sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Merval Pereira - E agora?

- O Globo

Retomar o tema do financiamento está nas mãos do Senado. A formalização da decisão do Supremo Tribunal Federal ( STF) de proibição de financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas causou um impacto no mundo político poucas vezes visto. “E agora, como fica?”, perguntou por WhatsApp o prefeito do Rio, Eduardo Paes, ao relator do projeto na Câmara, Rodrigo Maia. A resposta: “Agora, pergunta ao Renan”.

Isso porque está nas mãos do Senado a única chance de retomar o assunto, por meio da aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que já foi aprovada na Câmara em dois turnos. O Senado rejeitou o projeto da Câmara que permitia o financiamento de pessoas jurídicas dentro de certos limites, e o tema voltou à Câmara, que o aprovou novamente.

Agora, tudo indica que a presidente Dilma, respaldada pela decisão do STF, vetará o projeto por inconstitucional. Mesmo uma PEC pode ser considerada inconstitucional, ressaltou ontem o ministro Luiz Fux, relator no Supremo da tese vitoriosa. No entanto, essa interpretação é considerada excessiva, pois seria impedir o Congresso de fazer leis, ou substituí- lo em sua função específica.

Alguns deputados consideram que é possível renegociar com o Senado a aprovação da PEC, pois todos terão dificuldades para fazer campanhas apenas com doações de pessoas físicas e o financiamento público que já existe — propaganda gratuita para os partidos no rádio e na televisão, financiamento do Fundo Partidário.

O PT, que junto à OAB apoiava essa iniciativa, tentará aprovar agora o financiamento público, mas a maioria do Congresso é contra, porque ele só seria viável com a adoção do voto na lista partidária.

A primeira reação dos políticos foi de pânico, e muitos já anunciam que não se candidatarão nessas condições. A reação dos chamados políticos profissionais é vista pelos defensores da proibição como exemplar de que o fim da doação de pessoa jurídica levará a uma renovação da política brasileira, mas é uma ilusão considerar que antes de ser permitido tal financiamento não havia corrupção na política brasileira.

O texto aprovado na Câmara estabelecia que as empresas só poderão doar dinheiro aos partidos, não aos candidatos, com um teto máximo de R$ 20 milhões. Além disso, empresas contratadas para realizar obras, prestar serviços ou fornecer bens a órgãos públicos não poderão fazer doações para campanhas na circunscrição eleitoral onde o órgão estiver localizado.

Ia ao encontro dos votos de dois ministros do Supremo Tribunal Federal que votaram a favor do financiamento de pessoas jurídicas com restrições. O ministro Gilmar Mendes, que assumiu a missão de defender a permanência do financiamento de pessoas jurídicas, assinalou em seu voto que a proibição fará aumentar o uso de caixa dois nas eleições, e acusou o PT de estar por trás da proposta da Ordem dos Advogados do Brasil.

De fato, a demonstração que vem sendo feita pelas investigações do Ministério Público Federal e da Polícia Federal de que o financiamento de campanhas eleitorais do PT vem sendo adubado com verbas desviadas de empresas estatais como a Petrobras — “lavado” pelo fato de ser feito “legalmente” em doações registradas no Tribunal Superior Eleitoral ( TSE) — traz à tona a questão do financiamento dos partidos políticos numa democracia.

A melhor solução parece ser uma legislação que seja rigorosa nos limites e no controle das doações, e não a simples proibição. Apontado como o mentor da tese, o ministro Luís Roberto Barroso ressaltou em artigo que não considera inconstitucional que empresas participem do financiamento eleitora. O que ele considera “claramente inconstitucional, porque antidemocrático e antirrepublicano, é o modelo atualmente vigente”.

Eliane Cantanhêde - Lula lá, Dilma cá

- O Estado de S. Paulo

Sem apoio majoritário do Congresso, dos trabalhadores, dos empresários, dos funcionários públicos e dos movimento sociais para o seu novo pacote, a presidente Dilma Rousseff fez o de sempre: chamou o Lula! Ou será que o ex-presidente é que se escalou para dar mais um dos incontáveis conselhos que entram por um ouvido e saem pelo outro de sua pupila?

O fato é que Lula não tem mais apenas comichões e urticárias diante dos erros políticos, econômicos e de gestão de Dilma e do seu governo. Ele disfarça razoavelmente, mas agora está à beira de um ataque de nervos, à beira de um colapso, vendo o barco afundar e, pior, afundando com o barco.
Dilma pode estar mal informada sobre Lula, mas Lula está muitíssimo bem informado sobre Dilma, as brigas internas do governo, o zigue-zague das decisões, a insistência da sucessora em menosprezar todos os sinais óbvios de que a coisa está feia na economia e principalmente na política.

O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, é uma das pedras no sapato do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e, apesar de tão dilmista quanto Aloizio Mercadante, Edinho Silva, Miguel Rossetto, Ricardo Berzoini e José Eduardo Cardozo, ele vive de ti-ti-ti com Lula, ou diretamente ou via algum companheiro confiável. Quem conhece a história sugere consultar a agenda do Instituto Lula em São Paulo, sobretudo às sextas-feiras. Se é que isso entra na agenda formal.

Nessas conversas, ardem muitas orelhas, principalmente a de Levy, mas talvez a mais ardida seja sempre a de Mercadante. Teimoso, chegado a desafios e à competição, Lula parece não descansar enquanto não sacá-lo da Casa Civil para jogá-lo no ostracismo. Dilma vem resistindo, mas até quando?

Lula tira, lula põe. Pelo menos insiste em tentar tirar e por. Queria porque queria Henrique Meirelles para a Fazenda, perdeu para Levy. Agora quer porque quer trocar Mercadante por Cesar Borges, que foi do grupo de Antonio Carlos Magalhães e ex-governador da Bahia pelo PFL/DEM. Trata-se de um homem sensato, afirmativo e mais técnico do que partidário, numa hora em que Dilma tem de estar acima de partidos.

Lula, porém, precisa combinar com os adversários, especialmente com a adversária Dilma, porque, como se lê nas páginas, se ela realmente rifar Mercadante, dará preferência a Kátia Abreu, atual ministra da Agricultura, líder ruralista, mulher forte e batalhadora como Dilma e fiel à presidente, algo que parece estar se tornando cada vez mais raro.

Kátia Abreu, porém, tem dois inconvenientes graves. Um é que ela, como ruralista, será imediatamente rejeitada pelo MST e pelo que resta governista das bases sociais do lulismo, já indóceis com Levys, pacotes e ajustes. Outro é que circulam fartamente nas redes sociais as fotos dela, quando ainda era DEM (hoje é PMDB) – e, portanto, de oposição – comemorando, feliz da vida, a derrubada da CPMF. Teria mudado de ideia?

De duas, uma, já que a recriação da CPMF é o coração do pacote anunciado há poucos dias e já todo desvirtuado na outra ponta, a do corte de gastos: ou Dilma desiste de nomear Katia Abreu para a Casa Civil ou desiste do pacote de Levy, o que equivale a dizer do próprio Levy. Isso, aliás, vem sendo mais e mais cogitado no centro e nos arredores do lulismo, como mostrou ontem o Valor Econômico.
Com a palavra, a presidente da República, que continua produzindo um erro atrás do outro, confundindo aliados, irritando as bases sociais do PT, enlouquecendo o setor produtivo e, assim, abrindo rombos no casco do próprio barco. Que, por mais que Lula tente escapulir, é também o barco dele.

Mesma fala. Ex-aliados do governo, sobretudo na área empresarial, têm unificado o discurso com setores da oposição: não se faz impeachment do nada, mas se, como diz FHC, o governo “vai ficando no ralo” e for configurada a responsabilidade da presidente, aí não vai ter jeito. A resposta pode ser dada pelo TCU, antes do TSE.

Bernardo Mello Franco - A corrupção não acabou ontem

- Folha de S. Paulo

Um corrupto confesso, preso e condenado na Operação Lava Jato, foi o autor da melhor definição para o sistema que financia as campanhas eleitorais no país.

"Esse negócio de doação oficial é a maior balela que tem no Brasil", disse o criminoso. "Nenhuma empresa vai doar milhões porque gosta de fulano de tal. As doações não são doações, são empréstimos. A empresa está emprestando ao cara e depois vai cobrar dele."

As palavras de Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras, resumem uma realidade que nenhum discurso pode escamotear. Os grandes financiadores não são entidades filantrópicas. Têm interesses diretos na administração pública e cobram caro de quem ajudam a eleger.

O dinheiro das campanhas está por trás dos maiores escândalos de corrupção das últimas décadas, do caso PC ao petrolão. Os propinodutos são montados nos palanques e ganham volume ao alcançar os palácios e sedes de estatais.

No julgamento concluído nesta quinta, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as doações privadas contrariam a Constituição porque desequilibram o jogo democrático.

As empresas não têm direito a voto, mas exercem peso demais na escolha dos eleitos. Hoje a maior bancada do Congresso não é do PT, do PMDB ou do PSDB. É a das empreiteiras, seguida pelas dos bancos, das seguradoras e dos frigoríficos.

