-
O Globo
A
decisão do ministério da Saúde de não garantir a compra das 54 milhões de doses
de Coronavac produzidas pelo Instituto Butantan não tem explicação, a não ser
essa interminável guerra política entre o governo central e o governador de São
Paulo João Dória. Não há vacina suficiente no mundo até o momento, mesmo
os países desenvolvidos estão com problemas para vacinar seus cidadãos, e o
Brasil parece menosprezar a possibilidade de adquirir milhões de doses,
simplesmente por sua origem, não mais chinesa, mas paulista.
Essa birra está dando oportunidade a que Dória amplie o alcance de seu nome a
nível nacional, prometendo vender as vacinas para outros estados, que lutam
para conseguir as doses que o governo central não teve capacidade de garantir.
A incerteza é tamanha que ontem, ao anunciar o calendário para vacinação na
cidade do Rio de Janeiro de pessoas acima dos 80 anos em fevereiro, o
secretário de Saúde Daniel Soranz avisou que as datas dependem da chegada das
doses das vacinas da AztraZeneca da Fiocruz, e Coronavac do Instituto Butantã.
Nós, que não somos do primeiro mundo, estamos arriscados a ficarmos sem vacina
por um bom tempo, já que a escassez de produção no mundo está obrigando a que
várias mudanças sejam feitas na entrega das doses, e na utilização das vacinas.
Já há países que pretendem dar apenas a primeira dose das vacinas, para
conseguir começar a imunizar mais cidadãos. Aqui no Brasil, esta possibilidade
foi aventada, mas o Instituto Butantan insiste em que as doses da Coronavac
devem ser aplicadas com uma diferença máxima de 15 dias.
A vacina da AztraZeneca pode levar até três meses entre as doses, o que a torna
mais atraente para o momento inicial da produção. Mas a União Européia pode
exigir que a farmacêutica inglesa não exporte suas vacinas antes de garantir a
vacinação nos países europeus. Isso dificultaria a chegada das vacinas a países
periféricos como o Brasil. Vem da Alemanha também a advertência de que a vacina
da AstraZeneca não é aconselhável para pessoas acima de 65 anos, o que, se
confirmado pela União Européia, pode causar problemas até mesmo por lá, onde já
começou a vacinação em alguns países com ela, justamente entre os idosos.
Além de toda a trapalhada que o governo fez nas negociações e nas compras,
existe esse problema real, com a União Européia já ameaçando proibir a
AstraZeneca de exportar antes de servir aos países do continente. É uma
situação que não deveria ser assim, mas é. Quem tem mais dinheiro, leva. Isso
já se evidenciou no início da pandemia, quando respiradores e material médico
foram disputados em leilões onde os países mais ricos levaram vantagens.
Devido à inépcia do governo, estamos nas mãos de duas farmacêuticas produtoras
de vacinas, embora existam várias outras sendo aplicadas no mundo. A vacina da Pfizer,
por exemplo, foi recusada pelo governo brasileiro sob a alegação de que as
condições para a venda eram inaceitáveis. A vacina está sendo aplicada em
diversos outros países, e possivelmente as condições são as mesmas. Só seria
cabível a decisão de recusar a vacina se tivéssemos certeza de que a
farmacêutica alemã não exigiu de outros países que assumissem os riscos de
efeitos colaterais, livrando-a de processos judiciais. A FIFA também fez essa
exigência para a realização da Copa do Mundo de 2014, e o governo brasileiro
aceitou.
A política correta seria comprar qualquer vacina que estivesse à mão, desde que
aprovada por organismos internacionais de controle reconhecidos no mundo.
Tivemos uma negociação mal feita e pretensiosa, achando que o mercado brasileiro
seria atraente. Ora, o mundo tem 7 bilhões de pessoas e os mercados dos EUA e
da União Européia são muito maiores do que o nosso, sem contar a China e a
Índia. Há mais demanda que oferta, e, portanto, não temos margem de barganha em
compras que custam vidas.
Foram erros de estratégia, de negociação e de avaliação, porque o governo não
teve, nem tem, a dimensão exata da crise, que vai se aprofundar nos próximos
meses, enquanto continuamos com uma vacinação muito lenta e precária, o que faz
com que o vírus se espalhe mais rapidamente, especialmente a nova variante
encontrada em Manaus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário