sábado, 30 de janeiro de 2021

Cristina Serra - Bolsonaro e a PQP

- Folha de S. Paulo

Seus ataques ao jornalismo não podem ser naturalizados.

"Previsão do tempo: Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Máx.: 38º, em Brasília. Mín.: 5º, nas Laranjeiras". Com essa previsão do tempo, publicada na primeira página do Jornal do Brasil em 14 de dezembro de 1968, o jornalista Alberto Dines (1932-2018) tentava driblar a censura para noticiar o AI-5, que deu poderes de exceção aos generais para reprimir opositores da ditadura.

Naqueles dias, atitudes como a de Dines poderiam resultar em prisão, tortura e morte. Transposta para o Brasil hoje e guardadas as diferenças históricas, a alegoria meteorológica é de assombrosa atualidade. Sob Bolsonaro, doentes morrem por falta de ar. As instituições sufocam. Ele e sua súcia de bandoleiros semeiam tormentas toda vez que ameaçam com golpe.

Escumalha da ditadura, Bolsonaro, se pudesse, mandaria todos os jornalistas para a "ponta da praia". Nesta semana, contrariado com uma publicação, o boca-suja do Planalto despejou seu vocabulário de espelunca contra a imprensa, mais uma vez. Aos gritos, o presidente-sem-decoro da República mandou o jornalismo brasileiro para a pqp e que os jornalistas enfiassem latas de leite condensado "no rabo".

Hélio Schwartsman - O papel dos clássicos

- Folha de S. Paulo

Entre as missões da escola está a de produzir um conjunto de referências que sejam partilhadas por quase todos

A escola deve cobrar a leitura dos clássicos da literatura? O argumento contrário, apresentado pelo youtuber Felipe Neto, reza que forçar jovens a enfrentar obras para as quais ainda não estão intelectualmente preparados —e ele citou Álvares de Azevedo e Machado de Assis— apenas os faz desgostar da literatura.

Não acho que esse seja o melhor ângulo para abordar a questão. Aqui, eu sou um pouco fatalista. Há pessoas que gostam de ler e há as que não gostam. O que define isso é uma complexa combinação de genes e estímulos ambientais nos primeiros anos de vida. Se a meta é formar um público leitor, isso precisa ser trabalhado bem antes do ensino médio ou mesmo do fundamental 2.

De qualquer modo, a escola precisa definir conteúdos concretos para as diferentes disciplinas que ministra. Em literatura, pode ser Machado ou um romance açucarado com pitadas de sexo e muita ação. Em tese, tanto faz. Mas reparem que não nos perguntamos se a trigonometria é mais ou menos "divertida" que a análise combinatória nem se as agruras de uma cotangente tiram o gosto da garotada pela matemática.

Ricardo Noblat - 2020, o ano que não acabou. 2022, o ano que já começou

- Blog do Noblat / Veja

2021, o ano que não foi

Nada sairá caro para Jair Bolsonaro se ele conseguir realizar daqui a um ano seu intento de se reeleger. É isso que o move desde que foi admitido pela primeira vez no imóvel mais cobiçado do país, o monumental e nada acolhedor Palácio da Alvorada, e passou a despachar no terceiro andar do Palácio do Planalto.

Liberar mais de 4 bilhões de reais para que deputados federais e senadores votem em seus candidatos às presidências da Câmara e do Senado? Bobagem! Sai na urina. E não sai do bolso dele, sairá indiretamente do nosso que pagamos impostos. Recriar ministérios que extinguiu para acomodar nomes do Centrão?

Quem ficará chocado com isso é porque não votou nele – ou votou, arrependeu-se e não votará mais, a não ser que a esquerda tenha chance de voltar ao poder. Bolsonaro quer preservar seu capital inicial – os 30% dos brasileiros que incondicionalmente o apoiam. Se conseguir, uma das vagas do segundo turno será sua.

De Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), os mais cotados para comandar a Câmara e o Senado a partir da próxima segunda-feira, Bolsonaro espera que lhe entreguem algumas coisas prometidas: barrar pedidos de impeachment, facilitar a aprovação de reformas da economia e driblar pautas-bombas.

João Gabriel de Lima - O Canadá e o Brasil na ‘era da precariedade’

- O Estado de S. Paulo

O coronavírus chamou atenção para a importância de uma rede de proteção social permanente

Parte do enredo de As Invasões Bárbaras, filmaço que levou o Oscar de produção estrangeira em 2003, se passa nos corredores de um hospital público do Canadá. O que se vê não combina com um país considerado modelo de bem-estar social: doentes amontoados pelos corredores, atendimento precário, burocracia infinita para agendar procedimentos. O protagonista do filme, Rémy, tem uma doença terminal. Ele só consegue tratamento decente porque seu filho, Sébastien, pode pagar os honorários dos melhores médicos. 

Poucos países são mais diferentes que Canadá e Brasil. Jogamos vôlei na praia, eles brincam com bonecos na neve. Nosso mito musical é Tom Jobim, o gênio da bossa nova; o deles, Glenn Gould, pianista que revolucionou a música clássica. No mundo do coronavírus, no entanto, os dois países têm a pandemia em comum – e precisaram desenhar programas emergenciais a toque de caixa. “O Canadá criou do dia para a noite um seguro-desemprego dos sonhos”, diz o cientista político Ricardo Tranjan, brasileiro radicado em Ottawa, personagem do minipodcast da semana. Tal seguro pode inspirar algo que se estenda a tempos normais – o que seria um saldo positivo da pandemia.

