O Estado de S. Paulo
Em sua longa volta para casa, o grego Ulisses passou por situações terríveis, relata Homero, em sua Odisseia. Lutou contra o gigante Ciclope, que tinha um só olho, no meio da testa; teve de se livrar das sereias traiçoeiras; enfrentou a feiticeira Circe, que transformou seus marinheiros em porcos; sofreu um naufrágio devastador; e teve de passar por Cila e Caribdis – dois rochedos no estreito de Messina, ambos tomados por monstros carniceiros. Quem escapa de Cila acaba trombando com Caribdis, cujas criaturas mataram seis marinheiros de Ulisses e por pouco não afundaram seu navio.
É bem a situação dos grandes bancos
brasileiros depois da determinação monocrática do ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF), Flávio Dino, de que os bancos não têm por que executar a chamada
morte financeira do seu colega de Supremo, Alexandre de Moraes, tal como
determinada por Donald Trump.
Se os bancos não cumprirem as represálias
impostas pela Lei Magnitsky, criada para castigar terroristas, ditadores e
corruptos, sofrerão as devastadoras sanções previstas. Se não cumprirem a
determinação de Flávio Dino, ficarão sujeitos aos castigos do STF. Estão entre
Cila e Caribdis. Por conta desses monstros e da insegurança jurídica que daí
resultou, os bancos já perderam R$ 39,4 bilhões em valor de mercado, apenas com
a desvalorização de suas ações na Bolsa. Apesar do alívio no pregão desta
quarta-feira, os bancos recuperaram apenas R$ 1,9 bilhão dos R$ 41,3 bilhões
perdidos na sessão de terça-feira.
A situação é mais complicada do que parece,
porque uma saída não envolve apenas a aplicação técnica de leis e princípios
jurídicos. Carrega alta dose de política e de geopolítica, a mesma que impôs o
tarifaço sobre exportações do Brasil aos Estados Unidos. Entre outros
objetivos, pretende arrancar dos três poderes a garantia da candidatura do
ex-presidente Bolsonaro a um novo mandato, passando por cima de um julgamento
democrático em curso no Supremo.
E atenção: a decisão do ministro Flávio Dino
também foi de natureza política – na medida em que procurou livrar a cara do
seu colega de tribunal. E é preciso perguntar por que o restante do colegiado
do Supremo se mantém omisso.
Se a blindagem do ministro Xandão funcionar,
as represálias do governo Trump ao STF e ao Brasil tendem a aumentar.
Se a economia do Brasil estivesse arrumada, o
governo seria mais respeitado, como a China vem sendo. No entanto, o rombo
fiscal continua crescendo e, com ele, a dívida. Apenas o pacote de compensação
às perdas das empresas com o tarifaço empurrou mais R$ 9,5 bilhões em despesas
públicas. Se for confirmada em setembro a condenação de Bolsonaro pelo STF,
sabe-se lá que novas pancadas despencarão sobre a economia e sobre as empresas
brasileiras.
Não dá para saber qual será a saída dessa
encrenca. Apesar das perdas, o esperto Ulisses conseguiu passar entre os
rochedos de Cila e Caribdis, sem o que não teria finalmente voltado para sua
ilha de Ítaca. •
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