segunda-feira, 9 de maio de 2022

Marcus André Melo*: O Brasil está tão polarizado quanto os EUA?

Folha de S. Paulo

A hiperfragmentação e baixíssimo partidarismo político no Brasil mascaram a escalada da polarização

A polarização se intensificou nos últimos anos no Brasil e fora dele. Para os EUA, por exemplo, há evidências que a polarização aumentou tanto no âmbito do eleitorado quanto no Legislativo. Ela também mudou de chave: é "afetiva", tendo por base a rejeição do rival, e não "programática", com base em políticas.

No Congresso americano, evidências de série histórica de mais de um século (1879 a 2011) sugerem que, a partir dos anos 1980, os democratas e republicanos votam de forma cada vez mais divergente na Câmara dos Representantes.

Uma forma de mensurar a polarização afetiva no eleitorado é através do termômetro do sentimento do eleitor (a): a diferença nos escores atribuídos ao partido com o qual se identifica e a seu rival. O primeiro tem se mantido inalterado, mas o segundo tem crescido monotonicamente: os (a)eleitores (as) rejeitam crescentemente o partido adversário.

Celso Rocha de Barros*: Lula e Alckmin prometem o que Bolsonaro não entregou: governo

Folha de S. Paulo

A prioridade é preservar a democracia, mas tem muita coisa para a chapa Lula com Chuchu fazer

discurso de Lula no evento de lançamento da chapa Lula/Alckmin explorou o principal ponto fraco de Bolsonaro: em 2018, os brasileiros não queriam um político, mas queriam um governo. Isso, Bolsonaro não lhes deu. Quem deu foi Lula.

E essa é a vantagem de Lula. Mesmo que os brasileiros tenham críticas a Lula como político, ele já lhes entregou um bom governo. Lula não achava que seu local de trabalho era o Twitter.

Quando a crise do subprime atingiu o Brasil em 2008, Lula não escolheu a estratégia de combate à crise que lhe permitisse trabalhar menos, como Bolsonaro fez com a "imunidade de rebanho" durante a pandemia.

Lula criou o Bolsa Família. Bolsonaro mudou o nome do Bolsa Família. Não há uma única política pública digna de nota introduzida pelo governo Bolsonaro.

Durante a campanha de 2018, era difícil achar um colunista menos otimista com a perspectiva de um governo Bolsonaro do que eu. Mas se você tivesse me dito que, depois de quatro anos, Jair não teria implementado nenhuma política pública nova, eu não teria acreditado.

Bruno Carazza*: Em 2022, Lula está entre 1989 e 2002

Valor Econômico

Evento indica apostas e dificuldades petistas

O lançamento da pré-candidatura da chapa Lula-Alckmin no sábado (07/05) começou com uma releitura do “Lula lá” da campanha de 1989 e terminou com uma chuva de papel prateado sobre os convidados no palco, tendo ao fundo uma enorme bandeira do Brasil - a mesma forma apoteótica criada por Duda Mendonça para celebrar o início da campanha de 2002.

1989 e 2002 representam as duas jornadas heroicas do PT na sua trajetória para se consolidar como o partido mais popular da história brasileira recente.

A primeira eleição da redemocratização foi marcada pela força da militância, que vendia botons e camisetas com a estrelinha vermelha para custear a campanha, dos comitês populares formados para a distribuição de santinhos e panfletos nas ruas e portas de fábricas.

Em 2002, porém, o partido atinge o apogeu da sua máquina eleitoral. Depois de três derrotas seguidas, o PT se apresentou mais maduro, com o discurso calibrado para agradar a classe média e o mercado. É o início de uma era de campanhas bem-sucedidas, conduzidas por marqueteiros contratados a peso de ouro e financiadas com doações milionárias. A aliança com o PL de Valdemar da Costa Neto, que indicou o empresário e ex-senador José Alencar para vice, mostrava o pragmatismo de quem compreendeu que precisava do centro (e do Centrão) para se eleger e governar.

Felipe Moura Brasil: A mente moralista brasileira

O Estado de S. Paulo.

Para conectar com brasileiros de outras matrizes, urge entender sua configuração mental

Jonathan Haidt cresceu em família judia nos subúrbios de Nova York. Para a geração de seus avós, Franklin Roosevelt, do Partido Democrata, foi o herói que derrotou Hitler.

Haidt ainda frequentou a Universidade de Yale, onde ser de esquerda, esnobando republicanos, era moralmente correto, como admite no livro A mente moralista – Por que pessoas boas são segregadas por política e religião.

“Nós apoiávamos políticas esquerdistas porque queríamos ajudar as pessoas, mas eles apoiavam políticas direitistas por puro interesse próprio (abaixe meus impostos!) ou racismo velado (pare de financiar programas sociais para minorias!). Nunca consideramos a possibilidade de existir mundos morais alternativos nos quais reduzir os danos (ajudando as vítimas) e aumentar a justiça (buscando a igualdade de grupo) não fossem os principais objetivos.”

Denis Lerrer Rosenfield*: O inimigo institucional

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro estendeu a sua noção de inimigo ao Supremo, um pilar da democracia, e não somente ao seu adversário principal na eleição, Lula.

O cenário político brasileiro entrou numa zona cinzenta, de contornos indefinidos, em que o jogo partidário normal está derrapando para o confronto institucional. Não se trata apenas de um embate eleitoral, próprio do jogo democrático, mas sinaliza para algo mais, a saber, a própria existência de instituições democráticas. No momento em que as próprias instituições são questionadas e sua legitimidade é posta em dúvida, a política deriva para uma espécie de não política no sentido clássico do termo, isto é, pode concretizar-se em soluções autoritárias, que se situam fora do cenário propriamente democrático.

