobre o desenvolvimento da economia brasileira é algo que parece ter sido perdido no espaço e no tempo. No Congresso Nacional, infelizmente, a disputa por nacos dos orçamentos secretos e as pautas de costumes esgotam a agenda que, aliás, tem sido marcada pelo atropelo. Na gestão econômica, o jogo das expectativas de curto prazo e a desmedida atenção às taxas de juros impedem que políticas de alcance mais estrutural avancem ou até mesmo que sejam propostas. Talvez essa dificuldade de colocar o desenvolvimento no topo da pauta possa explicar as razões de amargarmos trajetórias de crescimento tão frágeis. Os últimos dias podem dar um bom exemplo disso.

O clima de otimismo que vinha dominando os dados recentes da conjuntura sofreu um expressivo revés em abril. As vendas reais da indústria de transformação do Estado de São Paulo recuaram 4,3%, relativamente ao mês anterior, eliminando o ganho registrado em março, segundo dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). As horas trabalhadas na produção caíram 2,1%, assim como o salário real médio (-3,1%).

Celso Ming - Tripé manco

O Estado de S. Paulo

Como afirmou um dos formuladores do Plano Real, o professor Edmar Bacha, depois de 30 anos duas das pernas do tripé da política econômica de então “pegaram”. Foram elas: o controle da inflação e o câmbio flutuante. Mas a terceira perna não “pegou”, a da responsabilidade fiscal.

Bem que, nos dois primeiros anos da administração Lula 1, a responsabilidade fiscal foi uma das pilastras do governo. Mas isso foi mais pelo compromisso eleitoral assumido na Carta ao Povo Brasileiro, de junho de 2002, do que por convicção pessoal. Uma vez instalados no Planalto, tanto Lula quanto Dilma desprezaram a tarefa de equilibrar as contas públicas, também não observada à risca por Bolsonaro.

Entre as esquerdas, o imperativo da responsabilidade fiscal nunca foi bem aceito. Foi tido como coisa dos neoliberais, do Fundo Monetário Internacional ou do chamado Consenso de Washington. O professor Celso Furtado, o economista brasileiro mais respeitado pelas esquerdas nacionais, já proclamava nos anos 1950 que, sem enormes despesas do Estado, o desenvolvimento econômico não aconteceria.

Maria Cristina Fernandes - O discurso que torna Lula sócio da inflação

Valor Econômico

Se a descriminalização da maconha reacende a polarização, o discurso de Lula sobre a economia coloca em risco até a estreita vantagem sobre o bolsonarismo

Com a descriminalização do porte de maconha, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão destinada a impedir a superlotação dos presídios com jovens negros de periferia. O caráter civilizatório da medida não impede a constatação de que o STF acendeu o fósforo no paiol da polarização.

Ainda que o faça por desconhecimento, a maioria da população é contrária. Campanhas de esclarecimento podem minorar esta percepção, mas há um risco de que a medida caia no colo do governo e dos seus candidatos às eleições municipais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva parecia estar pisando nesse terreno movediço quando respondeu, ao UOL, que o Supremo fazia uma intervenção indevida em tema do Congresso.

César Felício - Fala tem consequências na economia, na política e nas relações externas

Valor Econômico

Fala sobre desvinculação de benefícios fecha uma porta em relação ao ajuste fiscal

Da longa entrevista desta quarta-feira do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao menos quatro afirmações irão provocar consequências nos campos econômico, político e diplomático. Talvez a mais importante, porque impacta diretamente as expectativas do mercado financeiro, seja a afirmação taxativa do presidente de que não proporá a desvinculação do pagamento de benefícios previdenciários ao salário mínimo. "O mínimo é o mínimo para sobreviver", garantiu.

Uma porta foi fechada, portanto, em relação ao ajuste fiscal. Como o presidente também garantiu que não se deve também gastar mais do que se arrecada, o corolário óbvio é que o governo federal continuará buscando formas de arrecadar mais. E redobrará apostas no Estado indutor da economia. "Se o PIB não crescer, você não tem o que distribuir", disse.