O veto às doações privadas é um passo importante, mas tratá-lo como uma solução mágica contra a corrupção será outra balela.

As grandes empresas continuarão de olho no dinheiro público, e o Estado continuará a precisar delas para tocar obras e conceder serviços. Sem as doações, os interessados buscarão outros meios para garantir vantagens e favorecimentos.

Será preciso reforçar a fiscalização contra o caixa dois, baratear o custo das campanhas e impedir novas fraudes nas contribuições registradas por pessoas físicas.

César Felício - A hora de cozinhar em fogo brando

• Jogo pelo impeachment já começou

- Valor Econômico

O processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, no mundo concreto da política, já começou. A apresentação da questão de ordem formulada pela oposição ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi seu marco zero e a reação quase imediata de Dilma, denunciando os que tramam "a versão moderna do golpe", mostra que o Planalto tem a consciência disso.

Atribuir propósitos golpistas à oposição é uma reação clássica de líderes isolados. Em 3 de julho de 1992, o então presidente Fernando Collor denunciou a existência de um "sindicato do golpe", mobilizado pela "central única dos conspiradores".

Collor estava em situação substancialmente mais grave que a de Dilma: cinco dias antes, a revista "IstoÉ" tornara público que as contas de sua residência particular eram pagas pelo empresário Paulo César Farias. Na sequência, o jornal "Folha de S. Paulo" publicou um editorial na primeira página com o título "Renúncia Já", antes mesmo do presidente convocar uma cadeia nacional de TV para se justificar.

A comparação com Dilma cabe pelo fato de o "sindicato do golpe" surgir no discurso presidencial quando a batalha pelo impeachment se instala. Até a maré das denúncias contra o então presidente entre o fim de junho e o início de julho de 1992, o tom dominante entre empresários e caciques oposicionistas era de que o impeachment e a entrega do poder a Itamar Franco era um risco demasiado alto para ser corrido.

Resistia ao afastamento presidencial, como de certo modo resiste hoje, o então senador Fernando Henrique Cardoso, que afirmou que o impeachment era como a bomba atômica: servia como poder dissuasório, mas não para ser usada. Terminou por votar a favor da saída de Collor. O hoje ex-presidente repetiu a frase no início do ano quase sem variações. Esta semana, foi um pouco mais incisivo, no sentido de não descartar a hipótese, mas alertar que mais prazo é necessário. "Em política não basta ter o conhecimento. Tem que saber a hora", disse, em um seminário na terça-feira.

Há tempos já não se conta no Palácio com um desfecho favorável para o governo no julgamento das contas de 2014 pelo TCU. Todo o fundamento da ação pelo impeachment apresentada por Hélio Bicudo, Janaina Pascoal e Miguel Reale Junior se centra na responsabilidade da presidente pelas "pedaladas fiscais" e na argumentação de que cabe processo por atos cometidos em um mandato presidencial já encerrado.

Na situação atual falta claramente um elemento catalisador, presente no caso de 1992, que faça o impeachment passar de uma possibilidade para uma certeza. A oposição joga com o tempo para esperar o melhor momento da semeadura. Por isso faz parte do roteiro Cunha não ter pressa alguma em estabelecer o rito do processo de afastamento. O presidente da Câmara também quer prazo para construir uma fórmula que o blinde contra o que ainda pode vir da Operação Lava-Jato e não lhe interessa fazer o jogo do Planalto. Ontem mesmo afirmou que só irá decidir "quando se sentir confortável".

Um processo sumário de impeachment agora, em tese, beneficiaria o governo, que conta com pelo menos 200 votos na Câmara, segundo cálculos de um experimentado parlamentar como o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP). Para se ter margem de segurança, é necessário virar de 40 a 50 votos. Estão com Dilma o PT, PCdoB, PSD, PDT, PSB e PSOL, entre as siglas mais relevantes. Votam pelo impeachment as siglas de oposição (PSDB, DEM, PPS e SD), além de PSC, PRB, PR e PP. O PMDB se divide. O afastamento presidencial é arquivado caso tenha 171 votos contrários.

A oposição aposta na tendência das curvas: são inúmeros os desastres que podem afetar a governabilidade nas próximas semanas e meses. Existe no horizonte a rejeição da emenda que recria a CPMF, ou o protelamento indefinido de sua votação. É provável uma greve geral do funcionalismo público em função do postergamento do reajuste salarial. São dois fatores que podem levar a um novo rebaixamento da classificação de crédito soberana, pelas agências Moody's e Fitch, o que abriria um duto para a fuga de capitais ao exterior.

Dilma poderá optar em deixar a articulação política de seu governo aos cuidados de Giles Azevedo e Aloizio Mercadante, com as consequências sabidas na relação do governo com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o PMDB. E a delação de Fernando Baiano poderá deixar a cúpula pemedebista, Renan e Cunha, para ser preciso, ainda mais acuada.

"O processo do impeachment será tudo, menos sumário. Ele durará enquanto não se conclui a migração. Há mais votos pelo impeachment agora do que havia antes do pacote do governo, como já havia crescido a tese depois da apresentação de um orçamento com déficit. Vai se instalando uma crise política, econômica e de credibilidade", disse o petebista.

O tempo joga contra Dilma porque o pacote de ajuste fiscal anunciado esta segunda atinge diversas corporações, que até o momento não estão coordenadas entre si. São poucos os beneficiários no plano político: a principal é a própria presidente, que estabeleceria uma ponte para chegar ao fim de 2018 no cargo. Também ganham os governadores e prefeitos. As demais forças contabilizam perdas. Vão desde as federações empresariais às classes médias, do funcionalismo à raiz da base social que o PT tenta representar. "São poucos os que vão atravessar o rio Jordão. Por que devemos ajudá-los?", indagou o senador Ricardo Ferraço, filiado ao PMDB, mas firmemente alinhado com a oposição. A travessia do rio Jordão, segundo o Velho Testamento, marcou a chegada dos judeus à Terra Prometida, liderados por Josué, depois da peregrinação pelo deserto.

É difícil dimensionar a vantagem que um candidato à reeleição poderá ter no próximo ano com o fim do financiamento privado de campanhas eleitorais. Para se acreditar nesta tese, é preciso pressupor que a norma será observada. A proibição das doações, antes de mais nada, é um convite à criatividade para contabilidades paralelas.

"Vamos parar de brincadeira, vamos fazer política" – Bolívar Lamounier

Lula decide ir às ruas para defender pacote de Dilma

• Para ex-presidente, novo erro pode causar queda da sucessora

Por Dilma, Lula fará defesa mais enfática do pacote fiscal

• Interlocutores dizem que o petista 'irá para a rua' em favor das medidas

• Ex-presidente preferiria que sucessora adotasse mais incentivos fiscais, mas não vê alternativa a não ser apoiá-la agora

Natuza Nery, Marina Dias, Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A principal missão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na conversa com sua sucessora, Dilma Rousseff, nesta quinta-feira (17), era ajudar a montar uma estratégia para blindar a petista e evitar a abertura de um processo de impeachment contra ela na Câmara dos Deputados.

Embora não concorde com alguns pontos do ajuste fiscal proposto pelo governo, Lula comprometeu-se em "ir para o sacrifício", segundo a Folha apurou, e fazer uma defesa mais enfática das medidas anunciadas.

Interlocutores próximos do petista afirmaram que ele "irá para rua" em favor da iniciativa de Dilma para salvar a economia.

No encontro, ele iria aconselhar Dilma a usar as reformas administrativa e política da próxima semana para amarrar o apoio dos partidos aliados –principalmente o PMDB–, evitando que essas siglas abandonem o governo num momento delicado da crise política.

Lula chegou em Brasília na tarde desta quinta e reuniu-se com a presidente no Palácio da Alvorada. À noite, ele tinha programado um jantar com ministros petistas mais próximos.

Ponto crítico
A avaliação do grupo lulista é que a crise política atingiu ponto preocupante e que qualquer novo erro do governo pode dar o empurrão que falta para a Câmara dos Deputados deflagrar, e aprovar, a abertura de um processo de deposição de Dilma.

É por isso que Lula, apesar de não ter sido consultado sobre o pacote fiscal –ele foi informado das novas medidas pela televisão– e discordar de alguns pontos, decidiu defender as ações, como a recriação da CPMF, o imposto do cheque, e cortes de gastos em programas sociais.

Aliados afirmam que o petista sabe que, na situação atual, a sua única alternativa é apoiar o governo.

O ex-presidente gostaria, por exemplo, que o palácio do Planalto adotasse agora parte do receituário usado por ele na crise de 2009, como incentivos fiscais a algumas áreas da atividade econômica brasileira.

Na semana passada, Lula fez críticas públicas à primeira versão do ajuste fiscal –bem menos restritivo que a nova versão– por acreditar que o pacote gera desemprego e achata salários dos trabalhadores.

Agora, porém, embora não tenha mudado de opinião, ele não vê alternativa a não ser dar sustentação à presidente, única forma de evitar que ela perca completamente as condições de governar.

Ressalvas
Já a cúpula do PT, que tem críticas diversas à política econômica federal, por considerá-la "de direita", também dará apoio ao pacote, mas apontará ressalvas.

A legenda sempre cobra, por exemplo, a redução da taxa de juros.

O governo anunciou R$ 24,7 bilhões de cortes de gastos, entre eles o adiamento do aumento do funcionalismo.

Espera também R$ 40,2 bilhões em aumento de arrecadação com a recriação da CPMF por um período de quatro anos, com alíquota de 0,2%, para cobrir o deficit da Previdência.

Na avaliação interna, se o Executivo não conseguir viabilizar parte das medidas do ajuste, passará a imagem de que perdeu condições de governabilidade no Congresso Nacional.

Claudia Safatle - Risco do governo é de "morrer na praia"

• Juro de 15% ao ano espelha temor do mercado

- Valor Econômico

Há muito em risco no país, hoje. Um deles é o de jogar fora todo o esforço de política monetária que foi feito de abril de 2013 para cá, quando a taxa básica de juros praticamente dobrou de 7,25% para 14,25% ao ano. A despesa do orçamento com juros é de quase 8% do PIB. Segundo dados oficiais chegou a 7,92% do PIB em doze meses até julho último. Houve, portanto, um substancial aumento desse gasto em relação aos 4,85% do PIB de igual período de 2013 para o Banco Central conseguir - com seus erros e acertos- domar a inflação em meio a uma forte correção de preços relativos e ter como meta o IPCA de 4,5% em dezembro de 2016.

Mais dramático é notar que em julho começava a se delinear uma chance de "alcançar o nirvana", na visão de fontes da área econômica. O paraíso que estava ao alcance das mãos, segundo essa ótica, era poder enxergar seis a oito meses à frente e encontrar as condições objetivas para a queda da inflação e dos juros e imaginar que a política monetária viria, então, liderar a retomada do crescimento econômico.

O peso dos preços administrados, que sofreram um choque, cairia dos 15,2% este ano para 5,5% em 2016, o mercado colocava o corte da Selic em seus prognósticos para abril do próximo ano e as expectativas de inflação já estavam ancoradas para 2017 em diante. A de 2016, ano da convergência para a meta de 4,5%, havia chegado a 5,40% no fim de julho e subiu, na semana passada, para 5,64%.

Era possível esperar, portanto, queda dos juros e queda da inflação a partir de abril de 2016 e acreditar que a diminuição dos juros reais fosse transferida de imediato para a atividade econômica, evitando, assim, que 2016 fosse mais um ano de recessão.

O que se desenhava há dois meses e está se perdendo hoje era a possibilidade concreta de o processo de recuperação da economia ser comandado pela queda dos juros desde que as metas fiscais fossem suficientes e sustentáveis, avaliam autoridades do governo.

O primeiro evento que começou a mudar o jogo para o BC foi a redução da meta de superávit primário de 1,1% do PIB para 0,15% do PIB este ano e, também, o corte das metas para os anos seguintes. O segundo foi o envio do orçamento de 2016 com déficit de 0,5% do PIB para o Congresso Nacional. E o terceiro foi resultado dos dois primeiros, que levaram o país a perder o grau de investimento da dívida soberana pela agência Standard & Poor's.

Esses desacertos custaram, até agora, pouco mais de dois pontos percentuais na curva de juros. Segundo explicou o presidente do BC, Alexandre Tombini, aos senadores esta semana, mesmo depois de o Comitê de Política Monetária (Copom) ter parado de elevar a Selic, em 30 de julho, a taxa longa de juros subiu por causa das incertezas no quadro fiscal. "Os custos de financiamento do Tesouro subiram sem que o BC subisse os juros", disse ele, argumentado que, se por hipótese o BC baixasse a taxa básica para 7% ao ano, os custos de financiamento do Tesouro disparariam. O Tesouro Nacional se financia sobretudo na curva de juros.

Os juros foram para o patamar de 15% ao ano (ver gráfico abaixo) como expressão do medo do mercado, que passou a cobrar prêmio de risco em tudo. Medo que é alimentado pelo desconhecimento sobre qual o regime fiscal no Brasil. "Alguém sabe?", indagou um técnico oficial especialista em política monetária.


Sem uma resposta clara a essa simples pergunta é impossível conhecer a trajetória da dívida pública como proporção do PIB. Sem ter tal noção entra-se num terreno perigoso onde o limite é a incapacidade do Tesouro Nacional de honrar os seus compromissos.

Isso sem considerar que uma crise fiscal no país se transformaria rapidamente em uma crise cambial, na medida que estimularia a fuga de capitais. É bom lembrar que cerca de 18% da dívida interna está em mãos de investidores estrangeiros. Juros "flat" de 15% ao ano para tudo, como mostra o gráfico abaixo, é taxa de "default".

A confusão na área fiscal - com as idas e vindas do orçamento, as divergências na área econômica e o permanente flerte do Palácio do Planalto com saídas mais fáceis e provisórias - comprometeu a capacidade da autoridade monetária de conduzir a estrutura a termo da taxa de juros pelo uso da comunicação do BC. Sem parâmetros, os preços dos ativos vão às alturas.

Essa não foi a primeira vez que o "imbroglio" fiscal do governo matou as esperanças da área econômica de derrubar a inflação e poder reduzir os juros no país de forma sustentável. Em 2011 ocorreu algo semelhante. Nem tudo, porém, está perdido.

Fontes qualificadas avaliam que ainda há tempo de consertar a questão fiscal e retomar o cenário que se delineava em julho.

Caso contrário, o governo pode "morrer na praia"

Vinicius Torres Freire - Meteorologia do impeachment

- Folha de S. Paulo

• Em questão de horas, mudam o destino possível do governo e de seu pacote fiscal salva-vidas

O destino de Dilma Rousseff varia como o tempo paulistano, onde se acorda sob um céu de Londres e se dorme no Rio. O sucesso do impeachment e do pacote salva-vidas esquentou e esfriou em dois dias.

Considere-se.

Um. O PMDB está dividido. Em parte declara-se contra o impeachment, vide ontem o líder na Câmara, Leonardo Picciani, antes cunhista. Renan Calheiros amacia.

Dois. Dilma distribui carapuças de golpistas em discursos e promete luta feroz até na Justiça a fim de manter o cargo. A disposição de combate prenuncia ao menos risco de tumulto, o que pode dissuadir desafetos do conflito político e social aberto, como certa elite das classes conservadoras.

Três. Lula dava sinais de que desembarcaria do governo a fim de militar com a base social do PT, abrindo a campanha de 2018. Porém, ontem foi a Brasília reorganizar as últimas tropas, ajudar na "reforma ministerial" e a entregar mais cargos para o PMDB.

Quatro. O pacote fiscal ora parece desenganado, ora parece que sobreviverá com sequelas, não se sabe quão graves. O desmanche do pacote realimentaria a crise financeira (juros e dólar em alta), o que daria em recessão mais profunda e longa, provável fim de linha para Dilma.

Na segunda, Calheiros acolheu o pacote, que ontem porém passou a lhe parecer mais pestilento, dada a reação empresarial. Michel Temer mandou avisar da Polônia que apenas na segunda dá seu veredito.

Mas a equipe econômica defende seu plano bravamente. A maioria do PT ao menos deixou de avacalhá-lo, mas "movimentos sociais" vão espinafrá-lo na rua, um modo indireto de tocar fogo na cadeira de Dilma.

Cinco. O PSDB continua tripartido: Aécio, Alckmin e Serra mantêm estratégias incompatíveis. FHC leciona as condições do impeachment, ainda insatisfeitas : a) Perda da capacidade de governar; b) Acusação criminal contra Dilma; c) Liderança organizada para o pós-Dilma.

Isto posto, o cronograma da deposição legal continua a correr.

O plano de abertura do processo de impeachment caminha na Câmara, embora possa ser travado a qualquer momento.

Em outubro, o TCU envia ao Congresso o relatório que condena como criminosas as contas do governo Dilma 2014.

A partir de terça, o TSE pode abrir inquérito sobre a campanha Dilma 2014, acusada de abuso de poder. É o caminho da cassação da chapa, Dilma e Temer, improvável, mas bastante para criar tumulto grave.

A enchente da crise econômica continua a subir. O consumo de varejo por cabeça declina sem parar desde maio de 2014. Não é um desastre, pois até agora se regrediu ao nível ainda alto de 2013. Mas a piora é veloz. A confiança do consumidor continua na baixa recorde. Oferta e demanda de crédito declinavam ainda mais rapidamente ao final do segundo trimestre; não devem ter melhorado agora, ao contrário.

Dada a degradação financeira, a inflação alta baixará bem devagar, contribuindo ainda para a perda de renda real e para a manutenção dos juros na órbita da lua: sem alívio até ao menos meados de 2016. A alta do desemprego vai longe. Natal de 2016?

