• Jogo pelo impeachment já começou
- Valor Econômico
O processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, no mundo concreto da política, já começou. A apresentação da questão de ordem formulada pela oposição ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi seu marco zero e a reação quase imediata de Dilma, denunciando os que tramam "a versão moderna do golpe", mostra que o Planalto tem a consciência disso.
Atribuir propósitos golpistas à oposição é uma reação clássica de líderes isolados. Em 3 de julho de 1992, o então presidente Fernando Collor denunciou a existência de um "sindicato do golpe", mobilizado pela "central única dos conspiradores".
Collor estava em situação substancialmente mais grave que a de Dilma: cinco dias antes, a revista "IstoÉ" tornara público que as contas de sua residência particular eram pagas pelo empresário Paulo César Farias. Na sequência, o jornal "Folha de S. Paulo" publicou um editorial na primeira página com o título "Renúncia Já", antes mesmo do presidente convocar uma cadeia nacional de TV para se justificar.
A comparação com Dilma cabe pelo fato de o "sindicato do golpe" surgir no discurso presidencial quando a batalha pelo impeachment se instala. Até a maré das denúncias contra o então presidente entre o fim de junho e o início de julho de 1992, o tom dominante entre empresários e caciques oposicionistas era de que o impeachment e a entrega do poder a Itamar Franco era um risco demasiado alto para ser corrido.
Resistia ao afastamento presidencial, como de certo modo resiste hoje, o então senador Fernando Henrique Cardoso, que afirmou que o impeachment era como a bomba atômica: servia como poder dissuasório, mas não para ser usada. Terminou por votar a favor da saída de Collor. O hoje ex-presidente repetiu a frase no início do ano quase sem variações. Esta semana, foi um pouco mais incisivo, no sentido de não descartar a hipótese, mas alertar que mais prazo é necessário. "Em política não basta ter o conhecimento. Tem que saber a hora", disse, em um seminário na terça-feira.
Há tempos já não se conta no Palácio com um desfecho favorável para o governo no julgamento das contas de 2014 pelo TCU. Todo o fundamento da ação pelo impeachment apresentada por Hélio Bicudo, Janaina Pascoal e Miguel Reale Junior se centra na responsabilidade da presidente pelas "pedaladas fiscais" e na argumentação de que cabe processo por atos cometidos em um mandato presidencial já encerrado.
Na situação atual falta claramente um elemento catalisador, presente no caso de 1992, que faça o impeachment passar de uma possibilidade para uma certeza. A oposição joga com o tempo para esperar o melhor momento da semeadura. Por isso faz parte do roteiro Cunha não ter pressa alguma em estabelecer o rito do processo de afastamento. O presidente da Câmara também quer prazo para construir uma fórmula que o blinde contra o que ainda pode vir da Operação Lava-Jato e não lhe interessa fazer o jogo do Planalto. Ontem mesmo afirmou que só irá decidir "quando se sentir confortável".
Um processo sumário de impeachment agora, em tese, beneficiaria o governo, que conta com pelo menos 200 votos na Câmara, segundo cálculos de um experimentado parlamentar como o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP). Para se ter margem de segurança, é necessário virar de 40 a 50 votos. Estão com Dilma o PT, PCdoB, PSD, PDT, PSB e PSOL, entre as siglas mais relevantes. Votam pelo impeachment as siglas de oposição (PSDB, DEM, PPS e SD), além de PSC, PRB, PR e PP. O PMDB se divide. O afastamento presidencial é arquivado caso tenha 171 votos contrários.
A oposição aposta na tendência das curvas: são inúmeros os desastres que podem afetar a governabilidade nas próximas semanas e meses. Existe no horizonte a rejeição da emenda que recria a CPMF, ou o protelamento indefinido de sua votação. É provável uma greve geral do funcionalismo público em função do postergamento do reajuste salarial. São dois fatores que podem levar a um novo rebaixamento da classificação de crédito soberana, pelas agências Moody's e Fitch, o que abriria um duto para a fuga de capitais ao exterior.
Dilma poderá optar em deixar a articulação política de seu governo aos cuidados de Giles Azevedo e Aloizio Mercadante, com as consequências sabidas na relação do governo com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o PMDB. E a delação de Fernando Baiano poderá deixar a cúpula pemedebista, Renan e Cunha, para ser preciso, ainda mais acuada.
"O processo do impeachment será tudo, menos sumário. Ele durará enquanto não se conclui a migração. Há mais votos pelo impeachment agora do que havia antes do pacote do governo, como já havia crescido a tese depois da apresentação de um orçamento com déficit. Vai se instalando uma crise política, econômica e de credibilidade", disse o petebista.
O tempo joga contra Dilma porque o pacote de ajuste fiscal anunciado esta segunda atinge diversas corporações, que até o momento não estão coordenadas entre si. São poucos os beneficiários no plano político: a principal é a própria presidente, que estabeleceria uma ponte para chegar ao fim de 2018 no cargo. Também ganham os governadores e prefeitos. As demais forças contabilizam perdas. Vão desde as federações empresariais às classes médias, do funcionalismo à raiz da base social que o PT tenta representar. "São poucos os que vão atravessar o rio Jordão. Por que devemos ajudá-los?", indagou o senador Ricardo Ferraço, filiado ao PMDB, mas firmemente alinhado com a oposição. A travessia do rio Jordão, segundo o Velho Testamento, marcou a chegada dos judeus à Terra Prometida, liderados por Josué, depois da peregrinação pelo deserto.
É difícil dimensionar a vantagem que um candidato à reeleição poderá ter no próximo ano com o fim do financiamento privado de campanhas eleitorais. Para se acreditar nesta tese, é preciso pressupor que a norma será observada. A proibição das doações, antes de mais nada, é um convite à criatividade para contabilidades paralelas.
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