quarta-feira, 17 de junho de 2020

Opinião do dia – Celso de Mello*

Esse discurso (de não cumprir decisões judiciais) não é um discurso próprio de um estadista comprometido com o respeito à ordem democrática e que se submete ao império da Constituição e das leis da República. É essencial relembrar a cada momento as lições da história, cuja advertência é implacável, como assinalava o saudoso ministro Aliomar Baleeiro: ‘Enquanto houver cidadãos dispostos a submeter-se ao arbítrio sempre haverá vocação de ditadores’. É preciso resistir, mas resistir com as armas legítimas da Constituição e das leis dos Estado brasileiro e reconhecer na independência da Suprema Corte a sentinela das liberdades.


*Celso de Mello é ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). O Estado de S. Paulo, 17/6/2020

Ricardo Noblat - O presidente com vocação de ditador exalta a democracia

- Blog do Noblat | Veja

Quem o pariu que o embale

Tem preço assistir o presidente Jair Bolsonaro a defender-se dizendo que o histórico do seu governo “prova” que ele e sua turma sempre estiveram “ao lado da democracia e da Constituição”? Que “não houve por parte do governo, até agora, nenhuma medida que demonstrasse apreço ao autoritarismo”? E que está sendo “vítima de abusos”? Não, não tem preço.

Tudo isso e um pouco mais ele disse por meio de uma longa nota postada nas redes sociais no fim do dia em que, a pedido da Procuradoria-Geral da República, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou a quebra de sigilo bancário de dez deputados federais e um senador bolsonaristas. Moraes também é relator do inquérito das fake news.

Além de parlamentares, o inquérito tem como alvos o vice-presidente do novo partido de Bolsonaro, o Aliança Pelo Brasil, o marqueteiro do partido e empresários suspeitos de financiar a rede bolsonarista de produção de notícias falsas e manifestações de rua de natureza claramente antidemocráticas. A muitas delas compareceram Bolsonaro e vários dos seus ministros.

Entrevista | Christian Lynch*: Bolsonaro intimida Poderes para impedir sua queda

Cientista político diz que presidente usa militares como ‘guarda pretoriana’ para evitar impeachment

- Wilson Tosta | O Estado de S.Paulo

RIO – Não vai ter golpe – pelo menos não uma quartelada clássica, como as do passado –, mas a ofensiva autoritária do presidente Jair Bolsonaro, tendo as Forças Armadas como guarda pretoriana, pode em tese ser vitoriosa. A possibilidade, afirma o cientista político Christian Edward Cyril Lynch, se concretizará se o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), intimidados, renunciarem às suas prerrogativas.

“Bolsonaro só colou nos militares para poder usá-los como guarda pretoriana contra o impeachment, intimidando o Congresso”, afirma Lynch, em entrevista ao Estadão. Consumado esse emparedamento das instituições, avalia, seria o início de uma escalada do autoritarismo. Mas o professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) não acredita que tenha grande chance de ocorrer. “Creio que, com seu aguçado senso de sobrevivência corporativa, os militares não cairão nesse

O pesquisador afirma que militares conservadores viram em Bolsonaro a oportunidade de implantar no Brasil um governo firme e conservador, mas moderado, para acabar com a “anarquia” trazida pela democracia. São, porém, brandidos de forma ameaçadora pelo presidente, que teme ser afastado, e têm influência limitada pelos filhos do presidente e agregados, responsáveis pelas ações na internet. Esses dois grupos têm uma relação tensa, afirma, porque os generais seguem lógica de caserna, visando a um “bom governo”, ordeiro e harmonioso, mas a família Bolsonaro se orienta pela “guerra cultural” para manter o “País em estado de permanente polarização e inquietação”.

“Daí as tensões frequentes entre o núcleo conservador reacionário, “lacrador” e radical, a quem Bolsonaro deve a sua eleição, e o núcleo dos generais palacianos, mais moderado e tradicional. A aliança com os primeiros é estratégica, e com os segundos, apenas tática”, explica ele, que espera que Bolsonaro se livre dos generais palacianos, depois de usá-los. Lynch acha que chegará um ponto em que militares, magistrados e políticos terão de sentar para discutir uma saída para a crise.

• Bolsonaro é político desde 1989. Deixou o Exército após um processo que envolveu acusações de ameaçar colocar bombas em quartéis e indisciplina. O que explica que, 30 anos depois, os militares, inclusive oficiais-generais, o abracem com entusiasmo?

Eu não diria “os militares” como se se tratasse de uma entidade homogênea. O atual presidente construiu sua carreira parlamentar como defensor dos setores conservadores das Forças Armadas, que não se resignaram com o regime político progressista em 1988. Passou a vida reproduzindo a versão de que o regime militar teria impedido o comunismo e sido essencialmente um tempo de ordem e progresso nacional. Bolsonaro também passou décadas defendendo os interesses pecuniários da corporação. Isso explica a popularidade dele junto a esses setores conservadores das Forças Armadas. Na Presidência, ele continua agindo com a mesma coerência.

• Quando Bolsonaro foi eleito presidente, dizia-se que os militares o enquadrariam ou conteriam seus arroubos. Por que isso, aparentemente, não aconteceu?

Não foi por falta de vontade. Bolsonaro não é propriamente um militar; ele é um político de baixo clero que, tendo sido tenente, formou sua clientela eleitoral representando os interesses de seus antigos companheiros de farda e de outras corporações armadas. Os filhos ampliaram a clientela do pai explorando um eleitorado de direita radical na base do populismo, seguindo técnicas de manipulação digital sofisticadas. Então, enquanto os generais palacianos se orientam mais conforme uma lógica de caserna, fechada, hierárquica e disciplinada, imaginando um “bom governo” ordeiro e harmonioso, a família Bolsonaro se orienta por uma lógica de “guerra cultural” que mantenha o País em estado de permanente polarização e inquietação. Daí as tensões frequentes entre o núcleo conservador reacionário, “lacrador” e radical, a quem Bolsonaro deve a sua eleição, e o núcleo dos generais palacianos, mais moderado e tradicional. A aliança com os primeiros é estratégica, e com os segundos, apenas tática.

Merval Pereira - No rastro do dinheiro

- O Globo

Dificilmente será superada a crise entre o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF). Sobretudo porque não há nenhuma serventia em fazer acordo com os demais poderes da República, pois Bolsonaro acha que o Executivo tem que se sobrepor, e almeja que os outros se imbuam dessa secundariedade para que o deixem trabalhar sem limitações institucionais.