A partir da condenação do deputado Daniel Silveira, da base de apoio bolsonarista, pelo Supremo Tribunal Federal, o presidente Bolsonaro aproveitou-se da ocasião para deslanchar toda uma campanha contra o Supremo enquanto instituição, vindo, na sequência, a questionar o processo de apuração da urna eletrônica, chamando as Forças Armadas para si, como se fizessem parte de sua base de apoio, quando são instituições de Estado. Há, claramente, aqui um apagamento de fronteiras constitucionais. Assim se conduzindo, ele tornou o próprio Supremo o seu novo inimigo, o que significa dizer que a própria democracia pode estar a perigo. Note-se que o alvo não é Lula ou outro competidor, mas uma instituição republicana, sem a qual o regime democrático desmorona. O inimigo torna-se institucional.

Irapuã Santana: Educação precisa estar no centro do debate eleitoral

O Globo

As eleições gerais estão se aproximando, e muito debate precisa ser feito no país. Entre tantas divergências ideológicas que temos encontrado, uma pauta importantíssima tem sido deixada de lado, a educação — por não gerar engajamento e exigir trabalho sério, duro e intenso, bem como por ser um fator de aproximação entre os anseios de toda a população brasileira, de qualquer inclinação política.

Todo mundo deseja ter acesso à melhor escola possível. Afinal, o estudo é o principal ponto de combate às mazelas de todas as sociedades planeta afora.

A ideia de que trabalhadores mais qualificados produzem mais e melhor vem, pelo menos, desde Adam Smith, no século XVIII. Além de gerar mais riqueza, diz a economista Ana Carla Abrão, “um país mais educado gasta menos com saúde pública, tem níveis de segurança mais elevados, já que apresenta criminalidade mais baixa”.

Os dados do Brasil mostram uma realidade assustadora. Segundo o economista Leonardo Monastério, do Ipea, nossa escolaridade média é de 7,8 anos. Esse patamar é menor que o do Chile em 1990, da Coreia do Sul em 1985, do Japão em 1975, da Austrália em 1950 e dos Estados Unidos em 1935.

Miguel de Almeida: Carestia que marcou fim do regime militar está de volta

O Globo

Bastam alguns dias de caminhada pelas ruas de Manhattan ou do Brooklyn, em Nova York, com um pit stop estratégico na livraria Strand, para adaptar de Francis Fukuyama uma definição: a democracia brasileira passa por profunda crise cognitiva.

O sociólogo forjou décadas atrás o conceito de “fim da História”, ao ver a derrocada da União Soviética, saudar a prevalência da democracia liberal e a superação do modelo econômico estatista da esquerda marxista. A História, a China e algumas crises, em especial a de 2008, o tornaram motivo de exacerbada desconfiança.

Não sei se Fukuyama conhece a jabuticaba, mas deve estar informado de que a democracia brasileira, desde a derrubada da ditadura, está presa num labirinto incapaz de encontrar o futuro.

Passados mais de 30 anos, talvez por deficiência cognitiva, ainda se digladiam as principais forças que sustentavam e derrubaram o regime militar. O feitiço do tempo faz o país reviver o falso enredo de escolha entre uma extrema direita subserviente ao atraso produtivo e uma velha esquerda corporativa. Ambas se conectam na prática do patrimonialismo de quatro costados e agora estão de mãos dadas perfiladas na defesa de Putin. Portanto cinicamente solidárias à chacina na Ucrânia.

Talvez seja o caso de pensar no atraso tardio da primeira previsão de Fukuyama, não apenas pela incapacidade de não ter ocorrido renovação política no Brasil, mas também pelas ideias envelhecidas escandidas desavergonhadamente pelos dois principais candidatos. O fim da História, como a jabuticaba, é coisa nossa ao permanecer uma visão de desenvolvimento econômico de cepa militar-nacionalista-esquerdista. Um angu da TFP com o MR-8.

Washington Olivetto: Artistas eternizados após vencer guerras e ditaduras

O Globo

Picasso e Matisse atravessaram duas Guerras Mundiais e a Guerra Civil Espanhola sem pegar em armas. Mas jamais largaram os pincéis. Em 1937, Picasso pintou “Guernica”, o maior manifesto contra a violência de todos os tempos. E, no auge da tristeza pela Segunda Guerra Mundial, Matisse criou aquela que talvez seja a sua obra mais alegre, a série “Jazz”.

Artistas, em tempos difíceis, se manifestaram de diferentes maneiras. Alguns criando trabalhos que correram o risco de ser vistos como datados tempos depois; outros, criando obras acusadas de alienadas quando feitas, mas reconhecidas no longo prazo. Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos e deportados pelos militares do Golpe de 1964, talvez por causa de suas canções, talvez porque seu comportamento anunciava uma revolução estética, que podia anteceder uma revolução política. Apesar da violência que sofreram, nada impediu que, anos depois, compusessem canções de celebração ao prazer, como “Odara” e “Palco”.

Também no período dos militares, Chico Buarque foi convidado a se retirar do país por causa de seus versos contundentes, e Geraldo Vandré foi defenestrado após a catarse provocada pela canção “Pra não dizer que não falei das flores”. Chico voltou tempos depois e continuou perseguido e censurado, a ponto de criar o heterônimo Julinho da Adelaide; e Vandré jamais foi o mesmo depois que voltou (ou continuou o mesmo, segundo outras versões).

Fernando Gabeira: O voto jovem que pesa na eleição

O Globo

Começo a escrever sobre a campanha de 2022 abordando um tema sobre o qual não tenho verdades. Se for esperar clareza cristalina, entretanto, corro o risco de ver a campanha acabar sem tocar nele, na adequação ao tempo de hegemonia digital nas eleições.

Começo pelo que me pareceu o episódio mais importante da campanha na semana passada. Foi o movimento vitorioso de atração de jovens para o primeiro voto, realizado por artistas brasileiros com o apoio de Leonardo DiCaprio. Bolsonaro sentiu o golpe e foi às suas redes sociais pedir que DiCaprio se calasse. Ordens do capitão.

