quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Flávio Dino decidiu apenas o óbvio, por Thiago Amparo

Folha de S. Paulo

Leis de outro país não têm eficácia no Brasil se ofende a soberania nacional

Trocando o juridiquês por uma linguagem que humanos entendam, o que o ministro Flávio Dino decidiu é simples: no Brasil vale a lei brasileira, como nos EUA vale a lei americana. Em outras palavras: no Brasil, as pessoas —jurídicas ou físicas— estão sujeitas às normas adotadas pelo Legislativo e aplicadas pelo Judiciário das bandas de cá. Data vênia o alarde que causou, a decisão de Dino sobre leis e atos estrangeiros não tem absolutamente nada de novo, a rigor aplica-se às partes daquele caso, não a Moraes, e apenas repete o que a lei já diz.

A lei internacional (tratados, decisões de cortes internacionais, por exemplo) pode ter eficácia direta porque é aceita pelo Brasil como norma válida; leis estrangeiras não. Se amanhã a China decidir sancionar colunistas deste jornal que critiquem o país asiático por, digamos, falta de liberdade de expressão naquela nação, esses colunistas procurarão as cortes brasileiras para reforçar a ideia básica de que neste parquinho quem manda somos nós. É o mesmo direito que Alexandre de Moraes e qualquer cidadão brasileiro possuem.

Leis, atos e sentenças de outro país não possuem eficácia no Brasil quando ofenderem a soberania nacional, e empresas estrangeiras devem respeitar as leis locais em suas operações. Quem diz isso? A lei brasileira, nestes exatos termos, desde 1942. Se juridicamente Dino disse apenas o óbvio, o espanto, no entanto, advém da consequência que pode ensejar.

A margem para conflito espacial de leis, no entanto, é menor do que parece. Uma leitura mais atenta da ordem dos EUA contra Moraes mostra que ela se aplica tão somente a bens de Moraes sob posse ou controle de empresas dos EUA e a transações de Moraes dentro dos EUA ou que passam por lá. A simples existência de um ente ou contrato nos EUA por uma empresa que também opera aqui não deveria servir de gatilho para aplicação de sanções.

Se o óbvio que é a soberania nacional causa tanto furor, é porque já naturalizamos a condição de vira-lata. Como nos lembrou Nelson Rodrigues, na voz da brasileiríssima Fernanda Montenegro: se o Brasil é vira-lata, que sejamos gloriosamente vira-latas.

 

 

Nenhum comentário: