terça-feira, 10 de maio de 2022

Merval Pereira: A primeira escolha

O Globo

A ignorância dos fanáticos não admite as nuances próprias da democracia. Para eles, é preto ou branco. Nós ou eles. Amigo ou inimigo, num pastiche tropical da tese do jurista alemão Carl Schmitt, referência do pensamento político autoritário. Lula e Bolsonaro são populistas acostumados a seguidores cegos, e os que os criticam são inimigos.

Visões autoritárias convergem em alguns pontos, embora hoje, depois de três anos de governo Bolsonaro, não seja mais possível compará-los. A realidade do desgoverno bolsonarista, que solapa as instituições desde o primeiro dia, impede que seja comparável a qualquer outro governo desde a redemocratização, apesar dos desmandos registrados nos governos petistas.

É impossível, ao ver Bolsonaro usando o Palácio do Planalto para celebrar o indulto que concedeu a um deputado condenado pelo Supremo Tribunal Federal, não lembrar a então presidente Dilma, nos salões do mesmo Palácio do Planalto, ouvindo dirigente da CUT dizer que pegaria em armas para defendê-la. Ou, quando Bolsonaro instiga seus seguidores a atos inconstitucionais, não ouvir o eco de Lula dizendo que, quando Stédile (o chefe do MST) pusesse nas ruas o seu “exército”, todos veriam que “também sabemos brigar”.

Carlos Andreazza: A cama está feita

O Globo

A farsa golpista encenada por Bolsonaro chegou à página em que a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro estaria condicionada ao exame por auditoria a ser contratada pelo partido de Valdemar Costa Neto. Processo cuja legitimação dependerá da supervisão das Forças Armadas, o Poder Moderador empossado pela leitura pervertida do Artigo 142 da Constituição e, até outro dia, comandado pelo general candidato a vice na chapa de Bolsonaro à reeleição.

A cama está feita.

Mais do que se considerarem, as Forças Armadas agem como Poder da República. Poder da República especial, cujo alcance moderador foi investido por ministros de tribunal superior que avalizaram burocratas armados e ressentidos como interlocutores com status para formular questões cujo pressuposto é a desonestidade da Justiça Eleitoral. Uma tocaia em que, independentemente das respostas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a tese de fraude restará provada.

A cama está feita.

As Forças Armadas que agem como Poder Moderador são as mesmas a serviço de minar a credibilidade do sistema eleitoral. A serviço, pois, dos interesses de Bolsonaro.

Míriam Leitão: País tem crises na política e economia

O Globo

Fora do prazo e fora do tom, os militares continuam com as suas querelas contra o processo eleitoral. Espera-se que depois da resposta de ontem do Tribunal Superior Eleitoral se encerre esse bombardeio que tem o claro objetivo de desacreditar a Justiça Eleitoral. Na economia, enquanto isso, o dólar voltou a subir, a bolsa teve queda de 1,79%, zerando o ganho do ano, o diesel foi reajustado, mas a gasolina não subiu apesar de também estar defasada. Há uma crise na economia que tem a cara que o país conhece e detesta: a inflação.

Esse tumulto institucional criado pelo presidente da República, e que recebeu o respaldo do Exército e do Ministério da Defesa, só agrava a crise econômica. Antes era ruído, e isso era negativo o suficiente. Nas últimas semanas houve uma escalada do presidente para elevar o clima de confronto e desta forma hipnotizar seus eleitores mais fanáticos. Bolsonaro sempre foi assim. Na falta de ideias ou de capacidade de governar, ele grita, ofende, cria confusão. Esse é o resumo dos seus inúteis mandatos parlamentares e é também o retrato do seu governo. Agora o que ele quer é pior. Como já disse aqui neste espaço, Bolsonaro está plantando a impugnação das eleições. O concurso das Forças Armadas nesta aventura é o ingrediente mais desestabilizador.

Luiz Carlos Azedo: Como melar uma eleição democrática

Correio Braziliense

Com a aproximação das eleições deste ano, o presidente Bolsonaro intensificou seus ataques ao processo eleitoral, levantando suspeitas sobre as urnas eletrônicas e até mesmo em relação ao TSE

A urna eletrônica é o maior avanço já realizado no Brasil para assegurar que nosso Estado de direito democrático seja realmente uma democracia de massas, segundo o princípio “cada cidadão um voto”, que caracteriza as eleições majoritárias no Brasil — principalmente as eleições para o Executivo, nos três níveis de federação. Só para ilustrar, esse princípio foi a principal reivindicação da luta contra o apartheid na África do Sul, em que pese a bandeira “Libertem Mandela”, o grande pai da democracia sul-africana.

As eleições proporcionais, embora tenham o mesmo princípio, não garantem uma representação exatamente proporcional ao número de eleitores de cada unidade da federação, porque São Paulo elege menos deputados do que seria a proporção de seu colégio eleitoral, e alguns estados com menos eleitores são sobrerepresentados, como Roraima, por exemplo.

Com a urna eletrônica, acabaram-se as fraudes eleitorais na contagem e na apuração dos votos, que eram muito frequentes quando o voto era impresso e apurados manualmente, inclusive durante o regime militar, e mesmo após a redemocratização. Em parte, o aperfeiçoamento do sistema decorreu da tentativa de fraude das eleições para o governo do Rio de Janeiro, em 1982, quando foi eleito o governador Leonel Brizola, numa operação tabajara realizada pelos órgãos de inteligência do governo do presidente João Batista Figueiredo.

