Eleição boliviana é alerta sobre risco do populismo
O Globo
Depois de engendrar crise fiscal, partido
fundado por Evo Morales está fora do 2º turno e não fez um deputado sequer
O desfecho do primeiro turno da eleição
presidencial na Bolívia marca
o encerramento de um ciclo de 20 anos, em que o poder foi ocupado quase todo
tempo pelo Movimento ao Socialismo (MAS), fundado por Evo Morales.
O candidato do MAS, Eduardo del Castillo, ficou entre os menos votados. O
segundo turno será disputado em outubro pelo senador centrista Rodrigo Paz, do
Partido Democrata Cristão, e pelo ex-presidente Jorge Quiroga, da oposicionista
Aliança Livre. O resultado traduz o esgotamento do discurso nacionalista de
esquerda que sustentava Morales — ele deixou o partido no início do ano e hoje
está foragido por enfrentar processo por estupro de menor e tráfico humano. O
MAS não elegeu um representante sequer ao Congresso.
A missão prioritária do futuro governo será
debelar a grave crise econômica, resultado da deterioração fiscal. A inflação
anual era de 0,77% em março de 2022. Três anos depois, chegou a 23,96%, maior
nível em 34 anos. O descontrole dos preços é acompanhado pela escassez de bens
de primeira necessidade. A dívida pública, que caíra de 82% para 35% do PIB no
primeiro mandato de Morales, voltou a subir e está em 95%, segundo o Fundo Monetário
Internacional (FMI).
A crise foi fermentada durante os governos sucessivos de Morales. Eleito pela primeira vez em 2005, ele tirou proveito das grandes reservas de gás bolivianas para ampliar o gasto público e promover políticas sociais de impacto. Depois de obter a aprovação de uma nova Constituição em 2008, foi reeleito e obteve nova vitória em 2014. Conseguiu então na Justiça o direito a uma quarta candidatura em 2019, desafiando referendo de 2016 que vedava mais de duas reeleições consecutivas. No pleito de 2019, observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA) constataram irregularidades flagrantes. Instalou-se grave crise política que culminou com sua renúncia por pressão militar e uma sucessão conturbada. A crise institucional só foi debelada quando o atual presidente, Luis Arce, do MAS, foi eleito em 2020.
Pouco antes do referendo de 2016, estourou a
revelação de que Morales mantivera relacionamento com uma executiva de uma
empresa chinesa beneficiada por contratos milionários com o governo. No ano
passado, eclodiu a investigação por estupro. Sua imagem de honestidade e
simplicidade indígenas ficou irremediavelmente queimada. “Existe muito
desencantamento e frustração pela maneira como o MAS usou e desperdiçou os
recursos políticos e econômicos que teve ao seu alcance”, disse ao GLOBO
Roberto Laserna, pesquisador do Centro de Estudos da Realidade Econômica e
Social.
Economicamente, a queda na produção de gás
teve impacto fulminante nas contas públicas. O déficit fiscal atingiu 10% do
PIB. A queda nas exportações levou à escassez crônica de dólares. Só o serviço
da dívida externa será de US$ 1,6 bilhão neste ano — e o país não tem reservas.
“A perspectiva macroeconômica sob as políticas atuais é insustentável, e o
risco de crise fiscal e no balanço de pagamentos é crescente”, afirma o último
relatório do FMI sobre a Bolívia.
O naufrágio de Morales e do MAS serve de
alerta para a América Latina sobre o risco de políticas populistas, que
invariavelmente acabam em inflação, recessão e desemprego. Seja quem for o
vitorioso em outubro, a Bolívia terá de passar por severo ajuste fiscal.
Ensino em tempo integral avança, mas ainda em
ritmo insuficiente
O Globo
Modelo já alcança 23% das matrículas no
Brasil, mas é pouco perto da necessidade do país
Tem deixado a desejar a implantação do ensino
em tempo integral nas escolas brasileiras. Desde a sanção da lei do Programa
Escola em Tempo Integral pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2023,
houve avanço, mas ainda em ritmo insuficiente para suprir a necessidade. As
matrículas nessa modalidade de ensino na rede pública saltaram de 18% para 23%,
ante meta de 25%, segundo dados do último Censo escolar. Na rede privada, ela é
ainda mais incipiente: apenas 12% dos matriculados estudam em período integral,
com carga superior a 35 horas semanais (ou 7 horas diárias). Das quase 135 mil
escolas brasileiras, cerca de 40% ainda funcionam sem nenhuma matrícula em
tempo integral, e só 15% estenderam essa modalidade a todos os alunos.