É seu entendimento autoritário do que seja democracia representativa. Vários acordos já foram feitos, pactos firmados, e Bolsonaro continua o mesmo, a ponto de o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, o mais empenhado nesse pacto de governabilidade, ter desabafado em sua mais recente manifestação, dizendo que não é mais possível aceitar “dubiedades” de Bolsonaro e Mourão.

Outra impossibilidade é o presidente renegar as atitudes insanas dos extremistas que o apoiam. Bolsonaro trata o pessoal do acampamento “300 do Brasil” como a sua base, e as operações da Polícia Federal contra eles, pedidas pelo Procurador-Geral da República Augusto Aras e aprovadas pelo ministro Alexandre de Moraes, são consideradas uma ação direta contra o governo, desnecessária já que os extremistas não são em grande número.

Essa leniência com esses malucos, mesmo que ainda não tenham passado da pirotecnia para atentados reais, só transmite a ideia de que eles têm a complacência do governo, que os considera seus aliados. Os blogueiros das fake news são “a mídia que eu tenho”, confessa Bolsonaro, tornando crível o financiamento oficial dessa máquina de destruir reputações.

Míriam Leitão - Elo entre radicais e o presidente

- O Globo

O deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) foi visitado ontem pela Polícia Federal. Ele foi da PM do Rio de Janeiro e se sente tão inimputável que recentemente postou um vídeo em que ameaçava de morte quem estava em atos contra Bolsonaro. Alertou que os PMs andam armados e poderiam atirar no peito ou na cabeça de alguns que estavam na manifestação. É esse tipo de pessoa que o inquérito das fake news está encontrando. Há uma linha que liga ataques ao Supremo, manifestações a favor do presidente com faixas pedindo intervenção militar, nas quais Bolsonaro e alguns dos seus ministros já foram, e uma militância que em parte anda na faixa da ilegalidade.

O problema é que o próprio presidente anda nessa linha de sombras entre o legal e o ilegal. Bolsonaro, na última quinta-feira, fez aquela convocação aos seus militantes. “Deem um jeito de entrar nos hospitais e filmar.” Estava publicamente estimulando um crime. O procurador-geral da República, Augusto Aras, oficiou aos procuradores regionais para abrirem investigação contra quem invadiu hospitais. Aras se comporta como se não tivesse visto que o presidente estimulou aquilo que ele considera que deva ser investigado. Repetiu a mesma atitude de alienação seletiva no caso das manifestações antidemocráticas. Aras abriu o inquérito para investigar organizadores e financiadores daquela manifestação na frente do Exército. O fato de o presidente ter comparecido e fortalecido o grupo, dizendo que as Forças Armadas estavam com eles, Aras não achou importante. Ele tem um olhar periférico para os fatos. O que fez o ato ter gravidade foi exatamente a presença do chefe do Executivo.

Bernardo Mello Franco - A Secretaria da Censura

- O Globo

O cartunista Aroeira diz que a Secretaria de Comunicação Social da Presidência deveria mudar de nome. “Transformaram a Secom na Secen, a Secretaria da Censura e Assuntos Afins”, ironiza.

Aroeira entrou na mira do governo após publicar uma charge crítica a Jair Bolsonaro. O presidente havia incentivado seguidores a invadir hospitais com pacientes infectados pelo coronavírus. No desenho, ele aparece com um balde de tinta e um pincel nas mãos, após transformar uma cruz vermelha numa suástica.

Na segunda-feira, a Secom usou seus canais oficiais para atacar o cartunista e o jornalista Ricardo Noblat, que replicou a charge no Twitter. O ministro da Justiça, André Mendonça, ordenou que a Polícia Federal investigue os dois com base na Lei de Segurança Nacional.

Elio Gaspari - O pandemônio bolsonarista

- O Globo / Folha de S. Paulo

A ideologia de Weintraub, como a de Bolsonaro, é irrelevante

A fritura de Abraham Weintraub começou no início do mês. Sua ida à manifestação contra o Supremo Tribunal, bem como o seu “já falei minha opinião, o que faria com esses vagabundos”, foi deliberada provocação. Ele refletiu aquilo que Pedro Malan denominou de “presidencialismo de confrontação”. Essa marca de Jair Bolsonaro está infiltrada num governo que atira para todos os lados, mas não vai a lugar algum.

Um governo com rumo não teria três ministros da Saúde durante uma epidemia. Quando Weintraub disse numa reunião ministerial que “por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no Supremo Tribunal Federal”, a gravidade não estava nas suas palavras, mas na naturalidade com que foi ouvido. O ministro da Educassão manteve o nível do clima de churrasco na laje. Nele, além dos palavrões do presidente, o ministro da Economia fez uma suave defesa da legalização da jogatina.

Weintraub chegou ao governo substituindo um professor capaz de dizer que “o brasileiro viajando é um canibal, rouba coisas dos hotéis”. Como ministro, deu-se a cenas ridículas, hostilizou as universidades e o idioma. Com o rótulo de “ideológico”, mostrou-se um ruidoso inepto. Atrás dessa marca de fantasia, desfilou trapalhadas, inépcia y otras cositas más.

Zuenir Ventura - Um herói muito atual

- O Globo

‘Exército deveria ser o grande mudo da vida nacional’, disse Rondon

Num momento em que militares de alta patente, sob o comando de um capitão desorientado, se envolvem cada vez mais com a política, e nem sempre com moderação, é importante observar essa sábia opinião, de 1956: “O Exército deveria ser o grande mudo da vida nacional”.

Ela é de um eminente marechal e acaba de ser lembrada pelo jornalista Larry Rohter, colunista da revista “Época”, ex-correspondente no Brasil do “New York Times” e autor de “Rondon, uma biografia”.

A frase mais famosa desse patrimônio das Forças Armadas — “Morrer se preciso for; matar nunca” — foi um lema posto à prova em 1957, ao ser atingido por uma flecha envenenada dos índios nhambiquara e salvo pela correia de couro de sua espingarda. A sua reação foi ordenar aos comandados que não revidassem.

Rosângela Bittar - A batalha mascarada

- O Estado de S.Paulo

A cisão das Forças Armadas é a crise das crises entre tantas encomendadas pelo presidente

Coube a um ministro, general de Exército da ativa, ocupando o cargo civil e político mais importante desta gestão, abrir uma fresta de luz sobre algo muito grave que ferve no corpo a corpo do interior do governo. Há muito se falava de uma tensão latente pela cisão que o presidente Jair Bolsonaro tenta promover nas Forças Armadas, sem que nenhuma autoridade a admitisse abertamente.

Bolsonaro tem a ascendência constitucional sobre Exército, Marinha e Aeronáutica, e é, portanto, legalmente o comandante supremo. Porém, para fazer particularmente o que deseja deste arsenal, teria de passar por cima de algumas cabeças de bom senso que têm ascendência direta sobre as tropas. Entre seus objetivos não explicitados estaria o de manobrá-las politicamente na guerra pessoal que declarou à República.

Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, o ministro mencionado, deixou nas entrelinhas da sua já célebre entrevista à Veja, semana passada, que a cisão pode estar por trás do intenso trânsito na política dos generais e coronéis da reserva, das três Forças.

Vera Magalhães - Esqueçam o artigo 142

- O Estado de S.Paulo

Generais, com cargos no 1º escalão e de pijama, usam interpretação golpista da Constituição para ameaçar demais Poderes

O maior fator de instabilidade da democracia hoje vem da caserna. As Forças Armadas contribuem de forma definitiva para que paire sobre a Praça dos Três Poderes a sombra de risco de um autogolpe por parte de Jair Bolsonaro à medida que generais com cargos no primeiro escalão e os de pijama em clubes militares nas redes sociais, meio en passant, usam a interpretação golpista do artigo 142 da Constituição para ameaçar os demais Poderes.

Virou moda. O Tribunal Superior Eleitoral vai investigar a chapa Bolsonaro-Mourão? Opa aí não, olha o artigo 142 aí. Pedidos de impeachment são apresentados? Não vamos admitir, temos o artigo 142. O STF usa sua atribuição constitucional de exercer o controle jurisdicional sobre atos do presidente que ferem os princípios da administração pública? Estão exagerando e podemos puxar da manga o artigo 142.

Não, senhores militares, não podem. Diz o famigerado artigo: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Garantia dos Poderes, e não da permanência do presidente no poder.

Não são a guarda de inverno do presidente tresloucado que quer armar a população, acha que pode fazer escambo do Ministério da Educação com a blindagem dos seus extremistas.

Fernando Exman - Soa o temido alarme: o inverno está chegando

- Valor Econômico

Ministério da Saúde preocupa-se com avanço do vírus no Centro-Sul

Às 18h44 do sábado, pontualmente, começa uma nova etapa da missão do ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello. É o horário oficial do início do inverno de 2020, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). O momento a partir do qual as atenções da pasta no combate ao novo coronavírus precisarão se voltar cada vez mais para o Centro-Sul do Brasil.

O inverno é um período aguardado com preocupação pelos antecessores do general e que se principia num momento em que as relações do presidente Jair Bolsonaro com os governadores - dos Estados destas e de outras regiões - se deterioram a cada dia.

No governo, acredita-se que o Supremo Tribunal Federal (STF) exagerou na liberdade dada aos entes subnacionais para a condução das políticas de isolamento social. À natural briga por recursos e autonomia nos gastos emergenciais, somou-se uma discussão de natureza político-eleitoral entre o chefe do Executivo e governadores.

Cenário hostil para Pazuello, um militar da ativa, e também para o próximo secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, um técnico especialista no trato com os Estados e os municípios. Ambos ganharão importância na tentativa de construção de uma interlocução mais saudável na federação, sobretudo se as preocupações com os efeitos do inverno em relação ao avanço da pandemia se comprovarem corretas.

Bruno Boghossian - Ao pé da rampa

- Folha de S. Paulo

Inquérito pode expor atuação de Bolsonaro e auxiliares na articulação de ataques e protestos

As investigações sobre o núcleo radical do bolsonarismo chegaram ao pé da rampa do Palácio do Planalto. As buscas autorizadas pelo Supremo contra operadores partidários e a quebra de sigilo de parlamentares governistas expõem os detalhes da máquina política que trabalha a serviço do presidente.

Os alvos principais desses inquéritos nunca foram os blogueiros e personagens pitorescos que disseminam informações falsas e lideram protestos a favor de Jair Bolsonaro. A operação desta terça-feira (16) se aproximou ainda mais de deputados e empresários que fazem a ponte entre os manifestantes e o núcleo de poder do presidente.

Ao anunciar a ação, a Procuradoria-Geral da República esboçou as conexões. "Uma linha de apuração é que os investigados teriam agido articuladamente com agentes públicos que detêm prerrogativa de foro no STF para financiar e promover atos que se enquadram em práticas tipificadas como crime pela Lei de Segurança Nacional", afirmou o órgão.

Hélio Schwartsman - Liberdade de expressão tem limite?

- Folha de S. Paulo

A democracia aceita críticas, mas não admite ações concretas com o objetivo de subjugá-la

Qual o limite da liberdade de expressão? Vale defender intervenção militar, fechamento do Congresso e prisão dos ministros do STF? E ideias racistas, antissemitas ou homofóbicas? Questões como essas, que em tempos normais teriam interesse primordialmente acadêmico, ganham gravidade na estranha conjuntura em que vivemos.

Como não poderia deixar de ser, defendo uma interpretação robusta do alcance da liberdade de expressão. Se alguém está convencido de que uma ditadura é o melhor caminho para o Brasil ou de que negros, judeus e homossexuais são intrinsecamente inferiores, deve ser livre para dizê-lo. De um modo geral, o ridículo dessas ideias e a inexistência de bons argumentos para apoiá-las já funcionam como antídoto à sua disseminação.

Yascha Mounk* - Brasil já é uma democracia sob supervisão militar

- Folha de S. Paulo

Quando especulações sobre o que militares aceitariam começam a moldar decisões de eleitos, essência da democracia já foi esvaziada

Sempre esteve claro para os observadores externos que o Brasil teria que pagar uma conta alta por ter eleito um líder tão perigoso e irresponsável quanto Jair Bolsonaro.

Mas os acontecimentos dos últimos meses asseguram que essa conta será ainda mais trágica do que se evidenciava.

Centenas de milhares de brasileiros provavelmente vão morrer desnecessariamente devido à reação caótica e incompetente do governo à Covid-19.

E, mesmo que seja possível evitar os piores ataques à democracia –quer seja sob a forma de um golpe militar ou de uma concentração gradual do poder político no palácio presidencial—, a Presidência de Bolsonaro deixará a democracia brasileira gravemente enfraquecida.

Quando populistas –de direita, como Bolsonaro, ou de esquerda, como Hugo Chávez— chegaram ao poder, cientistas políticos avisaram sobre os danos que eles infligiriam aos cidadãos comuns.

Pelo fato de afirmarem que eles e apenas eles representam o povo, esses políticos são incapazes de aceitar a dissensão legítima.

Assim, começam pouco a pouco a atacar tanto as instituições políticas independentes quanto tribunais, especialistas independentes e autoridades de saúde pública.

Entretanto, na última década, quando figuras desde Viktor Orbán até Donald Trump foram chegando ao poder, esses avisos, na maior parte do tempo, passaram batidos.

Depois de décadas em que as elites políticas locais haviam se colocado em descrédito, seus avisos sobre os líderes novatos que ameaçavam tomar seus lugares soavam como súplicas especiais.

Particularmente nos países com corrupção arraigada e cujos políticos tradicionais eram sabidamente oportunistas, muitos cidadãos, compreensivelmente, acharam difícil se preocupar com coisas como o Estado de Direito ou a separação dos poderes.

Ruy Castro* - Comunista na Austrália

- Folha de S. Paulo

Todo 31 de dezembro, às 13h do Brasil, ouve-se na TV: "Já é Ano Novo na Austrália!". Com 11 horas a mais, o Ano Novo lá chega mais cedo. Num dia de abril último, de manhã, Sergio Moro deixou o governo de Jair Bolsonaro e, pela TV, acusou seu ex-patrão de tentar controlar a PF. Em poucas horas, passou de herói dos bolsonaristas a traidor e, à uma da tarde, a internet deu: "Moro já é comunista na Austrália!".

Moro juntava-se ali aos comunistas a serem exterminados pelo governo Bolsonaro, os quais incluem intelectuais, artistas, professores, estudantes, globalistas, evolucionistas, ambientalistas, indígenas, LGBTistas, desarmamentistas, a Folha, a Globo, o Congresso, o STF, a ONU, a OMS, a China, os governadores, os prefeitos, os médicos, os infectados pela Covid e a própria Covid —enfim, todos que se opõem à promessa de Bolsonaro de acabar com a corrupção, a mamata, a velha política, o toma lá dá cá e o desvio de dinheiro público.

Cristiano Romero - A história dos naufrágios mostra que a âncora é fiscal

- Valor Econômico

Saída de Mansueto expõe fragilidade de Paulo Guedes

Quem conhece o economista Mansueto Almeida sabe que ele impôs apenas uma condição para continuar à frente da Secretaria do Tesouro Nacional, a que cuida do dinheiro da Viúva: ter o apoio absoluto do chefe, o ministro da Economia, Paulo Guedes. Mansueto não chegou ao ministério com Guedes, nem mesmo com os dois chefes anteriores - Henrique Meirelles (ministro da Fazenda de maio de 2016 a abril de 2018) e Eduardo Guardia (de abril a dezembro de 2018). Sua primeira passagem pela Fazenda se deu na segunda metade da década de 1990, quando, muito jovem, trabalhou na Secretaria de Política Econômica, na ocasião chefiada por José Roberto Mendonça de Barros.

Foi um privilégio para o promissor técnico do Ipea estar, na hora certa, no centro de comando da economia brasileira. Aquela era a primeira equipe econômica pós-lançamento, em julho de 1994, do real. O ministro era Pedro Malan, e o presidente do Banco Central, Pérsio Arida. Apesar do sucesso inicial do plano, quando a inflação caiu de 47,43% em junho daquele ano para 6,84% em julho e 1,71% em dezembro, a turma levou um susto logo após a vitória, em primeiro turno, do candidato Fernando Henrique Cardoso (PSDB), pai do Real, na corrida presidencial.

Em novembro, o México, sempre o primeiro a mostrar as falhas do receituário usado pelos países latino-americanos a jusante, enfrentou crise cambial e quebrou. Naquele momento, a maioria dos países em desenvolvimento adotou âncoras cambiais (regimes de câmbio fixo) para estabilizar os preços. Como a inflação americana, em dólar, já era muito baixa, as economias atrelavam a taxa de câmbio à moeda dos Estados Unidos. Na Europa, a referência era o marco alemão, que, depois, veio a se tornar o euro.

Monica De Bolle* - A bioquímica do teto

- O Estado de S. Paulo

Caso o teto permaneça como está, sem modificações nas regras, haverá uma asfixia no orçamento

A glicólise é uma via metabólica pela qual se extrai energia da glicose. Trata-se de mecanismo presente na maioria dos seres vivos, sobretudo por ser processo anaeróbico, isto é, que não depende de oxigênio. Nas diversas etapas do processo, enzimas atuam para catalisar as reações que haverão de resultar na energia que a célula requer. Caso ocorram distúrbios em algumas dessas enzimas ao longo do processo, a glicólise pode não levar à necessária extração de energia, prejudicando, portanto, o funcionamento da célula. Em outras palavras, se houver interferências nesse delicado mecanismo bioquímico, um dos canais de sobrevivência e manutenção celular pode ser alterado em prejuízo do ser vivo.

Agora tomem por “glicose” a molécula da qual o processo de glicólise extrai energia, o gasto público, e por “célula” a economia. Em 2016, a equipe econômica de Michel Temer argumentou que havia uma disfunção no processo de “glicólise”, isto é, gasto público que o transformava em energia para a economia brasileira. Em particular, técnicos de então viram nas etapas de como o gasto afetava a economia “enzimas” que liberavam energia em excesso, ou seja, eram disfuncionais, prejudicando as contas públicas: elas aumentavam a razão dívida/PIB e, por conseguinte, o déficit público. Essas enzimas, diziam os técnicos do governo Temer, eram muito reativas e precisavam, portanto, ser inibidas.

Vinicius Torres Freire - Ruim para os EUA, pior para o Brasil

- Folha de S. Paulo

Economia americana teve algum alívio em maio, mas depende de gás do governo

Maio foi um mês de despiora ligeira para a economia dos Estados Unidos. Houve mais festinha nas Bolsas marombadas e nova conversa sobre a projeção mais otimista de alguns adivinhadores profissionais, minoria para quem a recessão será em forma de “V”, queda e retomada rápidas.

O aumento das vendas do varejo americano em maio mais do que compensou as perdas de abril, embora o faturamento ainda esteja uns 8% abaixo do nível pré-epidemia. Cerca de 2,5 milhões de pessoas voltaram a trabalhar, mas falta empregar outros 20 milhões que foram para a rua na epidemia. Houve crescimento da indústria, embora bem abaixo do esperado.

Parte do salto das vendas foi consumo represado, de quem manteve o emprego e ficou com dinheiro na conta, poupança forçada devido ao confinamento. Parte foi graça dos trilhões de socorro do governo, que pagou uma renda básica instantânea e aumentou para valer o valor do seguro-desemprego —tudo somado, além da renda emergencial, o pacote é quase 50% maior do que o PIB brasileiro. Esse auxílio para trabalhadores e famílias acaba em julho.

O presidente do banco central, o Fed, Jerome Powell, disse ao Senado que a coisa ruim vai longe. A OCDE estima que o PIB americano caia 7,3% neste ano e chuta que, no ainda mais nebuloso 2021, cresça 4,1%, o que não recupera o prejuízo. Para o Banco Mundial, o PIB cai 6,1% em 2020 e sobe 4% no ano que vem.