Monica de Bolle* - A política econômica de Guedes e a Covid-19

- Revista Época

O que significa “responsabilidade fiscal” se ela viola o direito à vida de uma parte da população brasileira neste momento?

 “Quer criar auxílio de novo? Tem de ter muito cuidado, pensar bastante. Se fizer isso, não pode ter aumento automático de verbas para a educação e segurança pública porque a prioridade passou a ser a guerra (contra a Covid). Pega as guerras aí para ver se tinha aumento de salário, se tinha dinheiro para a saúde e educação. Não tem, é dinheiro para a guerra.” Essas palavras são de Paulo Guedes em recente matéria da Folha de S.Paulo.

É bom lembrar que a metáfora da guerra é inadequada para a pandemia, uma crise sanitária com desdobramentos singulares na economia. O ministro deveria saber disto: na guerra, o capitalismo implica a produção intensiva de certos bens. Mas a fala também deixa ver a ideia que Guedes tem do capitalismo. Ela tem relação com um fenômeno que fez Arendt afirmar, sobre o imperialismo em suas Origens do totalitarismo, que “a expansão não era uma fuga apenas para o capital supérfluo. Mais importante do que isso, a expansão protegia os donos do capital contra a ameaça de se manterem, eles próprios, completamente supérfluos e parasitários”. Arendt, tão citada por liberais, era uma crítica da centralidade da economia na política, da política econômica como uma forma de administração da vida. Se cabe alguma analogia entre a pandemia no Brasil e a guerra é que o governo que Guedes integra e ao qual dá racionalidade administra a morte.

Desde o início da pandemia, a política econômica de Guedes contextualiza a epidemia no Brasil e aponta as escolhas que devem ser administradas em tal situação.

Adriana Fernandes - A máquina do Executivo está a serviço de honrar o toma lá dá cá

- O Estado de S. Paulo

Ala política do governo está ocupando espaços dentro do próprio Orçamento, sem que isso necessariamente atenda às prioridades do País

Não faltou estratégia nem plano. Foi arquitetada a ação que a ala política do governo Jair Bolsonaro empreendeu por meses até a abertura do cofre para destinar R$ 3 bilhões para 250 deputados e 35 senadores aplicarem em obras em seus redutos eleitorais.

O dinheiro saiu do Ministério do Desenvolvimento Regional e tem servido como moeda de troca de apoio às candidaturas do Palácio do Planalto nas eleições das mesas da Câmara e do Senado.

Reportagem de Breno Pires e Patrik Camporez, do Estadão, revelou a existência de uma planilha interna de controle de verbas, até então sigilosa, com os nomes dos parlamentares contemplados com os recursos “extras”, que vão além dos que eles já têm direito de indicar. Segue o fio:

A estratégia começou a ser desenhada depois que fracassou a tentativa de criação do Pró-Brasil, o programa do grupo político-militar (capitaneado pelo ministro Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional) para deslanchar investimentos em obras, sobretudo no Nordeste, onde o presidente queria ampliar sua base de apoio nas eleições municipais, de olho na sua reeleição em 2022.

Marinho entrou em choque com o ministro Paulo Guedes, contrário à politica do Pró-Brasil como resposta à crise da covid-19.

Guedes começou a ser fritado pelos desenvolvimentistas do governo e pelo Centrão, mas resistiu com apoio do mercado financeiro.

Paulo Sotero – O Brasil já perdeu dois bondes no governo Biden

- O Estado de S. Paulo

Mas o País é maior do que o governo que tem e isso é reconhecido no exterior

A participação de Raquel Krähenbühl, da Rede Globo, no pool de jornalistas que acompanhou o presidente Joe Biden no dia de sua posse resultou da competência e dedicação da jornalista, a única correspondente internacional incluída no grupo. Mas ela ilustra algo maior, a que me referi em novembro neste espaço: a despeito da devoção subserviente de Jair Bolsonaro a Donald Trump, que levou o Brasil a perder os bondes do combate à pandemia e às mudanças climáticas, Biden não hostilizará o Brasil – embora não faltem motivos para fazê-lo. Isso não significa que a nova administração em Washington terá tempo para um presidente que reafirmou sua devoção ao fracassado ex-líder americano mesmo depois de ele ter desencadeado manobras para invalidar a surra que levou nas urnas de novembro e que culminaram num assalto sem precedentes ao Capitólio, no dia 6 de janeiro, justificando a instauração de um segundo processo de impedimento constitucional – fato inédito na História dos Estados Unidos.

A atrasadíssima carta de congratulações que o presidente do Brasil mandou ao colega americano não vale o papel em que foi impressa e foi recebida como uma manifestação sem significado. As mensagens oriundas do Brasil que contam hoje em Washington são duas, e estão relacionadas com prioridades do governo Biden. A primeira, intensamente negativa, é a desastrosa resposta brasileira à epidemia de covid-19, tragédia que os dois países compartilham por motivos parecidos e levou as autoridades americanas a reimporem as restrições de acesso aos EUA por viajantes oriundos do Brasil, que Trump tinha levantado no apagar das luzes de seu governo. Se for para valer e produzir resultados – ou seja, punições exemplares –, será bem recebida a investigação que o Supremo Tribunal Federal ordenou contra o ministro da Saúde, um general sem qualificação para o cargo que ocupa e que comprovou sua incompetência em logística, supostamente sua especialidade, deixando que faltassem tanques de oxigênio nos hospitais de Manaus.

Marcus Pestana* - A agonia da semana

No Brasil, cada ano parece uma eternidade. Como disse o ex-ministro Pedro Malan, em nosso país “o futuro é duvidoso e até o passado, imprevisível”. E o presente?  É cheio de nuvens carregadas. A pandemia e a crise econômica não dão o menor sinal de arrefecimento.

Há fatalidades e há erros cometidos. Ninguém poderia prever o inesperado ataque do coronavírus. Mas era possível não mergulhar no negacionismo, não apostar em falsas soluções, mobilizar a sociedade para a prevenção, apostar na convergência, preparar rápida ação de imunização, terreno em que o Brasil tem larga experiência. Outra enorme perda de tempo e oportunidades foi a falsa polêmica entre vidas e empregos, saúde versus economia. As duas crises são irmãs gêmeas, faces da mesma moeda. Só haverá retomada econômica com a ampla vacinação da população.

Os desafios para 2021 são enormes: comprar tardiamente insumos farmacêuticos e vacinas num mercado mundial distorcido; vacinar a maioria da população, o que parece que só será possível até o final do ano; oferecer auxílio emergencial aos milhões de desempregados, desalentados e subempregados, e estímulo econômico a milhares de empresas que se encontram à beira do abismo, num quadro de total penúria fiscal e risco de perda do controle sobre a estabilidade econômica.

André Lara Resende - Vale tudo pelo equilíbrio fiscal?

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Verdadeira responsabilidade não é a harmonia orçamentária em todas as circunstâncias e a qualquer custo

A partir da segunda metade dos anos 1990, depois da estabilização da inflação crônica brasileira, passou a haver uma sistemática preocupação de evitar que as contas do setor público saíssem de controle. A preocupação com o descontrole das contas públicas advém da vinculação entre o déficit fiscal e a expansão monetária. Até o fim do século passado, a macroeconomia hegemônica considerava que o descontrole dos gastos públicos e a excessiva expansão da moeda estavam por trás de todo processo inflacionário. Como gato escaldado tem medo de água fria, no Brasil depois da estabilização, a preocupação com o equilíbrio das contas públicas passou a pautar a política macroeconômica.

No momento em que se discute a suspensão do auxílio emergencial à população em nome do equilíbrio fiscal, justamente quando a epidemia de covid recrudesce, é fundamental entender que a verdadeira responsabilidade fiscal não é o equilíbrio orçamentário em todas as circunstâncias e a qualquer custo. Nas atuais circunstâncias, a insistência no equilíbrio fiscal, além de macroeconomicamente equivocada, é moralmente inaceitável. O objetivo deste artigo é examinar mais a fundo as raízes dos equívocos da macroeconomia hegemônica. Apesar de revista, continua pautada pela lógica da moeda metálica. É incapaz de incorporar em seu arcabouço analítico a moeda fiduciária e o crédito sem lastro na poupança prévia.

Macroeconomia revista
A teoria monetária passou por uma profunda revisão a partir da última década do século passado. Quando ficou claro que o instrumento de política dos bancos centrais não é a base monetária, mas sim a taxa de juros, a relação automática entre a moeda e a inflação foi abandonada.

O “quantitative easing”, QE, um inusitado experimento de expansão monetária sem respaldo analítico prévio consolidado, multiplicou o passivo dos bancos centrais por fatores superiores a dez vezes num espaço de poucos meses, sem que houvesse qualquer sinal de pressão inflacionária. Ficou então patente que não há relação entre a expansão da moeda e a inflação. Todas as economias onde o QE foi posto em prática continuaram a flertar com a deflação.

Abandonada na prática a relação de causalidade entre expansão monetária e inflação, por tantas décadas sustentada pela macroeconomia hegemônica, a restrição conceitual imposta à expansão do crédito público foi reformulada como um limite superior para a relação dívida/PIB.

Em 2009, Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff2, dois expoentes da macroeconomia hegemônica, publicaram trabalho influente sustentando que o limite a partir do qual a economia se desorganizaria seria 90%. Mesmo sem considerar a totalidade do passivo consolidado do Estado, ou seja, o passivo do Tesouro somado ao do Banco Central, antes mesmo da crise de covid, inúmeros países, entre eles Japão, Itália, Grécia, EUA, já tinham ultrapassado esse nível de endividamento.

A reação coordenada das políticas monetárias e fiscais à pandemia durante 2020 voltou a elevar a relação dívida/PIB em todo o mundo. Apesar dos altos níveis de endividamento público e da abundância de crédito monetário, não há sinais da volta da inflação, nem de que as economias avançadas estejam à beira de uma crise fiscal.

Está claro que não existe um limite fatídico para a relação dívida/PIB, a partir do qual se abriria um “abismo fiscal”, na expressão preferida dos analistas brasileiros, e o país entraria em colapso.

Diante de tão flagrante evidência, os principais macroeconomistas americanos deram uma guinada conceitual. No início de dezembro último, Jason Furman e Lawrence Summers3, renomados professores da Universidade Harvard, argumentaram em favor de uma mudança de paradigma: a relação dívida/PIB, ao contrário do que acreditavam, não é um indicador relevante da sustentabilidade fiscal.

Ben Bernanke, ex-presidente do Fed, assim como Olivier Blanchard e Kenneth Rogoff, ex-economistas chefes do FMI, concordaram com eles. Como as taxas de juros praticamente nulas não foram capazes de reativar as economias paralisadas pela pandemia, Furman e Summers agora defendem uma política fiscal expansionista, baseada num programa de investimentos públicos.

No Brasil, ao menos por enquanto, a esmagadora maioria dos analistas continua a defender a imperiosa necessidade de equilibrar as contas públicas. Optaram por se dissociar de seus mentores americanos para sustentar seus dogmas. Apelam para a tese da jabuticaba, Brasil é diferente porque o Estado e os políticos não são confiáveis. Sustentam que por aqui o equilíbrio orçamentário é ao mesmo tempo condição necessária para evitar o abismo e condição suficiente para que a economia volte a crescer. Aparentemente, os únicos temas econômicos relevantes são o risco fiscal e as reformas necessárias para garantir o equilíbrio das contas públicas. Tudo mais seria secundário.

O ponto central da tese de Keynes na “Teoria Geral” é que a política monetária precisa ser acompanhada do investimento público para que a economia se recupere. A possibilidade de que, apesar do crédito abundante e dos juros baixos, não haja recuperação do investimento e da atividade econômica não deveria ser novidade.

A possibilidade do que Keynes chamou de uma armadilha da liquidez tem sido efetivamente reivindicada para explicar por que, apesar das taxas de juros muito próximas de zero, as economias contemporâneas continuam estagnadas e sem inflação. No entanto, a solução proposta por Keynes, uma política fiscal expansionista com o aumento do investimento público, continua a ser vista com desconfiança pela grande maioria dos analistas.

Mesmo superado o dogma do equilíbrio fiscal e o fetiche da relação dívida/PIB, a macroeconomia hegemônica continua a não entender que a expansão do crédito prescinde da expansão da poupança. A tese de que a taxa de juros baixa é consequência do excesso de poupança tem origem na análise dos economistas clássicos que precederam Keynes. Segundo os clássicos, a taxa de juros é resultado do equilíbrio entre a oferta e a demanda de fundos para investimento. Conhecida como a teoria dos “loanable funds”, dos fundos disponíveis para empréstimos, foi um dos pontos centrais da crítica de Keynes, para quem a taxa de juros nada tem a ver com a poupança, é determinada no mercado monetário. Para Keynes, a poupança é sobretudo função da renda e investimento do otimismo dos empresários. São ambos pouco sensíveis à taxa de juros. Se não há otimismo e perspectiva de crescimento, a economia pode ficar estagnada, sem investimento, mesmo quando a taxa de juros está baixa e há abundância de crédito.

Sérgio Augusto - O último Silveira

- O Estado de S. Paulo

Poucos colegas me inspiraram tanto respeito e reverente temor quanto o gaúcho Zé

Perdi mais um amigo de covid. Virou rotina. Cismei de contabilizar as perdas que mais intensamente me atingiram nos últimos 10 meses, e só me lembrei de três exceções ao flagelo virótico: Nirlando Beirão, Pete Hamill e Zuza Homem de Mello, abatidos por outras enfermidades. No início da semana, o vírus nos levou José Silveira, um dos últimos moicanos da era de ouro do jornalismo.

Não conheci ninguém que não o admirasse como profissional, e daria para contar nos dedos os que não têm ao menos uma história divertida com ou sobre ele dentro de uma redação ou fora dela. Em todos os jornais por onde andou – Última Hora, Correio da Manhã, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, além do Estadão – muito ensinou até a quem acreditava já saber tudo sobre como fechar uma edição, encontrar o melhor título para uma reportagem, limpar as impurezas de um texto e cortar uma foto para dar mais realce gráfico à primeira página.     

Secretário de redação incomparável, uma de suas mais decantadas proezas – reduzir um artigo de oito laudas de Antonio Houaiss a duas, sem deixar nada de fora – entrou para o folclore do jornalismo, com ajuda suplementar de Paulo Francis, que adorava relembrá-la, até porque achava Houaiss verborrágico e rebuscado além da conta.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A época da patifaria – Opinião | O Estado de S. Paulo

Além de conspurcar o exercício da Presidência e dar o governo ao Centrão, Bolsonaro pode ressuscitar a oposição destrutiva, liderada pelo lulopetismo, que floresce no caos.

Em abril do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro, durante um dos tantos protestos golpistas que estimulou, esbravejou contra o Congresso: “Nós não queremos negociar nada. Nós queremos é ação pelo Brasil. O que tinha de velho ficou para trás, nós temos um novo Brasil pela frente. Acabou a época da patifaria!”.

Pouco menos de um ano depois, Bolsonaro partiu para a compra explícita de apoio de parlamentares e partidos fisiológicos. Isso nem velha política é, pois no passado, mesmo que a negociação de votos fosse a norma, ainda havia eventualmente algum acordo em torno de projetos em comum. Hoje não mais: o que há é a entrega do governo para a deglutição do Centrão, que se banqueteará de cargos, verbas e poder. Poucas situações representam a época da patifaria como essa.