São comprovados os benefícios do ensino em
período integral. Um estudo recente dos institutos Natura e Sonho Grande, com
base nos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb), constatou que alunos em período integral obtiveram na prova 6 pontos a
mais em matemática (o equivalente a um ano a mais de aprendizado) e 4 pontos a
mais em língua portuguesa (ou meio ano de aprendizado). É citado com frequência
o sucesso do modelo em Pernambuco, que saltou da 21ª para as primeiras posições
no Ideb depois de implantá-lo. A experiência pernambucana mostra que não é preciso
construir novas escolas, mas sim reorganizar as turmas. Dá para estender salas
de aula sem grandes investimentos. O custo aumenta ao redor de 30% para o aluno
ter o dobro de aulas, e a evasão desaba (cai a 1%).
A primeira referência ao ensino integral no
Brasil foi feita no Programa Mais Educação, de 2007, no início do segundo mandato
de Lula. De lá para cá, o progresso tem ficado muito aquém do desejável. É
certo que, num país com grandes desníveis de renda e disparidades regionais, a
ampliação do modelo não é tarefa fácil. Mas isso não serve de justificativa
para atrasos na implantação da política. As matrículas têm se expandido
sobretudo nos grandes centros urbanos, onde a rede pública é mais ampla. Tal
tendência pode acentuar os desníveis de aprendizado entre essas cidades e as
regiões interioranas.
O ensino integral não se resume a manter os estudantes mais tempo na escola. Além de fornecer alimentação saudável, a escola precisa de acompanhamento pedagógico mais próximo e deve oferecer atividades complementares no campo dos esportes e das artes. A maior permanência na escola é crítica para o sucesso do Novo Ensino Médio. O governo não tem medido esforços para financiar o programa Pé-de-Meia, que oferece dinheiro para manter os alunos na escola até o final do ensino médio. Mas isso não pode ocorrer em detrimento da expansão do ensino básico em tempo integral, projeto fundamental para a educação da população e o desenvolvimento do país.
Aumento da inadimplência desacelera o crédito
Valor Econômico
No terceiro trimestre, a revisão das
carteiras de crédito deve atingir principalmente os pequenos negócios
As condições do crédito se deterioraram ao
longo do ano, mostrou pesquisa trimestral divulgada pelo Banco Central (BC), em
consequência do aumento da inadimplência entre pessoas físicas e alguns
setores, como o agronegócio. Em resposta, os bancos reduziram as concessões e
outros planejam fazer isso, como relataram na divulgação dos balanços
semestrais.
O presidente do BC, Gabriel Galípolo, já
havia antecipado essa trajetória ao comentar a decisão de manter pela segunda
vez consecutiva a taxa básica de juros (Selic) em 15% ao ano, na reunião de
julho do Comitê de Política Monetária (Copom). Ele atribuiu a desaceleração
visível do crédito ao efeito da atuação da política monetária, apesar dos dados
firmes do mercado de trabalho.
De acordo com a pesquisa, as instituições
financeiras indicaram que a oferta de crédito diminuiu, especialmente para as
famílias e na linha habitacional, em função do custo elevado e da menor
disponibilidade de funding, além de comprometimento de renda do consumidor,
atrasos de pagamentos e menor tolerância ao risco.
Após o fim dos programas Desenrola Brasil,
para pessoas físicas e microempreendedores individuais (MEIs), e Desenrola
Pequenos Negócios, para micro e pequenas empresas (MPEs), a inadimplência
voltou a crescer, constatou a Serasa. Em junho, havia 77,9 milhões de pessoas
inadimplentes, o maior número já registrado. Cada CPF negativado tem, em média,
quatro dívidas ativas. Há 7,7 milhões de companhias com contas em atraso, das
quais 7,3 milhões são MPEs.
O aumento da inadimplência aparece no balanço
das operações de crédito feito pelo BC, que indicou percentual de 3,6% em
junho, acima dos 3,2% do mesmo mês de 2024, considerando os atrasos superiores
a 90 dias. No crédito livre, a inadimplência subiu a 5% em junho em comparação
com 4,5% um ano antes, elevação concentrada nas operações com pessoas físicas.
Os atrasos acima de 90 dias passaram de 5,5% para 6,3% nos 12 meses terminados
em junho. Em maio, o endividamento das famílias foi de 49%, acima dos 47,6% de
um ano antes; e o comprometimento de renda avançou 1,9 ponto em 12 meses,
atingindo 27,8%. Entre as empresas, o índice ficou estável em 3,1%.
