segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Marco Aurélio Nogueira* - O sucesso editorial de Gramsci, uma surpresa

- O Estado de S. Paulo / Aliás

 Desde que foi lançado há três anos o ‘Dicionário Gramsciano’ a obra do italiano já foi revisitada até em quadrinhos

Ao menos desde 2017, quando foi publicada a edição brasileira do Dicionário Gramsciano, vive-se um momento de grande interesse pelo pensamento do comunista italiano Antonio Gramsci (1891-1937).
Parte disso é um efeito colateral da “guerra cultural” martelada pela extrema-direita, que invariavelmente trata Gramsci como um de seus inimigos principais. O fundamental, porém, deve-se ao trabalho dos inúmeros grupos de estudiosos que se formaram ao longo dos anos em diversas áreas acadêmicas.

Gramsci, a rigor, nunca saiu de cena no Brasil, país em que sua difusão está entre as maiores do mundo. Nos anos 1960, a Civilização Brasileira foi pioneira ao editar os primeiros escritos gramscianos entre nós. Mais tarde, a partir de 1999, a mesma editora publicou os Cadernos do Cárcere, uma caprichada tradução que demarcou um novo campo para os estudos marxistas e tornou conhecida a grandiosidade da reflexão teórica de Gramsci.

Nas duas décadas que se seguiram à publicação dos Cadernos no Brasil, o interesse por Gramsci só fez crescer. Textos esparsos, coletâneas e pesquisas mais estruturadas – bem como uma edição de Gramsci em Quadrinhos (Veneta, 2019) -- começaram a circular em sequência, formando um volume que chama atenção, até por coincidir com um período não propriamente favorável ao marxismo ou às esquerdas. É uma prova de vitalidade e relevância, que se expressa com clareza nos verbetes do Dicionário.

Fernando Gabeira - O dilema das redes sociais

- O Globo

Em sua bolha, o indivíduo tem a sensação de tudo entender pelas teorias conspiratórias

Acabo de assistir ao documentário sobre as redes “The Social Dilemma”. É assustador mesmo para mim, que tenho tratado do tema, sobretudo pelo ângulo das fake news e teorias conspiratórias que impulsionam o tecnopopulismo de direita.

Uma das razões para ampliar minha abordagem do tema é contar com depoimentos de insiders, pessoas de dentro do universo tecnológico que trabalharam e ajudaram a construir plataformas como Twitter, Facebook, Instagram e YouTube.

A maior parte da crítica disponível até então era de observadores de fora desse universo. Outra limitação de meu enfoque era observar apenas as consequências negativas das redes sociais no universo político, gerando uma atmosfera de ódio e mentiras.

Ao ver o documentário, fica claro para mim que as consequências políticas foram apenas um subproduto diante da tarefa central: usar a insegurança e a ansiedade das pessoas para torná-las dependentes do uso das redes e, com o acúmulo dos seus dados, impulsionar vendas.

Isso não chega a ser uma descoberta. O interessante é ouvir de alguém que encontrou o Facebook nos seus primórdios e teve como tarefa descobrir uma forma de fazer dinheiro com aquilo.

Quase todos os talentos contratados no início viam nas redes sociais algumas de suas inegáveis qualidades: unir famílias, ampliar o conhecimento coletivo, facilitar a solidariedade.

O caminho para financiar era a publicidade. Ela seria mais eficaz quanto maior o tempo de permanência do usuário, e muito mais eficaz também, na medida em que, conhecendo sua personalidade, às vezes mais profundamente do que ele próprio, fosse possível ampliar seu consumo.

Marcus André Melo* - A opinião pública existe?

- Folha de S. Paulo

Machado de Assis, o cacete e o teorema infalível

A opinião pública é um objeto elusivo. Entre nós, Machado de Assis chamou atenção para as questões centrais em torno do tema: a opinião pública existe? O que significa exatamente? É corrompível? Como muda? Como afeta os governantes? Machado, ao contrário de Pierre Bourdieu, respondeu afirmativamente à primeira questão: sim, ela existe.


Machado escreveu sobre o tema em 1867, e não se falava ainda em democracia constitucional, mas governo representativo, regime de opinião. Assim, Machado interpela a opinião pública como uma soberana, "rainha do mundo":


"Dizem alguns que V. Excia. não existe; outros afirmam o contrário. Mas estes são em maior número, e a força do número, que é a suprema razão moderna, resolve as dúvidas que eu porventura possa ter. Se não existisse, como se falaria tanto em seu nome, na tribuna, na imprensa, nos meetings, na praça do comércio, na rua do Ouvidor?"

Mas a força do número pode ser imprevisível e violenta: "A verdade é que V. Excia. tem às vezes caprichos singulares; gosta da cor vermelha, e a pretexto de eleição, inspira não sei que maus ímpetos ao leão popular, que a tudo investe e tudo desfaz." Quando a maioria irrompe devido a estes ímpetos: "V. Excia. não tem cetro, como rainha que é, tem um cacete, que é um teorema infalível". Tudo se cala frente ao cacete.

Celso Rocha de Barros* - Queimar onça custa votos?

 

- Folha de S. Paulo

Visão do crescimento do presidente é extensiva: para ele, o Brasil vai ser mais rico se tiver mais minas e mais pastos

 Graças a Jair Bolsonaro, a pandemia de Covid-19 já matou duas vezes, e talvez mate três vezes, o número de brasileiros que morreram na Guerra do Paraguai. Além disso, diga-se o que quiser do ditador paraguaio Solano López, embora ele tenha ocupado parte do território de Mato Grosso, não lhe ocorreu incendiá-lo, o que só ocorreu como consequência do desmonte da política ambiental brasileira por Jair Bolsonaro.

 A matança de brasileiros não custou votos a Bolsonaro. Pelo contrário: ajudado pelo auxílio emergencial criado pelo Congresso, o presidente da República ganhou popularidade nos últimos meses.

 Agora descobriremos se queimar onça viva custa votos. O mais provável é que não. Bolsonaro deixou claro na campanha que seu governo destruiria o meio ambiente. Ninguém se importou.

Da mesma forma, ninguém quer falar de moral, de meio ambiente, de padrões elementares de decência, de preservar o mundo para nossos descendentes, certo? Se nos importássemos com isso, eu estaria escrevendo sobre outro presidente.

 Vamos falar de dinheiro, então.

Carlos Pereira* - Inclusão social responsável

- O Estado de S.Paulo 

 Reeleição depende de equilíbrio fiscal e inclusão via aumento de tributos 

 Na semana passada, o presidente Bolsonaro desistiu, pelo menos no curto prazo, do programa social Renda Brasil ao dizer de forma peremptória: “No meu governo está proibido falar a palavra Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família e ponto final!” Por que o Presidente estaria disposto a arriscar a perder um novo mercado eleitoral recentemente conquistado durante a pandemia com o auxílio emergencial? É bem verdade que o valor transferido com o Renda Brasil seria substancialmente inferior ao do auxílio emergencial. Entretanto, por ser mais vigoroso em valor e escala que o Bolsa Família, teria o potencial de não apenas substituí-lo, mas também de fidelizar esse eleitor de baixa renda ao governo.

Em época de enorme restrição fiscal, a equipe econômica não conseguiu encontrar recursos extras no orçamento para o novo programa de inclusão social. A solução encontrada foi o remanejamento de recursos de outros programas como o abono salarial, o seguro-defeso, salário família, Farmácia Popular etc. O presidente alegou que “jamais iria tirar dinheiro dos pobres para dar para os paupérrimos”

A defesa da manutenção dos benefícios sociais já existentes é apenas uma parte da estória. Por que não mandar as contas públicas às favas e se comportar de forma populista como fizera recentemente outra presidente? Afinal de contas, em um País tão desigual como o Brasil, a inclusão social adquiriu o status de um imperativo político altamente justificável.