Não se sabe o quanto o povo furioso contribuiria para a queda de Dilma. Mas é ingrediente no forno, esquentando.

Dilma fica sem sócios – Editorial / O Estado de S. Paulo

A presidente Dilma Rousseff apostava tudo no apoio dos governadores para conseguir dobrar o Congresso e ressuscitar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), verdadeira alma daquilo que ela chama de “ajuste fiscal”. Na estratégia dos gênios do Planalto, bastava que a petista sinalizasse a disposição de aumentar a alíquota proposta para o novo tributo, gerando um excedente que pudesse ser distribuído para os Estados, para que os governadores aderissem ao esforço do governo e convencessem os parlamentares a recriar o famigerado “imposto do cheque”.

Quando apenas oito governadores deram o ar da graça na primeira reunião com os coordenadores das bancadas na Câmara para discutir o assunto, na última quarta-feira, ficou claro, mais uma vez, que são escassos no País aqueles que se dispõem a se associar a Dilma neste momento. Mesmo diante da perspectiva de obter algum dinheiro para enfrentar a situação de penúria que atinge seus Estados, a maioria dos governadores parece ter preferido evitar o que tem tudo para ser um abraço de afogados.

Dois dias antes, o governo havia anunciado a intenção de ressuscitar a CPMF, como parte do esforço adicional para reequilibrar o Orçamento federal. O imposto, que Dilma chamou de “CPPrev” (Contribuição Provisória para a Previdência), teria alíquota de 0,2% e seria destinado exclusivamente a reduzir o rombo previdenciário. Ao anunciar o tributo, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, aparentemente já contaminado pela insensibilidade que se alastra no Planalto sob o governo petista, declarou que se tratava de apenas “dois milésimos do que (o contribuinte) vai comprar”, um “imposto pequenininho”, com o objetivo de “garantir o pagamento das aposentadorias”. Dito assim, decerto pensou o ministro, quem haveria de ser contra?

O problema todo é que a volta da CPMF, ou seja lá qual nome se dê a essa estrovenga tributária, é rechaçada por quase todas as forças do Congresso, porque se trata de uma óbvia gambiarra por parte de um governo que não tem disposição para realizar os cortes necessários no Orçamento. Mais uma vez, Dilma tenta empurrar para o Legislativo – e para o já esfolado contribuinte – a conta de um ajuste que ela mesma se recusa a fazer, porque, ao menos até aqui, lhe faltou coragem para apertar de verdade os cintos do Estado, inclusive na área social, e para propor reformas urgentes.

Sabendo das dificuldades que enfrentaria no Congresso, inclusive entre parlamentares de seu próprio partido, Dilma reuniu-se com 19 governadores para um jantar no mesmo dia do anúncio das medidas, ocasião em que os estimulou a pressionar as bancadas na Câmara e no Senado a aprovar a nova CPMF. Para convencê-los, a presidente sugeriu que eles propusessem uma alíquota de 0,38%, e a diferença de 0,18% ficaria com Estados e municípios. Ou seja, o “imposto pequenininho” anunciado por Levy quase dobrou de tamanho apenas algumas horas mais tarde.

Mas os governadores, aparentemente, não morderam a isca. Na descrição doEstado sobre a reunião com os parlamentares na quarta-feira, “havia mais jornalistas que deputados”, e, dos oito governadores que se apresentaram, nenhum era da oposição. “Estamos irmanados em defesa da CPMF”, disse o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), tentando demonstrar otimismo após o melancólico tour que ele fez com seus colegas pelo Congresso. Mas a reação de seu correligionário Eduardo Cunha (RJ), presidente da Câmara, resume a recepção à nova iniciativa de Dilma: “O governo está tentando dividir a derrota com os governadores, jogando os governadores para fazer o papel que não consegue fazer porque não tem uma base articulada”.

Diante da falta de apoio também dos governadores, está claro que Dilma já não tem mais opções políticas. Sem credibilidade e sem nenhuma habilidade para fazer avançar qualquer proposta que salve seu governo, a presidente navega sem rumo, ao sabor de suas ideias estapafúrdias.

Ajuste fiscal ruma para um impasse – Editorial / O Globo

• O plano de reequilíbrio do Orçamento se resume à reinvenção de um imposto impopular proposta a um Congresso avesso à ideia

A erosão de credibilidade do pacote de ajuste anunciado segunda-feira talvez não o deixe de pé até ele completar uma semana. A cada dia, há informações objetivas que confirmam ser a reinvenção da CPMF a principal finalidade do que foi apresentado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, Joaquim Levy e Nelson Barbosa. O conjunto de cortes de despesas pouco exequíveis, e até inexistentes — corte de “vento” —, serve apenas de mal disfarçado biombo para a volta do imposto.

Reconheça-se o senso de oportunidade do lulopetismo. A crise mundial iniciada em 2008 serviu de pretexto para a aplicação da calamitosa política do “novo marco macroeconômico”; agora, a crise criada pelo próprio “novo marco” justifica a tentativa de ressurreição do “imposto do cheque”.

Logo no anúncio, a desproporção entre cortes estimados — R$ 26 bilhões — e expectativa de receitas — R$ 40,2 bilhões, dos quais R$ 32 bilhões por meio do “imposto do cheque” — já denunciava o sentido do ajuste. Que é pressionar ainda mais o contribuinte, para livrar o governo Dilma de fazer cortes que a distanciem mais de bases petistas, sectariamente avessas a tudo que tenha a ver com responsabilidade fiscal e limite seu acesso ao Tesouro nacional. Nos cortes, há manobras como reduzir em R$ 5 bilhões a verba do Minha Casa Minha Vida, mas repor o dinheiro por meio do FGTS — contabilidade criativa com a qual não concorda o conselho curador do fundo.

Truque semelhante é aplicado nos supostos cortes no PAC e na programação de despesas para a Saúde: retiram-se R$ 7 bilhões dessas rubricas, mas reserva-se igual valor das emendas parlamentares, para ser aplicado nas duas áreas. Também é preciso combinar com os próprios parlamentares.

Outra economia nada garantida são os R$ 7 bilhões provenientes do adiamento do reajuste dos servidores para agosto do ano que vem. Desde o dia da divulgação do pacote, ninguém considerava seguro este corte, dada a influência dos sindicatos do funcionalismo no Planalto. Noticiou-se ontem o possível recuo de Dilma nesta proposta. Sem surpresa.

O futuro do ajuste fica ainda mais perigosamente incerto com a entrevista ao GLOBO do ministro da Secretaria de Comunicação, Edinho Silva, em que ele garante não haver “plano B”. O que o governo tem a oferecer é o exposto na segunda-feira.

E o que é para valer, a CPMF, deverá ter trânsito muito difícil pelo Congresso. Um imposto impopular encaminhado por um governo também de baixa popularidade não deve levar a um desfecho feliz para o Planalto. Para o próprio país, porque, hoje, o mais realista prognóstico é que outras agências rebaixem a nota de crédito do Brasil, como fez a S&P.

Edinho Silva afirma que a presidente está aberta ao diálogo. Não parece, porque ela insiste em não fazer os devidos cortes de despesas e tampouco propor as imprescindíveis reformas estruturais.

Uma triste figura – Editorial / O Estado de S. Paulo

O governo do lulopetismo – sem apoio popular e político, completamente perdido na crise em que afundou o País, atirando a esmo e apelando aos recursos retóricos mais risíveis na tentativa desesperada de impedir que o naufrágio se consuma num mar de soberba, sectarismo, contradições, incompetência e incúria – não para de chocar o País com a despudorada exposição de sua triste figura. Coube agora ao ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Edinho Silva, meter os pés pelas mãos, em entrevista a O Globo, ao tratar de questões essenciais como o ajuste fiscal e o Orçamento da União para 2016.

Para começar, questionado sobre o orçamento deficitário que Dilma encaminhou ao Congresso, o ministro tentou atribuir à iniciativa elevadas intenções estratégicas, afirmando que a presidente “está na verdade abrindo um debate, que é mais do que de ajuste fiscal, é sobre modelo de financiamento do Estado brasileiro”. E acrescentou, mais adiante: “Se nós não entrarmos na agenda das reformas do Estado, nós não vamos equacionar definitivamente os problemas”. Ou seja, mais de 12 anos e meio depois de assumir o poder, os petistas estão finalmente entendendo que até agora não fizeram nada para, pelo menos, “abrir um debate” sobre a “agenda das reformas do Estado”. Segundo Edinho Silva, portanto, Dilma Rousseff está mais preocupada, no momento, em reformar o Estado do que com o ajuste fiscal necessário para consertar a lambança que promoveu nas contas do governo. Tarefa assaz desafiadora para quem não consegue nem ao menos cumprir a obrigação elementar de pagar contas.