A expansão do saldo do crédito bancário
desacelerou novamente em junho, para 10,7% em 12 meses, inferior aos 11,8%
registrados em maio na mesma base de comparação e bem menor do que os 12,3% de
fevereiro. A freada aconteceu em todos os segmentos. No caso das pessoas
físicas, o crescimento em 12 meses foi de 11,9%, abaixo do pico de 13% atingido
em março deste ano.
Entre as pessoas jurídicas, a taxa despencou
de 10,9% em maio para um dígito, 8,8%, em junho, e foi afetada também pelo
efeito das mudanças do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que passou a
incidir nas operações de risco sacado, eliminado depois por decisão do ministro
Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Os balanços do primeiro semestre dos bancos
mostram que as três maiores instituições privadas conseguiram manter estáveis
as dívidas em atraso dos clientes, o que pode ser explicado pela cautela na
concessão de crédito, especialmente nas linhas direcionadas para as pessoas
físicas, evitando as perdas.
Na direção oposta foi o Banco do Brasil, que
teve queda de 60% lucro líquido ajustado no segundo semestre na comparação com
o mesmo período de 2024. A redução do ganho foi causada pelo aumento das
provisões para perdas, que mais do que dobraram para fazer frente à
inadimplência e ao cumprimento de novas regras do BC para essas reservas, e ao
foco da instituição no agronegócio, que concentra 33,8% da carteira total de
crédito. A inadimplência total do banco subiu de 3% da carteira em junho de
2024 para 4,2%. Nada menos que 808 clientes do agronegócio entraram em
recuperação judicial, derrubando o resultado.
Desde o início do ano, os bancos passaram a
cumprir novas regras para a constituição de provisões para possíveis perdas com
crédito, o que está exigindo o aumento das reservas. As provisões passaram a
levar em conta não apenas as perdas efetivamente registradas, como antes, mas
também as futuras, estimadas pelos modelos de risco, que levam em conta o
perfil dos tomadores e as condições econômicas e de mercado. O reforço de
provisão está mais de 50% acima do que havia sido estimado e explica em parte a
expectativa de que o crédito seguirá em velocidade contida nos próximos meses.
Neste terceiro trimestre, a revisão das
carteiras deve atingir principalmente os pequenos negócios. O aumento do risco
também é preocupação em relação às grandes empresas de alguns setores, como as
exportadoras, diante das restrições às vendas externas criadas pelo governo
americano à compra de produtos brasileiros e à expectativa de retração do
comércio global.
O freio no crédito contribuirá para desacelerar a economia, como registram os indicadores mais recentes. As altas taxas de juros têm grandes efeitos colaterais, mas é a opção quando o governo amplia o déficit fiscal e dista da austeridade.
Reforma da Previdência precisa prosseguir sem
retrocessos
Folha de S. Paulo
Ao formar maioria pela validade de mecanismo
que reduz cálculo de aposentadorias, STF pode evitar rombo de R$ 130 bilhões
Déficit pode alcançar R$ 810 bilhões em 2040, impulsionado pelo envelhecimento populacional e por benefícios que crescem acima da inflação
Na direção correta, o Supremo
Tribunal Federal formou maioria a favor da validade da
aplicação do fator
previdenciário nas aposentadorias proporcionais concedidas sob
a regra de transição da reforma da
Previdência de 1998.
Em linha com o voto do relator,
ministro Gilmar Mendes,
vingou até aqui a tese de que o mecanismo —um redutor no cálculo dos
benefícios, a depender do tempo de contribuição e idade do segurado— é
constitucional para aposentados filiados ao Regime Geral de Previdência Social
(RGPS) antes da promulgação da reforma.
Eventual posição contrária teria um impacto
devastador. Projeção da Advocacia-Geral da União,
baseada em revisões potenciais de benefícios concedidos entre 2016 e 2025,
aponta um custo extra aos cofres públicos em torno de R$ 130 bilhões.
Nessa hipótese, seria aprofundado o já
crônico desequilíbrio previdenciário, forçando o governo a realocar recursos de
áreas essenciais ou elevar ainda mais a opressiva carga de impostos.
Os dados gerais do déficit previdenciário
reforçam a visão de que reformar o sistema não pode ser evento isolado, mas
esforço continuado. A reforma de
2019 foi passo importante, mas insuficiente ante o déficit
persistente e a rigidez orçamentária.
Em 2024, segundo o TCU, o RGPS
registrou déficit de R$ 303,8 bilhões; o regime próprio dos servidores federais
civis, de R$ 55,8 bilhões; e o regime dos militares, de R$ 50,9 bilhões
—totalizando R$ 410,5 bilhões na União.
Estimativas indicam que, sem ajustes, o rombo
pode alcançar R$ 810 bilhões em 2040, impulsionado pelo envelhecimento
populacional e por benefícios que crescem acima da inflação.
Não é preciso aguardar tal futuro sombrio,
porém. As dificuldades para fechar as contas já são realidade corrente, como
alerta o próprio Ministério da Previdência Social. Neste mês de agosto, a pasta
manteve a projeção de gastos de R$ 1,032 trilhão em 2025 com benefícios,
sentenças judiciais e algumas compensações devidas a estados e municípios.
No entanto tais estimativas não consideram
itens que elevarão despesas nesta segunda metade do ano, caso de redução da
fila do INSS e
da decisão do STF sobre
isenção de carência para o salário-maternidade. Até agora, as despesas já
superam as projeções em R$ 16,7 bilhões, valor que ainda deve crescer.
Cumpre persistir no esforço reformista, que
deve incluir a desvinculação de benefícios do salário mínimo para conter
reajustes automáticos acima da inflação, a equiparação das idades mínimas
de aposentadoria entre
homens e mulheres e o alinhamento de regimes especiais (como de militares e
servidores) às regras gerais, eliminando privilégios que perpetuam
desigualdades.
Só assim será garantida sustentabilidade,
justiça social e geracional, além de mais espaço para investimentos e políticas
públicas tão essenciais e hoje relegadas por falta de recursos.
Polarização política distribui culpas pelo
tarifaço
Folha de S. Paulo
Segundo Datafolha, divisão entre os que
responsabilizam Lula (35%) e Bolsonaros (39%) espelha preferências ideológicas
Polos radicalizados mantêm seus líderes protagonistas na política, mas prejudicam o debate e a formação de consensos essencial para o país
Pode causar estranheza, à primeira vista,
que 35% dos
brasileiros aptos a votar considerem que Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) seja o principal culpado pelo choque
tarifário aplicado pelo governo de Donald Trump às
exportações brasileiras para os EUA, segundo pesquisa Datafolha deste
mês.
É fato que Lula pode não ser uma figura das
mais simpáticas à Casa Branca, dados o antiamericanismo que contamina a
política externa petista, a proximidade com a China no Brics ou
a defesa doutrinária do protecionismo comercial histórico do Brasil. Mas essas
são velhas parolagens secundárias na geopolítica global, que nem de longe
justificam a taxação brutal de 50%.
O próprio Trump, ademais, citou repetidamente
o processo contra Jair
Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal
Federal ao anunciar suas sanções, e Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente,
propagandeia sua influência na ofensiva do republicano.
De acordo com o Datafolha, Jair Bolsonaro é
tido como o maior culpado pelas tarifas americanas por 22% do eleitorado, e
Eduardo, por 17%. Os dois percentuais somados, portanto, mal superam o amargado
por Lula.
Parece evidente que as avaliações são
pautadas pela polarização ideológica que marca a política brasileira dos
últimos anos —e o bolsonarismo mantém grande influência sobre a opinião pública
nacional, a despeito das agruras judiciais de seu líder.
Note-se ainda que 15% dos votantes culpam o
ministro Alexandre de
Moraes, relator da ação contra Bolsonaro no Supremo Tribunal
Federal, pelo tarifaço.
A agressão de Trump deu a Lula a preciosa
oportunidade política de atuar como defensor dos interesses do país. Nem por
isso o apoio ao petista se estendeu além das dimensões habituais.
Em outra
pesquisa recente do Datafolha, 39% dos entrevistados se
declararam mais identificados com o petismo, e 37%, com o bolsonarismo, num
empate técnico que abarca três quartos do eleitorado nacional —o quarto
restante reúne os neutros (18%), os avessos aos dois polos (5%) e os que não
souberam responder (1%).
A fidelidade se mantém elevada nos dois
grandes blocos, espelhando a disputa presidencial de 2022, vencida por Lula com
vantagem mínima sobre Bolsonaro.
Tal situação convém aos expoentes de ambos os lados, que se mantém protagonistas na política mesmo sem conquistar maiorias sólidas na sociedade. É prejudicial à racionalidade do debate, à civilidade do diálogo e à formação de consensos essencial para o avanço da agenda do país.
A conta da prestidigitação fiscal
O Estado de S. Paulo
Gastos não contabilizados na meta fiscal ao
longo do governo Lula se aproximam de R$ 390 bilhões, evidenciam fraqueza do
arcabouço e explicam por que o País pratica juros tão elevados
O mais recente artifício a que o governo
recorreu para preservar a meta fiscal foi a exclusão dos gastos relacionados ao
plano de socorro para exportadores afetados pelo tarifaço imposto pelos Estados
Unidos, estimado em R$ 9,5 bilhões. Há que reconhecer que o estrago ficou até
relativamente contido, tendo em vista o histórico desse tipo de pacote e as
relações de proximidade que os setores atingidos mantêm com o Executivo
federal, mas a manobra é apenas mais uma a engrossar uma longa lista de
despesas contabilizadas fora da meta fiscal ao longo do governo Lula da Silva.
