terça-feira, 12 de agosto de 2025

Haddad, Bessent e a inversão do ônus da prova - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

O bolsonarismo cava medidas contra o Brasil, obstrui qualquer tentativa do governo de revertê-las e depois repreende Lula e ministros por não terem acesso a Trump e aos secretários

No dia 21 de julho, o ministro Fernando Haddad repassou à sua chefia de gabinete o pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que marcasse uma conversa com o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent. O pedido foi repassado para seu assessor internacional, Mathias Alencastro. Sua agenda mantinha contatos que não mudaram desde a vinda de Janet Yellen ao G20 e também daqueles que foram acionados para o encontro entre os ministros da economia em 4 de maio em Los Angeles.

No dia 1 de agosto, numa mensagem por WhatsApp, uma assessora do secretário deu sinal verde para o agendamento. No dia 4 de agosto, em troca de e-mails, foi formalizado o pedido de encontro por chamada de vídeo e, no dia seguinte, tudo ficou acertado para que a conversa se realizasse em 13 de agosto. Quinze horas depois, a Fazenda recebeu, por e-mail, o cancelamento do encontro sem nova data. Nesta segunda, Haddad disse à GloboNews que tudo se deveu à ação da “extrema-direita”.

No relato de uma fonte do Tesouro americano, Bessent tinha interesse no encontro e, de fato, o havia confirmado, mas, na manhã de quinta, 6, mandou cancelar. Bessent, de acordo com este relato, não é ideológico, mas pragmático. Se o Brasil tivesse, para os EUA, o peso de uma China, Japão ou União Europeia, diz, o secretário poderia se dispor a comprar a briga com o que chama de “bando de obcecados de extrema-direita” que cerca Trump, mas como o efeito do tarifaço sobre o PIB e a inflação americanos não será assim tão significativo, decidiu recuar.

Entre a confirmação do encontro e seu cancelamento, o ex-presidente Jair Bolsonaro teve prisão domiciliar decretada. A ordem de prisão não impediu que o endereço eletrônico da chamada fosse enviado pela equipe de Bessent e as equipes de tradutores e de tecnologia dos dois gabinetes fossem acionadas. Ao longo do dia 5, porém, enquanto as equipes finalizavam os acertos para o encontro, a jornalista Bela Megale, de “O Globo”, fazia uma entrevista com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

Nesta entrevista, o filho do ex-presidente dizia ter feito chegar à Casa Branca a informação sobre a prisão domiciliar do pai: “Estou levando a prisão ao conhecimento das autoridades americanas e a gente espera que haja uma reação (...) Não sei se isso vai passar pela mesa do Trump ou pelo secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio. Espero que haja uma reação nos próximos momentos”. A entrevista foi publicada no site de “O Globo” às 4h da manhã do dia 6 e, às 11h, o gabinete de Bessent enviou, para o de Haddad, o e-mail de cancelamento do encontro.

Eduardo Bolsonaro não quis dizer quem são seus contatos na Casa Branca, mas o Ministério da Fazenda, na tentativa de entender o que se passou, já os mapeou. O filho do ex-presidente conheceu dois deles, Jason Miller e Sebastian Gorka, na Conferência Política da Ação Conservadora (Cpac), uma frente da direita mundial que ele representa no Brasil.

Miller, que dirige a rede social GETTR, foi estrategista da campanha de Donald Trump e continua a atuar informalmente como seu conselheiro, chegou a ser interrogado pela Polícia Federal em setembro de 2021 quando esteve no Brasil para um encontro do Cpac a convite de Eduardo Bolsonaro.

Gorka é um inglês de origem húngara que estudou nos Estados Unidos e trabalhou como conselheiro para assuntos de Defesa do governo Viktor Orban. Foi estrategista-assistente de Trump no seu primeiro governo e, neste, permanece na equipe de assessoramento do presidente americano como diretor-sênior para contraterrorismo.

Eduardo Bolsonaro tem mais dois contatos diretos com o segundo escalão do Departamento de Estado, o equivalente ao Itamaraty: Darren Beattie e Ricardo Pita. Beattie é subsecretário de diplomacia pública e Pita é conselheiro sênior para o hemisfério ocidental. Foi Beattie o autor da publicação, no X, que ameaçou os “aliados” do ministro Alexandre de Moraes que viessem a encorajá-lo. Pita, de origem venezuelana, chegou a visitar o ex-presidente em maio.

O filho do presidente já os havia acionado quando a comitiva de senadores foi a Washington, na tentativa de dificultar reuniões com autoridades americanas, entre os quais de dois ex-ministros do governo de seu pai, Teresa Cristina (PP-MS) e Marcos Ponte (PL-SP). Também foi graças à sua intervenção que o encontro do chanceler Mauro Vieira com o secretário do Departamento de Estado, Marco Rubio, se deu fora da agenda e da sede da diplomacia americana. Voltou à carga para impedir que Haddad pudesse contactar Bessent.

A obstrução do bolsonarismo às tentativas do governo brasileiro de acessar o governo americano frustra a estratégia da oposição em fazer a inversão do ônus da prova. O mais ativo nesta missão é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Depois de saudar as investidas de Trump contra o Brasil, Tarcísio disse, na sexta, que Lula “agrediu um parceiro histórico do Brasil”. Nesta segunda, o governador voltou à carga ao cobrar que o presidente ligue para Trump.

A estratégia é clara. O bolsonarismo cava medidas contra o Brasil, obstrui qualquer tentativa do governo de revertê-las e depois repreende Lula e ministros por não terem acesso à Casa Branca e aos secretários. Constroem assim o discurso de que foi a política externa que provocou o tarifaço. Só convencem por ignorância ou má-fé.

 

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