Num evento comemorativo dos 30 anos da Constituição, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José Antonio Dias Toffoli, disse que é a política que tem de conduzir o País, e não o Judiciário, numa referência ao protagonismo dos tribunais nos últimos anos. “O Legislativo legisla para o futuro, o Executivo para o presente, e o Judiciário para o passado. Se tudo vai parar no Judiciário, é porque as outras instâncias falharam. Não pode tudo parar no Judiciário”, afirmou o ministro Toffoli.
Como exemplo da judicialização da vida nacional, o presidente do Supremo citou a greve dos caminhoneiros, que paralisou o País em maio passado. “Será que é o Judiciário que tem que decidir greve de caminhoneiro? Ou são os setores da sociedade que têm que decidir? Mas está lá, está judicializado. O Judiciário tem que ser a última fase, e não a primeira”, disse o ministro Toffoli.
São palavras muito sensatas. Deveriam ser ouvidas com muita atenção, a começar pelos próprios pares do ministro Toffoli no Supremo. Se “tudo vai parar no Judiciário”, como afirmou o presidente do Supremo, é porque, em primeiro lugar, aquela Corte tem aceitado discutir questões sobre as quais não lhe cabe emitir juízo - e, não raro, acaba por imiscuir-se na seara dos demais Poderes.
Não foram poucas as ocasiões em que o Judiciário, com o Supremo à frente, atuou como legislador. Movidos pelo ativismo que tanto tem caracterizado uma parte da magistratura, juízes e ministros de tribunais superiores, que não receberam um único voto do eleitorado, consideram-se aptos a - e talvez até mesmo no dever de - tomar decisões que caberiam somente ao Legislativo.
Um dos casos mais graves, que vale ser relembrado, foi a decisão do Supremo de restringir o foro por prerrogativa de função, em maio passado. Na interpretação unânime dos ministros, só tem direito ao foro privilegiado o parlamentar cujo processo diga respeito a crimes cometidos durante o mandato e que estejam relacionados ao exercício do cargo eletivo. Ou seja, em todos os demais casos, os parlamentares poderão ser processados em tribunais de primeira instância. Caso se limitasse ao que está escrito na Constituição, contudo, o Supremo concluiria que inexiste naquele texto qualquer limite para o foro por prerrogativa de função. Mas os ministros, na prática, resolveram “emendar” a Constituição, para atender a um alegado clamor popular contra a corrupção.
Em outras ocasiões, o Supremo também se intrometeu em atribuições exclusivas do Executivo. Foi o caso, por exemplo, da decisão de suspender os efeitos de um indulto natalino concedido pelo presidente Michel Temer em 2017. Conforme consta na Constituição, a prerrogativa de conceder o indulto é exclusiva do chefe do Executivo, e as regras para a concessão foram seguidas por Temer. No entanto, a vontade de alguns ministros prevaleceu sobre o texto constitucional, pois eles entenderam que o indulto de Temer beneficiaria corruptos; logo, às favas a Constituição. Mesmo depois que a maioria dos ministros do Supremo decidiu restituir ao presidente da República a prerrogativa constitucional de conceder o indulto, o processo parou por pedidos de vista - manobras procrastinadoras que violam o próprio regimento do Supremo. Mas, em nome da “luta contra a corrupção”, parece valer tudo.
Assim, vem em boa hora a advertência do presidente do Supremo. “É necessário que nos recolhamos, venho falando muito sobre isso”, disse o ministro Toffoli. “Nós não somos zagueiros, somos centroavantes, não podemos ser o superego da sociedade.”
Ao se exporem como se políticos fossem, magistrados e ministros de tribunais superiores correm o risco de perder a aura de imparcialidade que deveria acompanhar quem tem por função zelar pela prevalência do Estado de Direito. Numa democracia madura, cada instituição tem um papel muito bem definido a cumprir, dentro daquilo que prevê a Constituição. Fora disso, resta o voluntarismo dos que se imaginam, messianicamente, encarregados de consertar o Brasil.
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