Demétrio Magnolio - Uma questão de fé

- O Globo

Só a imunidade coletiva — e, eventualmente, a tão aguardada vacinação em massa — é capaz de derrotar o vírus

A estratégia do lockdown foi exibida como arma infalível contra o coronavírus. Seus arautos rimam lockdown com ciência, escrevendo esta última em maiúsculas, o que remete, paradoxalmente, ao pensamento religioso. As experiências de três países sugerem que, na corrida de fundo da pandemia, os contágios só encontram limites na imunidade coletiva.

A Argentina praticou o lockdown em toda a sua extensão. Foram cinco meses de “quarenterna”, termo jocoso usado no país para se referir à “quarentena eterna” aplicada rigidamente pelo governo de Alberto Fernández. O país vizinho realizou o sonho de não poucos epidemiologistas (e jornalistas) brasileiros, ganhando cataratas de elogios emocionados. No fim, em agosto, flexibilizou —pois nada na vida é eterno, exceto a morte. Daí, o vírus fez a festa.

Na primeira quinzena de setembro, a média diária de óbitos por coronavírus superou a barreira de 200. Como a Argentina tem um quinto da população brasileira, a taxa de letalidade equiparou-se à do nosso longo patamar máximo. O que fazer, se um novo lockdown tornou-se social e economicamente impossível?

A África do Sul também recorreu ao lockdown, mas por tempo menor, e deflagrou a flexibilização no pico dos contágios. Há uma semana, finalmente começou a registrar queda significativa de infecções. Na hora da desaceleração da epidemia, cerca de um quinto da população já havia tido contato com o vírus. Aparentemente, o país chegou ao umbral da imunidade coletiva, uma faixa ainda um tanto misteriosa que gira em torno de 20% a 40% da população total.

A fim de minimizar os impactos indiretos da epidemia na vida social, a Suécia nunca utilizou quarentenas. Foi, por isso, errônea e perversamente acusada de permitir a difusão de contágios para alcançar a imunidade coletiva. De fato, o governo sueco adotou diversas medidas voluntárias de distanciamento social, destinadas a proteger seu sistema de saúde. Formulada para o horizonte de longo prazo, a estratégia funcionou: hoje o país exibe taxas de novos casos inferiores às da Espanha, da França e do Reino Unido, que implementaram lockdowns.

As taxas acumuladas de mortalidade na Suécia situam-se em patamar semelhante ao dos outros países europeus fortemente atingidos no estágio inicial da pandemia, quando o vírus circulava oculto. A diferença é que a população sueca foi mais extensamente exposta à doença e, agora, percorre um estágio mais avançado de imunidade coletiva. Graças a isso, o espectro de novos lockdowns, que atormenta espanhóis, franceses e britânicos, não assombra os suecos.

Cacá Diegues - Afinação de novas liras

- O Globo 

 Não se pode ignorar o espetáculo na TV de Lirinha, músico pernambucano, filmado pela atriz Bárbara Paz

Houve um momento, na segunda metade do século passado, em que a cultura popular brasileira adquiriu tal força de expressão que se tornou a representação mais generosa do que era e do que podia ser o país. Ela não só representava com brilho e pertinência o que aqui se passava, como também se tornou fundadora de novos costumes capazes de nos organizar como nação. A chama incendiou os mais variados formatos de criação, da música ao cinema, das artes plásticas ao teatro, da poesia à ficção, passando pela recuperação de tradições esquecidas que foram reordenadas pela televisão com enorme sucesso. Cada uma dessas manifestações se julgava, naquele momento, o útero de uma nova nação.

De tal modo essa ideia se instalou vitoriosa entre nós, que os sucessivos fracassos políticos, econômicos e sociais dos governos de direita ou de esquerda passavam despercebidos, encobertos pelo que era, para intelectuais e artistas criadores, o “verdadeiro Brasil”. Só muito recentemente nos demos conta dos enganos que os políticos nos fizeram abraçar, em nome de conceitos que não se traduziam, na prática, em bem-estar, justiça e progresso para todos. Éramos prisioneiros da distância ilusionista entre povo e nação.

Não digo que isso esteja mudando. Digo apenas que outro horizonte se forma aos poucos diante de nós, apesar da oposição do governo às manifestações de uma oposição ao governo.
Não se pode ignorar o recente espetáculo na televisão de Lirinha, músico pernambucano, filmado pela atriz e realizadora paulistana Bárbara Paz, na Casa de Francisca, em São Paulo, idealizada por Rubens Amatto, também criador do projeto de “cine lives” (cinema ao vivo, segundo Amatto). O espetáculo contou ainda com a curadoria cinematográfica de Laís Bodanzky e a direção de fotografia de Thais Taverna.

Bruno Carazza* - Procurando agulha no palheiro

- Valor Econômico 

 Sistema eleitoral dificulta a seleção de bons quadros

 ‘Mamãe, não quero ser prefeito, pode ser que eu seja eleito e alguém pode querer me assassinar”. Não existem estatísticas oficiais sobre o número de assassinatos de políticos no Brasil, mas levantamentos realizados pela imprensa indicam que Raul Seixas tinha razão ao gravar Cowboy Fora da Lei em 1986. 

No final do ano passado, reportagem de Wellington Ramalhoso no Uol indicava que, entre os prefeitos eleitos em 2016, pelo menos dez haviam sido mortos de modo violento durante o exercício do cargo - quase 0,2% do total, uma probabilidade nove vezes maior do que a de um brasileiro comum ter o mesmo fim. Maiá Menezes e Marcelo Remígio, em texto para O Globo de 23/12/2019, indicaram que, apenas no Estado do Rio de Janeiro, 25 políticos haviam sido assassinados desde 2014 - incluindo o caso mais famoso, da vereadora carioca Marielle Franco, morta em 2017 ao lado de seu motorista, Anderson Gomes.

O medo de amanhecer com a boca cheia de formigas é apenas um dos fatores que afastam da política muitos brasileiros bem preparados, com vontade de contribuir para a coletividade e dotados de boas ideias para melhorar a prestação de serviços pelo Estado. Por temerem seu “lado sujo”, muitos cidadãos acabam canalizando sua energia e sua disposição em servir para atividades de voluntariado, ONGs e movimentos sociais. Outros até tentam concorrer, mas as barreiras à entrada diminuem enormemente as chances de serem bem-sucedidos.

Pesquisa CNI/Ibope realizada em março de 2018 revelou que, apesar de descrente com as eleições, o eleitor brasileiro valorizava candidatos que, idealmente, conhecessem os problemas do país (89%) e possuíssem experiência em assuntos econômicos (77%), boa formação educacional (74%), bom relacionamento com os movimentos sociais (71%) e experiência profissional de sucesso (65%). Do ponto de vista das características pessoais, as mais apreciadas eram honestidade/ não mentir em campanha (87%), nunca ter se envolvido em casos de corrupção (84%), inspirar confiança (82%), ter pulso firme (78%) e ser sério/ ter postura (74%).

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Choque liberal: um sonho?

- Valor Econômico 

 O ministro se dispôs a abandonar a natureza radical de seu programa e adaptá-lo ao que é possível realizar

O analista que acompanhou o início do mandato do presidente Bolsonaro sempre teve dúvidas sobre a viabilidade política do choque liberal na economia prometido pelo ministro Paulo Guedes. Afinal, o histórico parlamentar do novo Presidente da República - inclusive sua origem militar - apontava em outra direção. Mas, a composição da equipe econômica feita com total autonomia parecia contradizer os mais pessimistas em relação a esta questão.

Eu me incluía neste grupo, principalmente por experiências vividas na minha carreira profissional por mais de cinquenta anos. Afinal, foi no ambiente de um verdadeiro choque liberal que iniciei a caminhada no mercado financeiro brasileiro em 1967. Mais ainda, meu primeiro patrão foi Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central e considerado até hoje como uma referência de modelo liberal de gestão da economia.

Recém-formado pela Escola Politécnica da USP e novato em questões econômicas fui educado, nos primeiros anos de minha carreira, pelo professor Roberto Campos, como era chamado por nós funcionários do Investbanco. À época já era possível sentir em algumas de suas palavras - amargas - um forte ressentimento em relação às mudanças que ocorriam no modelo econômico criado por ele no mandato tampão do general Castelo Branco. Sob o comando de outra geração de presidentes militares e nas mãos de um economista de outra escola de pensamento - Delfim Netto - o choque liberal sonhado inicialmente se transformava, segundo ele, em algo pastoso e sem forma.

