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Dúvida é uma coisa, má-fé é outra
O Estado de S. Paulo
A dúvida que deriva da curiosidade genuína é o motor do desenvolvimento humano. A dúvida que Jair Bolsonaro instila como tática eleitoral é mais vulgar
O presidente Jair Bolsonaro conseguiu
transferir para uma expressiva parcela da sociedade os seus próprios medos e
inseguranças. Hoje, muitos brasileiros afirmam ter dúvidas em relação a temas
que até pouquíssimo tempo atrás eram pacíficos, como a importância das
campanhas de vacinação ou a segurança das urnas eletrônicas, apenas para citar
dois exemplos paradigmáticos desses tempos esquisitos.
Bolsonaro quer fazer os brasileiros
acreditarem que, por trás de tudo que contrarie seus interesses e crenças,
haveria um ardil para impedi-lo de governar, para apeá-lo da Presidência da
República ou para permitir o triunfo de seus adversários, notadamente o
ex-presidente Lula da Silva. Para Bolsonaro e seu grupo de apoiadores mais radicais,
dúvidas e insinuações valem mais do que a verdade factual.
Não passa pela cabeça do presidente que ele possa cometer erros, como qualquer ser humano, ou que servidores públicos, ao tomarem decisões que lhe desagradem, possam agir orientados apenas pelo interesse público, dentro dos limites legais de suas atribuições. A Bolsonaro também escapa a compreensão de que os cidadãos possam manifestar livremente repúdio ao seu modo calamitoso de conduzir o País.
Consensos sociais mínimos foram
obliterados. Instalou-se no Brasil um clima de permanente desconfiança.
Estimulados pelo discurso do presidente, cidadãos suspeitam a priori da boa-fé
e dos argumentos uns dos outros, interditando o diálogo civilizado nas esferas
pública e privada. Sob essa espessa nuvem de suspeição que paira sobre o País,
autoridades como o presidente do Superior Tribunal Militar (STM) e o
vice-presidente da República se sentem à vontade para tentar reescrever a
história da ditadura militar e seus horrores. É nesse ambiente tóxico que achados
científicos são desqualificados por leigos sem qualquer constrangimento.
Instituições republicanas, como o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),
por exemplo, passaram a ser vistas com receios injustificados – quando não
tratadas com desrespeito – por indivíduos que até ontem não tinham quaisquer
reparos a fazer sobre suas decisões.
Não é errado, de forma alguma, que cidadãos
tenham dúvidas em relação ao funcionamento das instituições e ao exercício do
poder, que emana do povo. O ceticismo é nutriente primordial para uma
democracia saudável. Só no campo das religiões as certezas se sobrepõem às
dúvidas. Na vida civil, essencialmente laica, o questionamento é fundamental.
Mas há dúvidas e dúvidas.
A dúvida que deriva de uma curiosidade
legítima do indivíduo é o motor da produção do conhecimento e do
desenvolvimento humano. Tanto é assim que a espinha dorsal do método científico
experimental é a dúvida. Ninguém é absolutamente confiável, nem mesmo os
cientistas. Não porque sejam movidos por uma vontade deliberada de enganar os
outros, mas porque são humanos, demasiadamente humanos, e, como tais, sujeitos
a vieses que podem levar ao autoengano. Por isso que, imbuídos de boa-fé, dão
transparência ao seu trabalho e submetem seus experimentos ao escrutínio de
outros observadores.
A dúvida que Bolsonaro instila é vulgar. Ao
contrário daquela, é nociva, pois carece de quaisquer fundamentos. Afinal, o
que ocorreu de relevante no País para que parte dos brasileiros passasse a
desconfiar das vacinas ou das urnas eletrônicas de uma hora para outra? A
rigor, nada, a não ser a eleição de Jair Bolsonaro. Todo esse clima de
suspeição decorre diretamente da obsessão do atual mandatário em se manter no
poder. O presidente concebe a reeleição como um fim em si mesma, quase um
direito divino, e não como o coroamento de uma boa administração, algo que foi
incapaz de realizar. Logo, quem pensa ser infalível – ou “imorrível” ou
“imbroxável”, como já se autointitulou – não admite derrota, que só poderia
decorrer de uma “fraude”.