Bolsonaro inventa um papel de árbitro para os militares – Editorial | Valor Econômico

Investidas interpretativas a Constituição pelo presidente envenenam o ambiente político

As investidas interpretativas do presidente Jair Bolsonaro e seus ministros do Planalto sobre o artigo 142 da Constituição - as Forças Armadas seriam o poder moderador da República - são toscas, mas de alguma eficácia para envenenar o ambiente político. A versão capciosa do Planalto busca traçar uma linha no chão para as investigações sobre Bolsonaro e seus filhos, e o julgamento da chapa Bolsonaro-Hamilton Mourão no Tribunal Superior Eleitoral. Ultrapassada, acarretaria uma intervenção militar. Presidente, vice-presidente e Fernando Azevedo, ministro da Defesa, emitiram na sexta nota em que afirmam que, para as Forças Armadas “ordens absurdas não se cumprem” e nem tentativas de tomada do poder decorrentes de “julgamentos políticos”.

A deturpação constitucional tornou-se mais desafiadora por vir na sequência de uma liminar dada por Luiz Fux, futuro presidente do Supremo Tribunal Federal, em que esclarece que as Forças Armadas não são poder moderador e tão somente um “poder limitado”. A provocação presidencial traz enorme perda de tempo e esforço, além de criar uma atmosfera surreal. Fux respondia a uma ação do PDT contra uma eventual intervenção militar. Fux reafirmou o óbvio: a letra da lei não permite golpes. No entanto, eles acontecem.

Bolsonaro não age sozinho como agente provocador. Seu filho, deputado federal Eduardo Bolsonaro, disse que é natural o povo pedir a ação das Forças Armadas se estiver descontente com atos do Congresso e do STF. “Elas vêm, põem um pano quente e depois volta o jogo democrático”, concluiu. A última vez em que isso ocorreu, a democracia voltou depois de 21 anos de ditadura.

Violência mascarada – Editorial | Folha de S. Paulo

Governo federal abafa dados da violência policial enquanto a PM mata mais em SP

Num momento em que exacerbações de agentes de segurança pública geram protestos nos Estados Unidos e são questionadas em diversos países, inclusive o Brasil, o governo decidiu excluir do relatório anual Disque Direitos Humanos dados sobre a violência policial em 2019 —o primeiro ano da gestão de Jair Bolsonaro.

Não causa surpresa o ímpeto do presidente da República em ocultar ou falsear informações de caráter público. Tal esforço, que abrange de informações sobre o desmatamento a mortes causadas pela Covid-19, já se caracteriza como política sistemática e deliberada, a atestar o caráter autoritário e antirrepublicano da administração.

Do alto de sua ignorância e aversão a tudo que contribua para o esclarecimento, o debate democrático e o aperfeiçoamento das instituições, Bolsonaro repete de modo incansável a nota obscurantista do ataque à ciência, à informação e à transparência.

Para tanto, conta com o apoio inestimável de colaboradores como a ministra Damares Alves, titular da pasta da Mulher, da Família e Direitos Humanos, responsável pela divulgação dos dados em tela.

O relatório ora desvirtuado —a pretexto de verificação de inconsistências— é considerado um dos termômetros da violação dos direitos humanos no país, tema que o presidente e sua claque desprezam.

Papel desagregador de Bolsonaro torna maiores incertezas no retorno – Editorial | O Globo

Saída do isolamento social ficou mais arriscada pela falta de um trabalho coordenado na Federação

A localização geográfica do Brasil dava ao país condições de aprender com erros e acertos no enfrentamento da pandemia da Covid-19, à medida que o vírus Sars-CoV-2 se disseminava a partir de Wuhan, na China. Infelizmente, a vantagem não foi aproveitada como seria possível. Devido ao negacionismo do presidente Bolsonaro, que prejudicou a atuação do Executivo federal junto a governadores e prefeitos, na execução coordenada de medidas preventivas contra a doença e, na etapa seguinte, de retomada da normalidade.

Ao contrário, preocupado com efeitos da crise econômica causados nos seus projetos político-eleitorais pelo vírus, com o isolamento social e lockdowns, Bolsonaro esvaziou o Ministério da Saúde em plena aceleração da epidemia. Demitiu dois ministros médicos, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, entregando a pasta ao general de divisão Eduardo Pazuello, um interino que se eterniza. Sem poder intervir, por decisão do Supremo, em estados e municípios, no enfrentamento da epidemia, o presidente boicotou o trabalho de governadores e prefeitos, e é dessa maneira que o país começa a executar o relaxamento de quarentenas, em cada capital e estado.

Mas em um país que não consegue testar em massa a população — a falta de empenho do governo federal foi decisiva para o fracasso — este retorno é em alguma medida um voo cego.

Bolsonaro e o Dia de São Nunca – Editorial | O Estado de S. Paulo

As atenções do Congresso para o combate aos efeitos da pandemia deram ao presidente o pretexto ideal para deixar as reformas para o Dia de São Nunca

Um governo que trabalha apenas para dar sobrevida política ao presidente da República dificilmente será capaz de propor as reformas de que o Brasil urgentemente precisa e, mais, de articular sua aprovação no Congresso. Mesmo antes da presente crise, quando a continuidade do mandato de Jair Bolsonaro não estava em questão e não havia a emergência nacional causada pela pandemia de covid-19, a agenda de reformas não era tratada com a devida seriedade pelo governo. Nada mudou de lá para cá – com a agravante de que a monopolização das atenções do Congresso para o combate aos efeitos da pandemia deu a um presidente tão desinteressado nas reformas que prometeu o pretexto ideal para deixá-las para o Dia de São Nunca.

Não surpreende assim que o presidente Bolsonaro tenha informado na segunda-feira, em entrevista à TV Band News, que a reforma administrativa, prometida por ele no ano passado e de novo no início deste ano, “com toda a certeza” ficará para 2021. “É um desgaste muito grande”, disse o presidente, argumentando que o maior obstáculo à reforma administrativa é uma suposta campanha da imprensa contra seu governo. “Eu não estou preocupado com reeleição, mas nós devemos nos preocupar com o brasileiro de forma honesta, justa, e não ser massacrado pela opinião pública por uma coisa que você não fez e não propôs. Então, a guerra da mídia é importante, por isso o atraso no envio da reforma administrativa”, disse Bolsonaro.

Música | Paulo Godoy. - Chão de Estrelas

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

terça-feira, 16 de junho de 2020

Opinião do dia – Fernando Gabeira*

Não sei se os militares estão usando Bolsonaro como um bode na sala, para depois se apresentarem como moderadores no pântano que ele criou. Ou se simplesmente se deliciam com o acúmulo de soldos e salários como os militares da Venezuela.