O general Costa e Silva - novo Presidente da República - e posteriormente seu sucessor Garrastazu Médici, vinham de outro grupo de oficiais do exército, formados fora da Escola Superior de Guerra - que se chamava então de Sorbonne - e à qual pertencia Castelo Branco. Formação profissional diversa, marcada pelas experiências de comando de tropa, mas principalmente com valores econômicos que se antagonizavam com os de Roberto Campos.

Ao longo de meus quatro anos no Investbanco, nos momentos em que tive a felicidade de ouvir o professor Campos comentar sobre economia e política, pude acompanhar de perto sua frustração com a desmontagem do sonho liberal construído com competência entre 1965 e 1967. A economia brasileira respondia com vigor às reformas realizadas e crescia a taxas de quase 10% ao ano, mas agora sob o comando inteligente - mas pragmático - do novo czar da economia, Delfim Neto.

A aritmética da demagogia – Opinião | O Estado de S. Paulo

O pensamento mágico pode até iludir alguns eleitores, mas causa mais danos ao País, no longo prazo, do que a pandemia

Visto de Brasília, o Brasil é um paraíso tão pródigo que, nele, as leis da matemática não se aplicam. No pensamento mágico predominante na capital federal, o Orçamento tende ao infinito – nele cabe tudo, fazendo com que a soma das partes supere sempre, de longe, o todo.

Já se sabe, por exemplo, que, tudo o mais constante, não há dinheiro para produzir um programa de transferência de renda que ao mesmo tempo compense o fim do auxílio emergencial para quem ficou à míngua na pandemia e substitua com vantagens o Bolsa Família, como queria o presidente Jair Bolsonaro, de olho no potencial eleitoral de tal iniciativa.

Quando a equipe econômica sugeriu que o programa fosse bancado com o congelamento das aposentadorias ou com a abolição de outros benefícios sociais, o presidente Bolsonaro foi às redes sociais para desancar seus assessores, acusando-os de falta de compaixão com os mais pobres – como se não fosse ele o presidente da República e, portanto, responsável por tudo de bom e de ruim que seu governo produz. Como Bolsonaro não demitiu até agora nenhum de seus desalmados economistas, presume-se que talvez aceite suas ideias, desde que sejam tratadas com discrição.

Marshall no ensino – Opinião | Folha de S. Paulo

Um esforço como o da reconstrução do pós-guerra europeu seria vital para a educação depois da Covid 

 Os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2019, conhecidos na semana passada, mostram um pequeno avanço no desempenho das redes brasileiras de ensino em relação à avaliação anterior, de 2017.
 
Pela primeira vez desde 2009, houve progresso significativo no ensino médio público, onde se formam 85 de cada 100 jovens no Brasil, embora a nota das escolas ainda esteja longe das metas estipulados para quase todos os estados. 

 O Ideb multiplica o resultado de provas de matemática e português pelo percentual de alunos que passam de ano. Numa escola em que os jovens tiraram 6 e 90% foram promovidos, o Ideb será 5,4. Avalia estudantes no fim do primeiro ciclo do ensino fundamental, tipicamente aos 10 anos, na série derradeira do segundo, aos 14, e os concluintes da instrução média, aos 17.

As metas foram traçadas de acordo com o patamar das diversas redes de ensino em meados da década passada, de modo a fazer todas elas convergirem para alta proficiência conforme o século avance. A realidade, no entanto, tem ficado aquém da trajetória desenhada.

BC evita decretar o fim do ciclo de baixa de juro – Opinião | Valor Econômico

Cortes de juros não resolvem todos os problemas

O Banco Central agiu com prudência ao não encerrar em definitivo o ciclo de baixa de juros, mantendo uma porta aberta para eventuais novos cortes na taxa básica. O ritmo de retomada da economia é incerto. Apesar de uma boa parte da transmissão dos estímulos estar sendo obstruída pelas incertezas fiscais, o BC não deve se furtar em usar os seus instrumentos de política monetária para cumprir o seu mandato de levar a inflação para a meta. 

 Os analistas econômicos previam, de forma quase unânime, que o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC iria manter os juros básicos da economia estáveis em 2% ao ano em reunião na semana passada. Mas havia uma grande expectativa sobre quais seriam os sinais da autoridade monetária para os seus passos futuros.

Uma parte dos economistas tem expressado receios com a elevação da inflação no curto prazo, causada sobretudo por preço de alimentos e pela escassez de insumos em alguns setores, como o de construção civil. Embora esse aumento de preços seja apenas temporário, devido sobretudo ao aumento da demanda provocada pelo pagamento do auxílio emergencial, muitos temem que parcela das pressões se perpetue nas expectativas de inflação. Os custos de alimentos têm uma grande visibilidade na população e podem levar a uma sensação de que ocorre uma elevação mais geral de preços na economia. 

Cumpre reforçar, porém, que na origem o que ocorre é apenas um aumento temporário de preços. Esse repique deve ser acomodado no intervalo de tolerância das metas de inflação, e a tarefa do Banco Central é se concentrar apenas nos eventuais efeitos secundários.

Mas, com os núcleos de inflação muito baixos e alta capacidade ociosa da economia, é pouco provável que ocorra uma aceleração permanente da inflação. 

A infiltração do crime organizado na política – Opinião | O Globo

O Estado precisa formular uma estratégia mais eficaz, porque até agora a sociedade tem sido refém

Há muito tempo o eleitorado fluminense nutre o sentimento de frustração por ter jogado fora o voto ao pôr no Palácio Guanabara cinco governadores que passaram a frequentar prisões. Um sexto pode estar a caminho. Outro sentimento, o medo, resulta da infiltração na política de representantes do crime organizado. Não é problema novo, mas fica mais grave a cada pleito.

O “voto de cabresto”, que já foi característica dos sertões nordestinos, chegou ao Rio há muito tempo, sob o descaso e conivência de autoridades e da sociedade. Na última eleição carioca, em 2016, a Justiça Eleitoral relacionou, de acordo com O GLOBO, 468 seções eleitorais reunido 700 mil eleitores, ou 12% da cidade, que votaram em candidatos avalizados por milícias e narcotraficantes que atuam no Chapadão, Maré, Jacarepaguá e no complexo do Alemão.

Já houve parlamentares presos como milicianos comprovados. Jerônimo, “Jerominho”, e Natalino Guimarães, irmãos, vereador e deputado estadual, filiados ao MDB e ao DEM, terminaram trancafiados por chefiar milícia na Zona Oeste.

domingo, 20 de setembro de 2020

Luiz Sérgio Henriques* - Duas nações, uma crise

- O Estado de S. Paulo 

 Sinais de alarme soam diante da devastação que Trump e Bolsonaro têm promovido 

Poucas vezes um evento terá tanta relevância além das fronteiras de um país quanto as iminentes eleições norte-americanas, a indicar como, acima das reivindicações exclusivistas de soberania nacional da parte de atores deliberadamente cegos ou orgulhosamente obtusos, os processos de interdependência terminam por impor sua lógica e tornar menos dessemelhantes realidades originalmente distintas. É como se – considerando Estados Unidos e Brasil – o sistema político de cada qual se destacasse das respectivas matrizes históricas, individualistas num caso, organicistas no outro, e apresentasse o mesmo problema, de tal modo que, sinalizando futuras e cada vez mais frequentes influências recíprocas, os resultados americanos de novembro viessem a condicionar vigorosamente as coisas por aqui. 

Em tese, a matriz anglo-saxã asseguraria, com razoável grau de previsibilidade, a boa saúde da democracia na América, enraizando-a em indivíduos livres e acostumados à participação na vida pública. Em contrapartida, ibéricos como somos, tenderíamos à arquitetura social “barroca”, perdido o indivíduo numa totalidade que não domina e frequentemente o esmaga, pelo menos na versão pessimista tantas vezes predominante. Estruturalmente liberal-democratas, os americanos; intimamente autoritários e às voltas com autoritarismos, condenados a regar monotonamente a mirrada planta da democracia, nós, brasileiros. 