Cristina Serra: Lula, Alckmin e o sopro da história

Folha de S. Paulo

O gesto político de união é uma mensagem poderosa a um país fraturado

O anúncio da chapa Lula-Alckmin eleva o nível da campanha pré-eleitoral e muda a agenda e a qualidade do debate político, contaminado até agora pelo golpismo de Bolsonaro. É claro que a sombra do golpe não desaparece, até porque golpismo não é exclusividade do presidente e de seus seguidores mais fanáticos.

Arthur Lira inventou um grupo de trabalho para discutir o semipresidencialismo, um sistema em que, basicamente, o presidente eleito ganha, mas não leva. E surgiu por aí a ideia de um segundo turno com os três candidatos mais votados no primeiro. São casuísmos risíveis e delirantes, golpismo light.

Os movimentos de Lula mostram que ele está ciente dos riscos. O petista é o primeiro candidato a apresentar um vice. O histórico de Lula e Alckmin nos cargos públicos que ocuparam não diz tudo sobre o governo que poderão conduzir se eleitos. Mas assinala respeito à democracia e à civilidade.

Alvaro Costa e Silva: O apogeu da mamata

Folha de S. Paulo

Trair e conspirar contra a democracia tem suas recompensas

Como já havia feito com a Lei Paulo Gustavo, Bolsonaro vetou a Lei Aldir Blanc, projeto que criaria uma política permanente para o setor cultural, com repasses de verbas da União para estados e municípios durante cinco anos. A Lei Orlando Brito, que proporcionaria a isenção de impostos na importação de equipamentos para fotógrafos e cinegrafistas, também foi vetada. Surpresa zero. Um dos conceitos de propaganda do fascismo canarinho é promover o ódio à cultura. O argumento é aquele manjado: todo artista é mamateiro.

Na realidade, o jamegão presidencial funciona como reserva de mercado, deixando o campo livre para os mamateiros de estimação. Ai, a mamata! Orgulho da produção nacional, tão perseguida e, no entanto, tão vitoriosa sob os auspícios do governo.

Mesmo enfrentando a garimpagem e a grilagem em terras indígenas, o contrabando de ouro e madeira, os fabricantes de cloroquina durante a pandemia, as empresas multinacionais de armamento patrocinadas pela Secretaria de Cultura, a mamata conseguiu se destacar entre as atividades que mais prosperaram no Brasil dos últimos três anos e meio.

Eliane Cantanhêde: Golpe ou pastelão?

O Estado de S. Paulo

Em vez de golpe com militares, não se descarta instabilidade com bolsonaristas armados nas ruas

Que confusão a Defesa está fazendo! É uma trapalhada atrás da outra, uma ameaça atrás da outra, um recuo atrás do outro e a imagem que fica é que “os militares” fazem qualquer coisa para agradar ao capitão insubordinado que assumiu a Presidência e pinta e borda com eles. “Qualquer coisa” incluiria até golpe. Pode uma coisa dessas?

É assustador assistir ao presidente Jair Bolsonaro e sua gente ameaçando Supremo, TSE, ministros e as próprias eleições, assim como atacaram a saúde e a vida na pandemia. O Brasil está normalizando o que não tem nada de normal. Os presidentes de Supremo, TSE, Senado e até Câmara, enviesadamente, têm de defender a democracia todo santo dia e o foco nacional não é inflação e fome, é como e quando vai ser o golpe...

A pergunta deve ser outra: com quem? A escalada de Bolsonaro, filhos, séquito e robôs é clara, mas, se a gente olha os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica e se fixa no Alto-Comando do Exército, é difícil encontrar ao menos um disposto a jogar seu nome na lama da história contra a democracia.

Em vez de golpe com militares, o que não se pode descartar é que Bolsonaro esteja criando um clima de tumulto e instabilidade com sua turba civil, que armou com revólveres e fuzis e pode entrar em ação em caso de derrota. Ele está em segundo lugar, com recorde de rejeição.

Pedro Fernando Nery*: Bolsonaro vai à China

O Estado de S. Paulo

Em economia, há menos diferença do que se imagina em temas da economia? Ou é o ambiente político supercompetitivo que exige concessões?

Será sancionado nos próximos dias pelo presidente o Auxílio Brasil com valor mínimo de R$ 400, permanentemente. A medida foi aprovada pelo Congresso com apoio do governo, tendo como relator na Câmara o próprio ministro da Cidadania. O valor médio dos benefícios seria mais do que o dobro do que tinha o Bolsa Família em 2010, já descontando a inflação. Só Nixon poderia ter ido à China.

Até o ano passado, o benefício se chamava Bolsa Família – um carro-chefe dos governos do PT. Bolsonaro era crítico ardoroso do programa, que via como uma forma de compra de votos pelo partido, um desincentivo ao trabalho dos beneficiários e um estímulo à fecundidade de nordestinas. O plot twist é que, sob sua batuta, o orçamento do Bolsa Família agora seria triplicado de forma permanente – ou, pelo menos, para os próximos anos (salvo cortes ou uma queda significativa da pobreza). 

Como isso aconteceu? A expressão “Nixon vai à China”, sobre a viagem do presidente republicano à ditadura comunista no auge da Guerra Fria, alude a momentos como este. Um presidente de esquerda não encontraria apoio para fazer o gesto, que despertaria a ira da oposição de direita. Só um presidente conservador poderia ter essa iniciativa, porque sua oposição é ideologicamente simpática à sua decisão, e sua base – ainda que não concorde – não há de sabotá-lo.

Rubens Barbosa*: Amazônia, o El Dorado da ilegalidade

O Estado de S. Paulo

O garimpo ilegal talvez seja hoje o problema mais sério para evitar o aumento do desmatamento na região e sustar a evasão de divisas.