Fernando Gabeira, jornalista. “ó a luta amada evita a ditadura”, O Globo, 15/6/2020.

Raul Jungmann* - Quem fala pelas Forças Armadas é a Constituição

- Folha de S. Paulo

O conflito ou inobservância das leis é resolvido pelo Judiciário

A recente nota à nação, subscrita pelo presidente da República, merece uma exegese das ideias e conceitos que nela constam, em especial o seu terceiro parágrafo, que diz o seguinte: “As Forças Armadas/FAs do Brasil não cumprem ordens absurdas, como por exemplo a tomada do Poder. Também não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das leis, ou por conta de julgamentos políticos.”

Inicio nossa análise pela primeira das frases. Como as Forças Armadas, pelo artigo 142 da Constituição, estão sob a autoridade suprema do presidente da República e, por iniciativa dos poderes da República, são responsáveis pela garantia da lei e da ordem, de onde viria a “ordem absurda” para a tomada do Poder da República?

Constitucionalmente, de um dos três Poderes. Logo, a nota pressupõe que um ou mais Poderes estariam agindo ou viriam a agir de modo “absurdo”, portanto, inconstitucional. Ainda que abstrata, essa é uma suposição gravíssima e requer que seja demonstrada com fatos e provas à nação. O que não aconteceu.

Na sequência, ao afirmar que as Forças Armadas “não aceitam tentativas de tomada de um Poder por outro Poder”, os signatários elevam as Forças à condição de intérprete e árbitro final de disputas entre Poderes da República.

Algo que não é previsto em nenhum dos artigos da atual Constituição, nem em decisões do Supremo, além de ser essa competência privativa da Corte. A conclusão da frase segue o mesmo caminho: “Ao arrepio das leis ou de julgamentos políticos”.

Merval Pereira - Ópera bufa

- O Globo

O cavaleiro glorioso não passa de um mau soldado seguido por uma vivandeira de quinta categoria

O país virou uma grande ópera bufa, que não termina em tragédia, mas pode se transformar, como aconteceu com o gênero do século XVIII, que começou como um mero entretenimento no intervalo das óperas sérias e acabou ganhando autonomia.

Temos que torcer para que o governo Bolsonaro seja apenas o intervalo, o mais curto possível, que nos levará, aos trancos e barrancos, à peça principal. Os personagens cômicos da ópera bufa sempre existiram, mas saíram do baixo clero para o proscênio nessa quadra de pandemia e pandemônio.

Um Mussolini de hospício surge de repente num cavalo branco emprestado, fantasiado de presidente do Brasil, que mais e mais torna-se mesmo uma republiqueta de bananas. Um personagem do grande Chico Anysio, guiado pelo absurdo, vivia repetindo “Eu odeio pobre”. Pois temos até um ministro, Abraham Weintraub, supostamente da Educação, que disse na fatídica reunião ministerial de abril: “Eu odeio a expressão "povos indígenas”.

Os militares que abundam na estrutura burocrática de nosso serviço público acabam levando ladeira abaixo o prestígio das Forças Armadas que, inertes, não reagem a essa corrosão de imagem que já é registrada em pesquisas de opinião. Por falar nelas, quando, em um país sério, a possibilidade de um golpe militar se transformaria em conversa de botequim (quando os botequins estavam abertos) ?

Hélio Schwartsman - Militares e a democracia

- Folha de S. Paulo

A Costa Rica decidiu livrar-se das Forças Armadas e vive muito bem sem elas

Declarações e notas da elite castrense divulgadas nos últimos dias mostram que alguns de nossos generais ainda não entenderam o que é democracia e menos ainda o papel das Forças Armadas em uma.

Primeiro foi o general Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo, que, em entrevista à revista Veja, afirmou que não há risco de as Forças Armadas desferirem um golpe, mas alertou que o “outro lado” não pode “esticar a corda”. Queixou-se especificamente de comparações de Bolsonaro a Hitler.

Receio que Ramos esteja desatualizado quanto ao nível de liberdades democráticas em vigor no país. Até onde vai a teoria, a oposição sempre pode esticar a corda (o fato de poder não quer dizer que deva), e todo cidadão sempre pode comparar qualquer um a Hitler (também não quer dizer que deva). Aliás, Bolsonaro não fez outra coisa que não esticar a corda desde que assumiu o poder.

Carlos Andreazza - Nada dúbio

- O Globo

O texto situa as Forças não como instituições impessoais do Estado, mas órgãos do governo de turno

A interpretação bolsonarista para o artigo 142 da Constituição merece detido exame, pois sintetiza a mentalidade autocrática que fundamenta o projeto de poder golpista encarnado em Jair Bolsonaro — que tem lastro, como lembra a ameaça de intervenção, ainda em abril de 2018, do então comandante do Exército, general Villas Bôas, à véspera de o Supremo julgar habeas corpus de Lula, e que se expressa tanto em nota formal ou entrevista de militar quanto em ato de grupo extremista atacando o STF (por ora) com rojões.

Projeto de poder impulsionado por um inconformismo essencial: o de o presidente da República, mesmo eleito por 57 milhões de votos, não ter mais poder que os outros Poderes.

As Forças Armadas seriam, pois, o canal por meio do qual resolver, concretamente e para além dos fogos de artifício, essa inaceitação do equilíbrio republicano: a eloquência dos tanques para que a suposta vontade popular fosse respeitada, Congresso e Supremo subjugados por aquele — Bolsonaro — que falaria diretamente ao povo.

O texto constitucional trata da “autoridade suprema” do presidente sobre as Forças — o que passou a ser compreendido como atribuição ilimitada e difundido como explicação de por que haveria hierarquia entre Poderes: o Executivo, sendo o senhor das armas, acima dos demais.

Foi contra essa leitura doente que reagiu Luiz Fux ao explicitar qual seria a delimitação do papel das Forças Armadas. Que não são o quarto Poder. Que não são poder moderador. Que não podem intervir em outro Poder; a prerrogativa do presidente — que o autoriza a empregá-las — não podendo ser usada contra Legislativo e Judiciário.

Bernardo Mello Franco - Revoltados a favor

- O Globo

Os revoltados a favor são úteis ao bolsonarismo. Desde que chegou ao poder, o presidente aposta na mobilização de uma minoria barulhenta para se sustentar

Sara Winter se esforçou. Desde que chegou a Brasília, a militante de extrema direita fez de tudo para atrair a polícia. Montou um acampamento armado na Esplanada, ameaçou agredir um ministro do Supremo, liderou uma tentativa de invasão do Congresso. Finalmente conseguiu ser presa ontem, após semanas de ataques à democracia.

