Cortes de juros não resolvem todos os problemas
O Banco Central agiu com prudência ao não encerrar em definitivo o ciclo de baixa de juros, mantendo uma porta aberta para eventuais novos cortes na taxa básica. O ritmo de retomada da economia é incerto. Apesar de uma boa parte da transmissão dos estímulos estar sendo obstruída pelas incertezas fiscais, o BC não deve se furtar em usar os seus instrumentos de política monetária para cumprir o seu mandato de levar a inflação para a meta.
Os analistas econômicos previam, de forma quase unânime, que o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC iria manter os juros básicos da economia estáveis em 2% ao ano em reunião na semana passada. Mas havia uma grande expectativa sobre quais seriam os sinais da autoridade monetária para os seus passos futuros.
Uma parte dos economistas tem expressado receios com a elevação da inflação no curto prazo, causada sobretudo por preço de alimentos e pela escassez de insumos em alguns setores, como o de construção civil. Embora esse aumento de preços seja apenas temporário, devido sobretudo ao aumento da demanda provocada pelo pagamento do auxílio emergencial, muitos temem que parcela das pressões se perpetue nas expectativas de inflação. Os custos de alimentos têm uma grande visibilidade na população e podem levar a uma sensação de que ocorre uma elevação mais geral de preços na economia.
Cumpre reforçar, porém, que na origem o que ocorre é apenas um aumento temporário de preços. Esse repique deve ser acomodado no intervalo de tolerância das metas de inflação, e a tarefa do Banco Central é se concentrar apenas nos eventuais efeitos secundários.
Mas, com os núcleos de inflação muito baixos e alta capacidade ociosa da economia, é pouco provável que ocorra uma aceleração permanente da inflação.
Outros analistas defendem que, diante do quadro fiscal cheio de incerteza, o Banco Central deveria agir com prudência, decretando o fim do ciclo de estímulos monetários. O Copom não parece alheio a esses perigos, tanto que vem mencionando a questão fiscal na sua comunicação. O desarranjo das contas publicas faz, inclusive, com que o balanço de riscos para a inflação seja descrito como assimétrico pelo colegiado, pendendo para o lado negativo.
Esse risco explica porque o Copom vem agindo com cautela no ciclo de baixa de juros, adotando uma estratégia de movimentos graduais. Mas parece exagero, no momento, suspender a possibilidade de eventuais estímulos monetários.
O Banco Central, isso sim, deve se manter preparado para baixar os juros, caso a economia não reaja da forma esperada. Nos últimos meses, os analistas econômicos melhoraram os seus prognósticos para a retomada da atividade. Mas os serviços vem decepcionando a todos, inclusive o Banco Central. Esse é o maior setor da economia, vital para determinar o ritmo de alta dos preços no longo prazo, para além das flutuações conjunturais da inflação. Sem uma reação forte do setor de serviços, a taxa de desemprego tende a ser manter elevada, e os reajustes de salários, contidos.
Além disso, não se sabe como essa frágil retomada da atividade econômica será sustentada quando acabarem as transferências do auxílio emergencial do governo. Há também incertezas relevantes sobre a duração da pandemia. Não está descartada a hipótese de uma segunda onda de contágio, e a vacina pode demorar mais do que o previsto para ficar disponível.
Num ambiente de tanta incerteza, a decisão mais prudente do Copom parece mesmo ser manter todas as opções em aberto. O Banco Central, é bom lembrar, não sinalizou que pretende baixar a taxa. Para que isso ocorra, é preciso surpresas que levem a inflação a caminhar abaixo do esperado. A autoridade monetária também deverá pesar, em cada decisão, os limites para novas baixas da Selic, devido aos potenciais impactos na estabilidade financeira.
Cortes de juros não resolvem todos os problemas. Na ausência de uma clara estratégia de consolidação fiscal, boa parte dos estímulos é desfeita pelo acúmulo de prêmios na curva de juros. Ainda assim, o BC deve estar preparado para agir. A inflação desse ano e do próximo, mesmo com a alta dos preços dos alimentos, deverá ficar bem abaixo da meta. Deve-se evitar que ocorra a desancoragem das expectativas também em 2022, sob pena de comprometer a credibilidade do regime de metas de inflação.
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