A ausência de uma efetiva política governamental de combate aos ilícitos na Amazônia nas áreas de desmatamento, queimadas e garimpo, inclusive nas terras indígenas, é o principal fator para a percepção negativa do Brasil no exterior e para a baixa credibilidade do País.

O Instituto Escolhas publicou recentemente o relatório Raio X do Ouro: mais de 200 toneladas podem ser ilegais, em seguimento a outro trabalho sobre o comércio de ouro publicado em junho de 2021. O estudo fez o cruzamento de dezenas de bases de dados, com 40 mil registros de comercialização, com imagens de satélites do MapBiomas e com processos de mineração abertos na Agência Nacional de Mineração (ANM).

Os indícios de ilegalidade apresentados na exploração e na exportação do ouro podem ser resumidos em:

Danilo Medeiros*: Polarização e eleições

Valor Econômico

Golpes militares tornaram-se raridade ao redor do globo nas últimas décadas, mas isso não significa que as erosões e quebras democráticas deixaram de existir. Agora elas se dão sobretudo por um processo em que políticos e partidos eleitos legitimamente pelo voto popular atacam princípios fundamentais da democracia para se manterem no poder indefinidamente.

O autogolpe pode se dar por caminhos e estratégias variadas, mas costuma ser um processo lento e gradual e que culmina com a supressão da competição eleitoral e da oposição ao governo, dois pilares básicos da democracia.

Exemplos não faltam. Só para ficarmos no século 21, temos Orbán na Hungria, Erdogan na Turquia, Putin na Rússia, Chávez e Maduro na Venezuela e a tentativa fracassada de Trump nos Estados Unidos.

Bolsonaro flerta com esse caminho ao questionar a lisura do processo eleitoral brasileiro e afirmar que pode não aceitar os resultados que sairão das urnas em outubro de 2022. Os constantes ataques ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal, a exaltação da ditadura militar e os discursos de ódio destinados a opositores ao longo de seu mandato e de sua vida política não deixam dúvidas que este é um presidente (e candidato à reeleição) que busca minar a confiança na competição eleitoral e na própria democracia. O maior exemplo do estrago feito por Bolsonaro é a incerteza da posse de qualquer candidato eleito nas eleições de outubro que não seja o atual presidente.

Raphael Di Cunto: Da irrelevância a mártir ‘fake’ do bolsonarismo

Valor Econômico

Deputado foi preso por ameaças, não por críticas ao STF

Já passou mais de um ano desde que o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) foi alçado a mártir do bolsonarismo na luta contra o Judiciário por proferir xingamentos e ameaças aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). No vídeo de 19 minutos, ele, visivelmente alterado, vai da defesa da “depuração” feita pela ditadura militar e do espancamento de ministros ao escatológico, com menção ao órgão genital de um deles à sexualidade de outro. Na época, foi preso com aval de 364 de seus colegas de Câmara, que entenderam que ele rompeu ali os limites da crítica e do aceitável.

A lembrança do vídeo ficou, contudo, no passado. Nas últimas semanas, deputados das bancadas da bala e evangélica protagonizaram ato no Palácio do Planalto ao lado do presidente Jair Bolsonaro para defendê-lo. Os ruralistas, que pouco costumam tratar, como bancada, de temas que não são afeitos ao agronegócio, desta vez soltaram nota sem pé nem cabeça em defesa da “liberdade de expressão” e da Constituição para apoiar o ato fingindo que não era sobre isso.

 “Cercear a liberdade de expressão abre um precedente perigoso para os demais direitos básicos do cidadão. Medo não combina com democracia, que não combina com Parlamento. Chega de invasão de competência das outras instituições”, “enfatizou” a deputada federal Carla Dickson (União Brasil-RN), segundo divulgado no site oficial da Secretaria de Governo. “Presidente Bolsonaro nos encheu de orgulho ao defender a democracia em nosso país, protegendo a harmonia entre os Poderes ao conceder a liberdade às próximas gerações”, disse o deputado federal Capitão Alberto Neto (PL-AM), também segundo essa transcrição no site do governo.

Pedro Cafardo: A perda de protagonismo da indústria brasileira

Valor Econômico

Quem está criticando a alta dos juros, um tiro no setor produtivo?

No início da pandemia, observamos aqui que, enquanto a covid-19 matava milhares de brasileiros, o processo de desindustrialização avançava matando empresas. A Ford, há um século no país, estava indo embora. A Mercedes suspendia a produção de sua fábrica de automóveis. A Sony saía correndo de Manaus.

A pandemia parece estar no fim. Tomara! O vírus da desindustrialização, porém, continua a atacar a economia e nem é tema de debate na pré-campanha eleitoral. Analistas dizem tratar-se de um processo mundial de transição da economia industrial para a de serviços. Ninguém discorda. No caso brasileiro, porém, deu-se antes de o país atingir a maturidade no setor e vem de longe - é o que afirmam economistas “não convencionais”.

Vale rever alguns dados. Em 2005, a indústria brasileira tinha quase 3% da indústria mundial. Hoje, tem 1,8%. Em meados dos anos 1980, a indústria respondia por 35% do PIB nacional. Hoje responde por 10% a 11%.

Outro dado chocante: o Brasil exportava US$ 9 bilhões por ano em manufaturados em 1980, mais que a China, que vendeu US$ 8,7 bilhões naquele ano. Agora, passados 40 anos, a distância entre os dois países é estratosférica. O Brasil exportou, em 2020, US$ 60,7 bilhões em manufaturados, e a China, US$ 2,47 trilhões.

Maria Clara R. M. do Prado*: Um Brasil que não chegou a 2022

Valor Econômico

Decisões econômicas confusas, desprezo com a área social, menosprezo com a questão climática geraram desesperança

Há treze anos, o economista polonês naturalizado francês, Ignacy Sachs, descreveu o que ele imaginava então ser uma vocação natural para o desenvolvimento sustentado do Brasil, com uma combinação de políticas que ao mesmo tempo contemplassem a preservação do meio ambiente e a melhora do padrão de vida nas faixas da população de baixa renda.

Era 2009 e as economias dos países mais desenvolvidos sofriam os efeitos de uma inesperada crise financeira com dimensão suficiente para desencadear uma forte recessão. Muitos temeram a reedição da crise de 1929 e os governos se mexeram. Os bancos centrais foram usados para evitar o pior com uma expressiva injeção de dinheiro nos mercados. A velha solução Keynes para reativar o funcionamento da economia voltou a ser acionada durante a crise dos “sub primes”. Em 2020 e 2021, ressurgiu como alternativa para tirar o mundo do retrocesso provocado pela pandemia da covid 19.

Sachs viu a crise de 2008/2009 como uma oportunidade para que países como o Brasil tomassem o rumo do crescimento a partir da adoção de políticas previamente definidas e com objetivos claros para o longo prazo. Idealizador do termo “ecodesenvolvimento”, dedicado que foi desde os anos 70 às questões relacionadas ao meio ambiente, ele preconizou a intervenção do Estado para garantir a adoção de políticas socialmente inclusivas, com maiores oportunidades de geração de empregos, sem que isso implicasse degradação ecológica.

Para isso, torna-se fundamental antes de tudo que uma pergunta seja respondida: “que Estado e para que desenvolvimento?”

Mirtes Cordeiro*: Lembranças de mães

Dentro do trem, a minha figura envolvida em lágrimas e saudades.

Passada a parte mais crucial da pandemia, talvez tenha sido esse Dia das Mães o que apresentou maior mobilização das famílias, no deslocamento para outras localidades – estados e municípios – para o reencontro das famílias para festejar as mães, revê-las, presenteá-las e melhor que tudo: receber o carinho, o colo e, mais que isso, saborear a comida de mãe.

O comércio se manifestou com a expectativa de incremento de 30% nas vendas, enquanto bares e restaurantes estiveram com reservas lotadas durante a semana inteira.

Contribuiu também para essa movimentação a mudança nas regras de prevenção contra a Covid-19. O controle decorrente da vacinação em massa potencializou na população a vontade de sair, circular nos espaços do comercio, entretenimento como uma forma de curtir a liberdade do ir e vir. Mas não se pode esquecer de que o novo coronavírus tirou a vida de mais de 650 mil pessoas no Brasil inteiro e continua fazendo vítimas.

Fiquei curiosa ao saber sobre a situação das mães no Brasil, já que se confunde com a situação das mulheres de modo geral. No Brasil, a população feminina é de 109 milhões, correspondendo a 52% da população de um modo geral. (IBGE)

O Brasil tem 67 milhões de mães, segundo pesquisa do Instituto Data Popular, sendo que dessas, 31% são solteiras e 46% trabalham.

Pelo estudo realizado, podemos observar alguns avanços em relação à vida das mães brasileiras, pois os dados revelam que “mães do século 21 são menos conservadoras e mais interessadas em tecnologia do que as do século 20. Entre as mães do século passado, 75% acreditavam que uma pessoa só pode ser feliz se constituir família. O percentual de verdade dessa premissa cai para 66% para as mães da nova geração. Para 58% das mães da geração anterior é um dever da mulher cuidar das refeições. Enquanto esse pensamento prevalece em apenas 45% das progenitoras do século 21”.( Agenda Governamental)

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

O prestígio e o papel das Forças Armadas

O Estado de S. Paulo

É grave erro usar o prestígio dessa instituição para fins incompatíveis com suas atribuições constitucionais. Militares devem estar distantes da política e de assuntos eleitorais

As Forças Armadas têm prestígio junto à população. Trata-se de um fato bem conhecido. Esse prestígio foi conquistado e é preservado, entre outras causas, pela exemplar lealdade da Marinha, do Exército e da Aeronáutica à Constituição de 1988 e aos princípios republicanos, com a estrita obediência às suas atribuições constitucionais, bem longe da política. É de justiça reconhecer: depois da redemocratização do País, as Forças Armadas entenderam o seu papel dentro da organização de um Estado Democrático de Direito. Não são guarda pretoriana, tampouco poder moderador. Destinam-se, assim o estabelece a Constituição de 1988, “à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Por óbvio, é muito bom – muito saudável institucionalmente – que a população confie nas Forças Armadas. O prestígio dos militares é um bem para o País e merece ser zelosamente preservado. No entanto, deve-se advertir que há quem queira usar o prestígio das Forças Armadas para outros fins não previstos na Constituição, o que representa um perigoso desvio da função militar. 

O caso mais grave é o bolsonarismo, que tenta continuamente se identificar com as Forças Armadas, identificação esta que é rigorosamente inconstitucional. As Forças Armadas não têm orientação político-partidária, e menos ainda são um grupo político. No entanto, com frequência, Jair Bolsonaro refere-se às Forças Armadas com um “nós”, como se fossem uma só coisa. Entre outros danos, expressar-se assim é descarada manobra para atrair a si a confiança que a população deposita nos militares.

Poesia | Fernando Pessoa: Deitado na realidade

 

Música | Bolero de Ravel: Orquestra Jovem da Sinfónica de Galícia

 

segunda-feira, 9 de maio de 2022

Marcus André Melo*: O Brasil está tão polarizado quanto os EUA?