Reportagem publicada pelo Estadão mostra que essa
conta está cada vez mais próxima dos R$ 400 bilhões. Cálculos da XP
Investimentos apontam que as despesas fora da meta devem alcançar ao menos R$
387,8 bilhões até o fim de 2026, enquanto o BTG Pactual estima que elas
chegarão a R$ 389,7 bilhões. São números impressionantes, sobretudo quando se
considera que a meta para este ano é de déficit zero e que a margem de
tolerância é de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), o que equivaleria a R$ 31
bilhões.
A equipe econômica tem resposta pronta para o
rombo – e a culpa, como sempre, é de Jair Bolsonaro. Para o Ministério da
Fazenda, políticas adotadas pelo ex-presidente seriam responsáveis por 87% desse
número. De fato, não se deve esquecer que o calote nos precatórios
institucionalizado pelo governo anterior contribui com boa parte dessa cifra –
R$ 92,38 bilhões em 2023, R$ 45,30 bilhões neste ano e R$ 55,10 bilhões no
próximo. Mas os valores não chegam ao porcentual supracitado, tampouco são a
única razão a explicar a conta.
Parte relevante desse rombo se deve aos
gastos relacionados à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição,
aprovada e promulgada pelo Congresso no fim de 2022 com o apoio explícito de
Lula da Silva. Bem se sabe que era preciso recompor o Orçamento e retomar
políticas públicas destruídas pelos anos de bolsonarismo, mas parlamentares e
integrantes do governo recém-eleito aproveitaram o ensejo para se refestelar, o
que fez com que os gastos fora da meta atingissem R$ 145 bilhões.
A derrubada do antigo teto de gastos e sua
substituição pelo arcabouço ressuscitaram os pisos constitucionais de saúde e
educação e sua vinculação à arrecadação. Ademais, o governo, com o aval do Congresso,
ainda estabeleceu uma nova política que garantiu aumento real para o salário
mínimo, piso que é referência para aposentadorias, pensões e o Benefício de
Prestação Continuada (BPC), entre outros benefícios pagos pelo Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS).
A dificuldade do governo Lula em colocar as
contas em ordem é consequência dessa decisão. Ao aumentar as despesas
obrigatórias já de saída em um nível muito acima da inflação e garantir
reajustes próprios para boa parte delas, o governo tornou impossível a tarefa
de limitá-las a um porcentual das receitas, como determina o arcabouço fiscal.
O resultado era previsível. Assim como o
teto, o arcabouço passou a comprimir cada vez mais o já reduzido espaço das
despesas discricionárias, entre elas investimentos e emendas parlamentares.
Assim, em vez de mirar o centro da meta, o governo passou a buscar seu limite
inferior, não deixando gordura alguma para lidar com acontecimentos
imprevisíveis.
E eles foram muitos: as calamidades causadas
pelas enchentes no Rio Grande do Sul e pelas queimadas no Norte e Centro-Oeste,
a fraude dos descontos indevidos nos benefícios do INSS e as sequelas da
agressiva política comercial conduzida por Donald Trump, entre outros. Com a
proximidade das eleições presidenciais, não é preciso ser um profeta para
prever que a conta das despesas fora da meta fiscal aumentará até o fim de
2026.
A recorrência com que o Executivo apela a
artimanhas para não ter de admitir a necessidade de mudar a meta só desmoraliza
a âncora fiscal. Enquanto o governo apregoa que alcançará o déficit zero como
se esse objetivo fosse um fim em si mesmo, a dívida pública avança na proporção
do PIB, exige juros cada vez maiores para ser financiada e escancara a
incapacidade do arcabouço de reequilibrar as contas públicas.
O cacoete autoritário do lulopetismo
O Estado de S. Paulo
Governo Lula aproveita comoção com pedofilia
online para rascunhar um projeto que suspende redes sociais sem necessidade de
ordem judicial, apenas pela vontade de órgão do Executivo
A comoção provocada por um vídeo do
influenciador digital Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, no qual
ele expôs os sórdidos mecanismos de exploração sexual infantil nas redes sociais,
sensibilizou a sociedade e, por óbvio, chamou a atenção do governo Lula da
Silva. A gravidade das denúncias feitas por Felca não deixa dúvida de que o
País precisa fortalecer seus instrumentos legais de proteção de crianças e
adolescentes no ambiente digital. O busílis é que, a pretexto de enfrentar um
problema relevante, Lula parece empenhado em revigorar o conhecido projeto
lulopetista de controlar o fluxo de informações nas plataformas digitais.