Por coincidência, na preparação para o trabalho do ano, estou lendo o fascinante livro de Hunter S. Thompson sobre a campanha americana de 1972 (“Fear and loathing: on the campaign trail ’72”). Hunter escrevia para a Rolling Stone, e o alvo de sua cobertura eram 25 milhões de jovens, entre 18 e 25 anos. Era um número considerável, esperança para derrotar Richard Nixon. Nixon venceu, Hunter ficou arrasado, mas seu livro tornou-se um best-seller. Foi escrito em quartos de hotéis e precisava mesmo vender porque cobertura de campanha é cara: hotéis, transporte, comida.

Ana Cristina Rosa: 13 razões para não comemorar o 13 de Maio

Folha de S. Paulo

Por que ainda é imprescindível agir para combater o racismo

Na semana em que o país completa 134 anos da abolição da escravatura, elenco 13 razões para não comemorar e pelas quais é imprescindível agir para combater o racismo.

O número corresponde ao dia em que, em maio de 1888, com a assinatura da Lei Áurea, negros até então escravizados em território nacional foram relegados à própria sorte —jogados na rua, marginalizados, sem trabalho, sem escola, sem dinheiro, sem direito a direito algum.

"Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho", diz a obra "A integração do negro na sociedade brasileira", do sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995).

Algumas razões contemporâneas para não comemorar o 13 de maio:

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

A parte da elite que apoia o atraso

O Estado de S. Paulo

Seduzidos pelas canetadas populistas de Bolsonaro, alguns empresários flertam com o apoio à sua reeleição, atentando não só contra os interesses nacionais, mas contra o seu próprio

Desde as eleições de 2018, entrou na cena pública um escrete de folclóricos empresários bolsonaristas, tão histriônicos e incorrigíveis como o seu “mito”. Mas, às vésperas de novas eleições, segundo a colunista do Estado Adriana Fernandes, novas lideranças empresariais têm flertado com o apoio à reeleição de Jair Bolsonaro. Com assombrosa capacidade de abstração, elas excluem de seus cálculos a mistura de estagnação econômica, autoritarismo político, indigência administrativa, instabilidade institucional e degradação moral que é o governo Bolsonaro.

A psique infantil e insegura do presidente; as afrontas ao decoro e à liturgia do cargo; as relações obscuras com milicianos; a truculência no debate público; as crises institucionais artificiais; as calúnias ao sistema eleitoral e as ameaças de descumprir a vontade das urnas; a degradação da administração federal; o obscurantismo que asfixia a educação, a cultura e a ciência; a devastação do patrimônio ambiental; o nanismo diplomático que, oscilando entre a negligência geopolítica e os insultos a parceiros internacionais, resultou num descrédito sem precedentes; o escárnio pelas minorias; a sabotagem às medidas de contenção do vírus da covid-19 e à imunização, resultando em milhares de mortes evitáveis; o descompromisso com as reformas e privatizações, malgrado suas tonitruantes promessas eleitorais; o sequestro do Orçamento com os fisiologistas do Centrão e a deterioração das contas públicas; os indícios de corrupção na compra de vacinas, verbas escolares e licenças a criminosos ambientais; a captura da máquina pública para fins eleitoreiros; a predisposição a privilegiar interesses familiares sobre os corporativos, os corporativos sobre os de governo e os de governo sobre os de Estado – nenhuma dessas mostras de incompatibilidade com os deveres de um estadista parece pesar na intenção de voto desses empresários.

Poesia | Fernando Pessoa: Tabacaria

 

Música | Teresa Cristina: Alvorada (Cartola)

 

domingo, 8 de maio de 2022

Ao lançar pré-candidatura, Lula defende democracia e nega desejo de vingança

Lançado pré-candidato, Lula critica privatizações, prega união de democratas e diz não ter desejo de vingança

Apesar de críticas, petista não cita Bolsonaro nominalmente, mas diz ser 'proibido ter medo de provocação, de fake news via zap, Instagram'

Sérgio Roxo / O Globo

SÃO PAULO - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva focou o seu discurso, no ato de lançamento de sua pré-candidatura a presidente da República neste sábado, na defesa da soberania nacional, com críticas às privatizações. Também revelou a sua intenção de unir os democratas e negou ter sentimento de vingança em virtude dos processos que o levaram a passar 580 dias preso entre 2018 e 2019. Numa fala lida, o petista listou programas de sua gestão e disse que o presidente Jair Bolsonaro (PL) destruiu boa parte das suas realizações. 

Apesar das críticas, o adversário não foi citado nominalmente nenhuma vez pelo petista durante o seu discurso. Lula disse ter orgulho de Geraldo Alckmin (PSB) ter aceitado ser vice e se comprometeu a trabalhar para trazer novos apoios para a sua candidatura:

— Queremos unir os democratas de todas as origens e matizes, das mais variadas trajetórias políticas, de todas as classes sociais e de todos os credos religiosos. Para enfrentar e vencer a ameaça totalitária, o ódio, a violência, a discriminação, a exclusão que pesam sobre o nosso país. Queremos construir um movimento cada vez mais amplo de todos os partidos, organizações e pessoas de boa vontade que desejam a volta da paz e da concórdia ao nosso país — discursou.

O ex-presidente se disse ainda perseguido em razão das acusações de corrupção que enfrentou, mas tentou garantir que, caso eleito, não governará olhando para o passado:

— Não esperem de mim ressentimentos, mágoas ou desejos de vingança. Primeiro, porque não nasci para ter ódio, nem mesmo daqueles que me odeiam.  Mas também a tarefa de restaurar a democracia e reconstruir o Brasil exigirá de cada um de nós um compromisso de tempo integral. Não temos tempo a perder odiando quem quer que seja.

De acordo com Lula, Bolsonaro usa as brigas para mascarar a sua incompetência.