O fato é que o sistema político das duas grandes nações, por artes de um mundo que parece ignorar particularismos, encontra-se desafiado por uma questão análoga. Como efeito do abrasileiramento dos EUA ou da americanização do Brasil, ambos se tornaram casos de manual dos procedimentos em curso de “morte das democracias”, com a corrosão das suas normas escritas e não escritas, das suas regras e dos seus valores. Os sinais de alarme soam diante da devastação que, quase em paralelo, Donald Trump e Jair Bolsonaro têm promovido em circunstâncias já de si muito difíceis. E como advertem os estudiosos, a obtenção de um segundo mandato por líderes desse tipo configuraria uma situação ainda mais perigosa, sem exclusão da possibilidade de crises institucionais. 

Celso Lafer* - Democracia, veracidade e 'fake news'

- O Estado de S. Paulo 

 Na era digital, é preciso conter a miserabilidade que vitima a verdade factual e a democracia 

 Uma das dualidades do significado da palavra política é a da interconexão de política-realidade com política-conhecimento. O desafio resulta de que a percepção da realidade integra a realidade política. A percepção das realidades políticas leva a avaliações, mais elaboradas ou mais toscas, que vão guiar a ação e a sensibilidade das pessoas. 

A democracia parte do pressuposto do exercício em público do poder comum, pois o que é do interesse de todos deve ser do conhecimento de todos. Daí o tema da transparência do poder, que enseja a avaliação pela cidadania da atuação dos governantes. Por isso informações exatas e honestas são fundamentais na democracia, para a apropriada percepção da realidade. 

Nessa linha, afirma Rui Barbosa: “O poder não é um antro, é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol”. Por isso, “o maior, o mais inviolável dos deveres do homem público é o dever da verdade: verdade nos conselhos, verdade nos debates, verdade no governo”. Daí sua crítica à mentira nas instituições e às falsificações públicas e o papel da imprensa como a “vista da Nação”. Por ela, esclarece, é que “a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que se lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam”. 

Luiz Carlos Azedo - Senhor da guerra

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense 
 Mike Pompeo, o secretário de Estado norte-americano não deixou dúvida de que sua visita teve como objetivo trabalhar pela derrubada do presidente da Venezuela, Nicolas Maduro 

 A inusitada visita do secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, a um campo de acolhimento de venezuelanos refugiados em Boa Vista (RR) foi uma evidente provocação política, cujo objetivo é escalar as tensões entre a Venezuela e seus vizinhos. E, com isso, dar uma mãozinha para a campanha eleitoral do presidente Donald Trump, que está perdendo a reeleição para o candidato do Partido Democrata, Joe Biden. O Brasil armou o circo porque interessa ao presidente Jair Bolsonaro a vitória de seu amigo republicano. A eleição de um democrata provocaria o colapso da política externa desenvolvida pelo chanceler Ernesto Araújo, considerada um desastre por seus colegas mais experientes do Itamaraty. 

O que o Brasil ganhará em troca? Em princípio, 30 moedas, ou seja, US$ 30 milhões para auxiliar a assistência social aos imigrantes. Não chega nem perto do que estamos perdendo em investimentos em razão da política ambiental de Bolsonaro, embora o presidente da República diga que é a melhor do mundo. Só no Fundo da Amazônia, Noruega e Alemanha, que suspenderam seus investimentos, foram responsáveis por 99% dos R$ 3,3 bilhões destinados à proteção da Amazônia. Voltemos à visita de Pompeo. O secretário de Estado norte-americano não deixou dúvida de que sua visita teve como objetivo trabalhar pela derrubada do presidente Nicolas Maduro. Todo presidente dos Estados Unidos que está perdendo as eleições gosta de exibir seus músculos na política externa. 

 Do Brasil, Pompeo viajou para a Colômbia, cuja fronteira com a Venezuela é o ponto mais quente das tensões na América do Sul. O presidente Ivan Duque é outro aliado incondicional de Trump, que mantém assessores e aviões norte-americanos em território colombiano. Antes, Pompeu havia estado no Suriname e na Guiana, que também vive um estresse com a Venezuela, com o agravante de que sua fronteira nunca foi reconhecida pelos venezuelanos. Na Guiana, Pompeo voltou a criticar Maduro: “Sabemos que o regime de Maduro dizimou o povo da Venezuela e que o próprio Maduro é um traficante de drogas acusado. Isso significa que ele tem que partir”, afirmou. Para a situação política no país vizinho, a provocação só teria consequência prática se houvesse uma intervenção. Afora isso, fortalece a unidade das Forças Armadas venezuelanas e endossa a narrativa de Maduro para reprimir a oposição. 

Merval Pereira - A crise da reeleição

- O Globo

O reconhecimento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de que a aprovação da reeleição do mandato presidencial “foi um erro” reabriu a discussão sobre o fim desse instrumento, incluído na Constituição em 1997. Projeto de emenda constitucional do deputado Alessandro Molon, do PSB, propõe o fim da reeleição para os Executivos em todos os níveis já a partir de 2022. 

Seria uma mudança consensual se o presidente Bolsonaro não tivesse mudado de idéia ao chegar ao Palácio do Planalto. O fim da reeleição foi uma das suas promessas de campanha mais reluzentes, pois indicava que não estava se candidatando por interesse de se perpetuar no poder. 

Assim como desistiu do combate à corrupção, ou revela-se menos liberal do que a escolha de Paulo Guedes aparentava, também Bolsonaro mudou de idéia em relação à reeleição e só pensa nisso, antes mesmo de ter terminado seu segundo ano de mandato. 

No artigo em que fez o “mea culpa”, Fernando Henrique disse que chegou à conclusão de que o mandato de cinco anos, sem reeleição, seria o ideal, justamente o prazo que a Assembléia Nacional Constituinte estabeleceu. O então presidente General Ernesto Geisel aumentou de cinco para seis anos o mandato de seu sucessor, o General João Figueiredo, e foi para esse mandato que foi eleita a chapa Tancredo Neves/ José Sarney em votação indireta no Colégio Eleitoral em 1985. 

Míriam Leitão - O autocrata e os colaboracionistas

- O Globo 

 Quando um país toma o caminho do autoritarismo, não é pela vontade de uma só pessoa. É resultado da falha coletiva. É preciso ter um governante que despreza a democracia, e isso o Brasil tem no momento, mas todo autocrata precisa de colaboracionistas na sua conspiração contra as instituições. O Brasil neste um ano e nove meses demonstra ter uma multidão de ajudantes de Jair Bolsonaro em seu projeto antidemocrático. 

Toda semana uma coleção de fatos é adicionada a outros, anteriores, mostrando a marcha que o país perigosamente empreende rumo ao abismo institucional. Muitos colaboram por má-fé ou ambição pessoal, alguns, porque olham para um ato específico e julgam erroneamente que ele não se soma a todos os demais que enfraquecem as instituições. Há os que ajudam porque andam distraídos quando a Pátria exige cuidados. 

Pode-se começar a lista de qualquer ponto. Em cada um deles há sinais de que colaboradores, conscientes ou involuntários, ajudam o projeto autoritário. Na economia, quem entregou a bandeira liberal para esconder o voluntarismo autoritário do presidente colaborou muito. Mesmo quem não se considera liberal pode ver que os clichês eram úteis, mas falsos. O “tirar o Estado do cangote do empresário” ou o “mais Brasil e menos Brasília” eram estelionatos, como tudo o mais. Diariamente vemos o aumento de Brasília subjugando o país. Em nome do que trabalham os economistas do governo? Já não há projeto, não há consistência, não há autonomia mínima. Estão todos engajados na campanha de 2022. Nada entregaram, a não ser a si mesmos. E para um governante de maus propósitos.