E para confirmar que para o lulopetismo há questões muito mais relevantes a tratar do que o ajuste fiscal, o ministro garantiu, quando lhe perguntaram como Lula teria reagido à ideia do orçamento deficitário: “O presidente Lula está muito preocupado com a retomada do crescimento econômico. Ele sabe que mais importante do que a gente ficar discutindo o ajuste é a gente discutir imediatamente a retomada do crescimento”. E apressou-se a acrescentar, antes que fosse mal interpretado: “Essa é a preocupação dele e da presidenta Dilma”. E concluiu, como sempre, sem pensar muito no que estava dizendo: “Mais importante que nos afundarmos no debate do ajuste é começar a discutir a retomada do crescimento e a reforma do Estado”. Essa profunda imersão na filosofia quântica – disciplina acalentada pelo tesoureiro de Dilma quando não está contando caraminguás – explica finalmente a sua misteriosa afirmação de que “o governo não tem plano B”. É que não tem um plano A.

Se antes faltava alguém para explicar a Lula, a Dilma e também a Edinho Silva que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, agora é preciso entronizar essa difícil verdade na cabeça do ministro: o ajuste fiscal é uma precondição essencial à viabilização de qualquer iniciativa sustentável na área econômica. Se não fosse, o governo não precisaria se preocupar com o assunto e poderia continuar empurrando o problema com a barriga. O ministro, no entanto, cedeu à tentação de embarcar na conhecida vocação lulopetista de recorrer a arroubos de retórica quando não tem respostas claras para questões objetivas. Mas isso não é culpa dele, e sim de quem o colocou em função muito distante de suas reais e importantes qualificações. É óbvio que é “importante”, como afirma Edinho Silva, atacar uma agenda de reformas institucionais e programáticas prioritárias. Mas o PT teve mais de 12 anos para se preocupar com isso e, até agora, permanece apenas preocupado.

A verdade é que, diga-se pela enésima vez, Dilma está num beco sem saída. Tem extrema dificuldade para negociar com o Congresso as medidas minimamente eficazes para promover o reajuste fiscal. Mesmo com todos os descontos devidos à óbvia e ostensiva má vontade de Eduardo Cunha na Câmara e às tergiversações maliciosas de Renan Calheiros no Senado, o clima no Parlamento é claramente desfavorável à aprovação da maior parte das propostas apresentadas por Dilma Rousseff, primeiro porque são ruins e inadequadas e, depois, porque é ela quem as está apresentando.
Considerando que no pacote de ajuste fiscal, no qual se inclui a CPMF rebatizada de CPPrev, apenas uma medida depende exclusivamente de decisão presidencial, Dilma está condenada a permanecer refém do Congresso até que alguém surja com uma ideia que acabe com esse impasse.

Gal Costa & Zeca Baleiro - Vapor Barato de Zeca Baleiro

Pablo Neruda - Saudade

Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso

"Quem sofre a crise não quer dar golpe, quer se livrar da crise. Na medida em que o governo faz parte da crise, começam a perguntar se [o governo] vai durar. Mas não é golpe."
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Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República, No lançamento do livro ‘Miséria política’. São Paulo, 16 de setembro de 2015

Lula pressiona Dilma a mudar política econômica

Por Claudia Safatle e Leandra Peres – Valor Econômico

BRASÍLIA - O Instituto Lula e o PT estão formulando uma política econômica para flexibilizar as políticas fiscal e monetária e estimular o crescimento da economia nos próximos dois a três anos. A ideia, segundo apurou o Valor, é abandonar o ajuste fiscal em curso e reduzir a taxa de juros "na marra" para, supostamente, criar condições para a retomada da atividade.

O objetivo é fazer com que a economia cresça pelo menos até a sucessão presidencial, em 2018. Para viabilizar a nova política, a presidente Dilma Rousseff teria que substituir o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, contrários às mudanças.

Como as medidas representam uma prescrição que coincide com o que pensa a presidente Dilma, as decisões que o governo vem tomando ora vão para um lado, ora para o outro, em um movimento errático que causa perplexidade aos agentes econômicos e políticos. Esta seria a razão para o desânimo que toma conta do Ministério da Fazenda.

Ontem, surgiram rumores sobre a iminente saída de Levy e Tombini. O ministro disse a interlocutores que "está cansado de não ser ouvido pelo governo". Isso não significa que ele está de malas prontas, mas há uma evidente mudança de disposição.

"Ele avisou que o Orçamento com déficit iria levar à perda do grau de investimento. Não o ouviram e deu no que deu. Agora, está avisando que, sem uma reforma da Previdência, a situação vai se agravar ainda mais", disse uma autoridade ao Valor.

As medidas anunciadas nesta semana para cumprir um superávit primário de 0,7% do PIB em 2016 foram o retrato acabado de um movimento pendular do Palácio do Planalto. Os cortes propostos foram de "vento", como definiu o ex-ministro Delfim Netto. O adiamento do reajuste do funcionalismo público, por exemplo, para agosto de 2016, foi uma "pedalada", disse ele.

Levy defendeu medidas que não foram acatadas. Ele queria mudanças concretas na concessão de auxílio-doença e no benefício assistencial a inválidos, além da revisão de regras do seguro defeso. Nada disso fez parte do pacote definido pela presidente Dilma Rousseff.

PT quer guinada na política econômica
O Instituto Lula e o PT estão formulando uma política econômica que, para se viabilizar, exigiria a saída do governo do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini.

Essencialmente, o que está sendo concebido pelo ex-presidente Lula, que hoje se encontra mais uma vez com a presidente Dilma Rousseff, é uma flexibilização das políticas monetária e fiscal, com redução da taxa de juros "na marra" e o afrouxamento do gasto público, para criar as condições de retomada da atividade econômica ainda que por um período limitado, de dois a três anos. O que se almeja é conseguir obter uma taxa de crescimento do país pelo menos até a sucessão presidencial de 2018.

Como essa é uma prescrição que coincide com o que pensa a presidente Dilma, as decisões ora vão para um lado, ora para outro, em um movimento pendular que causa perplexidade aos agentes econômicos e políticos.

Essa seria a razão para o desânimo que, não raro, toma conta do Ministério da Fazenda. Ontem houve mais uma intensa boataria sobre a iminente de saída de Tombini e Levy. Ontem também, Levy disse a dois interlocutores que "está cansado de não ser ouvido pelo governo". Isso não significa que o ministro esteja de malas prontas, mas houve uma evidente mudança em sua disposição de permanecer.

"Ele avisou que o Orçamento com déficit iria levar à perda do grau de investimento. Não o ouviram e deu no que deu. Agora está avisando que sem uma reforma da Previdência a situação vai se agravar ainda mais", disse uma autoridade ao Valor.

As medidas anunciadas nesta semana para cumprir um superávit de 0,7% do PIB em 2016 foram o retrato acabado de um movimento pendular do Palácio do Planalto. Os cortes propostos foram de "vento", como definiu o ex-ministro Antonio Delfim Netto. E o adiamento do reajuste do funcionalismo público para agosto de 2016 foi uma "pedalada", afirmou o ex-ministro.

Levy defendeu outras medidas que não foram acatadas pela presidente. Ele queria que o governo fosse mais ousado no corte de despesas obrigatórias e apresentasse mudanças concretas nos benefícios como auxílio-doença e de assistência aos inválidos, assim como a revisão de programas como o seguro-defeso. Nada disso fez parte do pacote definido pela presidente.

A proposta de recriação da CPMF só teria algum apoio no Congresso Nacional se ficasse claro que o governo está atacando os problemas da seguridade social na veia. Mas ele precisaria das receitas da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira como uma ponte até os resultados das mudanças aparecerem. Considera-se, portanto, que "o governo não vem aprendendo com os erros que cometeu nos últimos meses".

Tão logo soube da decisão da agência de classificação de risco Standard & Poor's de retirar o grau de investimento do país, o Planalto buscou uma unidade para construir a proposta de Orçamento com superávit primário de 0,7% do PIB. A disposição durou pouco, pois, ao anunciar as medidas, ficou claro que eram tímidas se confrontadas com a dimensão do problema.

Na entrevista coletiva de anúncio do pacote fiscal, uma frase do ministro da Fazenda revelou a sua decepção: " Não chega a ser uma coisa shakespeariana, do cortar na carne".

O relato de quem acompanhou de perto as discussões das medidas mostra que a distância entre o esforço do ministro Joaquim Levy para cortar gastos e a disposição da presidente Dilma em abrir mão do que considera programas sociais imprescindíveis continua tão larga quanto antes do rebaixamento da nota do Brasil. "O pacote não construiu um consenso", afirma um integrante do governo.

É fato que Levy empurrou sua agenda adiante e a presidente parece ter dado passos no processo de aceitação da realidade econômica do país. Mas as bases da discussão no governo continuam as mesmas: os cortes não devem afetar programas sociais, mesmo que para isso o governo precise sofrer o desgaste da CPMF. É preciso lembrar que esse já era o impasse vivido pela presidente e sua equipe econômica antes do envio ao Congresso do Orçamento de 2016, com déficit, em fins de agosto.
As medidas anunciadas na segunda-feira avançam sobre as despesas do funcionalismo público, o que mostra disposição de Dilma de aceitar o preço de se desgastar ainda mais com o PT e seus tradicionais aliados. Mas a tentativa de evitar cortes de gastos usando emendas parlamentares e recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) só reforça a dinâmica anticorte da presidente.

