Folha de S. Paulo
Inteligência artificial generativa tende a
restringir as oportunidades iniciais
Transição definirá se IA será motor de inclusão
ou obstáculo para uma geração
No passado, transformações tecnológicas —como
a disseminação do computador pessoal, nos anos 1980— reconfiguraram
profundamente o mercado de
trabalho, a estrutura de salários e as desigualdades.
Os ganhos de produtividade foram expressivos,
mas favoreceram mais os trabalhadores qualificados, em comparação aos de menor
escolaridade ou inseridos em ocupações rotineiras que foram automatizadas,
ampliando a desigualdade.
Agora, a inteligência
artificial generativa (IAG) sinaliza nova onda de mudança.
Algumas ferramentas, como assistentes virtuais em serviços de
atendimento, aumentam a produtividade em torno de 15%, chegando a 30% em
alguns casos. Já os impactos em emprego variam conforme o perfil dos
trabalhadores.
Muitas aplicações concentram-se em geração de
textos, sínteses e códigos —tarefas típicas dos recém-ingressos no mercado de
trabalho. Não por acaso, a taxa de desemprego entre jovens recém-formados está,
pela primeira vez em 30 anos, acima da média da economia americana.
Evidências recentes confirmam que os efeitos recaem sobretudo sobre eles.
Dados de milhões de trabalhadores nos EUA
mostram que jovens de 22 a 25 anos em ocupações expostas à IAG sofreram queda de emprego de cerca de 13% desde 2022, período de
forte expansão do uso dessas ferramentas no ambiente de trabalho.
Para as demais faixas etárias, nas mesmas
funções, o emprego continuou crescendo. Já em ocupações menos expostas, jovens
e adultos tiveram trajetória semelhante.
Isso sugere que a IAG está moldando de forma
decisiva o início da carreira de muitos jovens, especialmente daqueles que
investiram em "conhecimento codificado", adquirido em cursos formais,
mas facilmente replicado pelos algoritmos.
Nem todo uso da IAG, contudo, está associado
à queda do emprego: quando as aplicações complementam o trabalho humano
—apoiando processos, transmitindo boas práticas, difundindo conhecimento—, o
emprego de jovens até cresce. A redução concentra-se nas aplicações que
automatizam tarefas.
Esta dinâmica é inédita: em vez de abrir
espaço para os jovens mais escolarizados, como ocorreu em ondas tecnológicas
passadas, a IAG tende a restringir as oportunidades iniciais. Se a tendência se
consolidar, os jovens encontrarão menos portas abertas não por falta de
qualificação, mas porque parte de seu conhecimento já foi absorvida pelos
algoritmos.
De um lado, os ganhos de produtividade são
reais, podem dinamizar a economia e até produzir novas ocupações. De outro, se
a substituição recair sobre os jovens, os custos sociais poderão ser elevados e
duradouros.
O risco não é apenas de maior desemprego entre
os recém-formados, mas de erosão do processo de aprendizado no trabalho
—momento crucial de acumular "conhecimento tácito", construído pela
prática e menos suscetível à automação. Sem esse processo, compromete-se a
formação da experiência que sustenta o futuro da força de trabalho.
A regulação da IAG não deve se restringir aos
riscos de segurança ou aos vieses algorítmicos: é essencial incorporar também
seus efeitos distributivos.
Isso significa incentivar aplicações que
fortaleçam o aprendizado dos recém-ingressos, atualizar currículos
universitários para incluir as novas competências demandadas e apoiar a
realocação dos trabalhadores afetados. A forma como conduzirmos essa transição
determinará se a revolução da IAG será motor de inclusão produtiva ou, ao
contrário, obstáculo para toda uma geração.