Segundo o que se sabe a respeito do projeto
de lei a ser encaminhado pelo Palácio do Planalto ao Congresso sobre o assunto,
o governo pretende concentrar poderes inéditos em uma reformulada Autoridade
Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão vinculado ao Ministério da Justiça.
Entre eles, o de determinar, por decisão administrativa, sem prévia autorização
judicial, o bloqueio por até 60 dias de qualquer rede social que seja
considerada negligente no combate à pedofilia online e a outros crimes
diversos, como fraudes e golpes. Não há exagero em qualificar uma medida desse
jaez como autoritária. Conferir a um ente subordinado ao Executivo a faculdade
de retirar do ar plataformas usadas diariamente por milhões de brasileiros,
para os mais variados fins, abre uma avenida para arbitrariedades de toda
ordem.
É evidente que a pedofilia online e outras
formas de exploração de crianças e adolescentes exigem uma resposta firme do
Estado. Mas essa resposta, por óbvio, deve respeitar o devido processo legal.
Desde o julgamento da constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da
Internet, concluído pelo Supremo Tribunal Federal em junho passado, a retirada
de conteúdos do ar pode ser feita mediante notificação dos usuários – exceto no
caso de crimes contra a honra –, mas a suspensão das plataformas só pode ser
determinada pelo Judiciário, em processos que assegurem o contraditório e a
ampla defesa. Ao pretender substituir esse escrutínio judicial por um processo
administrativo conduzido por uma agência ligada ao governo, a proposta do
Palácio do Planalto embute o risco de o combate aos crimes digitais ser
transformado em um poderoso instrumento político nas mãos do governo.
Não é a primeira vez que o PT revela sua
tentação autoritária no campo da comunicação. O partido nunca escondeu a
obsessão por implementar no País o tal “controle social da mídia”, eufemismo
nada sutil para censura. Ao propor medidas de enfrentamento a um crime real com
tantas lacunas hermenêuticas – afinal, o que levará um burocrata a certificar
que uma empresa de tecnologia foi “negligente” no combate à pedofilia online?
–, o projeto do governo embaralha fronteiras que deveriam ser cristalinas do
ponto de vista legal. O risco é que a mão do governo de turno se estenda para
decidir, com o polegar para cima ou para baixo, o que pode ou não circular nas
redes sociais. Isso não tem outro nome: é arbítrio.
Eis o ponto fundamental: não cabe ao
Executivo arbitrar o discurso público. O combate à pedofilia e a outras formas
de violência online deve ser conduzido pelas instituições republicanas nos
estritos limites do Estado Democrático de Direito, não por meio de uma
estrutura burocrática de controle da informação circulante com poder quase
ilimitado. Se levada adiante, a proposta de Lula dará ao governo a prerrogativa
de calar vozes incômodas a pretexto de proteger cidadãos vulneráveis – a
desculpa esfarrapada que regimes autoritários costumam dar para restringir as
liberdades democráticas.
É possível, sim, avançar na formulação de
regras mais duras para que as big techs identifiquem e removam conteúdos que
violem direitos de crianças e adolescentes, como prevê o Projeto de Lei n.º
2.628/2022, já aprovado no Senado e em tramitação na Câmara. Esse projeto,
embora mereça ajustes, parte de uma base mais sólida e democrática do que a
proposta do governo. O que é inaceitável é a exploração da justa indignação
social contra crimes abjetos como um atalho para a censura.
A Bolívia rechaça a esquerda
O Estado de S. Paulo
De modelo regional a fracasso retumbante: o
fim do experimento populista boliviano
A Bolívia chegou a 2025 esgotada. As eleições
de domingo confirmaram a implosão do Movimento ao Socialismo (MAS), outrora a
máquina política mais poderosa do país e símbolo da chamada “onda rosa”
latino-americana. Mesmo somados, os dois candidatos associados ao legado do MAS
mal chegaram a dois dígitos; no Parlamento, a bancada encolheu a níveis
residuais. O segundo turno em outubro será disputado entre candidatos à
direita, expressão de uma sociedade que decidiu virar a página.
O colapso do MAS não se explica apenas pelo
desgaste natural de quem governou por quase duas décadas. Sua ascensão, sob Evo
Morales, foi meteórica: pela primeira vez, a maioria indígena se viu
representada no poder, em um ciclo alimentado pela bonança das commodities e
por reformas de inclusão social. Mas a queda foi igualmente fulminante, porque
o partido confundiu hegemonia com impunidade. Morales e seus sucessores
acreditaram-se donos do Estado. Rasgaram a Constituição, manietaram tribunais,
sufocaram a imprensa, perseguiram opositores e dilapidaram o maior excedente
econômico da história boliviana.