Eliane Cantanhêde - Boca fechada

- O Estado de S.Paulo  

STF deve decidir pelo depoimento por escrito, mas se for presencial nada muda 

 O presidente Jair Bolsonaro deveria depor à Polícia Federal amanhã, na terça ou na quarta no inquérito em que é investigado de interferência política na PF, uma acusação feita pelo seu ex-ministro Sérgio Moro. Mas Bolsonaro não vai depor ainda, porque ganhou dois presentões do ministro do STF Marco Aurélio Mello: a prorrogação e a possibilidade de depor por escrito. Se é que vai precisar depor.

A questão é complexa, até porque envolve um presidente da República, e dá dicas preciosas sobre o equilíbrio do Supremo com Luiz Fux na presidência e Marco Aurélio assumindo em novembro a condição de decano, hoje ocupada por Celso de Mello. Vai se desenhando uma nova polarização, agora entre Fux, pró-Lava Jato e independente em relação a Bolsonaro, e Marco Aurélio, contra a Lava Jato e cada vez mais próximo de Bolsonaro. 

Foi Joaquim Barbosa contra Ricardo Lewandowski no mensalão, Gilmar Mendes contra Luís Roberto Barroso no petrolão, a divisão meio a meio na Lava Jato e a quase unanimidade (fora Dias Toffoli) diante do bolsonarismo. Mas Marco Aurélio sempre foi um caso à parte, um encrenqueiro ilustrado. E a nova polarização já tem um marco. Fux declarou à Veja que a decisão contra a prisão após condenação em segunda instância, por um voto, teve "baixa densidade jurídica". Pelo Estadão, Marco Aurélio classificou a manifestação de "desrespeitosa". Subiram no ringue. 

Vera Magalhães - O início, o fim e o meio

- O Estado de S.Paulo  

Retomada desordenada tornou decisão sobre volta às aulas mais complexa 

Passados seis meses de pandemia do novo coronavírus no Brasil, duas são as principais questões a mobilizar a sociedade, os governantes e os especialistas. A primeira é quando e de onde virá a vacina, e com que eficácia. A segunda, anterior, é: quando voltarão as aulas presenciais? 

O Brasil é um dos países do mundo a ter ficado mais tempo com as escolas fechadas, mais uma consequência da quarentena meia boca, da falta de coordenação política para o enfrentamento da covid-19 e da retomada atendendo a pressões políticas, e não prioridades sociais ou recomendações da ciência. 

As escolas fecharam já em março e houve uma imensa heterogeneidade na adoção do ensino à distância. Escolas particulares, sobretudo nos grandes centros, rapidamente passaram a utilizar ferramentas da tecnologia para chegar aos alunos confinados. 

A velocidade, sabemos, não foi a mesma, nem os recursos tão abundantes, nas redes públicas e nos rincões. Os resultados serão sentidos nos anos vindouros, na forma de mais desigualdade na qualidade do ensino. 

Meio ano depois, a constatação de que a perda em termos educacionais e o prejuízo emocional e social para crianças, adolescentes e universitários é imensurável e a necessidade econômica e familiar de que a rotina seja retomada afligem gestores públicos, pais, professores e profissionais da área médica e sanitária. 

Elio Gaspari - Bolsonaro criou uma crise do nada

-Folha de S. Paulo / O Globo 

Houve presidentes que amansavam a onça da crise; Jair Bolsonaro e Paulo Guedes inovaram: eles criam a crise do nada 

 Houve presidentes que amansavam a onça da crise. Ela entrava rosnando no Planalto e saía miando. Foi assim com Michel Temer (salvo quando ele conversava com Joesley Batista no Jaburu) e com Fernando Henrique. Com Dilma Rousseff, ela entrava miando e saia rosnando. Jair Bolsonaro e Paulo Guedes inovaram: eles criam a crise do nada. 

 No domingo passado, o secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues, deu uma entrevista ao repórter Alexandro Martello propondo uma girafa: congelar por dois anos os benefícios da Previdência Social. 

Ela foi para a rede no fim da tarde. Sabe-se lá o que estavam fazendo os doutores, mas ninguém se lembrou de jogar água fria no assunto. Era uma ideia ruim, nada mais que isso. Era também mais um balão de ensaio da ekipekonômika. Tratando-se de matéria que exigiria emenda constitucional, suas chances eram nulas. 

Passou a segunda-feira, e nada. Alguém, inclusive o doutor Waldery, poderia ter colocado os pingos nos is. Na terça de manhã, com a fúria de Zeus, Bolsonaro foi para as redes sociais com um vídeo e matou a proposta, mandou ao arquivo qualquer conversa sobre o programa Renda Brasil e ameaçou botar na rua quem lhe trouxer o assunto. Sendo presidente da República, poderia ter usado o aparelho do governo para cuidar do assunto. 

Sendo um animador de vídeos, poderia ter argumentado com mais simplicidade e elegância. Preferiu se apresentar como defensor dos pobres e dos paupérrimos, impondo mais uma humilhação ao çuperministro Paulo Guedes e colocando a prêmio a cabeça do doutor Waldery. Logo ele, cujo governo tentou, e continua tentando, tungar o Benefício de Prestação Continuada dos miseráveis e quis taxar o seguro dos desempregados. 

Bastariam dois telefonemas e uma frase para que o governo derrubasse a girafa do doutor Waldery, que além de ser apenas um plano, era inexequível. Sobrou para o burocrata a quem Guedes deu poderes excepcionais, pois sua secretaria é aquilo que outrora foi o Ministério da Fazenda. (Isso foi parte do projeto de concentração teórica de poderes do çuperministro. Na prática, está dando no que se vê.)

Bernardo Mello Franco - Cabeça de papel

- O Globo 

 A Fundação Nacional de Artes já foi presidida por grandes figuras da cultura brasileira, como o cartunista Ziraldo, o poeta Ferreira Gullar e o ator Sérgio Mamberti. Agora será chefiada pelo coronel Lamartine Barbosa Holanda, paraquedista, bolsonarista e fã de filmes militares. 

O currículo do oficial da reserva traz informações curiosas. Ele se apresenta como especialista em logística, segurança e telecomunicações. Também diz ser ex-presidente da Câmara de Comércio Brasil-Albânia e oferece serviços de “consultor militar”. 

 A nomeação gerou espanto, mas o coronel informou que fez curso de roteirista e foi escolhido “por capacitação”. Ao repórter Vinicius Sassine, ele acrescentou que convive com o cinema “desde pequeno”, quando visitava uma fábrica de películas no Rio Grande do Sul. “Meu pai me levava lá para enrolar e desenrolar filme”, explicou. 

Lamartine caiu nas graças do bolsonarismo em 2019, ao acompanhar uma agenda do capitão e deputado estadual Castello Branco, do PSL. Os dois foram à sede da Cinemateca Brasileira e anunciaram uma mostra de filmes militares. Ao fim do vídeo, repetiram o slogan de campanha do presidente (“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”) e prestaram continência a uma câmera de celular. 

Hélio Schwartsman - De Posto Ipiranga a Manjubinha

- Folha de S. Paulo 

 Economistas nem sempre estudam filosofia como deveriam 

 Paulo Guedes passou da condição de ministro que resolveria tudo na economia para a de petisco frito por imersão ("deep fried"). Até aí, não é tão surpreendente. Esse é um destino relativamente comum para ministros, sob governos de todas as ideologias. 

 Mais difícil de entender é como alguém que se proclama liberal tenha se envolvido com um dirigente autoritário como Jair Bolsonaro. Guedes se gaba de ter lido Keynes "três vezes e no original", mas me pergunto se leu Hayek, autor que, para ele, na condição de egresso da Escola de Chicago, deveria ter maior precedência. 

E Hayek, melhor do que qualquer outro liberal moderno, compreendeu que não é possível desmembrar a economia das outras dimensões da vida. "Fins puramente econômicos não podem ser separados dos outros fins da vida", escreveu em "O Caminho da Servidão". Isso ocorre porque a economia é, no fundo, uma forma de ordenar nossas prioridades, algo que depende do valor que atribuímos individual e coletivamente às diferentes atividades e às coisas. 