Repórteres do Estado tiveram acesso a uma planilha de negociação do governo com deputados para angariar apoio à eleição, para as presidências da Câmara e do Senado, dos candidatos apadrinhados pelo presidente Bolsonaro. A reportagem mostra que aquela planilha representa a distribuição de cerca de R$ 3 bilhões para 250 deputados e 35 senadores usarem em obras em seus redutos eleitorais.

Mas esse é seguramente apenas um fragmento da história. Outras fontes garantem que o total de recursos liberados é de cerca de R$ 16,5 bilhões. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, falou em R$ 20 bilhões. Em qualquer dessas contas, o valor destinado aos parlamentares supera, em vários casos, o limite a que cada um deles tem direito a destinar em emendas ao Orçamento.

A reportagem mostra que o gabinete do ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, tornou-se o quartel-general das candidaturas apoiadas por Bolsonaro. Segundo parlamentares ouvidos pelo Estado, o candidato governista à presidência da Câmara, deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), orienta os deputados a ir ao gabinete do ministro Ramos e acompanha todas as etapas do processo, negociando conforme seus interesses e envolvendo seus apadrinhados, que já estão em vários postos importantes do Ministério de Desenvolvimento Regional, pasta de onde sai o dinheiro.

“Aspectos do Novo Radicalismo de Direita”

Theodor W. Adorno. Tradução: Felipe Catalani. Editora Unesp, R$ 32

“Quem não quer falar do capitalismo, deveria calar-se sobre o fascismo.” A frase de Max Horkheimer (1895-1973), do tempo da Segundo Guerra, ainda ressoa nesta análise “adorniana” de um novo radicalismo de direita na Alemanha dos anos 1960. Como isso se explica no seio de uma democracia? Theodor W. Adorno (1903-1969) insiste: tal fenômeno é menos um sinal de loucura ou tolice e mais um sintoma de uma transformação social objetiva em curso. Em 1967 o filósofo dizia: “Os pressupostos dos movimentos fascistas, apesar de seu colapso, ainda perduram socialmente, mesmo se não perduram de forma imediatamente política”. Estava ali o alerta: mesmo com o fim do regime nazista, o que o provocara ainda estava presente.

Música - Alceu Valença - Morena Tropicana

 

Poesia – Joaquim Cardozo - Chuva de caju

Como te chamas, pequena chuva inconstante e breve?
Como te chamas, dize, chuva simples e leve?
Teresa? Maria?
Entra, invade a casa, molha o chão,
Molha a mesa e os livros.
Sei de onde vens, sei por onde andaste.
Vens dos subúrbios distantes, dos sítios aromáticos
Onde as mangueiras florescem, onde há cajus e mangabas,
Onde os coqueiros se aprumam nos baldes dos viveiros
e em noites de lua cheia passam rondando os maruins:
Lama viva, espírito do ar noturno do mangue.
Invade a casa, molha o chão,
Muito me agrada a tua companhia,
Porque eu te quero muito bem, doce chuva,
Quer te chames Teresa ou Maria.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Alberto Aggio* - O nó tático de Bolsonaro

- Blog do Aggio

Nos dias que correm, não há razão alguma para otimismo. Como um técnico de futebol que faz uma aposta em meio a um jogo que se mostrava complicado, Bolsonaro deu um nó tático nas oposições. Seus últimos lances são de vitorioso, antes do término da contenda. Sua “guerra de posições” começa a dar resultados práticos e, por isso, ele pode voltar a vociferar como dantes, “sem medo de ser feliz”, com a galera em coro vociferando: “mito, mito, mito”.

Fato é que Bolsonaro invadiu o espaço parlamentar e conquistou apoio para sua blindagem e sua família. Conquistou posições onde antes não punha os pés: na cúpula do poder Legislativo. Quem fez isso para ele? O general Luiz Eduardo Ramos, que comanda a Secretaria Geral de Governo, e os líderes do Centrão. Tá tudo dominado. A vitória na presidência das duas Casas, como já se disse, é a antessala da eleição de 2022 e vai implicar em imensos desafios para as forças democráticas.

Este movimento conseguiu quebrar a espinha dorsal de quem se opunha a Bolsonaro no Parlamento: Rodrigo Maia. O DEM rachou e Maia viu sua liderança esfumaçar, combatido pela direita e pela esquerda. O movimento articulado por Maia alguns meses atrás, que buscava articular o MDB e o PSDB, não conseguiu sustentação entre os partidos e os parlamentares, mostrando como são frágeis suas convicções democráticas bem como suas perspectivas de futuro, superando o bolsonarismo. No mais, o de sempre: PSDB indefinido, PT oportunista, Psol confuso e o resto como barata tonta. E os partidos do Centrão negociando freneticamente tudo com os representantes do Planalto. Desta maneira, a sociedade não tem uma liderança em quem mirar e o Parlamento será capturado integralmente por Bolsonaro. 

Merval Pereira - A incerteza continua

- O Globo

A decisão do ministério da Saúde de não garantir a compra das 54 milhões de doses de Coronavac produzidas pelo Instituto Butantan não tem explicação, a não ser essa interminável guerra política entre o governo central e o governador de São Paulo João Dória.  Não há vacina suficiente no mundo até o momento, mesmo os países desenvolvidos estão com problemas para vacinar seus cidadãos, e o Brasil parece menosprezar a possibilidade de adquirir milhões de doses, simplesmente por sua origem, não mais chinesa, mas paulista.