Bolsonaro aposta em dúvidas infundadas para
deslegitimar o resultado da eleição caso seja derrotado. Ainda causará muita
confusão, mas, ao fim e ao cabo, prevalecerá a vontade da maioria dos
eleitores, seja ela qual for.
A inflação ronda a campanha eleitoral
O Estado de S. Paulo
Pesquisas mostram que realidade econômica, marcada pelo avanço dos preços administrados, começa a mostrar limites do discurso de Bolsonaro
Preços administrados como combustíveis e
energia costumam ser uma pedra no sapato de qualquer governo. Em países
emergentes como o Brasil, boa parte da renda da população já se esvai na compra
de itens básicos em situações normais, e na ocorrência de guerras como a atual
o problema se agrava ainda mais. A origem da crise pode até ser externa, mas o
ônus sempre recai sobre o governo. Na dura realidade vivida pela maioria da
população, algo precisa ser feito a respeito; se há alguém com poder para isso,
é o presidente; e, se ele não o faz, é por falta de vontade política.
Na prática, não é assim que as coisas
funcionam. A conta de luz pode subir em razão de uma seca que reduz a geração
de hidrelétricas e obriga o acionamento de termoelétricas; pela necessidade de
investimentos na expansão do setor; por uma política benevolente de subsídios.
Os combustíveis, por sua vez, podem aumentar em razão da variação das cotações
internacionais de petróleo; por conflitos geopolíticos envolvendo países
produtores; por dificuldades logísticas; pela concentração de mercado. Fato é
que, para quem gasta parcelas importantes de seu salário com esses itens, os
motivos não importam. Diferentemente dos alimentos, quando luz, gasolina,
diesel e gás sobem, a percepção é que a responsabilidade é do presidente.
Há mais de três anos no comando do País,
certamente Bolsonaro ouviu explicações técnicas aprofundadas sobre o
comportamento dos preços de energia e combustíveis. O que não lhe falta, com
certeza, é informação de qualidade. Se há poucas alternativas viáveis para
resolver problemas complexos, o que não faltam são soluções ruins à procura de
problemas para justificar sua adoção. Nessa toada, Bolsonaro já demitiu dois
presidentes da Petrobras e tenta coagir a empresa a não fazer novos reajustes
aos gritos. Os preços, no entanto, continuam elevados.
Nos governos petistas, a solução para esse
problema foi o intervencionismo, com controle desavergonhado dos preços
administrados, principalmente em ano eleitoral. No fundo, era o que Bolsonaro
gostaria de fazer, mas não pode. Assim, apela-se para outro modus operandi: encontrar culpados,
qualquer um, para livrá-lo da responsabilidade. É bem verdade que isso funciona
para a ala mais radical e fiel de seus apoiadores, a quem ele oferece desde ataques
ao Supremo Tribunal Federal (STF), como o perdão ao deputado Daniel Silveira
(PTB-RJ), a contestações contra a segurança do sistema eleitoral e a
inviolabilidade da urna eletrônica. No caso dos preços da gasolina e do diesel,
os inimigos já foram os governadores; hoje, é a Petrobras. Mas a realidade
econômica começa a mostrar os limites dessa estratégia.
O mais recente levantamento Ipespe, do
início de maio, mostra estabilidade no cenário eleitoral, com 44% das intenções
de voto para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e 31% para Bolsonaro. Os
dados mais importantes, porém, são os que revelam a percepção da população
sobre a economia. Do total de entrevistados, 95% disseram que a inflação subiu
ou aumentou muito e 62% avaliam que os preços dos produtos vão seguir essa
trajetória nos próximos meses; 63% acreditam que a economia brasileira está no
caminho errado. Pela primeira vez, inflação e o custo de vida foram os temas
mais citados pelos entrevistados como prioritários para o próximo presidente,
juntamente com educação.