Folha de S. Paulo

A hiperfragmentação e baixíssimo partidarismo político no Brasil mascaram a escalada da polarização

A polarização se intensificou nos últimos anos no Brasil e fora dele. Para os EUA, por exemplo, há evidências que a polarização aumentou tanto no âmbito do eleitorado quanto no Legislativo. Ela também mudou de chave: é "afetiva", tendo por base a rejeição do rival, e não "programática", com base em políticas.

No Congresso americano, evidências de série histórica de mais de um século (1879 a 2011) sugerem que, a partir dos anos 1980, os democratas e republicanos votam de forma cada vez mais divergente na Câmara dos Representantes.

Uma forma de mensurar a polarização afetiva no eleitorado é através do termômetro do sentimento do eleitor (a): a diferença nos escores atribuídos ao partido com o qual se identifica e a seu rival. O primeiro tem se mantido inalterado, mas o segundo tem crescido monotonicamente: os (a)eleitores (as) rejeitam crescentemente o partido adversário.

Celso Rocha de Barros*: Lula e Alckmin prometem o que Bolsonaro não entregou: governo

Folha de S. Paulo

A prioridade é preservar a democracia, mas tem muita coisa para a chapa Lula com Chuchu fazer

discurso de Lula no evento de lançamento da chapa Lula/Alckmin explorou o principal ponto fraco de Bolsonaro: em 2018, os brasileiros não queriam um político, mas queriam um governo. Isso, Bolsonaro não lhes deu. Quem deu foi Lula.

E essa é a vantagem de Lula. Mesmo que os brasileiros tenham críticas a Lula como político, ele já lhes entregou um bom governo. Lula não achava que seu local de trabalho era o Twitter.

Quando a crise do subprime atingiu o Brasil em 2008, Lula não escolheu a estratégia de combate à crise que lhe permitisse trabalhar menos, como Bolsonaro fez com a "imunidade de rebanho" durante a pandemia.

Lula criou o Bolsa Família. Bolsonaro mudou o nome do Bolsa Família. Não há uma única política pública digna de nota introduzida pelo governo Bolsonaro.

Durante a campanha de 2018, era difícil achar um colunista menos otimista com a perspectiva de um governo Bolsonaro do que eu. Mas se você tivesse me dito que, depois de quatro anos, Jair não teria implementado nenhuma política pública nova, eu não teria acreditado.

Bruno Carazza*: Em 2022, Lula está entre 1989 e 2002

Valor Econômico

Evento indica apostas e dificuldades petistas

O lançamento da pré-candidatura da chapa Lula-Alckmin no sábado (07/05) começou com uma releitura do “Lula lá” da campanha de 1989 e terminou com uma chuva de papel prateado sobre os convidados no palco, tendo ao fundo uma enorme bandeira do Brasil - a mesma forma apoteótica criada por Duda Mendonça para celebrar o início da campanha de 2002.

1989 e 2002 representam as duas jornadas heroicas do PT na sua trajetória para se consolidar como o partido mais popular da história brasileira recente.

A primeira eleição da redemocratização foi marcada pela força da militância, que vendia botons e camisetas com a estrelinha vermelha para custear a campanha, dos comitês populares formados para a distribuição de santinhos e panfletos nas ruas e portas de fábricas.

Em 2002, porém, o partido atinge o apogeu da sua máquina eleitoral. Depois de três derrotas seguidas, o PT se apresentou mais maduro, com o discurso calibrado para agradar a classe média e o mercado. É o início de uma era de campanhas bem-sucedidas, conduzidas por marqueteiros contratados a peso de ouro e financiadas com doações milionárias. A aliança com o PL de Valdemar da Costa Neto, que indicou o empresário e ex-senador José Alencar para vice, mostrava o pragmatismo de quem compreendeu que precisava do centro (e do Centrão) para se eleger e governar.

Felipe Moura Brasil: A mente moralista brasileira

O Estado de S. Paulo.

Para conectar com brasileiros de outras matrizes, urge entender sua configuração mental

Jonathan Haidt cresceu em família judia nos subúrbios de Nova York. Para a geração de seus avós, Franklin Roosevelt, do Partido Democrata, foi o herói que derrotou Hitler.

Haidt ainda frequentou a Universidade de Yale, onde ser de esquerda, esnobando republicanos, era moralmente correto, como admite no livro A mente moralista – Por que pessoas boas são segregadas por política e religião.

“Nós apoiávamos políticas esquerdistas porque queríamos ajudar as pessoas, mas eles apoiavam políticas direitistas por puro interesse próprio (abaixe meus impostos!) ou racismo velado (pare de financiar programas sociais para minorias!). Nunca consideramos a possibilidade de existir mundos morais alternativos nos quais reduzir os danos (ajudando as vítimas) e aumentar a justiça (buscando a igualdade de grupo) não fossem os principais objetivos.”

Denis Lerrer Rosenfield*: O inimigo institucional

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro estendeu a sua noção de inimigo ao Supremo, um pilar da democracia, e não somente ao seu adversário principal na eleição, Lula.

O cenário político brasileiro entrou numa zona cinzenta, de contornos indefinidos, em que o jogo partidário normal está derrapando para o confronto institucional. Não se trata apenas de um embate eleitoral, próprio do jogo democrático, mas sinaliza para algo mais, a saber, a própria existência de instituições democráticas. No momento em que as próprias instituições são questionadas e sua legitimidade é posta em dúvida, a política deriva para uma espécie de não política no sentido clássico do termo, isto é, pode concretizar-se em soluções autoritárias, que se situam fora do cenário propriamente democrático.