— Não faremos jamais como o nosso adversário, que tenta mascarar a sua incompetência brigando o tempo todo com todo mundo

Lula também fez referência às crises de Bolsonaro com outros Poderes:

— É imperioso que cada um volte a tratar dos assuntos de sua competência. Sem exorbitar, sem extrapolar, sem interferir nas atribuições alheias. Chega de ameaças, chega de suspeições absurdas, chega de chantagens verbais, chega de tensões artificiais. O país precisa de calma e tranquilidade para trabalhar e vencer as dificuldades atuais. E decidirá livremente, no momento que a lei determina, quem deve governá-lo.

Paulo Fábio Dantas Neto*: Política anti-pane: visões laterais contra o fatalismo e o negacionismo

Foi-se o pior da pandemia e teremos eleições, notícias que trariam, respectivamente, alívio e esperança. No entanto, novos riscos se apresentam. Os ventos guerreiros pesados que sopram do exterior nesse momento sinalizam perigo ainda maior para a humanidade do que aquele que ainda mal vencemos. A eles agregam-se outros, domésticos (ou emanações domésticas de um infortúnio mundial), que rarefazem o ar em todo o Brasil, desde Brasília, trazendo maus presságios quanto ao futuro imediato. Como não podia deixar de ser, as recepções, quase sempre atônitas, dessa energia negativa variam e ainda mais variam as muitas vezes afoitas prescrições de solução. Um norte com que contamos para calçar a resistência é a consciência da força da incerteza. Consciência que pede gestos afins.

A sociedade brasileira fica inquieta quando assiste cada enésimo episódio de boçalidade a conta-gotas, como, por exemplo, um alpinista social medíocre sair do justo anonimato para um cargo de governo na área da cultura, insultar artistas consagrados numa semana e, na outra, cercado de outros rapazes zombeteiros, anunciar, como política libertária, o uso espúrio de recursos públicos para fomentar a “cultura” do armamento de milÍcias contra o Estado. De inquieta, a sociedade passa a ficar perplexa quando nenhuma autoridade aparece para enquadrar o preposto nos limites da lei e destinar-lhe a punição devida pela porciúncula de terrorismo de Estado que ele protagoniza nesses dias de fama fácil.

Diante de tais situações insólitas, que vão se tornando rotina, a política não vem produzindo vacinas nem abrindo horizontes amplos para deter a estratégia golpista. Limita-se ao varejo de arregimentações e dispersões eleitorais parciais, supondo que o básico (as eleições) está garantido e que tudo será uma questão de tempo até que as urnas resolvam as pendências e nos redimam. Até lá cada qual faz seu jogo como quer. Buscar unidade ou demarcação na oposição, diante do abismo; opor-se ou compor-se com o governo, diante do golpismo; e diante da polarização instalada, apostar na razão, na emoção, no escárnio ou na ameaça, tudo isso seria do jogo (“em qual eleição não foi e em qual não será sempre assim?”). Esse cinismo impune dissolve, melancolicamente, em mentes crentes na vida pública, a aspiração de reverter o estado crítico de equilíbrio instável em que ataques antidemocráticos e antirrepublicanos proliferam. Nessa morte civil, a hipótese de manter o estado crítico pelos próximos quatro anos parece, a corações apertados, um “menos mal’, quando comparada à da corda partir, afinal.

Vamos lá, usemos o jargão da moda e digamos, com algum otimismo, que outra narrativa é possível, a partir de um exemplo concreto. A exposição, neste sábado, da convergência quase completa de partidos de esquerda e centro-esquerda em torno da candidatura do ex-presidente líder das pesquisas é, em si, animadora. Oxalá seja um marco para que a aliança avance mais e passe a ser eixo da reunião do maior número possível de partidos, políticos e eleitores democratas, também fora da esquerda.

Para se chegar a esse tanto necessário os percalços abundarão. Há muito o que mudar no discurso e nos métodos de campanha de Lula e na sinalização da atitude política de um futuro governo que surja de seu sucesso nas urnas. Frisar isso não é ocioso nem sinal de má vontade, expressa uma pré-condição. Para se propor reconstrutor do país após a devastação bolsonarista, Lula precisará se conciliar com a parte da sociedade atual que herdou a decepção que ele causou em parte dos seus eleitores de 2002. Ao se apresentar, no momento, como a única opção competitiva para evitar a permanência de Bolsonaro, sua candidatura passa a ter uma função social que transcende o interesse de seus proprietários originários. É interesse nacional que ela se oriente para um objetivo cívico, por maior que seja a tensão entre esse objetivo, de um lado e, do outro, as disposições íntimas do protagonista e a argamassa política estruturadora do seu partido. Sua celebrada vocação de ator precisará provar que ainda pode prevalecer hoje sobre as feridas existenciais do seu ego e sobre o desejo de revanche que pulsa no seu entorno, do qual talvez se veja devedor. Um líder político da nação precisará domar o chefe de facção. O fracasso ou sucesso de Lula na lida com esse script conciliador será vivido não só por ele, mas pelo país.

Merval Pereira: A livre escolha

O Globo

Não há nenhuma razão para quem não é lulista votar no ex-presidente no primeiro turno, nem mesmo dizer nas pesquisas que votará nele. Mesmo que se queira impedir a reeleição de Bolsonaro, e essa é uma tarefa dos democratas, não é preciso apressar o passo, pois a eleição tem dois turnos exatamente para evitar que um presidente seja eleito pela minoria dos eleitores. O raciocínio vale para os antipetistas que escolherão Bolsonaro, apesar de tudo.

Não dá mais para mudar a legislação eleitoral, mas uma medida a ser estudada, menos traumática do que a implantação do parlamentarismo ou do semipresidencialismo, seria fazer um segundo turno com os três mais votados no primeiro, desde que o terceiro colocado tenha tido um número mínimo de votos, a ser definido na regulamentação. A proposta foi feita pelo então deputado federal Miro Teixeira, no inicio de 2013, mas não foi à frente.