Essa birra está dando oportunidade a que Dória amplie o alcance de seu nome a nível nacional, prometendo vender as vacinas para outros estados, que lutam para conseguir as doses que o governo central não teve capacidade de garantir. A incerteza é tamanha que ontem, ao anunciar o calendário para vacinação na cidade do Rio de Janeiro de pessoas acima dos 80 anos em fevereiro, o secretário de Saúde Daniel Soranz avisou que as datas dependem da chegada das doses das vacinas da AztraZeneca da Fiocruz, e Coronavac do Instituto Butantã.

Nós, que não somos do primeiro mundo, estamos arriscados a ficarmos sem vacina por um bom tempo, já que a escassez de produção no mundo está obrigando a que várias mudanças sejam feitas na entrega das doses, e na utilização das vacinas. Já há países que pretendem dar apenas a primeira dose das vacinas, para conseguir começar a imunizar mais cidadãos. Aqui no Brasil, esta possibilidade foi aventada, mas o Instituto Butantan insiste em que as doses da Coronavac devem ser aplicadas com uma diferença máxima de 15 dias.

Eliane Cantanhêde - Vitória do chiclete

- O Estado de S. Paulo

Como Pazuello e Forças Armadas, Congresso adere ao ‘Bolsonaro manda, todos obedecem’

Parabéns, presidente Jair Bolsonaro! Quanto mais erra escandalosamente em todas as frentes de combate à pandemia, com um saldo macabro acima de 220 mil mortos e 9 milhões de infectados, mais ele vai se revelando um craque sem escrúpulos no jogo da velha política. Interfere em outro Poder, não desperdiça em emendas e cargos e está a dias de botar no bolso os presidentes da Câmara e Senado. De quebra, embaralhou o tabuleiro da oposição para 2022.

Centrão e a direita estão unidos e de barriga cheia, enquanto o PT trincou vergonhosamente as esquerdas no Senado e o DEM da Bahia traiu miseravelmente Rodrigo Maia na Câmara. É assim que o PT vai inviabilizando uma frente de esquerdas, ao mesmo tempo em que o DEM do ex-prefeito ACM Neto dá as mãos ao DEM de Davi Alcolumbre para queimar a largada de uma candidatura de centro em 2022. A reeleição de Bolsonaro agradece.

Nunca se viu o presidente irritado, ao menos chateado, diante do avanço do coronavírus e das mortes de milhares de brasileiros. Sempre que ele aparece bravo, aos palavrões, é porque a PF e o Ministério Público descobriram mais uma dos filhos ou porque a imprensa revelou mais um chiclete e um leite condensado milionários. O País que se dane. Só importa o que dói nele e na família.

Murillo de Aragão - O jogo do impeachment

- Revista Veja

Tema renasce em razão dos pedidos contra Bolsonaro

 Desde 1992, como analista político, convivo com a questão do impeachment. Naquele ano, quando Fernando Collor entrou na mira do Congresso, nosso call foi o de que o impeachment seria inevitável. No caso do mensalão, escândalo envolvendo a compra de apoio no Congresso pelo governo que veio a público em 2005, tivemos uma abordagem mais cautelosa. O impeachment de Lula, então presidente da República, não era óbvio, apesar da gravidade das acusações.

No final do primeiro mandato do governo Dilma Rousseff, por causa da Operação Lava-Jato e da mastodôntica incompetência política da presidente, o impeachment reapareceu como possível no radar político. Deu no que deu. Já no governo de Michel Temer, quando ocorreu o episódio JJ (Joesley Batista e Rodrigo Janot), muitos apostaram que o impeachment seria aprovado. Nosso call foi o de que isso não aconteceria. E não aconteceu.

Para avaliar a questão, devemos examinar três aspectos críticos: a popularidade do presidente, sua base política e o motivo do pedido. Obviamente, um presidente popular é menos vulnerável ao impeachment, independentemente da gravidade do motivo. Temer, porém, embora não fosse popular, sobreviveu aos pedidos de abertura do processo contra ele por causa de um aspecto fundamental: ele tinha uma base política no Congresso.

Alon Feuerwerker - Teste de resiliência

- Revista Veja

Adversários vão trabalhar com afinco o desgaste de Bolsonaro

Este ano de 2021 vai merecer um rótulo já bem usado: “decisivo”. Atravessar politicamente vivo é condição sine qua non para Jair Bolsonaro chegar a 2022 competitivo. E vai ser um ano daqueles. Mesmo que a vacinação se prove um sucesso, seus efeitos macro só devem ser sentidos em (muitos) meses. Um período suficientemente longo para os adversários trabalharem com afinco o desgaste presidencial.

Três ameaças rondam o Palácio do Planalto. Um agravamento da Covid-19, um repique da recessão e uma instabilidade institucional — essa última podendo vir do Legislativo ou do Judiciário. Para atravessar o ano, o presidente e seu governo precisarão mostrar capacidade operacional e política num cenário de turbulências, em que deixar o avião no piloto automático não será opção.

Sobre o agravamento dos índices da pandemia aqui no Brasil, mesmo países com vacinações muito mais agressivas enfrentam pioras de curto prazo nos índices da Covid-19. E há as novas variações do Sars-CoV-2. E junto vem a dúvida sobre se as vacinas produzidas a partir do vírus “velho” servem para combater os novos. Ou quanto tempo levará para adaptar os imunizantes, se isso for necessário para que sejam eficazes contra as novas variantes.