Na descrição de uma outra autoridade, "todo ministro acha que na semana que vem vai conseguir emplacar a sua tese, mesmo que tenha sido derrotado na semana passada". Isso seria resultado da pouca convicção que a presidente Dilma tem sobre os ganhos de uma política de austeridade.

Esse integrante do governo federal lembra que durante o primeiro mandato, a presidente enfrentou decisões econômicas polêmicas, sem nunca titubear. Foi o caso, por exemplo, das mudanças feitas no setor elétrico e das regras das concessões. Apesar dos vários argumentos contrários, o governo manteve a mesma política até que o caixa do Tesouro se esgotasse.

"Nessas discussões, a presidente vinha com a faca nos dentes e não voltava atrás no que tinha decidido", observa. Ontem em discurso, Dilma foi taxativa: " Não vai haver hipótese de não continuar o Minha Casa,Minha Vida 3".

Dilma aceita reduzir cortes para obter apoio a pacote

Pressionado, Planalto negocia recuo em três medidas do pacote de cortes

• Dois dias após apresentar metas para reduzir despesas e elevar arrecadação, governo cede ao Congresso e já admite voltar atrás

Erich Decat, Adriana Fernandes, Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Na tentativa de salvar o pacote de medidas anunciado segunda-feira para reverter o rombo de R$ 30,5 bilhões no Orçamento do ano que vem, a presidente Dilma Rousseff admitiu alterar pontos cruciais da proposta. O Planalto recuou na suspensão do reajuste do funcionalismo, no direcionamento das emendas parlamentares e na diminuição de recursos do Sistema S.

Se, ao fim das negociações com Congresso e entidades empresariais, o Planalto abrir mão, por exemplo, da integralidade dessas medidas, o recuo pode diminuir em até R$ 14,6 bilhões a meta dos cortes, estimada em R$ 26 bilhões. O passo atrás do Executivo na negociação com o Congresso também pode comprometer outros R$ 6 bilhões dos R$ 45,6 bilhões previstos como elevação de receita.

No caso do reajuste dos servidores, o aumento passaria a valer em abril de 2016, e não mais em agosto, como previa o pacote inicial. A medida atende ao PT, que tem reclamado da forma "pouco amistosa" no Planalto na relação com os servidores.

O governo também aceita discutir a redução do prazo de vigência da CPMF, de quatro para dois anos. A duração do tributo, segundo fontes, ainda não está definida. Parte da equipe econômica quer que a contribuição vigore por menos tempo. Um setor do governo fala em três anos, no máximo, para não ir além da gestão Dilma. O governo prevê arrecadar R$ 32 bilhões por ano com a nova CPMF.

O Planalto ainda acenou tirar menos recursos do chamado Sistema S. Em vez de utilizar 30% da contribuição paga pelas empresas ao Sistema S, para cobrir parte do rombo da Previdência, a oferta é usar apenas 20%. O recuo atende ao setor empresarial, que reclamou da medida. Na quarta, o assunto foi discutido na Confederação Nacional da Indústria (CNI) com os presidentes das federações de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, e do Rio (Firjan), Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira. Os dirigentes não se mostraram dispostos a aceitar a proposta. O Sistema S reúne entidades como Senai, Sesc, Sesi e Sebrae.

O Executivo também mostrou disposição para recuar em um dos principais pontos de rejeição dos parlamentares ao pacote. Interlocutores de Dilma afirmam que ela acenou voltar atrás na proposta para que deputados e senadores destinem emendas parlamentares às obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e à Saúde. Com o direcionamento da aplicação das emendas, o governo esperava economizar R$ 7,6 bilhões no ano que vem em gastos da Saúde e do programa de infraestrutura. Só para cobrir os cortes do PAC, são R$ 3,8 bilhões. Normalmente, os parlamentares usam esses recursos para irrigar bases eleitorais.

Na quarta-feira, parlamentares voltaram a sinalizar dificuldades do governo em aprovar o pacote. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), fez coro com outros deputados que têm criticado a proposta do governo de direcionar as emendas: "Além de não ser exequível, não é legal. Você tem o Orçamento impositivo que a obrigatoriedade é metade da Saúde. O governo quer que essa metade da Saúde se coloque nos programas dele de alta complexidade e não nos trabalhos de Saúde feitos em cada município. E botar em PAC? Tem município de deputado aqui que não existe PAC".

Senado. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou que é melhor aprofundar a redução de despesas do que propor o aumento de impostos. "Não pode haver dúvida sobre a profundidade do corte. Se houver, você deslegitima qualquer alternativa para elevação de receita. Este é o desafio do Congresso, discutir sobre essas coisas", disse Renan.

Segundo ele, a pergunta que deve ser feita é se o corte que está sendo feito pelo governo não poderia ser maior. "Na medida em que ele seja maior e que possibilite uma reestruturação (da máquina pública), você esvazia a necessidade de elevar a receita", afirmou o senador.

Novo imposto. Enquanto o governo recua, o PT tenta encampar o debate sobre a nova CPMF. Sob ameaça de perder apoio de setores ligados a movimentos sociais e diante de um provável desgaste eleitoral, petistas do Congresso iniciaram debate para alterar a proposta que estabelecerá a recriação do tributo.

Petistas do Senado defendem critérios para livrar da CPMF a "nova classe média", que ascendeu à classe C do consumo nos últimos anos. "Chamamos de faixa de isenção. Estamos conversando", afirmou ao Estado o líder do governo no Congresso, José Pimentel (PT-CE).

A ideia inicial é estabelecer um modelo similar de isenção adotado no Imposto de Renda da Pessoa Física. A forma de restituição, porém, não foi discutida./ Colaboraram Ricardo Brito, Daniel Carvalho, Bernardo Caram, Rachel Gamarski, Victor Martins e Lorenna Rodrigues

Apenas governadores aliados a Dilma dão apoio à CPMF

• Reunião com comando de bancadas na Câmara teve apenas oito chefes dos Executivos estaduais; opositores não foram

Adriano Ceolin e Daniel Carvalho - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A primeira incursão dos governadores no Congresso em favor da volta da CPMF fracassou nesta quarta-feira, 16. Uma reunião marcada na Câmara com coordenadores das bancadas contou apenas com a presença de oito chefes de Executivo nos Estados. Nenhum representante dos partidos de oposição compareceu ao encontro, realizada no plenário das comissões. Nas cadeiras dos parlamentares, havia mais jornalistas que deputados.

O principal objetivo da reunião foi oficializar a ideia de se aumentar a alíquota da CPMF de 0,20% para 0,38%, durante a tramitação da proposta de emenda à Constituição no Congresso. Ao apresentar a volta da contribuição na segunda-feira, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou que o total previsto em arrecadação (R$ 32 bilhões, com 0,20% de alíquota) não seria repartido com os Estados e municípios.

O Palácio do Planalto conta com a pressão dos governadores para a CPMF ser aprovada com uma alíquota de 0,38. A ideia é que a arrecadação dos 0,18% acrescidos à proposta original sejam repassados a prefeitos e governadores. A volta da contribuição depende de uma proposta de emenda constitucional, que precisa ser aprovada em dois turnos, nas duas Casas, e contar com o apoio de três quintos da composição da Câmara e do Senado.

Crítica. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), criticou a estratégia adotada pelo Planalto de apostar na pressão dos Estados. “O governo está tentando dividir a derrota com os governadores, jogando os governadores aqui para fazer o papel que não consegue fazer porque não tem uma base articulada”, afirmou. Ele foi ao encontro a pedido do seu aliado, o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB).

O líder do PSD na Câmara, Rogério Rosso (DF), disse que o apoio dos governadores é insuficiente para aprovar uma emenda constitucional. “Eles não conseguem os 308 votos necessários em dois turnos de votação”, disse. Vice-líder do PT na Casa, o deputado Afonso Florence (BA) concordou: “Hoje em dia o debate na Câmara é muito mais nacional do que estadual. Acabou aquela antiga República dos governadores, que elegiam suas bancadas sozinhos”, disse o deputado.

A dificuldade na Câmara deve ser ainda maior no Senado, onde grande parte dos senadores enfrentou os atuais governadores na eleição do ano passado. É o caso, por exemplo, do senador Eunício Oliveira, do Ceará. Atual líder do PMDB, ele foi derrotado por Camilo Santana (PT).