A ex-feminista copiou o codinome de uma espiã britânica que simpatizava com o nazismo. Com a prisão, poderá se vender como mártir da seita radical que apoia o governo. A conversão ao bolsonarismo já tinha lhe rendido um cargo no ministério da pastora Damares. Agora ela pode sonhar com voos maiores. Sua primeira tentativa de se eleger deputada, em 2018, fracassou por falta de votos.

Sara lidera o grupo “300 pelo Brasil”, classificado como “milícia armada” pelo Ministério Público do Distrito Federal. O bando só aponta a mira para o Legislativo e o Judiciário. Sua relação com o Executivo é de fidelidade e devoção, expressada todos os domingos em frente ao Palácio do Planalto.

José Casado - O espetáculo da pobreza

- O Globo

Dobrou o número de favelas. Aumentou 107,7% em apenas dez anos

O Brasil avança rápido para completar uma nova “década perdida”. Vai ser o quarto período consecutivo de crescimento econômico obsceno (média anual de 2,1%).

Desta vez, o ciclo será encerrado na tragédia de uma pandemia. Já são mais de 44 mil mortos sob o desgoverno de Jair Bolsonaro na Saúde.

A lupa do IBGE ajuda a entender o que aconteceu com o país na última década, quando a população passou de 196 milhões para 210 milhões, com um crescimento de 7,1%

Dobrou o número de favelas. Aumentou 107,7% em apenas dez anos. Eram 6.329 em todo o país, em 2010. Agora são 13.151.

É crescente a favelização das cidades. Em 2010 o muro social era visível em 323 municípios. Foi estendido para 734 cidades — ficou 127,2% maior.

Já são 5,1 milhões de habitações nesses aglomerados subnormais na classificação do IBGE. Eram 3,2 milhões. Aumentou 59% na década.

Ricardo Noblat - Sob pressão do Supremo, Bolsonaro hesita em demitir Weintraub

- Blog do Noblat | Veja

O acordo que Toffoli não poderá cumprir

Dizia-se à época do Brasil Império que fulano ou sicrano não era cavalo que se devesse amarrar à porta. Cavalo bom, de confiança, poderia ficar solto tão logo fosse desmontado. Cavalo ruim, se amarrado à porta, acabava emporcalhando a frente da casa.

Abraham Weintraub, ministro da Educação, não é cavalo que deva ficar amarrado à porta de ninguém. Mas o presidente Jair Bolsonaro amarrou-o à porta do Palácio do Planalto por indicação do filósofo Olavo de Carvalho. E agora está com um problema.

Olavo ficará furioso se mais um dos seus discípulos for demitido do governo. Os três filhos políticos de Bolsonaro, Flávio, senador, Carlos, vereador, e Eduardo, deputado, são contra a demissão. Os bolsonaristas de raiz nem querem ouvir falar disso.

Por outro lado, os ministros militares são a favor de mandar o cavalo ir pastar ou fazer porcaria em outro lugar. E é grande a pressão de ministros do Supremo Tribunal Federal para que assim seja. Se não for, ameaçam prender Weintraub, que os ofendeu.

Míriam Leitão - Futuro do ajuste no pântano político

- O Globo

Saída de Mansueto Almeida é mais uma perda num projeto econômico que periga pelas fraquezas e inconsistências do governo Bolsonaro

Mansueto Almeida é um desfalque grande para a equipe econômica, em um momento que será necessário ter firmeza na questão fiscal, capacidade de diálogo com o Congresso e os governadores, conhecimento da máquina e destreza técnica em contas públicas. O economista é um quadro do setor público e era o único, dentro da equipe, que já estava no cargo desde o governo anterior. Por característica pessoal e por essa história, sempre teve mais independência para dizer o que fosse necessário internamente.

Bruno Funchal, que vai substituí-lo, vem da melhor experiência fiscal estadual que é a do Espírito Santo, o único estado com a nota de crédito A. Funchal substituiu Ana Paula Vescovi quando ela deixou o estado para ser secretária do Tesouro no começo do governo Temer. Depois, ela virou secretária-executiva do antigo Ministério da Fazenda, e Mansueto foi ser secretário do Tesouro.

Pablo Ortellado* - Essenciais e desassistidos

- Folha de S. Paulo

Entregadores por aplicativo lutam por direitos em vácuo regulatório.

Entregadores por aplicativo que estão se mobilizando por melhores condições de trabalho marcaram para 10 de julho uma paralisação e um boicote. Eles pedem melhor remuneração, seguro de vida, seguro contra roubos e acidentes e equipamentos de proteção contra a Covid-19.

As reivindicações de entregadores encontram-se emparededas entre os aplicativos que consideram que não têm obrigações, pois os entregadores seriam autônomos, e os defensores das antigas proteções do trabalho, que querem enquadrá-los como trabalhadores assalariados.

O trabalho por aplicativo tem características mistas, que, por um lado, lembram o trabalho autônomo (não há jornada e os trabalhadores são proprietários dos meios de trabalho), e, por outro, se assemelham ao trabalho assalariado (aplicativos definem os protocolos e estabelecem a remuneração).

Às vezes é tentador assistir essa nova forma de trabalho com as proteções consagradas do trabalho assalariado, mas, na maioria dos casos, ela simplesmente mataria esse novo mercado de trabalho, que se baseia na flexibilidade da jornada e na redução do custo do serviço.

Com a pandemia e os riscos associados a sair de casa, entregadores se tornaram um trabalho essencial, mas completamente desprotegido.

Cristina Serra* - A caminho do abatedouro

- Folha de S. Paulo

Estamos diante de um mal disfarçado projeto de eugenia e assistindo à oferta de carne fresca ao vírus

No auge da pandemia no Brasil, o que fazem governadores e prefeitos? Jogam a toalha, vencidos por pressões econômicas e pela campanha de sabotagem permanente empreendida pelo presidente Jair Bolsonaro. Relaxam a quarentena —que sempre ficou longe do ideal— e oferecem carne fresca ao vírus insaciável.

Como chegamos até aqui? O roteiro foi escrito pelo sabotador-geral da República. Alguns exemplos: “gripezinha”, “resfriadinho”, “todos nós iremos morrer um dia”, “e daí?”, “quer que eu faça o quê?”, “não faço milagre”, “vai morrer muito mais se a economia continuar sendo destroçada por essas medidas”, “um bosta do prefeito faz a bosta de um decreto, algema e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse (sic) armado [o povo], ia para a rua”. Por fim, a incitação ao crime: “Tem um hospital de campanha perto de você, tem um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar”.

