- Folha de S. Paulo
Carestia será atenuada pela redução da renda dos mais pobres, com corte no auxílio
Tijolo, tintas, tubos e conexões ficaram bem mais caros na epidemia, além do arroz, do feijão, do ovo, do frango e do óleo de soja. São carestias diferentes, mas são o assunto da vida dura e real.
Varejo e grandes construtoras reclamam dos preços e da falta de produtos no prazo desejado. Vai passar, em parte boa notícia, em parte, não.
A alta do consumo de comida e de materiais de construção revela, como se ainda fosse preciso, a barbaridade da distribuição de renda no Brasil. Um tico mais de dinheiro na mão do povo causa bafafá. Quando acabar o auxílio emergencial, como vai ser?
Falta produto porque houve parada na produção na pandemia e porque o mercado de construção "formiga" esquentou, tudo óbvio. Houve forte redução de estoques na economia inteira, o que ficou evidente nos dados do PIB do segundo trimestre. O consumo de certos itens de resto explodiu a partir de maio, com o auxílio emergencial. A produção volta lentamente, no caso de materiais típicos da construção civil.
Apenas neste ano, até agosto, o preço médio do tijolo aumentou 17%. O das tintas, 6%. O do cimento, 11%. A inflação média, medida pelo IPCA, está em 0,7% neste 2020. Nem todo material para obras ficou mais caro, porém. O Custo Unitário Básico (CUB), o preço médio de fazer uma casa, por assim dizer, aumentou 2,9% em um ano, na média brasileira (ante 2,1% do IPCA em 12 meses), dados até junho. O preço da mão de obra para reformas ficou estagnado neste ano.
De modo geral, as vendas no varejo de material de construção subiram bem, em particular desde maio. No ano, já superam em 1,9% as do mesmo período de 2020 (mesmo assim, um crescimento fraco. A esta altura do ano passado, a alta nas vendas era de 4,5%). No varejo em geral, o faturamento ainda cai 1,8%.
A produção de materiais de construção ainda apanha muito, caindo 8,5% no ano, um pouco menos do que a indústria de transformação em geral (que cai 10,6%). O resultado é inflação, pontos de distribuição com pouco produto, atrasos na entrega. Não tem surpresa aí. Tende a passar.
Segundo os produtores de material, não houve destruição notável de empresas, embora as firmas estejam endividadas. Com a retomada da produção, ainda complicada pela epidemia e pela falta de matérias-primas, essa desordem no mercado será passageira, mas difícil. Os fabricantes dizem que, sem mais acidentes, a coisa volta ao normal pelo fim do ano.
Mais deprimente é que o problema será atenuado pela redução da renda dos mais pobres. O auxílio emergencial mais do que cobriu a perda total de rendimentos do trabalho (da "massa de rendimentos") na pandemia e beneficiou especialmente quem ganhava pouco ou nada. Os auxílios de renda chegam a 44% dos domicílios, segundo o IBGE.
Com o fim do pagamento do auxílio emergencial, talvez a massa de rendimentos não caia muito lá pelo início de 2021, especulam economistas, com otimismo exagerado. Esse corte em parte será compensado por alguma recuperação do emprego e pelo gasto do dinheiro poupado na pandemia.
Mas a volta do emprego dos pobres será muito lerda e precária, até porque se empregam em pequenos serviços, que dependem da normalização na vida das cidades, que vai demorar. Além do mais, a retenção do consumo (o aumento da poupança) deve ter ocorrido entre os mais ricos.
A recuperação que houver em 2021, além de parcial, será desbalanceada, em desfavor dos miúdos e miseráveis, para variar. As carestias, do arroz ou do tijolo, devem passar também pelo pior dos motivos.
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