Oito dos 27 governadores apoiam CPMF; oposição diz basta a imposto

 Governadores aliados pressionam o Congresso pela CPMF. Já a oposição criou frente contra alta de impostos

• Cunha vai à reunião e avisa que são poucas as chances de aprovação

Maria Lima, Simone Iglesias , Bárbara Nascimento, Isabel Braga e Cristiane Jungblut - O Globo

-BRASÍLIA- Foi desanimadora a primeira rodada de conversas de governadores no Congresso para mobilizar deputados e senadores pela aprovação da CPMF. O encontro, coordenado pelo governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), conseguiu reunir apenas sete dos 27 governadores. À tarde, o governador de Minas, Fernando Pimentel (PT), também participou do encontro do grupo com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB).

Com as advertências feitas pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), e por Renan, de que o novo imposto dificilmente será aprovado, os governadores passaram a cobrar alternativas para que estados e municípios, que enfrentam sérios problemas fiscais, possam resolver seus déficits orçamentários.

O evento realizado na Câmara reuniu apenas os governadores de Rio, Ceará, Piauí, Bahia, Alagoas, Tocantins e Amapá. Três deles são do PT, três do PMDB e um do PDT, além da vice-governadora do Acre e do vice de Sergipe.

Nas reuniões, os governadores levantaram a ideia da nova CPMF com alíquota de 0,38% — 0,18 a mais do que a proposta do governo de 0,20% —, para que estados e municípios sejam contemplados com um pedaço do bolo que chegaria a cerca de R$ 60 bilhões de arrecadação.

Cunha interrompe encontro
Mas Eduardo Cunha interrompeu a reunião dos governadores para jogar um balde de água fria nas pretensões dos mandatários. Cunha disse que não vai atrapalhar a tramitação do tema, mas apresentou um quadro complicado sobre as chances de aprovação. Segundo ele, a estratégia do governo Dilma tenta dividir com os governadores a derrota pela não aprovação do imposto.

— Pouca chance (de aprovar). O governo tenta dividir a derrota com os governadores, jogando os governadores aqui para fazer o papel que o governo não consegue fazer porque não tem uma base articulada. Não vamos mudar a votação por essa motivação. O governo tem que resolver o problema do seu déficit independente do Congresso, cortando gastos — disse Cunha.

Diante da posição de Cunha, Pezão disse que é preciso apresentar uma alternativa:

— Se ele não acha viável, então que nos apresente outro caminho. O problema que a União enfrenta com a Previdência é o mesmo que enfrentamos nos estados.

A ideia dos governadores é que esse 0,18% seja dividido igualmente: 0,09% para estados e 0,09% para municípios. E que a distribuição ocorra nos moldes dos fundos de participações dos estados e municípios e também com base no tamanho da população de cada lugar. Pelas contas dos governadores, os 0,18% dariam ao ano cerca de R$ 28 bilhões, sendo R$ 14 bilhões para estados e R$ 14 bilhões para municípios.

PSDB votará contra imposto
Pouco antes da reunião, a oposição lançou na Câmara o movimento “Basta de imposto”. Líderes do PSDB, do DEM, do Solidariedade e do PPS criticaram a proposta de recriar a CPMF e avisaram que trabalharão para que todos os parlamentares de seus partidos votem contra qualquer aumento de impostos.

O líder do PSDB, Carlos Sampaio (SP), criticou o pacote de medidas apresentadas pelo governo para solucionar o rombo nas contas e avisou que o PSDB votará contra a CPMF.

— Não é apenas um movimento das oposições, é um sentimento da nação, que não aguenta mais aumento de impostos — disse Sampaio.

Pezão se reuniu também com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para discutir a viabilidade do percentual que seria destinado aos estados. Após a reunião, disse que os parlamentares de oposição deveriam ouvir os governadores de suas respectivas bases, para “ver que eles têm o mesmo problema” para sustentar a Previdência.

Diante do balde de água fria na mobilização, os governadores discutiram com Renan e Cunha alternativas à CPMF. O petista Rui Costa, da Bahia, sugeriu aumentar o Imposto de Renda das empresas, de 12% para ao menos 27,5%, alíquota máxima do IR de pessoa física.

Pai do governador de Alagoas Renan Filho (PMDB), Renan Calheiros não quis desanimar os governadores e disse que, se conseguissem sensibilizar as bancadas, o debate tinha alguma chance de prosperar. Mas reconheceu que há uma “resistência histórica” no Congresso à criação de impostos.

Governadores aliados seguem roteiro e pedem alíquota de 0,38%

Por Vandson Lima, Raphael Di Cunto e Fábio Pupo – Valor Econômico

BRASÍLIA - Capitaneados pelo governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), e seguindo a orientação do Palácio do Planalto, governadores de partidos da base aliada defenderam ontem que a nova CPMF tenha alíquota de 0,38%, sendo 0,20% destinados à União e os 0,18% restantes divididos igualmente entre Estados e municípios.

O dinheiro seria carimbado: Estados o usariam preferencialmente com gastos relativos à seguridade social e os municípios, com a saúde. Em reuniões durante todo o dia com parlamentares e com os presidentes da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), os governadores relataram as dificuldades financeiras enfrentadas atualmente.

"Quem não quebrou este ano, como o Rio Grande do Sul, vai quebrar no ano que vem. Já esgotei as possibilidades de cortes", afirmou o governador de Alagoas, Renan Filho (PMDB). Governador da Bahia, Rui Costa (PT) lembrou que dez Estados já atrasaram pagamentos do funcionalismo este ano. "A continuar como está, no próximo ano todos irão atrasar", alertou.

Pezão (PMDB) garantiu que "quase todo mundo" entre os governadores é favorável à CPMF, ainda que oposição e independentes, como o PSB, tenham rejeitado engordar o coro público pela volta do imposto. A CPMF, disse, não é a última saída para que os Estados aumentem a arrecadação. Ele não apresentou, no entanto, outras possibilidades. "O governo federal apresentou a CPMF, então vamos discuti-la. Se não der certo, debateremos outras saídas", justificou.

Segundo participantes da reunião, o presidente da Câmara ouviu os argumentos dos governadores com atenção, mas sua avaliação foi dura: a PEC não passa no Congresso Nacional este ano, pois não tem apoio no Legislativo e depende de um tempo exíguo para aprovação - são três meses para votar uma emenda constitucional (PEC), que depende do apoio de 3/5 dos deputados e senadores. Mas garantiu que não criará dificuldades.

O governador baiano, fazendo troça, disse então que é devoto do Senhor do Bonfim e pediu a Cunha que deixe os governadores trabalharem em favor da medida. "Se o Bahia já foi campeão nacional duas vezes, então eu não acredito no impossível".

Ao apresentar sua proposta para o aumento de receitas, o Executivo requisitou a CPMF com alíquota de 0,20%, inteiramente destinados aos gastos com a previdência social. O montante a ser arrecadado seria de R$ 32 bilhões. O texto deverá vir nesses termos, segundo os governadores, que batalharão junto às suas bancadas pelo acréscimo que contemplaria os Estados e municípios.

O critério que seria adotado para a divisão dos recursos entre os entes federados ainda não foi definido. Os governadores do Norte e Nordeste querem que o bolo seja repartido de acordo com o Fundo de Participação dos Estados (FPE), em que receberiam mais. Os do Sudeste e Sul defendem a divisão segundo critérios populacionais, que lhes beneficia.

A possibilidade de aprovar a volta do imposto por projeto de lei complementar, que depende apenas de maioria absoluta dos votos, ao invés de PEC, foi debatida pelos governadores com a equipe econômica do governo. Para isso, porém, seria preciso mudar o foco do imposto, destinando o dinheiro à saúde.

CPMF deve atingir mais 29 milhões de pessoas

• Número de correntistas cresceu 47% desde 2007. Para analistas, arrecadação será maior

A CPMF, se aprovada pelo Congresso, vai tributar mais 29 milhões de pessoas. Esse é o número de brasileiros que passaram a ter contas-correntes desde 2007, quando o tributo foi extinto. É uma expansão de 47% e, por isso, analistas acreditam que a arrecadação do governo será de R$ 50 bilhões, maior, portanto, que os R$ 32 bilhões previstos pela Fazenda, informa Ronaldo D’Ercole.

Mais ‘clientes’ para  CPMF

• Desde 2007, há mais 29 milhões com contas bancárias. Arrecadação deve ser maior

Ronaldo D’Ercole - O Globo

-SÃO PAULO- Se a volta da Contribuição sobre Movimentações Financeiras (CPMF) for aprovada pelo Congresso, o imposto vai atingir um número muito maior de brasileiros do que em 2007, último ano em que foi cobrada. E, por isso mesmo, de acordo com especialistas, pode render ao governo cifra bem maior que os R$ 32 bilhões previstos pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, como receita anual. Isso mesmo considerando que, agora, a alíquota será menor, de 0,2%, e não de 0,38% como era em 2007.

Segundo o Banco Central, o país conta hoje com 91,3 milhões de pessoas com saldo em conta-corrente bancária, 47,5% mais que os 61,8 milhões de correntistas existentes no fim de 2007. São 29,4 milhões a mais. Muitos passaram a ter conta em banco nos últimos anos, graças aos ganhos de renda dos brasileiros, à formalização do mercado de trabalho e ao crescimento da classe C. E, também por isso, o saldo dos depósitos à vista no sistema bancário aumentou. A expansão foi de 16,2%, chegando hoje a R$ 188,1 bilhões.