Joel Pinheiro da Fonseca* - O dilema do bom servidor

- Folha de S. Paulo

Saída de Mansueto Almeida ilustra dilema imposto a quadros técnicos do governo

O ajuste fiscal sai enfraquecido com a saída do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida. Bruno Funchal será um sucessor digno, mas só o teste da prática dirá se ele é igualmente capacitado no plano técnico, hábil na relação com Congresso e imprensa e determinado no propósito fiscalista.

E ainda assume —ao contrário de seu antecessor— em um momento no qual conter gastos está muito longe das preocupações do país.

Mansueto insiste que os fiadores do ajuste eram Paulo Guedes e Bolsonaro. Mas eles se beneficiavam da credibilidade que Mansueto trazia ao governo. A agenda Guedes, agora, também se enfraquece.

Isso significa, portanto, reforço para ambições da agenda de investimento público do ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e dos militares, que demanda mais liberdade de gastos do que o fiscalismo estrito recomenda.

Quem também deve estar animado com a possibilidade de mais gastos são as legendas do centrão.

Ninguém cimenta relações com ajuste fiscal. Para quem ainda acredita nas perspectivas da agenda Guedes, cabe perguntar: se o Ministério da Economia entregou resultados tão modestos em 2019, quando tudo estava a seu favor, por que esperar resultados melhores agora, com circunstâncias externas (epidemia), pressão do Congresso, divergências internas e desfalque de quadros todos jogando contra?

Eliane Cantanhêde – Ordens absurdas

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro é contra ‘ordens absurdas’, mas são dele as ordens e declarações mais absurdas

Tem um probleminha a mais na nota em que o presidente Jair Bolsonaro fala em nome das Forças Armadas e avisa que elas não cumprem “ordens absurdas”: é exatamente dele, do presidente da República, que partem as ordens, os projetos, as decisões e as declarações mais absurdas.

Na campanha de 2018, o então deputado do baixo clero já exigia que a realidade e as pesquisas se adaptassem às suas vontades. Se não confirmavam o que ele achava que tinha de ser, acusava os institutos de fraude e só parou de brigar com eles quando a realidade e a sua vontade convergiram e sua candidatura disparou.

Na eleição, Bolsonaro e seu entorno disseram, ameaçadoramente, que só havia uma alternativa: a vitória ou a vitória. Só respeitariam o resultado se ele ganhasse; se perdesse, seria roubo. Um ano depois, já presidente, Bolsonaro fez algo nunca visto no mundo: acusou de fraude a eleição que ele próprio venceu. Acusou, mas não comprovou.

No governo, Bolsonaro manteve a toada. O desmatamento não é o que ele quer? Demite o presidente do Inpe. O desemprego não é conveniente? Cacetada no IBGE. Uma extensa pesquisa mostra que não há uma “epidemia de drogas” no País? Manda a Fiocruz engavetar. Atenção! Estamos falando de Inpe, IBGE e Fiocruz, orgulhos nacionais.

A “ordem absurda” de Bolsonaro que mais teve consequências foi a demissão do diretor-geral da PF, para ele bisbilhotar diretamente as investigações contra filhos, amigos e aliados. Foi por dizer “basta!” e não acatar essa ordem que o ex-juiz Sérgio Moro saiu do governo e deixou uma investigação do Supremo contra Bolsonaro.

José Álvaro Moisés* - Constituição admite reação a agressões contra a democracia

- O Estado de S.Paulo

Não há surpresa na prisão dos responsáveis pelo ataque com fogos de artifício contra o STF, diz professor de Ciência Política da USP

As recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e os inquéritos conduzidos pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal em relação às fake news, ataques contra instituições republicanas e contra pessoas são parte normal e importante do sistema democrático. Na democracia, todos estão submetidos às leis e, se há descumprimento das mesmas, investigações e processos são o caminho previsto para determinar se cabem punições.

Não há surpresa, portanto, na reação adotada pelas instituições de controle decretando a prisão dos responsáveis pelo ataque com fogos de artifício contra o STF. A ação contempla o que está previsto no funcionamento de um regime baseado no império da lei. Estranho seria se não houvesse resposta dos organismos de controle em face desses ataques que têm se sucedido e, às vezes, com apoio de autoridades do governo. A legitimidade da reação está na Constituição Federal.

A democracia vem estando em risco no país se se levar em conta as mobilizações de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro que atacam instituições fundamentais, estimulados a agirem assim como se se tratasse apenas do direito de expressão ou manifestação. E a participação de autoridades do governo nesses atos é como se o presidente não tivesse em conta o princípio de separação dos poderes republicanos e a sua estrutura tripartite, que assegura a independência e a autonomia de cada um. Por essa razão, não faz nenhum sentido que o chefe de qualquer um deles considere absurda uma decisão da corte constitucional.

É lamentável que alguns cidadãos brasileiros entendam que, para expressar suas críticas a decisões de instituições democráticas, façam ataques dessa natureza. A Constituição e o sistema legal preveem os remédios adequados para quando existe discordância com ações de instituições como o Supremo ou o Congresso. Esses mecanismos podem ser acionados por cidadãos comuns que queiram reclamar. Mas nada disso autoriza agressões à democracia e aos princípios de liberdade e igualdade que ela garante aos brasileiros.

* Professor de Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP)

Para FHC, País vive um ‘momento preocupante’.

Ex-presidente diz que não se pode dar como certo que instituições defenderão a democracia: ‘Não estamos nos EUA ou na Inglaterra’

- Matheus Lara | O Estado de S. Paulo

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que o Brasil vive “um momento preocupante”, com ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e que não se pode dar como certo que, na democracia, as instituições vão sempre funcionar. “Risco depende das circunstâncias de quem fale em nome da democracia e de quem a defenda”, afirmou em entrevista no Brazil Forum UK 2020, evento da comunidade de estudantes brasileiros no Reino Unido.

O evento ocorre por videoconferência e tem transmissão nas plataformas do Estadão.

“Na questão da democracia, não se deve dar por assente que as instituições vão funcionar. Não estamos nos Estados Unidos ou na Inglaterra, onde as instituições provavelmente funcionam. É verdade que há liberdade de imprensa, Congresso assumindo posições, mas tem um problema: o povo está em casa com medo por causa do coronavírus, não se sente reação popular”, disse o tucano.

Para FHC, o Brasil pode cair no autoritarismo se não houver reação a fatos como os ataques contra o STF no domingo. Perto da meia-noite, cerca de 30 manifestantes bolsonaristas simularam com fogos de artifício um ataque à Corte. Os fogos foram disparados na direção do edifício principal do STF, na Praça dos Três Poderes, enquanto os manifestantes xingavam ministros do tribunal.