Dessa pesquisa, infere-se o óbvio: a
inflação – e, consequentemente, os preços administrados – tende a ser o assunto
principal das eleições deste ano. Para Bolsonaro, isso certamente não é
novidade. As falas antidemocráticas do presidente podem fazer com que passe
despercebida uma parte relevante de sua mensagem, segundo a qual o aumento de
preços é um fenômeno mundial não restrito ao Brasil. É algo que ele repete à
exaustão no cercadinho do Palácio da Alvorada. Essa explicação, no entanto, não
tem convencido a maioria da população, algo que talvez ajude a explicar o
destempero de Bolsonaro nos últimos dias.
O Brasil e os desafios mundiais
O Estado de S. Paulo
Inflação, perda de dinamismo e outros problemas afetam a economia mundial – e a brasileira
Assolado por perturbações econômicas novas
ou que se intensificaram, o mundo tornou um pouco mais difícil a vida na
maioria dos países. Embora não esteja entre as economias mais integradas ao
comércio mundial, a brasileira já enfrenta, nem sempre com a eficácia
desejável, os impactos de vários problemas de natureza local ou regional, mas
que afetam o resto do planeta.
A alta generalizada dos preços internos,
retratada na inflação de 11,30% em 12 meses até março, pode se intensificar por
causa dos preços internacionais de diferentes produtos. Dificuldades de
produção por falta de componentes ou queda nas exportações em razão da
desaceleração da economia mundial tendem a reduzir a atividade econômica do
País, já muito frágil. O fluxo internacional de capitais, que tem sido
favorável para o Brasil, pode mudar de sentido com o endurecimento das
políticas monetárias no mundo desenvolvido.
A invasão da Ucrânia pela Rússia reduziu o
suprimento mundial de itens como petróleo, gás, fertilizantes, trigo e milho, o
que fez explodir a cotação desses produtos e impulsionar a inflação mundial. No
Brasil, os combustíveis e os alimentos estão entre os itens que mais têm
pressionado a inflação. Mesmo que haja solução para o conflito, seus efeitos
sobre a economia mundial persistirão.
A imposição de lockdown em Xangai, para
conter novo surto da covid-19 com a truculência típica do governo chinês,
afetou não apenas a vida de mais de 20 milhões de pessoas. O fluxo mundial de
mercadorias também foi prejudicado, pois em Xangai está instalado o maior porto
do mundo. Seu movimento é quase dez vezes maior do que o do Porto de Santos, o
maior do Brasil, como mostrou reportagem do Estadão (3/5). A
paralisia das atividades em Xangai agravou problemas criados há dois anos pela
pandemia e que nem haviam sido resolvidos. Há atraso na entrega de mercadorias,
entre elas componentes essenciais a diferentes produtos industriais. A
indústria automobilística é uma das mais afetadas.
O surto inflacionário que assombra o mundo
novamente está sendo combatido por meio do endurecimento das políticas
monetárias conduzidas por muitos bancos centrais, inclusive o brasileiro. São
medidas que, além de poder conter a alta dos preços, têm impacto sobre o fluxo
de capitais e sobre a atividade econômica. No caso brasileiro, o ritmo da
economia já é fraco e, nas estimativas mais otimistas, o crescimento neste ano
não deve chegar a 1%.
As constantes revisões para baixo para o
crescimento da economia chinesa, por sua vez, que o lockdown pode acentuar,
alimentam projeções pessimistas para os países cujo comércio exterior é
fortemente dependente das exportações para a China, como o Brasil. Além de
ativos chineses, também os de países em desenvolvimento nessa situação podem
perder atratividade – e, claro, valor.
Um governante tão incapaz como se mostrou
até agora o presidente Jair Bolsonaro dificilmente entenderia o problema em
toda sua complexidade; seria ilusório imaginar que saberia enfrentá-lo.
