Valor Econômico
O bolsonarismo cava medidas contra o Brasil,
obstrui qualquer tentativa do governo de revertê-las e depois repreende Lula e
ministros por não terem acesso a Trump e aos secretários
No dia 21 de julho, o ministro Fernando
Haddad repassou à sua chefia de gabinete o pedido do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva para que marcasse uma conversa com o secretário do Tesouro
americano, Scott Bessent. O pedido foi repassado para seu assessor
internacional, Mathias Alencastro. Sua agenda mantinha contatos que não mudaram
desde a vinda de Janet Yellen ao G20 e também daqueles que foram acionados para
o encontro entre os ministros da economia em 4 de maio em Los Angeles.
No dia 1 de agosto, numa mensagem por WhatsApp, uma assessora do secretário deu sinal verde para o agendamento. No dia 4 de agosto, em troca de e-mails, foi formalizado o pedido de encontro por chamada de vídeo e, no dia seguinte, tudo ficou acertado para que a conversa se realizasse em 13 de agosto. Quinze horas depois, a Fazenda recebeu, por e-mail, o cancelamento do encontro sem nova data. Nesta segunda, Haddad disse à GloboNews que tudo se deveu à ação da “extrema-direita”.
No relato de uma fonte do Tesouro americano,
Bessent tinha interesse no encontro e, de fato, o havia confirmado, mas, na
manhã de quinta, 6, mandou cancelar. Bessent, de acordo com este relato, não é
ideológico, mas pragmático. Se o Brasil tivesse, para os EUA, o peso de uma
China, Japão ou União Europeia, diz, o secretário poderia se dispor a comprar a
briga com o que chama de “bando de obcecados de extrema-direita” que cerca
Trump, mas como o efeito do tarifaço sobre o PIB e a inflação americanos não
será assim tão significativo, decidiu recuar.
Entre a confirmação do encontro e seu
cancelamento, o ex-presidente Jair Bolsonaro teve prisão domiciliar decretada.
A ordem de prisão não impediu que o endereço eletrônico da chamada fosse
enviado pela equipe de Bessent e as equipes de tradutores e de tecnologia dos
dois gabinetes fossem acionadas. Ao longo do dia 5, porém, enquanto as equipes
finalizavam os acertos para o encontro, a jornalista Bela Megale, de “O Globo”,
fazia uma entrevista com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Nesta entrevista, o filho do ex-presidente
dizia ter feito chegar à Casa Branca a informação sobre a prisão domiciliar do
pai: “Estou levando a prisão ao conhecimento das autoridades americanas e a
gente espera que haja uma reação (...) Não sei se isso vai passar pela mesa do
Trump ou pelo secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio. Espero que haja uma
reação nos próximos momentos”. A entrevista foi publicada no site de “O Globo”
às 4h da manhã do dia 6 e, às 11h, o gabinete de Bessent enviou, para o de Haddad,
o e-mail de cancelamento do encontro.
Eduardo Bolsonaro não quis dizer quem são
seus contatos na Casa Branca, mas o Ministério da Fazenda, na tentativa de
entender o que se passou, já os mapeou. O filho do ex-presidente conheceu dois
deles, Jason Miller e Sebastian Gorka, na Conferência Política da Ação
Conservadora (Cpac), uma frente da direita mundial que ele representa no
Brasil.
Miller, que dirige a rede social GETTR, foi
estrategista da campanha de Donald Trump e continua a atuar informalmente como
seu conselheiro, chegou a ser interrogado pela Polícia Federal em setembro de
2021 quando esteve no Brasil para um encontro do Cpac a convite de Eduardo
Bolsonaro.
Gorka é um inglês de origem húngara que
estudou nos Estados Unidos e trabalhou como conselheiro para assuntos de Defesa
do governo Viktor Orban. Foi estrategista-assistente de Trump no seu primeiro
governo e, neste, permanece na equipe de assessoramento do presidente americano
como diretor-sênior para contraterrorismo.
Eduardo Bolsonaro tem mais dois contatos
diretos com o segundo escalão do Departamento de Estado, o equivalente ao
Itamaraty: Darren Beattie e Ricardo Pita. Beattie é subsecretário de diplomacia
pública e Pita é conselheiro sênior para o hemisfério ocidental. Foi Beattie o
autor da publicação, no X, que ameaçou os “aliados” do ministro Alexandre de
Moraes que viessem a encorajá-lo. Pita, de origem venezuelana, chegou a visitar
o ex-presidente em maio.
O filho do presidente já os havia acionado
quando a comitiva de senadores foi a Washington, na tentativa de dificultar
reuniões com autoridades americanas, entre os quais de dois ex-ministros do
governo de seu pai, Teresa Cristina (PP-MS) e Marcos Ponte (PL-SP). Também foi
graças à sua intervenção que o encontro do chanceler Mauro Vieira com o
secretário do Departamento de Estado, Marco Rubio, se deu fora da agenda e da
sede da diplomacia americana. Voltou à carga para impedir que Haddad pudesse
contactar Bessent.
A obstrução do bolsonarismo às tentativas do
governo brasileiro de acessar o governo americano frustra a estratégia da
oposição em fazer a inversão do ônus da prova. O mais ativo nesta missão é o
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Depois de saudar as investidas de
Trump contra o Brasil, Tarcísio disse, na sexta, que Lula “agrediu um parceiro
histórico do Brasil”. Nesta segunda, o governador voltou à carga ao cobrar que
o presidente ligue para Trump.
A estratégia é clara. O bolsonarismo cava
medidas contra o Brasil, obstrui qualquer tentativa do governo de revertê-las e
depois repreende Lula e ministros por não terem acesso à Casa Branca e aos
secretários. Constroem assim o discurso de que foi a política externa que
provocou o tarifaço. Só convencem por ignorância ou má-fé.
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