A partir da condenação do deputado Daniel Silveira, da base de apoio bolsonarista, pelo Supremo Tribunal Federal, o presidente Bolsonaro aproveitou-se da ocasião para deslanchar toda uma campanha contra o Supremo enquanto instituição, vindo, na sequência, a questionar o processo de apuração da urna eletrônica, chamando as Forças Armadas para si, como se fizessem parte de sua base de apoio, quando são instituições de Estado. Há, claramente, aqui um apagamento de fronteiras constitucionais. Assim se conduzindo, ele tornou o próprio Supremo o seu novo inimigo, o que significa dizer que a própria democracia pode estar a perigo. Note-se que o alvo não é Lula ou outro competidor, mas uma instituição republicana, sem a qual o regime democrático desmorona. O inimigo torna-se institucional.

Irapuã Santana: Educação precisa estar no centro do debate eleitoral

O Globo

As eleições gerais estão se aproximando, e muito debate precisa ser feito no país. Entre tantas divergências ideológicas que temos encontrado, uma pauta importantíssima tem sido deixada de lado, a educação — por não gerar engajamento e exigir trabalho sério, duro e intenso, bem como por ser um fator de aproximação entre os anseios de toda a população brasileira, de qualquer inclinação política.

Todo mundo deseja ter acesso à melhor escola possível. Afinal, o estudo é o principal ponto de combate às mazelas de todas as sociedades planeta afora.

A ideia de que trabalhadores mais qualificados produzem mais e melhor vem, pelo menos, desde Adam Smith, no século XVIII. Além de gerar mais riqueza, diz a economista Ana Carla Abrão, “um país mais educado gasta menos com saúde pública, tem níveis de segurança mais elevados, já que apresenta criminalidade mais baixa”.

Os dados do Brasil mostram uma realidade assustadora. Segundo o economista Leonardo Monastério, do Ipea, nossa escolaridade média é de 7,8 anos. Esse patamar é menor que o do Chile em 1990, da Coreia do Sul em 1985, do Japão em 1975, da Austrália em 1950 e dos Estados Unidos em 1935.

Miguel de Almeida: Carestia que marcou fim do regime militar está de volta

O Globo

Bastam alguns dias de caminhada pelas ruas de Manhattan ou do Brooklyn, em Nova York, com um pit stop estratégico na livraria Strand, para adaptar de Francis Fukuyama uma definição: a democracia brasileira passa por profunda crise cognitiva.

O sociólogo forjou décadas atrás o conceito de “fim da História”, ao ver a derrocada da União Soviética, saudar a prevalência da democracia liberal e a superação do modelo econômico estatista da esquerda marxista. A História, a China e algumas crises, em especial a de 2008, o tornaram motivo de exacerbada desconfiança.

Não sei se Fukuyama conhece a jabuticaba, mas deve estar informado de que a democracia brasileira, desde a derrubada da ditadura, está presa num labirinto incapaz de encontrar o futuro.

Passados mais de 30 anos, talvez por deficiência cognitiva, ainda se digladiam as principais forças que sustentavam e derrubaram o regime militar. O feitiço do tempo faz o país reviver o falso enredo de escolha entre uma extrema direita subserviente ao atraso produtivo e uma velha esquerda corporativa. Ambas se conectam na prática do patrimonialismo de quatro costados e agora estão de mãos dadas perfiladas na defesa de Putin. Portanto cinicamente solidárias à chacina na Ucrânia.

Talvez seja o caso de pensar no atraso tardio da primeira previsão de Fukuyama, não apenas pela incapacidade de não ter ocorrido renovação política no Brasil, mas também pelas ideias envelhecidas escandidas desavergonhadamente pelos dois principais candidatos. O fim da História, como a jabuticaba, é coisa nossa ao permanecer uma visão de desenvolvimento econômico de cepa militar-nacionalista-esquerdista. Um angu da TFP com o MR-8.

Washington Olivetto: Artistas eternizados após vencer guerras e ditaduras

O Globo

Picasso e Matisse atravessaram duas Guerras Mundiais e a Guerra Civil Espanhola sem pegar em armas. Mas jamais largaram os pincéis. Em 1937, Picasso pintou “Guernica”, o maior manifesto contra a violência de todos os tempos. E, no auge da tristeza pela Segunda Guerra Mundial, Matisse criou aquela que talvez seja a sua obra mais alegre, a série “Jazz”.

Artistas, em tempos difíceis, se manifestaram de diferentes maneiras. Alguns criando trabalhos que correram o risco de ser vistos como datados tempos depois; outros, criando obras acusadas de alienadas quando feitas, mas reconhecidas no longo prazo. Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos e deportados pelos militares do Golpe de 1964, talvez por causa de suas canções, talvez porque seu comportamento anunciava uma revolução estética, que podia anteceder uma revolução política. Apesar da violência que sofreram, nada impediu que, anos depois, compusessem canções de celebração ao prazer, como “Odara” e “Palco”.

Também no período dos militares, Chico Buarque foi convidado a se retirar do país por causa de seus versos contundentes, e Geraldo Vandré foi defenestrado após a catarse provocada pela canção “Pra não dizer que não falei das flores”. Chico voltou tempos depois e continuou perseguido e censurado, a ponto de criar o heterônimo Julinho da Adelaide; e Vandré jamais foi o mesmo depois que voltou (ou continuou o mesmo, segundo outras versões).

Fernando Gabeira: O voto jovem que pesa na eleição

O Globo

Começo a escrever sobre a campanha de 2022 abordando um tema sobre o qual não tenho verdades. Se for esperar clareza cristalina, entretanto, corro o risco de ver a campanha acabar sem tocar nele, na adequação ao tempo de hegemonia digital nas eleições.