Financiamento público inibe ‘terceira via’
O Globo
Se você quer sair candidato à Presidência e
seu nome não é nem Luiz Inácio Lula da Silva nem Jair Messias Bolsonaro, o
primeiro obstáculo que terá diante de si nem será a previsível pontuação baixa
nas pesquisas eleitorais. Será convencer o próprio partido a lançar candidato.
As regras para o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais
funcionam contra o lançamento de candidaturas presidenciais — e esse tem sido o
empecilho mais concreto às candidaturas alternativas a Lula e Bolsonaro, a
proverbial “terceira via”.
O maior interesse de praticamente todos os
partidos hoje é obter uma bancada robusta no Congresso. É o tamanho dessa
bancada que garantirá acesso aos fundos partidário e eleitoral, além do
protagonismo nas mesas das duas Casas, com a influência decorrente sobre os
recursos do Orçamento. Neste ano, estão disponíveis R$ 5 bilhões de fundo
eleitoral, R$ 1 bilhão de fundo partidário (sem falar nos R$ 16,5 bilhões do
orçamento secreto à mercê das lideranças do Congresso).
Os dois primeiros equivalem a R$ 6 bilhões pingando no cofre dos partidos, na proporção direta do tamanho das bancadas. Por que alguém gastaria dinheiro com uma campanha presidencial de chance incerta diante da possibilidade de investir no crescimento da própria bancada e de ganhar acesso a uma fatia maior de tais recursos?
É esse o cálculo que explica a resistência
dos caciques do MDB à candidatura da senadora Simone Tebet (MT). Ou o
lançamento do inexpressivo Luciano Bivar pelo União Brasil, de modo a preservar
recursos para as campanhas ao Legislativo. Ou mesmo a sabotagem de parcela
expressiva dos tucanos à candidatura do ex-governador paulista João Doria,
mesmo depois de ele ter derrotado o ex-governador gaúcho Eduardo Leite em
prévias transparentes de repercussão nacional.
A menos que um nome decole de modo
inequívoco com potencial de derrotar Bolsonaro ou Lula, nada mudará nesse
cálculo. Continuará mais vantajoso para os líderes partidários apostar na
conquista de uma bancada maior, em vez de embarcar numa candidatura
presidencial de risco.
Tal situação demonstra a deficiência da
atual legislação de financiamento público das campanhas. É um modelo que pode
funcionar em regimes parlamentaristas, em que tudo o que está em jogo na
eleição é o tamanho das bancadas. Mas não no nosso presidencialismo, dependente
de nomes fortes para erguer uma candidatura com perspectiva de poder.
Se o financiamento privado, em particular
por empresas, abria brechas inaceitáveis à corrupção e ao tráfico de
influência, ao menos trazia a garantia de um leque mais plural de candidaturas.
Teria sido possível aperfeiçoá-lo, exigindo maior transparência e limitando seu
alcance para evitar o abuso de poder econômico. Infelizmente, não foi o caminho
adotado pelos tribunais, nem pelo Congresso.
O efeito indesejado é evidente: agrava-se a
característica mais nefasta do sistema partidário brasileiro. Em vez de
veículos para a expressão legítima de ideologias ou interesses, os partidos se
tornaram, antes de tudo, negócios que precisam zelar pelas próprias receitas.
Nisso, não há rigorosamente nenhuma diferença entre aqueles oriundos de
legendas tradicionais, como PT, PDT, PSB, PSDB, MDB ou União, e as tão
criticadas agremiações venais associadas ao Centrão.
Mundo não pode desprezar as ameaças
nucleares da Rússia
O Globo
Já se vão quase três meses desde que a
Rússia invadiu a Ucrânia, no que imaginava ser uma operação militar de curta
duração. Ao contrário da expectativa, ela se transformou num atoleiro para
Vladimir Putin. Suas forças enfrentam uma resistência renhida, que aumenta à
medida que cresce o apoio material e financeiro do Ocidente. O mundo agora se
vê diante da questão até há pouco impensável: Putin arriscaria usar armas nucleares? Teria a audácia de
ser o segundo líder mundial, depois do americano Harry Truman em 1945, a lançar
a bomba atômica?
