sábado, 16 de agosto de 2025

Renda mínima é dignidade, por Eduardo Suplicy

O Globo

Moedas sociais funcionam como instrumento complementar à moeda oficial, promovendo um círculo virtuoso de crescimento

Quem acompanha minha trajetória sabe do meu grande propósito de vida: ver a Renda Básica de Cidadania (RBC) implantada no Brasil para garantir uma renda mínima que assegure liberdade e dignidade a todas as pessoas. Poderia escrever mil páginas sobre o tema, mas serei breve para trazer uma ótima notícia.

A partir do dia 25 de agosto, economistas, cientistas sociais e especialistas de todo o mundo estarão no Rio de Janeiro para o 24º Congresso Internacional da Renda Básica e Economia Solidária. O evento é promovido pela Bien, rede mundial da renda básica. Grandes estudiosos, como Philippe Van Parijs, Guy Standing e Pablo Yanes, além do atual presidente da Bien, Sarath Davala, apresentarão experiências de sucesso nos cinco continentes e acompanharão de perto nossos avanços no Brasil.

É significativo que as cidades de Maricá e Niterói tenham sido escolhidas para sediar o encontro. As duas contam com experiências notáveis e, muitas vezes, pouco conhecidas na adoção de moedas sociais e em seu uso nos programas de transferência de renda. Essas iniciativas foram inspiradas na Lei 10.835/2004, de minha autoria, que instituiu a RBC em 2004.

Desde 2013, acompanho a iniciativa do então prefeito Washington Quaquá, que implementou um sistema de benefícios a partir da criação da moeda social mumbuca, equivalente a um real. Com a afluência de royalties do petróleo, Maricá expandiu a iniciativa para um “ecossistema de economia solidária”, abrangendo diversas áreas, como transporte, saúde, educação e alimentação.

Em 2019, a política de transferência de renda em Maricá foi renomeada para Renda Básica de Cidadania, garantindo 130 mumbucas mensais às pessoas inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Em julho de 2025, o benefício, agora de 230 mumbucas mensais, foi pago a 71.490 residentes há mais de três anos no município.

O sucesso da iniciativa em Maricá motivou outras cidades do Estado do Rio a criar suas respectivas moedas: itajuru (Cabo Frio), saquá (Saquarema), elefantina (Porciúncula), caboclinho (Iguaba Grande), pedra bonita (Itaboraí) e macaíba (Macaé), entre outras.

Em 2021, participei com alegria do lançamento da moeda arariboia em Niterói, ao lado do então prefeito Axel Grael. Hoje, ela beneficia cerca de 31 mil famílias inscritas no CadÚnico. Já foram realizadas quase 30 mil transações com a moeda, injetando R$ 82 milhões na economia da cidade.

Você sabia que mais de 182 moedas sociais já estão em circulação no Brasil? Todas as experiências têm se mostrado bem-sucedidas em impulsionar o desenvolvimento local, gerar trabalho, renda e combater a pobreza. Elas funcionam como um instrumento complementar à moeda oficial, promovendo um círculo virtuoso de crescimento sustentável e justiça social.

O Congresso da Bien será uma grande oportunidade para revelar também os avanços do projeto da Renda Básica de Cidadania. Em harmonia com o presidente Lula, atuo num grupo de trabalho, formado por economistas, filósofos, sociólogos e estudiosos. Nosso objetivo é buscar as melhores opções de financiamento e implantação gradual em todo o país da lei que garante uma renda mínima a todos.

Afinal, qual é o maior benefício da RBC universal e incondicional? A dignidade e a liberdade do ser humano. A renda básica oferece uma alternativa para a mãe que não tem o que dar de comer aos filhos e pensa em se prostituir ou para o jovem que, sem trabalho, acaba como “aviãozinho” do tráfico. No dia em que houver a RBC para si e sua família, essa pessoa ganhará o direito de dizer:

— Não, agora não preciso aceitar esta única alternativa que me surge pela frente.

 

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