A economia cambaleia sob déficits crônicos,
reservas internacionais exauridas e risco iminente de moratória. O Estado
“plurinacional”, vendido como utopia emancipatória, degenerou em cleptocracia
vulgar. A cultura política foi contaminada pela lógica do “caudilho indispensável”
e pelo clientelismo dos subsídios fáceis, sempre mais rentistas do que
transformadores. O MAS desperdiçou o ciclo de exportações e, em nome da “defesa
dos pobres”, corroeu salários e fabricou nova pobreza.
A Bolívia é um estudo de caso eloquente sobre
a desmoralização do populismo esquerdista latino-americano. A nova geração de
governos de esquerda recicla velhas promessas e entrega mais do mesmo:
crescimento anêmico, fuga de capitais, instituições degradadas e um mal-estar
democrático que mina a confiança dos cidadãos. Do México à Colômbia, do Chile
ao Brasil, a fadiga é palpável. O “socialismo do século 21” revelou-se uma
etiqueta de marketing para projetos que oscilam entre o autoritarismo bruto e o
assistencialismo improdutivo – uma espécie de realismo mágico aplicado à
economia, sempre com o mesmo desfecho: a ruína.
Para o Brasil, a experiência boliviana serve
de espelho incômodo. O lulopetismo compartilha com o “companheiro” Morales e
seus asseclas o mesmo vício de manipular a retórica da inclusão para aparelhar
estruturas de poder, corroer a responsabilidade fiscal e hostilizar
instituições de controle. Também aqui, a ilusão populista cobra seu preço em
crescimento errático e polarização.
A boa-nova é que a Bolívia mostrou que a
fadiga pode virar ruptura. As urnas sepultaram um modelo que parecia
inexpugnável. Mas o pós-MAS exigirá maturidade: será preciso reconstruir a
democracia liberal, reerguer a economia em bases produtivas e recuperar a ética
republicana, evitando a tentação da demagogia com sinal trocado. Tarefa
hercúlea, especialmente em se tratando da turbulenta Bolívia, mas
indispensável.
O país que foi laboratório do populismo do século 21 pode agora converter-se em laboratório da sua superação. Que não desperdice, outra vez, a oportunidade.
CPMI do INSS precisa ser pautada pelo
compromisso com o interesse público
Correio Braziliense
O esquema de fraude bilionária não pode virar
motivo para mais um espetáculo político que alimente a polarização e siga
comprometendo a agenda do Congresso e a credibilidade da Previdência
O Congresso vai instalar, nesta quarta-feira,
a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), formada por 15 senadores e 15
deputados, para investigar o esquema de descontos ilegais em aposentadorias e
pensões pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A Polícia
Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU), responsáveis pelas
investigações, estimam que 4,1 milhões de beneficiários foram vítimas da fraude
entre 2019 e 2024 e que ao menos R$ 6,3 bilhões foram desviados.
Em entrevista ao Correio, o ministro da
Previdência Social, Wolney Queiroz, disse que 1,65 milhão de aposentados e
pensionistas, o que corresponde a 75% das vítimas dos golpes, foram ressarcidos
dos descontos ilegais, em parcela única, corrigida pelo Índice de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA). No total, o governo superou a marca de R$ 1 bilhão
pago aos beneficiários do INSS. Para o ministro, trata-se de "uma operação
gigante e uma vitória". Por isso, apesar do risco de o atual cenário de
tensão política "contaminar" a CPMI, Wolney Queiroz, que assumiu a
pasta depois da revelação da fraude, acredita ter "uma boa história para
contar" aos parlamentares.
A preocupação do ministro faz sentido. Não
são incomuns os casos de sessões de comissões parlamentares de inquéritos em
que o enredo se distancia da conduta que a sociedade espera dos parlamentares.
Na recente CPI das Bets, questionamentos de interesse público foram trocados
por pedido de selfie ou tutorial de como fazer apostas on-line. Na CPI da
Covid, parlamentares governistas e da oposição protagonizaram bate-bocas
lamentáveis, recheados de informações sem sustentação científica e até de
conteúdo machista.
O recente motim promovido pelos opositores do
governo e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro também é um sinal de alerta.
O grupo paralisou os trabalhos da Câmara e do Senado em mais um gesto revelador
do clima inadequado ao bom debate que domina o parlamento brasileiro. A criação
da CPMI é uma das prioridades da oposição no Congresso, que aposta em um
possível desgaste no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e em ganhos
eleitorais para as disputas de 2026. Esperar comedimento, portanto, é
ingenuidade.