Começo pelo que me pareceu o episódio mais importante da campanha na semana passada. Foi o movimento vitorioso de atração de jovens para o primeiro voto, realizado por artistas brasileiros com o apoio de Leonardo DiCaprio. Bolsonaro sentiu o golpe e foi às suas redes sociais pedir que DiCaprio se calasse. Ordens do capitão.

Por coincidência, na preparação para o trabalho do ano, estou lendo o fascinante livro de Hunter S. Thompson sobre a campanha americana de 1972 (“Fear and loathing: on the campaign trail ’72”). Hunter escrevia para a Rolling Stone, e o alvo de sua cobertura eram 25 milhões de jovens, entre 18 e 25 anos. Era um número considerável, esperança para derrotar Richard Nixon. Nixon venceu, Hunter ficou arrasado, mas seu livro tornou-se um best-seller. Foi escrito em quartos de hotéis e precisava mesmo vender porque cobertura de campanha é cara: hotéis, transporte, comida.

Ana Cristina Rosa: 13 razões para não comemorar o 13 de Maio

Folha de S. Paulo

Por que ainda é imprescindível agir para combater o racismo

Na semana em que o país completa 134 anos da abolição da escravatura, elenco 13 razões para não comemorar e pelas quais é imprescindível agir para combater o racismo.

O número corresponde ao dia em que, em maio de 1888, com a assinatura da Lei Áurea, negros até então escravizados em território nacional foram relegados à própria sorte —jogados na rua, marginalizados, sem trabalho, sem escola, sem dinheiro, sem direito a direito algum.

"Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho", diz a obra "A integração do negro na sociedade brasileira", do sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995).

Algumas razões contemporâneas para não comemorar o 13 de maio:

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

A parte da elite que apoia o atraso

O Estado de S. Paulo

Seduzidos pelas canetadas populistas de Bolsonaro, alguns empresários flertam com o apoio à sua reeleição, atentando não só contra os interesses nacionais, mas contra o seu próprio

Desde as eleições de 2018, entrou na cena pública um escrete de folclóricos empresários bolsonaristas, tão histriônicos e incorrigíveis como o seu “mito”. Mas, às vésperas de novas eleições, segundo a colunista do Estado Adriana Fernandes, novas lideranças empresariais têm flertado com o apoio à reeleição de Jair Bolsonaro. Com assombrosa capacidade de abstração, elas excluem de seus cálculos a mistura de estagnação econômica, autoritarismo político, indigência administrativa, instabilidade institucional e degradação moral que é o governo Bolsonaro.

A psique infantil e insegura do presidente; as afrontas ao decoro e à liturgia do cargo; as relações obscuras com milicianos; a truculência no debate público; as crises institucionais artificiais; as calúnias ao sistema eleitoral e as ameaças de descumprir a vontade das urnas; a degradação da administração federal; o obscurantismo que asfixia a educação, a cultura e a ciência; a devastação do patrimônio ambiental; o nanismo diplomático que, oscilando entre a negligência geopolítica e os insultos a parceiros internacionais, resultou num descrédito sem precedentes; o escárnio pelas minorias; a sabotagem às medidas de contenção do vírus da covid-19 e à imunização, resultando em milhares de mortes evitáveis; o descompromisso com as reformas e privatizações, malgrado suas tonitruantes promessas eleitorais; o sequestro do Orçamento com os fisiologistas do Centrão e a deterioração das contas públicas; os indícios de corrupção na compra de vacinas, verbas escolares e licenças a criminosos ambientais; a captura da máquina pública para fins eleitoreiros; a predisposição a privilegiar interesses familiares sobre os corporativos, os corporativos sobre os de governo e os de governo sobre os de Estado – nenhuma dessas mostras de incompatibilidade com os deveres de um estadista parece pesar na intenção de voto desses empresários.

Poesia | Fernando Pessoa: Tabacaria

 

Música | Teresa Cristina: Alvorada (Cartola)

 

domingo, 8 de maio de 2022

Ao lançar pré-candidatura, Lula defende democracia e nega desejo de vingança

Lançado pré-candidato, Lula critica privatizações, prega união de democratas e diz não ter desejo de vingança

Apesar de críticas, petista não cita Bolsonaro nominalmente, mas diz ser 'proibido ter medo de provocação, de fake news via zap, Instagram'

Sérgio Roxo / O Globo

SÃO PAULO - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva focou o seu discurso, no ato de lançamento de sua pré-candidatura a presidente da República neste sábado, na defesa da soberania nacional, com críticas às privatizações. Também revelou a sua intenção de unir os democratas e negou ter sentimento de vingança em virtude dos processos que o levaram a passar 580 dias preso entre 2018 e 2019. Numa fala lida, o petista listou programas de sua gestão e disse que o presidente Jair Bolsonaro (PL) destruiu boa parte das suas realizações. 

Apesar das críticas, o adversário não foi citado nominalmente nenhuma vez pelo petista durante o seu discurso. Lula disse ter orgulho de Geraldo Alckmin (PSB) ter aceitado ser vice e se comprometeu a trabalhar para trazer novos apoios para a sua candidatura:

— Queremos unir os democratas de todas as origens e matizes, das mais variadas trajetórias políticas, de todas as classes sociais e de todos os credos religiosos. Para enfrentar e vencer a ameaça totalitária, o ódio, a violência, a discriminação, a exclusão que pesam sobre o nosso país. Queremos construir um movimento cada vez mais amplo de todos os partidos, organizações e pessoas de boa vontade que desejam a volta da paz e da concórdia ao nosso país — discursou.

