O Globo
Jair Bolsonaro não usa máscara. Sempre
apostou na exposição total. Não usou máscara contra a Covid-19, quando poderia ter
incentivado milhões de brasileiros a se proteger da pandemia — um dia, talvez,
será possível contabilizar a real extensão dessa semeadura da morte, cujo
registro até agora é de mais de 663 mil vítimas oficiais. O presidente tampouco
usa de qualquer escudo para esconder sua índole golpista. Nunca precisou de
camuflagem. Ao contrário, chegou aonde está graças a sua ostentação
incendiária, tão nua quanto crua. A cada etapa, mostra-se mais arrojado,
amealhando quanto pode dos podres poderes que nossa democracia em construção
ainda tolera. Primeiro como vereador, depois deputado federal pelo Rio de
Janeiro, chegou a presidente da República em 2018 nos braços de 55,13% dos
votos válidos, ou 57,7 milhões de eleitores. A cada pit stop, tratou de
estender benefícios e métodos a sua voraz parentela e conseguiu fidelizar a
atual plêiade de sacripantas instalada a sua volta.
Nenhum motivo para mudar de curso, portanto —menos ainda quando cada nova pesquisa de opinião pública para o pleito de outubro próximo reaparece como assombração. A pesquisa mais recente confirma a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva nas intenções de voto. Como num cenário de segundo turno contra Lula a perspectiva de ser derrotado só aumenta, Bolsonaro está em modo bunker, 100% dedicado a abortar esse roteiro. A qualquer custo e por meio de qualquer arma, como já vem demonstrando de forma estridente.
Pode ser de utilidade pública atentar ao
duplo encurtamento do tempo — à medida que a eleição se aproxima, Bolsonaro
antecipa o golpe em algumas casas. Senão, vejamos. Desde seu tonitruante
discurso com “aviso aos canalhas que não serei preso”, proclamado às massas no
último 7 de Setembro e dirigido ao Supremo Tribunal Federal (STF), o cardápio
de ataques a Poderes republicanos e a campanha contra a lisura do voto
eletrônico se alastraram. Tornaram-se verdade venenosa junto às hostes
bolsonaristas, impregnaram o país de dúvidas futuras e obrigaram o STF e o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a trabalhar dobrado em busca de um antídoto
eficaz.
Mas, tal qual numa guerra, a estratégia
inicial do golpismo foi sendo alterada. Ao longo dos primeiros meses, o timing
para a insurreição planejada parecia depender do resultado das urnas. Fosse a
derrota já no primeiro turno ou no segundo, a ação visaria a reverter o
desfecho post factum ou, talvez, até já no início da apuração. Contudo esse
calendário de violência anunciada tem se estreitado à luz do dia e,
simultaneamente, aliciado altas patentes verde-oliva. Criticado com razão pela
recente loquacidade espaventosa em seminário na Alemanha, o ministro Luís
Roberto Barroso sabia do que falava: sim, as Forças Armadas “estão sendo
incitadas a atacar o processo eleitoral brasileiro”. Os próprios fatos assim
atestam. Quando um ministro da Defesa, no caso o general Paulo Sérgio Nogueira,
envia 55 questionamentos ao presidente do TSE, Edson Facchin, com demandas de
aprimoramento da urna eletrônica para 2022, deixou de ser sinal. É atestado de
que as Forças Armadas do Brasil estão com as duas botas e várias estrelas
fincadas na autocracia eleitoral.
Como é sabido, quem está acostumado a
privilégio sente opressão quando ouve falar de igualdade. Daí a aparente
necessidade de acelerar a marcha. Em sua live semanal de quinta-feira,
Bolsonaro, tendo ao lado o cada vez mais cavernoso general Augusto Heleno,
chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, foi fundo. Informou
ao país que “as Forças Armadas não serão meras espectadoras das eleições”, são
convidadas dele. Também anunciou a contratação de uma “empresa de ponta” para
realizar a auditoria das eleições. Essa empresa, a ser contratada pelo PL do
pantanoso Valdemar Costa Neto, atuaria não após, mas antes do pleito. Para que
correr riscos? Por que esperar até as eleições? Recado dado: o golpe já
começou. Ou, pelo menos, a tentativa de.
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