Bruno Boghossian – Sozinho no século passado

- Folha de S. Paulo 

 Empresários preferiram se aliar a ONGs ambientalistas, alvos do presidente 

 Quando os presidenciáveis desfilavam em campanha, há dois anos, a turma do agronegócio acreditou ter feito uma escolha óbvia. Empresários se aproximaram do candidato que prometia afrouxar fiscalizações, e a bancada ruralista declarou apoio àquele que prometia atropelar as leis ambientais. 

O namoro durou pouco. Antes de tomar posse, Jair Bolsonaro abriu a primeira crise com o setor. O presidente eleito causou pânico entre produtores ao dizer que mudaria a embaixada de Israel para Jerusalém. Exportadores de carne criticaram a ideia, com medo de perder bilhões em negócios com países árabes. 

O governo não conseguiu levar a provocação adiante, mas manteve a sabotagem. Em março, Eduardo Bolsonaro acusou o governo chinês de ser responsável pela propagação do coronavírus. O líder da bancada ruralista precisou lembrar que a China responde por até 40% das exportações do agronegócio brasileiro. 

Além das trapalhadas nas relações exteriores, o lobby do agronegócio ficou incomodado com a omissão destrutiva do governo na Amazônia. Ninguém virou ambientalista da noite para o dia, mas os empresários perceberam que ter um Bolsonaro no poder era um mau negócio. 

Janio de Freitas - A política de devastação

- Folha de S. Paulo 

 Da decisão do presidente vieram cortes de verbas, redução dos quadros técnicos e científicos e nomeações de dirigentes inabilitados 

 O governo Bolsonaro deve ser o primeiro e principal processado pelo crime de devastação incendiária do Pantanal. As leis de proteção ambiental e numerosos acordos internacionais de que o Brasil é signatário, assim como a própria Constituição, foram e continuam transgredidos na meticulosa desmontagem do sistema de vigilância, prevenção e combate às agressões ao patrimônio natural. Esta é, notoriamente, uma rara política de governo em um governo sem políticas. 

É notória, aqui e no mundo, a responsabilidade pessoal e direta de Bolsonaro. Da sua decisão vieram os cortes de verbas, a redução dos quadros técnicos e científicos, e as nomeações de dirigentes inabilitados em setores como Ibama, Funai, ICMBio, INPE, e os outros de importância vital para a Amazônia, o Pantanal e os povos indígenas. 

José Roberto Mendonça de Barros* - Agronegócio, Amazônia e desenvolvimento

- O Estado de S.Paulo 

 Conceito de governança se ampliou e agora inclui também a qualidade do relacionamento com a comunidade, a sociedade e o meio ambiente. 

A pandemia está sendo uma experiência única por ter detonado a maior crise global em décadas. Não sabemos ainda como ela vai terminar e nem todas suas implicações. Entretanto, parece seguro imaginar que as pessoas tenderão a valorizar uma vida mais simples e prezar mais a sociabilidade (família e amigos) e a natureza. O desejo que já existe de consumir produtos mais naturais vai se ampliar, o que vai valorizar certos atributos (orgânicos etc.) e, especialmente, exigir o conhecimento de onde e como foi produzido. A percepção da ameaça do aquecimento global é cada vez mais visível no mundo inteiro, o que favorece a transição energética e a descarbonização. 

Também as empresas estão sendo fortemente pressionadas a mudar. É muito intensa a percepção de que seu desenvolvimento recente foi quase exclusivamente voltado para o curto prazo e ao retorno do acionista, com resultados para lá de questionáveis: expressiva concentração de renda e poder, redução da competição, limitado avanço da produtividade e agravamento das questões ambientais. 

O conceito de governança se ampliou e agora inclui também a qualidade do relacionamento com a comunidade, a sociedade (solidariedade) e o meio ambiente. A covid-19 acelerou drasticamente essas tendências já existentes. Passamos o ano vendo companhias de todos os portes, setores e regiões, incluindo instituições financeiras e fundos de investimento, punindo países e regiões que não se posicionam na luta contra o aquecimento global. 

Vinicius Torres Freire - A inflação do tijolo, do arroz e o auxílio

- Folha de S. Paulo 

Carestia será atenuada pela redução da renda dos mais pobres, com corte no auxílio 

 Tijolo, tintas, tubos e conexões ficaram bem mais caros na epidemia, além do arroz, do feijão, do ovo, do frango e do óleo de soja. São carestias diferentes, mas são o assunto da vida dura e real. 

Varejo e grandes construtoras reclamam dos preços e da falta de produtos no prazo desejado. Vai passar, em parte boa notícia, em parte, não. 

A alta do consumo de comida e de materiais de construção revela, como se ainda fosse preciso, a barbaridade da distribuição de renda no Brasil. Um tico mais de dinheiro na mão do povo causa bafafá. Quando acabar o auxílio emergencial, como vai ser? 

Falta produto porque houve parada na produção na pandemia e porque o mercado de construção "formiga" esquentou, tudo óbvio. Houve forte redução de estoques na economia inteira, o que ficou evidente nos dados do PIB do segundo trimestre. O consumo de certos itens de resto explodiu a partir de maio, com o auxílio emergencial. A produção volta lentamente, no caso de materiais típicos da construção civil. 

Apenas neste ano, até agosto, o preço médio do tijolo aumentou 17%. O das tintas, 6%. O do cimento, 11%. A inflação média, medida pelo IPCA, está em 0,7% neste 2020. Nem todo material para obras ficou mais caro, porém. O Custo Unitário Básico (CUB), o preço médio de fazer uma casa, por assim dizer, aumentou 2,9% em um ano, na média brasileira (ante 2,1% do IPCA em 12 meses), dados até junho. O preço da mão de obra para reformas ficou estagnado neste ano. 

Criar trabalho, a melhor agenda – Opinião | O Estado de S. Paulo

O quadro recém-revelado pelo IBGE contém uma pauta para o governo. Falta o governo perceber esse fato 

Mover a economia deve ser o objetivo número um do governo, passada a pior fase da pandemia. O Brasil completa em 2020 sete anos de crise, iniciados com a pífia expansão de 0,5% em 2014. É preciso continuar socorrendo os mais vulneráveis, mas nenhum combate à pobreza irá longe com a produção emperrada e o desemprego elevado. A insegurança alimentar assolava 36,7% dos domicílios em 2017-2018, segundo acaba de revelar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O empobrecimento começou, portanto, bem antes do surto de covid-19, e é preciso reverter esse longo processo. 

A redução da pobreza tem acompanhado, nas últimas décadas, a expansão da economia. Programas de apoio aos mais pobres, como o Bolsa Escola e, depois, o Bolsa Família, foram obviamente importantes, mas seria um erro subestimar o papel da expansão econômica e da criação de oportunidades Em 2004 eram 34,9% os domicílios com insegurança alimentar. Essa parcela diminuiu para 30,2% em 2009 e 22,6% em 2013, segundo o IBGE. Em seguida, voltou a aumentar e chegou a 36,7% em 2017-2018, embora o governo tenha mantido as ações de transferência de renda. Qual a explicação? 

A economia emperrou a partir de 2014. Cresceu nesse ano apenas 0,5%, entrou em recessão nos dois anos seguintes e depois começou a recuperar-se lentamente. Entre 2017 e 2019 o Produto Interno Bruto (PIB) acumulou expansão de 3,7%. Na crise de 2015-2016 havia diminuído 6,6%. Completam-se agora sete anos de empobrecimento – pela redução do PIB por habitante, pelo aumento do desemprego, pela expansão da informalidade e, de modo mais amplo, pela diminuição das oportunidades. 

O crescimento da ocupação por conta própria mal disfarçou a piora das condições de sobrevivência. Com os novos desafios, alguns podem ter descoberto, talvez até com surpresa, uma vocação empreendedora. Na maior parte dos casos, iniciar um negócio deve ter sido simplesmente uma forma de evitar ou adiar um desastre. 

Brasil em chamas – Opinião | Folha de S. Paulo

O negacionismo de Bolsonaro, Mourão e Salles diante da devastação ambiental custa caro ao país 

 O presidente Jair Bolsonaro causará novos danos à imagem do Brasil com seu discurso para a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas na terça (22). Dá-se como certo que, na frente ambiental, insistirá na narrativa falaciosa e insustentável de que o país merece parabéns por uma política que os fatos comprovam ter fracassado. 