O motivo mais evidente para levar a sério a
hipótese é que Putin tem cumprido o que diz — e tem citado armas nucleares com
frequência preocupante. “Se alguém quiser intervir na Ucrânia e criar uma
ameaça estratégica, os ataques serão rápidos como um raio”, afirmou. Coube ao
chanceler Sergei Lavrov, em entrevista a um canal de TV, aconselhar a não
“subestimar” o risco de uma guerra nuclear. Os russos não ficaram só nas
palavras, mas passaram a usar armas de impacto, com a intenção de transmitir
recados ao Ocidente.
Outro fator crítico é o balanço da guerra.
Os russos fazem questão de enfatizar avanços e conquistas, como a recente — e
sangrenta — captura de Mariupol, na costa do Mar de Azov. Mas o quadro que
emerge das fontes ocidentais é negativo para a Rússia. De acordo com a
inteligência britânica, as forças de Putin perderam cerca de 15 mil soldados, 2
mil blindados e 60 aviões. O poder de combate, segundo essa versão, foi
reduzido em 25%.
Os pessimistas consideram que, diante dos
reveses, Putin arriscaria usar uma arma nuclear de efeito tático na Ucrânia,
como recado aos Estados Unidos e ao Ocidente. Pela doutrina nuclear russa, o
país chegaria a uma situação extrema se “um ato de agressão contra a Rússia e
seus aliados pusesse em risco sua existência, mesmo sem o uso de armas
nucleares”. É um enunciado aberto a várias leituras. A melhor para o mundo e
para a própria Rússia é que, como a guerra não põe Moscou em risco, o cenário
nuclear está afastado.
A hipótese é corroborada pelas ideias do
Nobel de Economia Thomas Schelling (1921-2016), que usou a Teoria dos Jogos
para analisar o risco de confronto nuclear entre potências. Num dos cenários, a
Teoria do Louco, um dos lados tenta transmitir ao outro a sensação de que
realmente esteja disposto a cometer o desvario de lançar a bomba, para alcançar
seu objetivo real: obrigar o inimigo a recuar. Tal ameaça só é eficaz se tiver
credibilidade. Não se sabe se esse é o jogo de Putin, mas até agora seus passos
foram racionais.
Por via das dúvidas, os Estados Unidos já cuidam de ampliar seu orçamento militar, a fim de aumentar o poder de dissuasão. Para 2023, o Pentágono pede dinheiro suficiente para lançar uma nova geração de mísseis intercontinentais (Sentinela), um novo bombardeiro B-21 furtivo, drones e aparelhos tripulados que constituem a Nova Geração de Domínio Aéreo (NGAD). Ainda que a ameaça nuclear de Putin seja bravata, ele já deflagrou uma corrida armamentista de que dificilmente terá condições de participar.
Batalha por nada
Folha de S. Paulo
Transparência do TSE é antídoto para a
ofensiva de Bolsonaro e seus militares
Desde que começou a espalhar
mentiras sobre as urnas eletrônicas, Jair Bolsonaro (PL) foi incapaz de
apresentar um fiapo de evidência que justificasse suspeitas ou merecesse
atenção das autoridades.
Foi assim quando anunciou ter provas de uma
suposta fraude nas eleições de 2018, que teria impedido seu triunfo no primeiro
turno da competição. Nada havia que comprovasse a patranha.
No ano passado, numa de suas infames
transmissões na internet, ele chegou a apresentar vídeos amadores e planilhas
falsas em circulação na internet para insistir na fantasia, novamente em vão.
Faz tempo que seu intento se tornou
evidente. O presidente semeia a confusão para tumultuar o processo eleitoral e
abrir caminho para contestar o resultado das eleições de outubro se ele for
desfavorável às suas pretensões.
Não é outro o sentido de sua ofensiva mais
recente contra a Justiça Eleitoral —e causa desalento adicional assistir
ao engajamento
de representantes das Forças Armadas na pantomima encenada pelo
mandatário irresponsável.