A segunda onda da Covid-19 terá necessariamente impacto na economia. Pois a reação natural das autoridades locais vai ser apertar o torniquete do isolamento e do distanciamento sociais. Haverá reação popular, então se pode prever movimentos de sístole e diástole, por um período em que a única certeza será a incerteza sobre que medida governadores e prefeitos vão tomar no dia seguinte ao anúncio de novos números.

Dora Kramer - Checklist eleitoral

- Revista Veja

Não existe uma receita infalível de bom governante, mas existe uma série de atributos a ser observados pelo eleitor diligente

Governar dá trabalho. Para dar certo requer prática, discernimento, experiência e habilidade. Escolher um governante com boa chance de acertar tampouco é tarefa fácil, desde que se dê importância ao ato. Donde o ideal seria que o eleitorado exigisse de si o mesmo e mais um pouco, tendo o preparo da pessoa escolhida como fator determinante numa eleição.

Não tem sido, no entanto, a regra no período de três décadas e meia de redemocratização. Com exceção de Fernando Henrique Cardoso, eleito duas vezes no primeiro turno com base na questão objetiva de gestão, o que temos visto são escolhas referidas em presunções não raro enganosas que no confronto com a realidade mais adiante geraram decepções.

Em 1989 havia 22 opções, entre as quais umas muito boas, outras com certeza bem melhores que o aludido caçador de marajás. Em 2002 deixou-se de lado a continuidade de FH representada por homem (José Serra) de inequívoco preparo em nome da ideia de que Luiz Inácio da Silva seria, afinal, a redenção dos pobres e a salvação do país.

Míriam Leitão - Mundo paralelo da equipe econômica

- O Globo

No ano passado o mercado de trabalho encolheu, fortemente. É até óbvio. Aqui e no mundo a pandemia foi devastadora para o emprego. A equipe econômica de Jair Bolsonaro quer fazer crer que houve criação de emprego e que ao fim do ano o país tinha 142.690 de vagas a mais com carteira assinada do que em 2019. No mesmo dia, no mesmo governo, a informação do IBGE é que no trimestre terminado em novembro havia 3,5 milhões de trabalhadores a menos com carteira assinada em relação a 2019. No mercado como um todo, a queda é de 8,8 milhões de pessoas ocupadas.

O Caged, divulgado pelo Ministério da Economia, registra as demissões e contratações do mercado formal. O IBGE faz a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Eles medem coisas diferentes, mas quando o IBGE diz que são empregados com carteira está, teoricamente, medindo a mesma parcela do mercado de trabalho que o Caged. Em algum momento, deveriam convergir, mas estão discrepantes.

O ministro Paulo Guedes anunciou o número do Caged, que registrava perda de emprego, 67 mil em dezembro, mas que terminava o ano com o saldo positivo. E o fez repetindo discurso político com comparações com o pior período petista. 

Uma perda de tempo, porque ele poderia até contar uma boa história comparando esse ano singular que foi 2020 com o que poderia ter sido. As medidas do governo de fato atenuaram as demissões e a recessão. O PIB deve ter uma queda em torno de 4,5%. As previsões iniciais eram bem piores. Mas não há como negar que foi um ano terrível para o mercado de trabalho.

Maria Cristina Fernandes - Fim do auxílio congestiona miséria

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Pesquisador vê o surgimento de novos pobres, egressos da classe média, que, sem emprego ou vacina, pressionam pela retomada do benefício governamental

Em dois domingos consecutivos de janeiro, o historiador Raphael Ruvenal, de 31 anos, saiu de casa, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, às 5h45 para, depois de três horas de trem, ônibus e barca, chegar a um colégio estadual em Niterói, a mais de 50 km dali, onde foi fiscal do Enem. Apesar de as provas só terem início às 13h30, todos os fiscais deveriam se apresentar às 8h45. Liberado às 19h, Raphael chegou em casa às 22h.

Por cada um dos dias do Enem, recebeu R$ 90. Descontado o transporte, sobraram R$ 73. Se as provas tivessem acontecido dez dias depois, seus vencimentos teriam sido 25,5% menores por causa do reajuste no transporte metropolitano já confirmado para o início de fevereiro. O ganho líquido só não foi mais reduzido porque a direção da escola ofereceu lanche para a jornada de 16 horas.

Para ser selecionado como fiscal, ele teve que se submeter a um curso on-line de 20 horas e a uma avaliação. Formado, com a ajuda do Prouni, e pós-graduado em história, roteirista e escritor, Raphael está desempregado há mais de um ano e tem penado para dar aulas particulares remotamente. Os R$ 146 que lhe renderam o Enem foram sua única renda ao longo de janeiro.

Falante, articulado e lido, Raphael resume numa frase a pedreira que enfrentou como fiscal do Enem: “Recusa trabalho quem pode”. Filho de uma diarista e de um agente administrativo do Ministério da Saúde, com renda de R$ 3,5 mil, Raphael não entrou para a fila da miséria porque vive com os pais. Beneficiário do auxílio emergencial até dezembro, o historiador da Baixada Fluminense é parte das mudanças no perfil da pobreza que emergiram com o fim do benefício.

Pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole na USP e estudioso de desigualdade social, Rogério Barbosa apenas começou a mapeá-los, mas já descobriu que os novos empobrecidos pelo fim do auxílio estão no meio da distribuição de renda. Em sua maioria, são egressos do mercado formal que ainda não se recuperou e tinham, antes da pandemia, uma renda domiciliar per capita média de R$ 859. O pesquisador vê os pobres apenas de volta ao assento de baixo de uma gangorra da qual não saem desde 2015. Quem grudou no chão com o fim do auxílio, e não sabem como nem quando poderão sair, foram os mais remediados.

Claudia Safatle - Auxílio depende de desindexar gastos

- Valor Econômico

Acabar com a desindexação é concluir o que ficou faltando no Plano Real

A três dias da definição das mesas diretoras da Câmara e do Senado, o governo afia as suas propostas, a começar da aprovação do Orçamento da União para este exercício e da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, encorpada com os três D - desindexação, desvinculação e desobrigação do gasto público. Para uma fonte do Ministério da Economia, “o Orçamento deste ano e a PEC são peças definidoras do xadrez que vamos jogar”, a partir da posse dos presidentes da Câmara e do Senado, na semana que vem.

As informações que chegam à equipe econômica são de que, se o vencedor do pleito para a presidência da Câmara dos Deputados for Artur Lira (PP-AL), será possível sonhar com a desindexação dos gastos orçamentários, que é, de longe, o D que mais pressiona a despesa pública. Com o apoio de Jair Bolsonaro, Lira entraria para tocar uma agenda bem afinada com o Executivo, ao contrário do antecessor, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Cálculos feitos por técnicos do governo ainda em 2019 davam conta de que a indexação respondia por cerca de R$ 60 bilhões de expansão do gasto naquele ano. Ou seja, segundo esse levantamento, 67,7% da despesa orçamentária é indexada à inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) ou pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) ou ainda à variação do salário mínimo. Com a aceleração recente da inflação, essa conta está sendo refeita e é, seguramente, superior àquela cifra.

José de Souza Martins* - Nossa cultura genocida

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

A morte equilibra as contas: esse tem sido um cálculo cruel subjacente a falas e decisões de responsáveis por nossos dilemas políticos

Em menos de um ano, mais de 200 mil mortos no Brasil, em decorrência da covid-19, são mais do que os mortos de Hiroshima em decorrência da bomba atômica que os americanos explodiram sobre a cidade.

Ao colocar o presidente da República um general da ativa, especialista em logística, como ministro da Saúde, está ele dando status militar ao combate à pandemia. Justifica-se, pois, a comparação que faço.

Estamos diante de uma guerra - e guerra que, em consequência de seus efeitos socialmente colaterais, estamos perdendo. E o estamos porque até aqui fizemos e conseguimos menos do que teríamos feito e conseguido se tivessem prevalecido a ciência e os critérios e recomendações científicos na administração do problema sanitário.

Em alguma medida, o número das mortes decorrentes da pandemia reflete efeitos das recomendações de medicação sabidamente equivocada e dos maus exemplos do próprio governante nas atitudes em relação à doença.

Ricardo Noblat - Os fatos teimam em contrariar as falas do presidente

- Blog do Noblat / Veja

Diário do dia de ontem

O dia em que o presidente Jair Bolsonaro disse que “está fazendo a coisa certa e que não é fácil fazer a coisa certa “foi também o dia em que ele, em live no Facebook, reforçou o desejo de que as torcidas voltem a frequentar os estádios. Em suas palavras:

Temos que voltar a viver, pessoal. Sorrir, fazer piada, brincar. Voltar (o público) nos estádios de futebol o mais cedo possível, que seja com uma quantidade menor, 20%, 30% da capacidade do estádio.

Foi também o dia em que Bolsonaro aconselhou a um grupo de devotos admitido nos jardins do Palácio da Alvorada:

Se eu fosse um dos muitos de vocês, obrigados a ficar em casa, ver a esposa com três, quatro filhos, e eu não ter, como chefe do lar, como levar comida para a casa, eu me envergonharia. Sempre disse que a economia anda de mãos dadas com a vida.

E foi também o dia que em visita a Propriá, na divisa entre Sergipe e Alagoas, ele discursou para uma pequena multidão:

A Europa e alguns países aqui da América do Sul não têm vacina. Sabemos que a procura é grande. Nós assinamos convênios, fizemos contratos desde setembro do ano passado com vários laboratórios. As vacinas começaram a chegar. E vão chegar, para vacinar toda a população em um curto espaço de tempo.

Nesse dia, o Brasil registrou o terceiro maior número de novas mortes por covid-19 em um intervalo de 24 horas. Foram 1.439 óbitos e 60.301 novos casos da doença. No total são 221.676 óbitos até agora e 9.060.786 pessoas contaminadas.

E o Instituto Butantã revelou que tem 54 milhões da vacina Coronavac em estoque, mas que o governo federal não quer dizer se irá comprá-las ou não. Há Estados e países interessados em comprar, mas o silêncio do Ministério da Saúde é um empecilho.

E o Lowy Institute, centro de estudos baseado em Sydney, na Austrália, apontou em relatório que o Brasil foi o país que teve a pior gestão pública durante a pandemia. Ficou na última posição entre 98 governos avaliados.