Erivelto Rodrigues, presidente da Austin Rating, destaca que, o volume de recursos em circulação na economia via sistema bancário é muito maior hoje do que há oito anos. De acordo com os dados do BC, há no sistema financeiro — em depósitos à vista, aplicações a prazo, caderneta de poupança e outros ativos, como letras de câmbio e letras imobiliárias — R$ 1,77 trilhão, mais que o dobro do fim de 2007, quando esse montante era de R$ 740 bilhões.

— A tendência é arrecadar mais com a CPMF, mesmo com a alíquota menor, porque o volume de dinheiro que circula na economia hoje é muito maior — diz.

Perto dos R$ 50 bilhões
No último ano da CPMF, o governo arrecadou R$ 36,4 bilhões. Em valores atuais, corrigidos pelo IPCA até dezembro do ano passado, a cifra chega a R$ 54,25 bilhões. Para Fernando Zilvetti, professor de Tributação e Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), esse é um valor aproximado do que deve ser arrecadado agora com a volta do imposto, mesmo considerando que a alíquota será menor, já que o número de pessoas tributadas e o volume de recursos sobre os quais vai incidir a CPMF cresceram muito.

Para Miguel Ribeiro de Oliveira, vice-presidente da Anefac (entidade que reúne os executivos de finanças e contabilidade), há um aspecto positivo e outro negativo para a intenção do governo de aumentar a arrecadação via CPMF.

— O dado a favor é uma base maior de clientes bancarizados, quase 30 milhões a mais. O lado negativo, porém, é que diferentemente de 2007, quando a economia crescia e gerava mais negócios, agora há um cenário recessivo, com empresas demitindo e a atividade econômica retraída, o que pode significar um freio na arrecadação — afirma.

De fato, o número de brasileiros com conta-corrente em junho é menor do que os 96,7 milhões registrados em dezembro de 2014. Significa que 5,5 milhões de pessoas fecharam suas contas nos primeiros seis meses deste ano. O total de recursos depositados também encolheu no mesmo período. Passou de R$ 188,4 bilhões para R$ 166,4 bilhões.

Apesar disso, observa Oliveira, a maior formalização da economia joga a favor de uma arrecadação maior do chamado imposto do cheque.

— A economia hoje está mais formalizada, e os micro e pequenos empresários estão pagando os salários em bancos. Lá atrás, como não tinha conta, muita gente recebia o salário em dinheiro. Com a bancarização, sempre que movimentar a conta, o trabalhador terá de pagar o tributo — diz Oliveira.

Se a diferença do saldo das contas correntes não é muito expressiva, os depósitos a prazo (CDBs e fundos de renda fixa) e nas cadernetas de poupança cresceram muito nesses quase oito anos. Em junho, a poupança tinha R$ 642,2 bilhões, bem mais que o dobro dos R$ 234,2 bilhões de 2007. E o saldo de depósitos a prazo (CDBs e fundos de renda fixa) passou de R$ 313,7 bilhões para R$ 544,6 bilhões.

— A probabilidade é que, com a recessão se aprofundando, a queda da renda e o desemprego maior, boa parte desses recursos sejam resgatados para as pessoas pagarem suas contas, e haverá a tributação se a CPMF voltar. Lá atrás, em 2007, com a economia e os empregos bombando, o dinheiro ficava aplicado por mais tempo — diz o executivo da Anefac.

Mudança de hábitos
Além disso, lembra Zilvetti, da FGV, houve uma mudança muito grande de hábitos com o avanço da tecnologia digital e, consequentemente, no uso das transações eletrônicas e dos cartões de débitos.

Pesquisa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) revela que em 2014 foram realizadas 47 bilhões de transações bancárias no país, metade por meio da internet ( 39%) e do celular (11%).

— O crescimento das transações eletrônicas foi enorme, o que favorece uma arrecadação maior com a CPMF — diz Zilvetti.

Erivelto Rodrigues, da Austin Rating, lembra ainda que, apesar do agravamento da crise econômica, nos últimos anos houve um significativo ganho de renda, e hoje o consumo é muito maior.

— O nível de renda das famílias aumentou nos últimos anos, e não importa se elas hoje estão mais endividadas. Elas terão de pagar essas dívidas, e isso movimenta mais dinheiro que vai alimentar a CPMF — afirma.

A despeito da maior sofisticação e da popularização do uso de operações eletrônicas no sistema bancário, os especialistas não descartam que a volta do imposto leve a alguns retrocessos nos hábitos das pessoas.

Mesmo porque, como observa Ricardo Humberto Rocha , professor do MBA do Insper, a implementação do tributo seria fácil e rápida, uma vez que os bancos, responsáveis pelo recolhimento da CPMF, já possuem os sistemas prontos:

— Isso vai dar margem para alguns setores migrarem para a informalidade.

A consultora da Órama Investimentos Sandra Blanco afirma que o consumidor e as empresas tendem a ficar mais atentos ao gerenciamento das contas, para serem menos atingidos pelo imposto. Depósitos para saque posterior, se evitados, por exemplo, vão resultar em pagamento de menos CPMF.

— Não vai mais ser possível ficar colocando e tirando dinheiro da conta a toda hora — diz Sandra.

(Colaborou Ana Paula Ribeiro)

Usar crise para chegar ao poder é golpe, diz Dilma

Presidente dá recado a empresários que admitem sua saída

Dilma fala em golpismo e diz que oposição fomenta a crise

• Objetivo é mandar recado a empresários que já aceitam hipótese de afastamento

• 'Usar a crise como mecanismo para chegar ao poder é uma versão moderna do golpe', afirma a presidente

Marcelo Toledo e Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

PRESIDENTE PRUDENTE (SP) e BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff voltou a falar em golpismo ao se referir à oposição nesta quarta-feira (16), reforçando o discurso adotado pelo PT para combater os que se movimentam para abrir um processo de impeachment e afastá-la do cargo.

Em entrevista a uma rádio de Presidente Prudente (SP), ela acusou os adversários de explorar as dificuldades econômicas que o país enfrenta para desgastar o governo e impedi-la de concluir seu mandato, que vai até 2018.

"Essas pessoas geralmente torcem para o quanto pior, melhor, e em todas as áreas", disse Dilma, ao responder a uma pergunta genérica sobre a crise política. "Todas elas esperando oportunidade para pescar em águas turvas."

Em seguida, acrescentou: "Todos os países que passaram por dificuldade, não vi nenhum propondo ruptura democrática como forma de saída da crise. Esse método de usar a crise como mecanismo para chegar ao poder é uma versão moderna do golpe".

Horas depois, a presidente voltou ao tema ao discursar num evento em que entregou 2.343 casas de um conjunto habitacional do programa Minha Casa, Minha Vida.

"Qualquer forma de encurtar o caminho da rotatividade democrática é golpe sim, é golpe", afirmou. "Principalmente quando esse caminho é feito só de atalhos. É feito só de atalhos questionáveis."

Dilma foi saudada várias vezes pela plateia do evento, que reuniu militantes petistas, sindicalistas, membros do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e famílias beneficiadas pelo Minha Casa, Minha Vida.

"Não vai ter golpe", gritaram os simpatizantes da presidente em vários momentos, interrompendo seu discurso.

Segundo assessores de Dilma, seu principal objetivo foi mandar um recado a empresários que, na avaliação do Palácio do Planalto, começaram a admitir a hipótese de seu afastamento do cargo se ela não conseguir deter o agravamento da crise econômica.

Manobra
Líderes da oposição se mobilizaram nesta semana para abrir caminho para um processo de impeachment, cobrando do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), uma resposta aos vários pedidos apresentados contra Dilma.

O plano prevê que Cunha rejeitará um dos pedidos e sua decisão será submetida em seguida ao plenário, onde bastará o voto da maioria dos deputados presentes para dar andamento à petição.

A manobra permitiria a criação de uma comissão especial para analisar o pedido de impeachment e encaminhá-lo ao plenário, onde são necessários os votos de 342 dos 513 deputados para abrir o processo e afastar Dilma.

O Palácio do Planalto tem se mobilizado para evitar que se forme a maioria necessária para o êxito dessa manobra. O chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, e o assessor especial da presidente Giles Azevedo começaram a fazer um levantamento para saber quem está com Dilma e quem está contra.

A partir desse levantamento, o governo está procurando os deputados da base governista que parecem inclinados a votar pelo impeachment para convencê-los a seguir ao lado da presidente.

Na terça (15), em entrevista após evento no Planalto, Dilma afirmou que o governo "está atento" para tentativas de "produzir instabilidade" e fará "tudo para impedir que processos não democráticos cresçam e se fortaleçam".

Na avaliação do Palácio do Planalto, a reforma ministerial que a presidente promete anunciar na próxima semana será fundamental para afastar os partidos da base governista do movimento pelo impeachment de Dilma.