Em 2018, Bolsonaro teve 46,03% dos votos, Fernando Haddad 29,28% e Ciro Gomes 12,47%. Se o número mínimo fosse 10% dos votos, Ciro estaria no segundo turno, se fosse 20%, não. Há quem entenda que o vencedor só seria eleito com 50% dos votos mais um, como é hoje. Outros, que quem tiver mais votos, leva. A possibilidade de ter três disputando o segundo turno, de qualquer maneira, seria uma maneira de quebrar a polarização, dar chance a que uma terceira via se apresentasse ao eleitor em situação de competitividade em uma nova eleição.

O voto útil poderia ser mais eficiente do que hoje, quando o eleitor só tem dois a escolher no segundo turno, mesmo que nenhum dos dois sirva a seus propósitos. Deixaríamos de escolher o “menos ruim”, como fazemos há tempos, para escolher “o melhor” dos três. Mas, como temos uma legislação eleitoral a ser obedecida, o primeiro turno pode ser um momento de exercer seu voto no candidato que mais o agrada, mesmo que seja minoritário, mesmo que não tenha chance de chegar ao segundo turno.

Dorrit Harazim: Sem mascara

O Globo

Jair Bolsonaro não usa máscara. Sempre apostou na exposição total. Não usou máscara contra a Covid-19, quando poderia ter incentivado milhões de brasileiros a se proteger da pandemia — um dia, talvez, será possível contabilizar a real extensão dessa semeadura da morte, cujo registro até agora é de mais de 663 mil vítimas oficiais. O presidente tampouco usa de qualquer escudo para esconder sua índole golpista. Nunca precisou de camuflagem. Ao contrário, chegou aonde está graças a sua ostentação incendiária, tão nua quanto crua. A cada etapa, mostra-se mais arrojado, amealhando quanto pode dos podres poderes que nossa democracia em construção ainda tolera. Primeiro como vereador, depois deputado federal pelo Rio de Janeiro, chegou a presidente da República em 2018 nos braços de 55,13% dos votos válidos, ou 57,7 milhões de eleitores. A cada pit stop, tratou de estender benefícios e métodos a sua voraz parentela e conseguiu fidelizar a atual plêiade de sacripantas instalada a sua volta.

Nenhum motivo para mudar de curso, portanto —menos ainda quando cada nova pesquisa de opinião pública para o pleito de outubro próximo reaparece como assombração. A pesquisa mais recente confirma a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva nas intenções de voto. Como num cenário de segundo turno contra Lula a perspectiva de ser derrotado só aumenta, Bolsonaro está em modo bunker, 100% dedicado a abortar esse roteiro. A qualquer custo e por meio de qualquer arma, como já vem demonstrando de forma estridente.

Bernardo Mello Franco: Campanha de intimidação

O Globo

A Polícia Federal informou que vai reforçar a segurança dos candidatos ao Planalto. A medida parece vir em boa hora. Nas últimas semanas, a militância bolsonarista hostilizou dois adversários do capitão. A campanha ainda não começou oficialmente, mas o clima de intimidação já está no ar.

Ciro Gomes foi perseguido ao visitar uma feira agropecuária em Ribeirão Preto. Sob vaias e xingamentos, teve que apressar o passo para deixar o local. Na saída, revidou parte dos insultos.

Na quinta-feira, Lula teve seu carro cercado num condomínio residencial de Campinas. Um segurança chegou a exibir uma submetralhadora para proteger a comitiva. Os ex-presidentes têm direito a escolta de militares do GSI.

Nos dois episódios, há indícios de que grupos bolsonaristas se organizaram previamente para intimidar os candidatos da oposição. As agressões ficaram no plano verbal, mas isso não significa que a PF possa relaxar.

A campanha de Lula já começou a tomar precauções. Em março, a segurança o impediu de visitar uma favela no Rio. Petistas contam que há orientação para reduzir atividades de corpo a corpo e não entrar em áreas controladas pela milícia.

Míriam Leitão: A urgência real e o delírio inventado

O Globo

Caíram mil quilômetros de florestas no mês de abril, mas o Exército está preocupado é com o problema inexistente da urna eletrônica. O país está sendo dilapidado, bandidos avançam sobre a maior riqueza do Brasil, grileiros atacam o patrimônio coletivo, mas os generais atiram perguntas cheias de insinuações contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os alertas do Inpe mostram que em abril, no fim deste inverno amazônico particularmente chuvoso, houve um aumento de 74% no desmatamento em relação a abril de 2021. Agora é que começará mesmo a temporada de derrubada da floresta. Mas os generais procuram o que Bolsonaro mandou que eles procurassem: algum problema no processo de apuração de votos. Eles não existem, generais.

Volto de dez dias na Amazônia. Volto com a sensação de urgência e a aflição de perda do futuro. Lá, em qualquer ponto, numa casinha de agricultor familiar, na zona rural de uma cidade do interior, há mais lucidez do que em Brasília, onde o presidente da República comanda novo ataque às eleições. Ele conspira desde o primeiro dia do seu mandato. O que agravou a situação foi a absurda atitude do Exército.

Cacá Diegues: O Brasil não vai se acabar

O Globo

Essa próxima eleição tem que servir para evitar a catástrofe definitiva. É a disputa entre civilização e barbárie

Lévi Strauss nos disse que existem dois grupos de cientistas sociais e homens políticos: os conservadores, que acham que a idade de ouro da humanidade foi vivida no passado; e os progressistas, que garantem que a idade de ouro está no futuro. Ninguém se dá conta de que a idade de ouro será sempre o tempo que nos é dado viver, o único no qual podemos intervir e dar-lhe um rumo mais próximo daquilo que julgamos valer à pena.

Estamos praticamente às vésperas de uma eleição presidencial e temos que exigir, em primeiríssimo lugar, que o vencedor respeite a Constituição que nós todos, expressa ou implicitamente, juramos respeitar. Governar ignorando a Constituição é viver numa selva em que só a violência e o acaso decidem o que deve acontecer. Temos o direito de supor que as leis talvez não traduzam a cultura de nosso povo, a quem devemos propor a mudança, se precisarmos mudá-las. Mas só ele e seu desejo têm o direito de mexer nelas.