O ex-presidente se disse ainda perseguido em razão das acusações de corrupção que enfrentou, mas tentou garantir que, caso eleito, não governará olhando para o passado:

— Não esperem de mim ressentimentos, mágoas ou desejos de vingança. Primeiro, porque não nasci para ter ódio, nem mesmo daqueles que me odeiam.  Mas também a tarefa de restaurar a democracia e reconstruir o Brasil exigirá de cada um de nós um compromisso de tempo integral. Não temos tempo a perder odiando quem quer que seja.

De acordo com Lula, Bolsonaro usa as brigas para mascarar a sua incompetência.

— Não faremos jamais como o nosso adversário, que tenta mascarar a sua incompetência brigando o tempo todo com todo mundo

Lula também fez referência às crises de Bolsonaro com outros Poderes:

— É imperioso que cada um volte a tratar dos assuntos de sua competência. Sem exorbitar, sem extrapolar, sem interferir nas atribuições alheias. Chega de ameaças, chega de suspeições absurdas, chega de chantagens verbais, chega de tensões artificiais. O país precisa de calma e tranquilidade para trabalhar e vencer as dificuldades atuais. E decidirá livremente, no momento que a lei determina, quem deve governá-lo.

Paulo Fábio Dantas Neto*: Política anti-pane: visões laterais contra o fatalismo e o negacionismo

Foi-se o pior da pandemia e teremos eleições, notícias que trariam, respectivamente, alívio e esperança. No entanto, novos riscos se apresentam. Os ventos guerreiros pesados que sopram do exterior nesse momento sinalizam perigo ainda maior para a humanidade do que aquele que ainda mal vencemos. A eles agregam-se outros, domésticos (ou emanações domésticas de um infortúnio mundial), que rarefazem o ar em todo o Brasil, desde Brasília, trazendo maus presságios quanto ao futuro imediato. Como não podia deixar de ser, as recepções, quase sempre atônitas, dessa energia negativa variam e ainda mais variam as muitas vezes afoitas prescrições de solução. Um norte com que contamos para calçar a resistência é a consciência da força da incerteza. Consciência que pede gestos afins.

A sociedade brasileira fica inquieta quando assiste cada enésimo episódio de boçalidade a conta-gotas, como, por exemplo, um alpinista social medíocre sair do justo anonimato para um cargo de governo na área da cultura, insultar artistas consagrados numa semana e, na outra, cercado de outros rapazes zombeteiros, anunciar, como política libertária, o uso espúrio de recursos públicos para fomentar a “cultura” do armamento de milÍcias contra o Estado. De inquieta, a sociedade passa a ficar perplexa quando nenhuma autoridade aparece para enquadrar o preposto nos limites da lei e destinar-lhe a punição devida pela porciúncula de terrorismo de Estado que ele protagoniza nesses dias de fama fácil.

Diante de tais situações insólitas, que vão se tornando rotina, a política não vem produzindo vacinas nem abrindo horizontes amplos para deter a estratégia golpista. Limita-se ao varejo de arregimentações e dispersões eleitorais parciais, supondo que o básico (as eleições) está garantido e que tudo será uma questão de tempo até que as urnas resolvam as pendências e nos redimam. Até lá cada qual faz seu jogo como quer. Buscar unidade ou demarcação na oposição, diante do abismo; opor-se ou compor-se com o governo, diante do golpismo; e diante da polarização instalada, apostar na razão, na emoção, no escárnio ou na ameaça, tudo isso seria do jogo (“em qual eleição não foi e em qual não será sempre assim?”). Esse cinismo impune dissolve, melancolicamente, em mentes crentes na vida pública, a aspiração de reverter o estado crítico de equilíbrio instável em que ataques antidemocráticos e antirrepublicanos proliferam. Nessa morte civil, a hipótese de manter o estado crítico pelos próximos quatro anos parece, a corações apertados, um “menos mal’, quando comparada à da corda partir, afinal.

Vamos lá, usemos o jargão da moda e digamos, com algum otimismo, que outra narrativa é possível, a partir de um exemplo concreto. A exposição, neste sábado, da convergência quase completa de partidos de esquerda e centro-esquerda em torno da candidatura do ex-presidente líder das pesquisas é, em si, animadora. Oxalá seja um marco para que a aliança avance mais e passe a ser eixo da reunião do maior número possível de partidos, políticos e eleitores democratas, também fora da esquerda.

Para se chegar a esse tanto necessário os percalços abundarão. Há muito o que mudar no discurso e nos métodos de campanha de Lula e na sinalização da atitude política de um futuro governo que surja de seu sucesso nas urnas. Frisar isso não é ocioso nem sinal de má vontade, expressa uma pré-condição. Para se propor reconstrutor do país após a devastação bolsonarista, Lula precisará se conciliar com a parte da sociedade atual que herdou a decepção que ele causou em parte dos seus eleitores de 2002. Ao se apresentar, no momento, como a única opção competitiva para evitar a permanência de Bolsonaro, sua candidatura passa a ter uma função social que transcende o interesse de seus proprietários originários. É interesse nacional que ela se oriente para um objetivo cívico, por maior que seja a tensão entre esse objetivo, de um lado e, do outro, as disposições íntimas do protagonista e a argamassa política estruturadora do seu partido. Sua celebrada vocação de ator precisará provar que ainda pode prevalecer hoje sobre as feridas existenciais do seu ego e sobre o desejo de revanche que pulsa no seu entorno, do qual talvez se veja devedor. Um líder político da nação precisará domar o chefe de facção. O fracasso ou sucesso de Lula na lida com esse script conciliador será vivido não só por ele, mas pelo país.