No início do ano, Bolsonaro anunciou que os
militares haviam detectado vulnerabilidades nas urnas e alertado o Tribunal
Superior Eleitoral. Divulgados os questionamentos feitos e as respostas do TSE,
verificou-se que não havia nada de errado com os sistemas.
O chefe do Executivo voltou à carga nos
últimos dias com duas sugestões estapafúrdias, a criação de uma central de
apuração paralela para o Exército contar os votos e a contratação
de uma empresa de auditoria por seu partido —que fará muito mal se
embarcar em tal embuste— para analisar os sistemas da Justiça.
Como antes, não há nada que justifique tais
medidas. Usadas no Brasil há mais de 25 anos, as urnas eletrônicas são
confiáveis e tornaram as eleições mais seguras.
O TSE tem aperfeiçoado os dispositivos que
garantem a segurança das máquinas e da contagem dos votos; vem também ampliando
a transparência de seus procedimentos. Foi sua a iniciativa de convidar um
representante das Forças Armadas para a comissão que acompanha o processo neste
ano.
Ressalte-se que nenhuma das maluquices
propostas pelo presidente figurou entre as sugestões apresentadas pelo general
indicado para o grupo, o que torna ainda mais inusitada a participação dos
militares na tresloucada campanha bolsonarista contra o TSE.
Caberá ao tribunal responder às provocações
com os instrumentos à sua disposição. A transparência de suas ações será
essencial para consolidar a confiança da população nas urnas eletrônicas e
responder de forma decisiva aos que insistem em apostar na bagunça.
Chapéu alheio
Folha de S. Paulo
Uso de dinheiro do contribuinte em eventos
partidários tem de ser combatido
O pagador de impostos do município de São
Paulo tem financiado, sem conhecimento nem anuência, atos de conotação
partidária e eleitoral na capital. Mais uma dessas farras privadas pagas com o
chapéu alheio, muitas vezes ao arrepio dos regramentos de campanha, ocorreu na
maior cidade do país.
Nos festejos do Primeiro de Maio, centrais
sindicais promoveram comemoração que mal disfarçou o seu caráter eleitoreiro a
favor do presidenciável do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Abundaram frases com
variações de pedidos implícitos de voto, o que é vetado pela legislação
eleitoral nesta fase da corrida para o escrutínio de outubro.
A normatização brasileira, ao incidir no
paternalismo e na tutela excessiva das liberdades de candidatos, militantes e
eleitores, cheira a naftalina nesse aspecto. A crítica justifica reformar os
códigos, jamais desrespeitá-los, hábito característico também do presidente
Jair Bolsonaro (PL).
Já o financiamento corriqueiro desses atos
com dinheiro que deveria ser destinado às urgentes necessidades da
administração pública não se justifica em hipótese nenhuma. No caso do evento
paulistano, vereadores amigos dos organizadores destinaram recursos do Tesouro
municipal, via emendas parlamentares, para custeá-lo.
À cantora Daniela Mercury, principal atração
da festa lulista, foram prometidos R$ 160 mil do Orçamento paulistano. Em boa
hora a Controladoria
do município suspendeu o pagamento até que se apurem circunstâncias do
evento.
A prática, pelo visto disseminada na
capital, de bancar com dinheiro público comemorações que terminam apropriadas
por interesses político-partidários também beneficiou Bolsonaro. Em 2019 ele
compareceu à Marcha para Jesus, que recebeu verbas por meio de emendas de
vereadores, para agradecer o público evangélico pela votação recebida no ano
anterior.
É preciso dar um fim a essa confusão de
interesses. Por essa e outras vias, os partidos —que neste ano abocanharão R$ 5
bilhões dos cofres federais apenas para custear as suas atividades eleitorais—
estão se especializando no parasitismo cartorial dos orçamentos públicos, não
na representação popular.
A continuação desse processo decerto poderá encher os cofres de oligarcas partidários, mas irá também alimentar o desprestígio da atividade política perante a população, o que constitui antessala de degenerações autoritárias.
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