Toda Constituição democrática deve garantir à maioria a liderança da sociedade e reconhecer o direito de as minorias se manifestarem e viverem do jeito que julgarem mais apropriado, sem fazer mal a ninguém. Se no discurso dominante não houver uma mínima possibilidade de o contrário do que afirmamos estar certo, ele será sempre um discurso autoritário que não serve ao progresso da humanidade. Toda lei é um acordo entre cidadãos que desejam permanecer juntos, unidos numa mesma sociedade, com os mesmos fins.

Luiz Carlos Azedo: Lula resgata seu velho slogan da esperança

Correio Braziliense / Estado de Minas

Não foi à toa que Lula bateu tanto na gestão social e na política econômica de Bolsonaro, muito mais do que nas questões de ordem institucional. É o ponto mais fraco do governo

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) oficializou, ontem, em São Paulo, a candidatura a presidente da República, tendo o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB) como vice. A chapa “lula com chuchu” é uma frente de esquerda formada também por PSol, PCdoB, PV e Rede. Lula fez uma defesa enfática de sua passagem pela Presidência, lembrou as realizações de seus dois mandatos, prometeu defender a soberania do país, restabelecer as políticas sociais de seu governo e retomar o crescimento, com redistribuição de renda. Disse ter sido perseguido judicialmente, mas não guardar rancor, e conclamou todos os democratas a apoiá-lo contra Jair Bolsonaro. E deixou claro que a ex-presidente Dilma Rousseff, presente ao encontro, pelo fato de ter sido presidente da República, não fará parte do seu governo.

O petista foi antecedido por Alckmin, que não compareceu ao ato por estar com covid-19. Fez um longo discurso em apoio a Lula, que qualificou como a única via da esperança para garantir a democracia e derrotar Bolsonaro. Bem-humorado, disse que “chuchu com lula” será um hit culinário, numa alusão ao apelido que ganhou na política por seu perfil moderado, sem arroubos de oratória. Projetado num telão, foi um discurso com o claro propósito de atrair os eleitores mais conservadores e liberais, porém sem margem de dúvida quanto à lealdade ao petista.

Entre uma fala e outra, a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, que está noiva de Lula, ofereceu como presente de casamento um vídeo gravado por vários artistas, entre os quais Martinho da Vila, Zélia Duncan, Maria Rita e Lenine, no qual o velho slogan da música de campanha de 1989 (Sem medo de ser feliz”) foi resgatado: Lula lá, brilha uma estrela/ Lula lá, cresce a esperança. O refrão foi lançado para o segundo turno da campanha presidencial. Apesar de Lula ter perdido a eleição para Fernando Collor de Mello, até hoje o jingle embala as campanhas petistas. Ontem, no Expo Center Norte, na Zona Norte da capital paulista, não foi diferente.

Eliane Cantanhêde: Paz e guerra

O Estado de S. Paulo.

Bolsonaro quer guerra, Lula joga a rede para centro e direita em clima de Diretas-Já

Quando a “terceira via” faz água e os dois polos da eleição jogam a rede para os náufragos – líderes, militantes e eleitores moderados –, o presidente Jair Bolsonaro envolve as Forças Armadas na guerra contra as instituições, num clima de golpe contra a democracia, e o ex-presidente Lula faz um pré-lançamento em paz, alegre e colorido, em clima de Diretas-Já.

Lula e sua campanha erram nos detalhes, Bolsonaro erra na mensagem e intenções. O ex-presidente, fora de forma, tropeça nas palavras e irrita de policiais a ucranianos numa campanha que parece a casa da Mãe Joana, mas o atual presidente, que vive de teorias conspiratórias e manobras diversionistas, ameaça muito mais profundamente – inclusive as próprias eleições.

Contra Lula e o PT, há as prisões em série do ex-presidente e de ex-presidentes do partido, bancos e estatais da era petista, o que mexe com uma grande ferida nacional, a corrupção. Contra Bolsonaro, há a política deliberada de destruição do ambiente, reservas indígenas, Saúde, Educação, Cultura, política externa. E ele está agarrado ao Centrão...

Pedro S. Malan*: Faltam cinco meses

O Estado de S. Paulo

Até lá (e depois), é preciso assegurar os atributos básicos da democracia e que quem tem armas, em eleições, delas não faça uso.

Disputar é uma coisa, governar é outra foi o título do artigo publicado neste espaço em 8/4/2018. Pode parecer óbvio, e é, mas no Brasil o óbvio por vezes precisa ser reiterado. Por exemplo, não há razão para esperar 2023 para somente então avaliar o que pretendem fazer o presidente e o Congresso que serão eleitos em outubro próximo. Em 2018 opinei, como opino hoje, que os partidos que se julgam competitivos deveriam definir o teor de seu discurso e de suas promessas de campanha, incluindo as linhas gerais e prioridades do programa de governo.

Aparentemente, não é o que pretende Lula, a julgar pela longa entrevista recente à revista Time. Perguntado se não seria mais difícil governar desta vez, afirmou: “Só tem sentido eu estar candidato à Presidência da República porque eu acredito que sou capaz de fazer mais e fazer melhor do que eu já fiz. Eu tenho clareza de que eu posso resolver os problemas (do Brasil)”. Perguntado sobre qual Lula temos hoje, responde: “Sou o único candidato com quem as pessoas não deveriam ter essa preocupação porque eu já fui presidente duas vezes e a gente não discute política econômica antes de ganhar as eleições. Primeiro você precisa ganhar para depois saber com quem você vai compor e o que precisa fazer”.

