O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou pelo Twitter, seu meio de comunicação predileto, a “derrota” do Estado Islâmico (EI) e a retirada da tropas americanas da Síria. “Nós derrotamos o Isis na Síria, a única razão para estarmos lá durante o meu governo”, escreveu Trump, no dia 19 de dezembro. As manifestações do presidente americano indicam precipitação, para não dizer irresponsabilidade. Nem o EI pode ser dado como derrotado nem a saída dos americanos da Síria pode ser uma boa medida, ao menos por ora.
Há cerca de 2.000 soldados americanos na Síria. Eles apoiam milícias locais que combatem os extremistas do EI e protegem os curdos contra os ataques da Turquia, especialmente ao lado da milícia YPG (Unidades de Proteção Popular, em português).
É fato que o EI perdeu muito espaço e muitos homens na guerra que vem travando contra a coalização formada por cerca de 70 países, liderados pelos EUA, na Síria e no Iraque. As porções de território sob domínio da brutal facção foram significativamente reduzidas nos últimos anos. Entretanto, é prematuro considerar subjugado o grupo terrorista.
A declaração de Trump preocupou países aliados dos EUA na Otan. “Fizemos o EI recuar, mas a ameaça não acabou. Há grande perigo de que a consequência dessa decisão (retirar as tropas americanas da Síria) prejudique a luta contra o EI e destrua o sucesso que foi alcançado até aqui”, disse o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas.
A reação mais contundente, no entanto, foi doméstica. Ninguém menos do que o secretário de Defesa dos EUA, James Mattis, apresentou sua carta de demissão após uma reunião com o presidente em que manifestou sua discordância sobre a política de Trump para o Oriente Médio e tentou, em vão, dissuadi-lo da decisão de sair da Síria. “O presidente merece alguém para comandar o Pentágono que esteja mais bem alinhado com seus pontos de vista”, escreveu Mattis.
A saída de Mattis do governo é preocupante. Poucos analistas se arriscam a adiantar o rumo que os EUA tomarão diante de desafios globais como as relações do país com a Rússia e a China, além das ameaças do Irã e da Coreia do Norte. Mattis era um contraponto aos arroubos belicosos do conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, e do secretário de Estado, Mike Pompeo.
“Ele (Mattis) agia como um moderador dos piores instintos de Trump no que se refere à Segurança Nacional”, disse à CNN Leon Panetta, secretário de Defesa no governo de Barack Obama. Para Panetta, Bolton e Pompeo encontrarão agora menores resistências às suas propostas agressivas para a política externa dos EUA.
Não deve ser fácil trabalhar com Donald Trump. Ao menos não para quem pende ao diálogo e à ponderação. Em dois anos de mandato, Trump já é, entre os cinco últimos presidentes, o que mais mudou ocupantes de postos-chave. Entre demissões e renúncias, já foram nove mudanças, quatro nos últimos dois meses.
A saída das tropas dos EUA da Síria interessa muito à Rússia e à Turquia. Não por acaso, o presidente russo, Vladimir Putin, veio a público no dia 20 para dizer que, “se os Estados Unidos decidiram retirar seu contingente, é a coisa certa a fazer”. Putin ainda arrematou dizendo que “Donald está certo, eu concordo com ele”. Tamanha afinidade, sobretudo em campo tão sensível, será objeto de mais especulações acerca da controvertida relação do presidente americano com os russos. Por sua vez, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, não encontrará mais resistência das forças americanas para continuar lançando sua ofensiva contra os curdos
O tweet de Trump, em certo sentido, lembra a faixa “Missão Cumprida” exibida pelo ex-presidente George W. Bush a bordo do porta-aviões USS Abraham Lincoln, em 2003. Discursando para as tropas, Bush afirmou que a guerra no Iraque havia chegado ao fim. A história mostrou o contrário. A ascensão do EI no Iraque foi corolário da retirada equivocada dos EUA daquele país.
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