Anne Krueger - Pelo fim do flagelo protecionista

Valor Econômico

Se o sistema comercial internacional continuar em seu rumo atual, o mundo ficará mais pobre, mais dividido e muito mais vulnerável a ameaças existenciais iminentes

A Organização Mundial do Comércio (OMC) é uma das maiores histórias de sucesso da era pós-Segunda Guerra Mundial. Ao criar regras baseadas em princípios, como a não discriminação entre parceiros comerciais e o tratamento equitativo para bens nacionais e internacionais, a OMC permitiu o florescimento do comércio exterior, com enormes benefícios para o crescimento econômico geral e a redução da pobreza. Nesse sentido, a OMC é como o oxigênio: essencial, mas muitas vezes dado como certo.

Antes de 1800, o comércio internacional representava uma parcela muito pequena da atividade econômica mundial, tanto porque os custos de transporte e comunicação eram altos quanto porque a maioria dos países adotava políticas mercantilistas. Ao longo do século XIX, porém, esses custos foram caindo e as barreiras comerciais sendo reduzidas - primeiro no Reino Unido, e depois em toda a Europa - e teve início uma era de crescimento econômico extraordinário nas economias avançadas de hoje.

Cora Rónai - A dialética do caos

O Globo

Soprar as chamas de uma situação já tensa com uma ameaça de guerra civil, como Macron está fazendo, realmente não é coisa de adulto responsável

É tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que fica impossível prestar atenção a tudo. A França, por exemplo. A jogada de Macron, que até pareceu ousada num primeiro momento, agora parece inconsequência pura e simples. Adultos responsáveis não fazem apostas loucas quando estão no governo porque, ora, são adultos responsáveis, e vida de adulto responsável é mais Angela Merkel do que James Dean, mais trilha do que escalada, mais quarteto de cordas do que rock’n’roll.

Os eleitores do país votaram em massa na extrema direita para o Parlamento Europeu. O que faz um adulto responsável? Qualquer coisa, menos dissolver a Assembleia, convocar novas eleições e pagar para ver: “É direita mesmo que vocês querem?”

Marina Gonçalves - Fracasso de golpe de Estado revela força política de Arce na Bolívia

O Globo

Presidente disputa protagonismo interno com o ex-aliado, Evo Morales, e agora seu maior rival dentro do Movimento ao Socialismo (MAS)

A demissão do comandante do Exército boliviano, Juan José Zúñiga, após uma série de ameaças contra o ex-presidente Evo Morales, foi o estopim para uma tentativa fracassada de golpe de Estado, que durou poucas horas e terminou com o militar preso. Mas acabou revelando a força política do presidente Luis Arce — ex-aliado de Morales e agora seu maior rival dentro do Movimento ao Socialismo (MAS).

Na segunda-feira, Zúñiga fez ataques contundentes contra Morales durante uma entrevista na TV, quando disse que o líder do MAS “não poderia mais ser presidente deste país” — Evo já anunciou que será candidato ao pleito do ano que vem; Arce, por sua vez, vem mostrando a intenção de tentar a reeleição.

Poesia | Falhei em tudo, de Fernando Pessoa

 

Música | Tendência - Luciana Mello (Sambabook Jorge Aragão)

 

quarta-feira, 26 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Eleição na França traz tensão ao projeto europeu

O Globo

Eventual vitória da extrema direita lançaria país em período de instabilidade sem precedentes

Quando os franceses forem às urnas no domingo eleger os ocupantes das 577 cadeiras da Assembleia Nacional, estará em jogo mais que o legado das reformas do presidente Emmanuel Macron. Um Parlamento dominado pelo ultradireitista Reunião Nacional (RN), seguido pela Nova Frente Popular (NFP), coalizão liderada pela extrema esquerda, lançaria o país num período de instabilidade sem precedente, prejudicial ao projeto europeu. O mandato de Macron, líder mais vocal da União Europeia (UE), acaba em 2027, mas, a depender do resultado, problemas domésticos o enfraquecerão no bloco.

Se confirmados, os ganhos eleitorais dos extremistas de direita (e de esquerda) aumentarão a erosão dos partidos no centro do espectro político. É verdade que a coalizão liderada pelo centrista Olaf Scholz segue governando a Alemanha, e o Partido Trabalhista, depois de uma guinada ao centro, é favorito nas próximas eleições no Reino Unido. Mas essas conquistas em nada diminuem a insatisfação dos europeus. Entre as décadas de 1960 e 1980, a fatia de votos dos partidos social-democratas se manteve em 34% do total. De lá para cá, houve uma queda de pelo menos 10 pontos percentuais. Na França, os socialistas, representantes da tendência moderada, são coadjuvantes dos extremistas na coalizão de esquerda.

Bernardo Mello Franco - Assange livre

O Globo

Casa Branca não explica por que libertou ativista agora, após 12 anos de confinamento e prisão

As Ilhas Marianas do Norte foram descobertas em 1521 por um navegador português a serviço do rei da Espanha. Tempos depois, seriam vendidas à Alemanha, tomadas à força pelo Japão e finalmente ocupadas pelos Estados Unidos.

Nesta quarta (noite de terça no Brasil), o pequeno arquipélago do Pacífico foi palco de uma notícia global. O australiano Julian Assange reconquistou a liberdade, depois de 12 anos de prisão e confinamento no Reino Unido.

Elio Gaspari - A jogatina ganhou mais uma

O Globo

Por 14 votos contra 12, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou o Projeto de Lei que autoriza o funcionamento de cassinos, jogo do bicho, bingos e outras modalidades de jogos de azar no Brasil. Como o projeto já passou pela Câmara, falta só o voto do plenário dos senadores para que ele vá à sanção de Lula, restabelecendo a legalidade da jogatina no país.

O projeto não foi apreciado pela Comissão de Segurança Pública. Isso acontece enquanto abundam as notícias da expansão do crime organizado em Pindorama. Facções criminosas infiltraram-se nas redes de transportes de diversas cidades, controlam negócios que vão do tráfico de drogas a postos de gasolina.

Há dias os repórteres Bernardo Mello e Rafael Soares mostraram que o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho disputam o domínio do mercado de apostas legais no Rio, no Ceará e em Rondônia. Em abril, a Polícia Federal prendeu operadores dessa conexão, e eram um sobrinho e uma cunhada do notório Marcola, um dos chefes do PCC. Aquilo que se presume ser um mercado de apostas legalizado tornou-se um biombo para alimentação de organizações criminosas metidas com o tráfico de drogas e de armas. Segundo a Polícia Federal, apenas numa rede de 20 investigados foram movimentados R$ 301 milhões.

Luiz Carlos Azedo - STF descriminaliza maconha, e Pacheco reage

Correio Braziliense

O julgamento tirou um gênio da garrafa no Congresso, porque a tendência da Câmara é aprovar a emenda à Constituição que endurece e engessa a política de drogas

Antes mesmo de acabar o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que descriminalizou o porte de maconha para o próprio consumo, por 8 a 3, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), concedeu entrevista coletiva na qual discordou da decisão e afirmou que houve invasão da competência do Congresso. Sua manifestação corrobora a intenção de setores conservadores do Congresso, sobretudo os evangélicos e a chamada bancada da bala, de proibir não só o tráfico como criminalizar o consumo da droga.

Pacheco argumenta que há um critério técnico para dizer se uma substância deve ser considerada um entorpecente ilícito ou não. “Há uma lógica jurídica e racional que, na minha opinião, não pode ser tomada por uma decisão judicial, invadindo a competência técnica, que é da Anvisa, e a competência legislativa, que é do Congresso Nacional”, disse, logo após o ministro Dias Toffoli anunciar que havia se expressado mal ao votar, na quinta-feira passada, e que seu voto era pela “descriminalização da posse de maconha.”