A estratégia de Bolsonaro, por sua vez, parece estar traçada, com objetivos e métodos definidos. O roteiro estabelecido por Trump/Bannon vem sendo seguido à risca e começou a ficar claro com a divulgação do vídeo sobre a famosa reunião ministerial de 21/4/2020. Sua repercussão obrigou Bolsonaro a fazer aquilo que, na campanha, renegara: aproximar o Executivo do Centrão no Legislativo, que desde então vem marcando presença crescente na condução da política no País. O reiterado questionamento – à moda de Trump – de qualquer resultado das urnas que lhe possa ser desfavorável e a continuada confrontação com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) chegaram ao ponto extremo no último 7 de setembro. Refluíram, dadas as reações, mas o presidencialismo de confrontação e questionamento sobre o processo eleitoral continuam vivos e crescentes. O modelo, uma vez mais, é Trump: até hoje uma maioria de eleitores republicanos considera que as eleições foram fraudadas.

Rolf Kuntz*: Ao vencedor, a crise

O Estado de S. Paulo

O presidente eleito este ano encontrará um legado de inflação alta, juros elevados, economia travada e contas públicas em perigo.

Bolsolula é o candidato mais cotado, neste momento, para assumir a Presidência em janeiro de 2023. Em campanha contra si mesmo, o líder petista parece empenhado em se mostrar tão perigoso quanto seu rival imediato, o inquilino do Palácio da Alvorada. Deve estar ficando difícil, para muitos eleitores, distinguir os dois adversários, o ex-sindicalista e o motoqueiro avesso às obrigações de governo. As diferenças ficam borradas, quando Luiz Inácio Lula da Silva fala em controle social dos meios de comunicação, ou quando aponta como igualmente culpados pela guerra o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelensky, e o autocrata russo Vladimir Putin. O Direito Internacional, tanto quanto o Código Penal brasileiro, diferencia claramente o agressor e a vítima. O agressor, neste caso, foi saudado por Jair Bolsonaro, poucos dias antes da invasão, com uma declaração de solidariedade.

Quem se esforça para ver os detalhes ainda pode apontar algumas distinções. Lula jamais combateu vacinas ou quaisquer medicamentos. Além disso, é difícil imaginá-lo indiferente a milhares de mortes, durante uma epidemia, ou devastando o Ministério da Saúde. Mas ele se aproxima do rival quando propõe irresponsabilidades, como a revogação da minirreforma trabalhista de 2017, a eliminação do teto de gastos e a intervenção nos preços da Petrobras. Também perde pontos, diante de qualquer cidadão atento, quando fala em deixar para depois de eleito um debate amplo e claro sobre política econômica. A frase apareceu na entrevista publicada pela revista Time: “Nós não discutimos política econômica antes de ganhar as eleições”.

Bruno Boghossian: A direita no poder

Folha de S. Paulo

No coração do poder, partidos respaldam até o projeto golpista do presidente

Alguns meses depois do impeachment de Dilma Rousseff, o presidente do PP enxergou uma oportunidade. Ciro Nogueira dizia que seu projeto era tornar a sigla uma versão brasileira do Partido Republicano dos EUA. Depois de anos dentro de governos do PT, a ideia era apresentar uma legenda de direita, abertamente conservadora e defensora de valores liberais na economia.

A adesão da sigla a Jair Bolsonaro acelerou esse projeto. Em consórcio com outras legendas do centrão, o PP passou a cumprir um papel semelhante ao do partido que elegeu Donald Trump: endossou a agenda populista do presidente, acomodou seus movimentos radicais e passou a oferecer respaldo institucional a suas ameaças golpistas.

O centrão começou o governo em conflito com a tropa de choque bolsonarista que chegou ao Congresso em 2019. Hoje, os dois grupos estão do mesmo lado, com a missão de manter o presidente no poder.

Vinicius Torres Freire: A economia contra Bolsonaro e Lula

Folha de S. Paulo

Situação deve piorar no meio do ano e discurso de campanha vai afetar 2023

Como as campanhas de Lula da Silva (PT) e de Jair Bolsonaro (PL) vão reagir às agitações da economia até a eleição?

Além do risco de novos choques mundiais, prevê-se reviravolta ruim a partir de junho. As mudanças aqui e na economia mundial vão limitar ainda mais as possibilidades e a margem de erro do governo que assume em 2023. O peso do que os candidatos favoritos disserem na campanha será, pois, maior, talvez com efeitos imediatos na vida do país.

desempenho do PIB no primeiro trimestre deve ter sido bom. Para os economistas do Itaú, o crescimento foi de 1% ante o trimestre final de 2021. No segundo trimestre, seria de 0,6%. Para os da XP, de 0,8% e 0,4% respectivamente. A partir de julho, o PIB afundaria cerca de 1% por trimestre.

Se o desempenho do PIB no primeiro trimestre foi bom, talvez o melhor do ano, e a dureza é tão grande, como será a vida se voltar a piorar?

A primeira metade do ano, afora choques agudos novos, será de aumento do número de pessoas ocupadas, ainda que com os menores salários da década. Em um ano, mais de 8 milhões de pessoas arrumaram algum trabalho.

Janio de Freitas: O desencontro marcado

Folha de S. Paulo

Inexiste afirmação convincente dos militares de compromisso com a Constituição

O desencontro que se seguiu ao encontro do ministro da Defesa com o presidente do Supremo Tribunal Federal foi, a um só tempo, tão importante e evidente que se efetivou até por escrito pelos dois personagens. Mas não foi visto no que mostrou e significou. O encontro só se justificou por ter levado ao desencontro, que em vários sentidos foi um dos mais expressivos no questionamento à lealdade das Forças Armadas à Constituição, no processo eleitoral.

Encerrado o encontro que o general Paulo Sérgio Oliveira buscou com Luiz Fux no Supremo, ambos dispensaram-se da praxe de falar, sem dizer, aos repórteres. Mais tarde, Fux distribuiu uma nota sobre a conversa sem, no entanto, assiná-la. Emitiu-a em nome do Supremo. E noticiava: "O ministro da Defesa afirmou que as Forças Armadas estão comprometidas com a democracia brasileira". Mais, com a mesma firmeza atribuída ao general: "os militares atuarão, no âmbito de suas competências, para que o processo eleitoral transcorra normalmente".