O Pantanal está em chamas —paradoxalmente, sendo a maior planície alagável do planeta. Mais de um quinto desse mosaico de vegetação riquíssimo em biodiversidade pode perecer na estiagem que favoreceu um salto de 200% nos focos de queimadas, neste ano. 

A intervenção humana explica a maioria dos incêndios. Às vezes ela é intencional, quando pecuaristas e agricultores queimam biomassa de áreas já desmatadas. Em outras, sua contribuição é acidental, quando usam fogo para limpar pastagens e fagulhas alcançam a mata. O mesmo ocorre na Amazônia, onde os focos aumentaram 12%. 

A destruição também está em alta na região amazônica, como o avanço das queimadas sugere. Grileiros e invasores promovem o corte raso em áreas públicas, terras indígenas e unidades de conservação, para depois queimar o resíduo seco sobre o solo. Fazendeiros fazem o mesmo nas propriedades, com ou sem autorização legal. 

Dados não mentem. Imagens de satélite comprovam que mais da metade dos focos de incêndio na Amazônia ocorrem em terrenos de desmate recente, não em áreas que já eram usadas pela agropecuária.  
Alertas de desmatamento lançados pelo sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), indicam derrubadas de áreas maiores em quase todos os meses de 2020 na comparação com 2019 —com as exceções de julho e agosto, quando ainda assim parecem ter ficado acima de 2018 e anos anteriores. 

Essas são as informações mais recentes colhidas por satélites para orientar a fiscalização. Não oferecem a mesma precisão do sistema do Inpe responsável pela estatística anual de desmatamento, o Prodes, que considera o intervalo de agosto a julho e é divulgado em novembro. 

Hora de rever a estabilidade do funcionalismo – Opinião | O Globo

A proposta de reforma administrativa toca no nervo exposto do Estado, mas não oferece uma saída consistente 

 Ao encaminhar sua proposta de reforma administrativa ao Congresso, o Executivo enfrentou o tabu: a estabilidade do funcionalismo, garantida a todo servidor concursado. É verdade que, por precaução ou omissão, preferiu não mexer nos funcionários da ativa, naqueles considerados “membros de Poder” (como juízes ou procuradores) e criou uma situação semelhante à atual para as carreiras consideradas de Estado (como diplomatas ou auditores). Para esses, continuaria valendo a regra atual, que garante estabilidade aos que completam três anos no serviço público. Mesmo assim, o simples fato de querer mudar as regras para os demais tocou num nervo exposto. Não é outro o motivo para haver tanto ceticismo no Congresso em relação à proposta do governo. 

Não faltam argumentos razoáveis para defender a estabilidade em carreiras essenciais ao funcionamento do Estado, em particular as técnicas. Se estivessem sob ameaça constante de demissão, representantes do interesse público estariam sujeitos a pressões políticas ou financeiras inaceitáveis. Não dá para imaginar que os critérios para demitir juízes, diplomatas ou acadêmicos possam ser os mesmos que para funções administrativas, burocráticas e de manutenção equivalentes às que existem na iniciativa privada. Toda a discórdia reside em como e onde traçar os limites. 

A estabilidade funcional foi instituída no Brasil para proteger o interesse público das pressões políticas e para garantir continuidade da máquina administrativa. É óbvio que algumas áreas dependem desse tipo de escudo, mas não há lógica na sua extensão às mais de duas centenas de carreiras funcionais. A inflexibilidade manietou a administração e inflou seu custo, sem correspondência na qualidade dos serviços prestados pela União, pelos estados e pelos municípios. 

sábado, 19 de setembro de 2020

Merval Pereira – Realidade paralela

- O Globo 

 A realidade não combina bem com versão de Bolsonaro para os fatos, mas como o que importa é a versão, não os fatos, como dizem os políticos mineiros, ele vai seguindo adiante com sua pantomima. Ontem, em Mato Grosso, o presidente foi abalroado pela realidade da fumaça das queimadas, que ele insiste que não existem. 
 
Na sua linguagem peculiar, Bolsonaro deu a entender que as queimadas produziram apenas “uma fumacinha”, como se referiu à Covid-19 como “uma gripezinha”: "A visibilidade não estava boa. Estamos vendo focos de incêndio pelo Brasil, isso acontece há anos", afirmou, embora tenha admitido que seu avião teve que arremeter, desistindo de pousar porque a fumaça impedia a visão do piloto, fato que acontecera apenas uma vez antes em sua vida, e não por causa da fumaça. 

É claro que um problema desses não é comum, como não é normal a nuvem de fuligem que tomou conta do céu paulistano ontem. Bolsonaro insistiu ontem no enfrentamento da Covid-19 “como homem”, elogiando os agricultores que “não entraram naquela conversinha mole de ‘fique em casa e a economia a gente vê depois’. Isso é para os fracos”. 

Para efeitos internos, aparentemente essa maneira de governar tem dado resultado, pois Bolsonaro continua aparecendo nas pesquisas como favorito para a reeleição. Mas para o exterior, a imagem do Brasil continua se deteriorando à medida que o presidente e seus assessores insistem em confrontar os países europeus que cobram medidas concretas contra o desmatamento da Amazônia e outras regiões do país. 

Não adianta nada Bolsonaro dizer que os países que criticam o Brasil já queimaram suas florestas, nem o vice-presidente Hamilton Mourão acusar a França de não combater o garimpo ilegal na Guiana Francesa. Dois erros não fazem um acerto, e não importa que exista uma guerra comercial por trás das campanhas internacionais contra o desmatamento. 

Em parte isso é verdade, e é do jogo. O que não podemos é dar margem a que nossos competidores comerciais se aproveitem de nossas fraquezas para tentar barrar nossos produtos no comércio internacional. Se o Brasil tivesse um programa de combate ao desmatamento como já tivemos, reconhecido internacionalmente, não haveria condições de sermos prejudicados. 

Todo governante com pendor autoritário tem a mesma reação de Bolsonaro, renega problemas como fósseis ou bichos em extinção se quer seguir adiante com uma obra que considera indispensável. Mas uns são mais inteligentes, e levam adiante uma política ambiental que ameniza essa tendência negacionista, convivem bem com as ONGs, mesmo quando se confrontam. 

O problema é a visão de meio ambiente do governo como um todo, que desde o primeiro momento trabalhou para liberar a ação ilegal na Amazônia. A cada pronunciamento do ministro do Meio-Ambiente Ricardo Salles leniente com os garimpeiros, a cada ordem de Bolsonaro para que veículos usados no desmatamento não sejam danificados, como manda a lei, a cada fala contra as terras indígenas, mais os invasores, os madeireiros ilegais, os garimpeiros se sentem protegidos por uma política de meio-ambiente que privilegia a exploração predadora da floresta em detrimento da sua preservação. 

A reação da França contra o acordo da União Européia com o Mercosul devido à política ambiental do Brasil pode ser reforçada se o democrata Joe Biden for eleito presidente dos Estados Unidos derrotando Trump, que tem uma política ambiental semelhante à nossa no negacionismo. 

Caso isso aconteça, o Brasil ficará isolado no cenário internacional, e não será um discurso distante da realidade que nos beneficiará. Perdido o apoio dos Estados Unidos, Bolsonaro se tornará um pária no mundo ocidental.

Ascânio Seleme - Fux tem razão

- O Globo 

Ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux elencou cinco pontos que deverão guiar a sua gestão pelos próximos dois anos 

Ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux elencou cinco pontos que deverão guiar a sua gestão pelos próximos dois anos. Separo um deles, que se o novo presidente conseguir implementar prestará um serviço inestimável à Justiça e ao país. Trata-se do que Fux chamou de “fortalecimento da vocação constitucional do STF”. Seu propósito é reduzir as dezenas de milhares de ações ingressadas a cada ano, reposicionando o tribunal “como uma Corte eminentemente constitucional”. 

De acordo com dados citados pelo ministro no seu discurso de posse, 115 mil processos foram julgados pelo tribunal em 2017. No mesmo ano, a Suprema Corte dos Estados Unidos julgou 70 casos. É verdade que a nossa Constituição é muito maior que a americana, que tem apenas sete artigos e recebeu 27 emendas em 230 anos. A brasileira tem 250 artigos e 114 disposições transitórias, e em apenas 30 anos teve 100 emendas aprovadas. Mas só isso não explica a distância que separa os dois tribunais. 

Fux tem razão, é preciso desentulhar a Corte. O problema é como se fazer isso. Primeiro, há obstáculos no caminho, alguns criados pelo próprio tribunal. Em novembro do ano passado, o STF derrubou por seis votos a cinco a prisão em segunda instância. Além de todas as questões políticas que aquela decisão encerra, como o favorecimento à impunidade, por exemplo, ela serviu como bandeira em favor do prosseguimento de qualquer ação até que ela alcance o Supremo. Se o criminoso fosse preso assim que um colegiado de desembargadores de tribunais regionais o condenasse, como estava estabelecido antes da decisão contrária do Supremo, o apelo a recursos seria obviamente menor. 

Os clientes constitucionais do Supremo são o presidente, seu vice, os membros do Congresso, os ministros de Estado, os ministros dos tribunais superiores e do TCU, o procurador-geral da República, os chefes das três Forças Militares e os chefes de missões diplomáticas. Somam mais ou menos 900 pessoas. Ocorre que qualquer cidadão que responde por crime em ações em que membros desse grupo estiverem envolvidos acaba sendo julgado também pelo STF. Eventualmente, um ministro pode desmembrar uma ação e remeter para instância inferior o denunciado sem foro privilegiado, mas nem sempre é assim. 

O Supremo também faz mal uso da súmula vinculante, preceito constitucional que dá ao tribunal prerrogativa de considerar já julgadas todas as ações que tratam de crimes reiteradamente debatidos e punidos pelo tribunal. O expediente poderia reduzir o volume de ações em curso. Mas, é absolutamente corriqueiro o atropelamento desta regra. Na semana passada, o próprio Fux pediu vista em julgamento que deveria aprovar uma súmula vinculante em questão de narcotráfico. No caso, não importa o teor da ação, mas o princípio que foi ignorado. 

Há ainda questões acessórias e mesmo triviais que tornam chatos e demorados os julgamentos do STF. Como a TV Justiça, que foi criada em em 2002 em nome da transparência. Ela deixou os ministros mais maleáveis, o que é perigoso. Com a transmissão ao vivo das sessões, juízes podem ser levados a julgar de acordo com a orientação da galera, o grito das ruas. Com julgamentos públicos, muitos de importância crucial para a vida política e institucional do Brasil, os ministros podem ser constrangidos pela pressão política e popular que sofrem em tempo real. 

A TV Justiça ajudou a produzir o que Fux chamou de “protagonismo deletério, que corrói a credibilidade dos tribunais, especialmente do STF”. De certa forma as sessões do Supremo viraram espetáculo e os ministros passaram a gastar muito mais tempo para ler seus votos, que foram engordados em páginas e citações. Alguns tomam horas para serem lidos e comentados. O componente “vaidade humana” é quase palpável de tão vivo nos julgamentos do tribunal. E é evidente que isso colabora com a morosidade do tribunal e o acúmulo da pauta. 

Desgoverno 
O governo anunciou que pode extinguir alguns ministérios, como o do Turismo, por exemplo. Não farão nenhuma falta num governo que em diversas áreas não governa mesmo. A turma do Bolsonaro não governa na Cultura, todos sabem. Aliás, se lixa para ela. Também não governa no Meio Ambiente, não se incomoda com a derrubada de árvores na Amazônia e muito menos com queimadas no Pantanal. Tampouco governa para as mulheres e para os direitos humanos e mal governa na saúde e na educação. Pode fechar ministérios à vontade, excelência, eles pouco importam. 

Pauta para Lira 
O centrão quer fazer o deputado Arthur Lira (corrupção, lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito, violência doméstica) presidente da Câmara. Com o aval do Planalto, já está oferecendo cargos no governo aos que votarem nele. O agrupamento suprapartidário também tem prontos alguns pontos da pauta do mandato de Lira: finalizar a Lava-Jato; reduzir o papel do Ministério Público; e introduzir carência de quatro a oito anos para magistrado poder se candidatar a cargo eletivo. Um ataque explícito a quem combate a corrupção. 

Agora, sim 
O estado que já teve cinco governadores presos e tem um sexto ameaçado de prisão, pode agora inovar e eleger um prefeito previamente detido. É o Rio inovando e surpreendendo o Brasil e o mundo. A candidatura de Cristiane Brasil, do PTB, presa preventivamente em caso de corrupção, teve sua candidatura homologada pelo Tribunal Regional Eleitoral. O partido insistiu em indicar a encarcerada porque ela é filha do dono, quer dizer, do presidente do partido, o mal afamado Roberto Jefferson. Nada de mais, na verdade. Afinal, não foi aqui que vereadores foram eleitos dentro da cadeia? 

Recomendo livros 
Três bons livros que merecem sua atenção. O jornalista Pedro Doria acaba de publicar “Fascismo à brasileira”, que conta a história da criação do partido integralista brasileiro e mostra suas muitas semelhanças com o bolsonarismo. O jornalista e ex-candidato a deputado federal Ricardo Rangel colocou nas livrarias “O destino é o caminho”, em que narra sua jornada de 800 quilômetros pelo Caminho de Santiago de Compostela. E o escritor e cientista político Sérgio Abranches lançou “O tempo dos governantes incidentais”, onde conta como populistas se aproveitaram de frustrações políticas acumuladas para se eleger e em seguida ameaçar a democracia e as instituições. 

Paulo Freire, 99 
Paulo Freire, o mais importante educador brasileiro e um dos maiores do mundo, completaria hoje 99 anos. Inúmeras homenagens e palestras sobre o professor e sua obra serão realizadas nos próximos 12 meses em comemoração ao seu centenário. Ele é o brasileiro com mais títulos de doutor Honoris Causa. São 41, inclusive das superuniversidades de Harvard, Cambridge e Oxford. Autor de 19 livros, com edições em incontáveis línguas, Paulo Freire dá nome a 31 ruas e praças no Brasil, além de 302 escolas, municipais, estaduais e privadas. Respeitem Paulo Freire. 

Fazendas e incêndio 
Além da evidente má vontade da União com o meio ambiente, da falta de fiscalização adequada, da seca, dos ventos e do difícil acesso, um fator econômico serve de combustão para as queimadas do Pantanal. Diversas fazendas foram divididas ao longo dos últimos anos e muitas pararam de produzir, demitiram peões e fecharam suas porteiras. Essas áreas são as mais desguarnecidas e descuidadas, por onde o fogo se alastra sem impedimento. Outras fazendas, cinco no Mato Grosso do Sul, são investigadas pela Polícia Federal por queimadas intencionais. 

Dando linha 
Fabricantes de linhas do interior de São Paulo tiveram queda nas vendas de até 80% no início da pandemia. Apavorados, fizeram muitas demissões achando que a crise demoraria e a recuperação econômica só teria início em 2021. Cinco meses depois, uma dessas fábricas já opera no azul, ou no azulão, com vendas 120% maiores do que antes da crise sanitária. A concorrência chinesa ficou muito cara. 

EUA desbancados 
Para quem acha que o problema alcança somente países pobres, este dado pode surpreender. O Federal Reserve dos Estados Unidos, o FED, similar ao nosso Banco Central, informou na semana passada que um em cada quatro americanos não tem conta bancária ou tem apenas uma conta pagamento. Significa que 82 milhões são desbancarizados nos EUA. 

Correção 
Não é do MDB o ex-prefeito de Cocal (PI) João Maria Monção, que disse em discurso gravado que roubou, sim, mas não tanto quanto o seu adversário na próxima eleição. Ele era do PTB, que o expulsou após a declaração.