Ainda que mais exaltados, espera-se que os
debates da CPMI que começa nesta semana se pautem pelo bom senso e pelo
compromisso com o interesse público. Não é fazendo das divergências um cabo de
guerra que será encontrada uma solução para melhorar os serviços prestados pelo
INSS, a fim de eliminar problemas como as gigantescas filas para obtenção
de benefícios, reduzir a demora na concessão de direitos e outros benefícios
previstos aos contribuintes.
Há um movimento de descredibilização da
Previdência que precisa ser enfraquecido. Como alertou o ministro Wolney Queiroz,
é a confiança de que o Brasil tem "um sistema robusto, sólido, permanente,
perene, que vai fazer o jovem brasileiro se sentir estimulado a contribuir com
esse sistema". A sustentabilidade do país depende disso.
Não há dúvidas de que os golpes com dinheiro público precisam ser investigados e de que os criminosos têm que ser punidos. Também deveria ser consenso que o esquema de fraude bilionária revelado em abril pela PF e pela CGU não pode virar motivo para mais um espetáculo político que alimente a polarização, sobretudo nas redes sociais, e siga comprometendo o desenrolar da agenda do Congresso e a credibilidade da Previdência.
A violência de gênero na política
O Povo (CE)
Ações afirmativas são fundamentais para que o
processo se acelere, a aplicação séria de uma política de cotas já em vigência
certamente vai garantir ritmo adequado à mudança que entendemos necessária
É necessário, e parece até um pouco tardio na
perspectiva de uma sociedade que busca alinhamento com a realidade do seu
tempo, o debate que o Grupo de Comunicação O POVO tem levantado, numa série
recente de matérias, acerca da presença das mulheres na política. Os
números mostram que o espaço ocupado não consegue reproduzir a força objetiva
que elas apresentam, por exemplo, no conjunto do eleitorado. Quanto ao peso do
voto, mesmo.
A representatividade está baixa, longe de
espelhar a força simbolizada pelo fato de 52,4% da população apta ao
voto no Brasil serem mulheres, mas, conforme demonstrado em reportagem assinada
por Mariana Lopes, precisa ser motivo de preocupação ainda maior o fato de as
representantes femininas ocupando os vários postos serem vítimas cotidianas de
violência de gênero. São ataques quase diários que se acumulam sem que as
punições correspondentes, quando acontecem, funcionem no seu caráter inibidor.
Trata-se de um problema complexo, conforme
aponta conclusão de estudo realizado pela Procuradoria Especial da Mulher da
Assembleia Legislativa, no qual foram ouvidas 104 parlamentares cearenses entre
janeiro e agosto de 2024. Os resultados são assustadores como retrato da
realidade que precisamos enfrentar: 60% delas, para citar uma situação,
afirmaram ter sofrido violência de gênero, mas somente 16% se sentiram
suficientemente seguras para denunciaram os casos.
O quadro levantado pelo núcleo do parlamento
estadual aponta silenciamento, descredibilização da fala, intimidação com
gritos, xingamento e calúnia, violência por meio das redes sociais e
invisibilização política. Tudo isso em ambientes políticos, públicos,
envolvendo gente respaldada por mandatos que o voto lhes garantiu, o que dá
peso ainda mais negativo ao cenário e permite que se projete algo muito mais
dramático nos ambientes domésticos ou laborais, nas relações profissionais etc,
com espaço de repercussão mais reduzido.
Claro que não se deve fechar os olhos para o
fato de que já vivemos quadros piores, mesmo que o ritmo da melhora seja ainda
muito distante do que se pode apontar como ideal. Por exemplo, o Ceará foi,
nas eleições de 2022, o estado do Nordeste com maior número de mulheres
eleitas para Câmaras Municipais, o que não deixa de ser um sinal de avanço para
o qual devemos estar atentos. Na comparação com quatro anos antes, em 2020,
4,3% a mais, numa boa performance numérica que não se consegue traduzir em
mudança de cultura, infelizmente.
Ações afirmativas são fundamentais para que o
processo se acelere, a aplicação séria de uma política de cotas já em
vigência certamente vai garantir ritmo adequado à mudança que entendemos
necessária, mas, acima de tudo, reverter um quadro marcado ainda por tantos
desafios exige envolvimento de todos, homens e mulheres. Uma sociedade equilibrada
não tolera desigualdades ou injustiças que, muitas vezes, se tenta justificar
apenas por uma condição de gênero, na política ou em qualquer outra
atividade.
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