Noticiário e comentaristas celebraram a informação de Fux e a aparente convicção do general. E logo viria mais um motivo para celebração, na leitura de inesperada nota em nome do Ministério da Defesa. Sucinta, dizia, depois de referência ao "respeito entre as instituições", que na conversa "foi tratada a colaboração das Forças Armadas para o processo eleitoral". E então o fecho: "O ministro da Defesa reafirmou, ainda, o permanente estado de prontidão das Forças Armadas para o cumprimento das suas missões constitucionais".

Renato Meirelles: O dia em que Mário Covas voltou para a política

Veja

Legado do ex-governador de São Paulo estava presente no lançamento da chapa Lula-Alckmin

Sábado, 7 de maio. Lançamento da pré-candidatura da chapa Lula-Alckmin à presidência da república. Na voz de Geraldo, o mais aplicado aluno de Covas, o falecido Governado de São Paulo voltou para política mostrando o seu maior legado: É na democracia que as diferenças encontram o campo seguro para se manifestar. Covas sempre acreditou que em alguns momentos da história, acima de qualquer diferença programática, é necessário a união na defesa do ambiente democrático.

Disse Alckmin em seu discurso; “O Brasil sobrevive hoje ao mais desastroso e cruel governo da sua história. Socialmente injusto e irresponsável. Prometemos hoje ao Brasil um governo realmente democrático.”

Cristovam Buarque*: Brasil é maior

Blog do Noblat / Metrópoles

Lula e o PT não devem ignorar os democratas que não concordam com eles, porque a derrota em 2022 será do Brasil

Em 2006, disputei a eleição presidencial contra Lula e contra Alckmin; o Deputado Paulinho da Força foi meu principal apoio em São Paulo; dezesseis anos depois, Lula e Alckmin compõem uma chapa, com o apoio do Deputado Paulinho e o meu. O que nos colocou nesta posição não foram mudanças em nossas concepções sobre as ações e estratégias para o futuro do Brasil, mas nossa percepção dos riscos imediatos que o país enfrentará se o atual governo for reeleito, e a avaliação de que o único nome capaz de barrar este risco é o Lula.

Enfrentamos aquela eleição com visões diferentes sobre o futuro, agora nos unimos com responsabilidade, diante do presente.

Esta eleição é um plebiscito entre o atual governo autoritário e obscurantista ou um governo com lucidez e diálogo. Plebiscito entre abismo ou esperança. Precisamos nos unir para sair do abismo, depois voltaremos a discordar como construir a esperança.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Dúvida é uma coisa, má-fé é outra

O Estado de S. Paulo

A dúvida que deriva da curiosidade genuína é o motor do desenvolvimento humano. A dúvida que Jair Bolsonaro instila como tática eleitoral é mais vulgar

O presidente Jair Bolsonaro conseguiu transferir para uma expressiva parcela da sociedade os seus próprios medos e inseguranças. Hoje, muitos brasileiros afirmam ter dúvidas em relação a temas que até pouquíssimo tempo atrás eram pacíficos, como a importância das campanhas de vacinação ou a segurança das urnas eletrônicas, apenas para citar dois exemplos paradigmáticos desses tempos esquisitos.

Bolsonaro quer fazer os brasileiros acreditarem que, por trás de tudo que contrarie seus interesses e crenças, haveria um ardil para impedi-lo de governar, para apeá-lo da Presidência da República ou para permitir o triunfo de seus adversários, notadamente o ex-presidente Lula da Silva. Para Bolsonaro e seu grupo de apoiadores mais radicais, dúvidas e insinuações valem mais do que a verdade factual.

Não passa pela cabeça do presidente que ele possa cometer erros, como qualquer ser humano, ou que servidores públicos, ao tomarem decisões que lhe desagradem, possam agir orientados apenas pelo interesse público, dentro dos limites legais de suas atribuições. A Bolsonaro também escapa a compreensão de que os cidadãos possam manifestar livremente repúdio ao seu modo calamitoso de conduzir o País.

Poesia | "Dia das Mães" recitado por Rolando Boldrin

 

Música | Zeca Pagodinho: Toda a hora

 

sábado, 7 de maio de 2022

Luiz Werneck Vianna*: Como enfrentar o tornado que se avizinha

O mundo está a pique de escapulir dos seus eixos e sair por aí girando sem rumo num flirt suicida com a 3ª Guerra Mundial. Recua-se ao século dezenove e a seus horrores por disputas territoriais, e com desalento se constata o renascimento do nacionalismo, ideologia nefasta que cultua a vontade de poder e da dominação entre os povos e as nações, em um tempo que parecia apontar para o triunfo da globalização. A espécie está sob risco, ela não terá como sobreviver a uma hecatombe nuclear, e depois dela, como na frase famosa, os conflitos, se ainda houver conflitos entre humanos, serão resolvidos a golpes de tacape.

Da Ucrânia e de toda a parte sopram ventos que espalham a insânia como um novo tipo de peste, o carro de Jagrená, na metáfora de Antony Giddens, descendo a ladeira descontrolado ameaçando levar tudo de roldão. Aqui, em nossos tristes trópicos, ainda se brinca o carnaval como se não houvesse o amanhã, enquanto que nas fornalhas do diabo trama-se sem parar para que essa festa acabe varrendo os sonhos e nos deixando vazios diante de um capitalismo sem freios inimigo da vida. Se há uma bela e vicejante floresta ela deve ser removida para o pasto do gado, para exploração dos madeireiros e da mineração, se há uma formosa praia num recanto aprazível, ali um lugar para um hotel de luxo, talvez um cassino, aliás uma ideia a ser melhor aproveitada com a indústria do jogo a ser patrocinada por esses falsos cultores da Bíblia, réprobos das lições do Evangelho, santos de pau oco que ganham a vida com a miséria dos pobres e desvalidos.