terça-feira, 19 de agosto de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Eleição boliviana é alerta sobre risco do populismo

O Globo

Depois de engendrar crise fiscal, partido fundado por Evo Morales está fora do 2º turno e não fez um deputado sequer

O desfecho do primeiro turno da eleição presidencial na Bolívia marca o encerramento de um ciclo de 20 anos, em que o poder foi ocupado quase todo tempo pelo Movimento ao Socialismo (MAS), fundado por Evo Morales. O candidato do MAS, Eduardo del Castillo, ficou entre os menos votados. O segundo turno será disputado em outubro pelo senador centrista Rodrigo Paz, do Partido Democrata Cristão, e pelo ex-presidente Jorge Quiroga, da oposicionista Aliança Livre. O resultado traduz o esgotamento do discurso nacionalista de esquerda que sustentava Morales — ele deixou o partido no início do ano e hoje está foragido por enfrentar processo por estupro de menor e tráfico humano. O MAS não elegeu um representante sequer ao Congresso.

A missão prioritária do futuro governo será debelar a grave crise econômica, resultado da deterioração fiscal. A inflação anual era de 0,77% em março de 2022. Três anos depois, chegou a 23,96%, maior nível em 34 anos. O descontrole dos preços é acompanhado pela escassez de bens de primeira necessidade. A dívida pública, que caíra de 82% para 35% do PIB no primeiro mandato de Morales, voltou a subir e está em 95%, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).

A crise foi fermentada durante os governos sucessivos de Morales. Eleito pela primeira vez em 2005, ele tirou proveito das grandes reservas de gás bolivianas para ampliar o gasto público e promover políticas sociais de impacto. Depois de obter a aprovação de uma nova Constituição em 2008, foi reeleito e obteve nova vitória em 2014. Conseguiu então na Justiça o direito a uma quarta candidatura em 2019, desafiando referendo de 2016 que vedava mais de duas reeleições consecutivas. No pleito de 2019, observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA) constataram irregularidades flagrantes. Instalou-se grave crise política que culminou com sua renúncia por pressão militar e uma sucessão conturbada. A crise institucional só foi debelada quando o atual presidente, Luis Arce, do MAS, foi eleito em 2020.

Pouco antes do referendo de 2016, estourou a revelação de que Morales mantivera relacionamento com uma executiva de uma empresa chinesa beneficiada por contratos milionários com o governo. No ano passado, eclodiu a investigação por estupro. Sua imagem de honestidade e simplicidade indígenas ficou irremediavelmente queimada. “Existe muito desencantamento e frustração pela maneira como o MAS usou e desperdiçou os recursos políticos e econômicos que teve ao seu alcance”, disse ao GLOBO Roberto Laserna, pesquisador do Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social.

Economicamente, a queda na produção de gás teve impacto fulminante nas contas públicas. O déficit fiscal atingiu 10% do PIB. A queda nas exportações levou à escassez crônica de dólares. Só o serviço da dívida externa será de US$ 1,6 bilhão neste ano — e o país não tem reservas. “A perspectiva macroeconômica sob as políticas atuais é insustentável, e o risco de crise fiscal e no balanço de pagamentos é crescente”, afirma o último relatório do FMI sobre a Bolívia.

O naufrágio de Morales e do MAS serve de alerta para a América Latina sobre o risco de políticas populistas, que invariavelmente acabam em inflação, recessão e desemprego. Seja quem for o vitorioso em outubro, a Bolívia terá de passar por severo ajuste fiscal.

Ensino em tempo integral avança, mas ainda em ritmo insuficiente

O Globo

Modelo já alcança 23% das matrículas no Brasil, mas é pouco perto da necessidade do país

Tem deixado a desejar a implantação do ensino em tempo integral nas escolas brasileiras. Desde a sanção da lei do Programa Escola em Tempo Integral pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2023, houve avanço, mas ainda em ritmo insuficiente para suprir a necessidade. As matrículas nessa modalidade de ensino na rede pública saltaram de 18% para 23%, ante meta de 25%, segundo dados do último Censo escolar. Na rede privada, ela é ainda mais incipiente: apenas 12% dos matriculados estudam em período integral, com carga superior a 35 horas semanais (ou 7 horas diárias). Das quase 135 mil escolas brasileiras, cerca de 40% ainda funcionam sem nenhuma matrícula em tempo integral, e só 15% estenderam essa modalidade a todos os alunos.

São comprovados os benefícios do ensino em período integral. Um estudo recente dos institutos Natura e Sonho Grande, com base nos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), constatou que alunos em período integral obtiveram na prova 6 pontos a mais em matemática (o equivalente a um ano a mais de aprendizado) e 4 pontos a mais em língua portuguesa (ou meio ano de aprendizado). É citado com frequência o sucesso do modelo em Pernambuco, que saltou da 21ª para as primeiras posições no Ideb depois de implantá-lo. A experiência pernambucana mostra que não é preciso construir novas escolas, mas sim reorganizar as turmas. Dá para estender salas de aula sem grandes investimentos. O custo aumenta ao redor de 30% para o aluno ter o dobro de aulas, e a evasão desaba (cai a 1%).

A primeira referência ao ensino integral no Brasil foi feita no Programa Mais Educação, de 2007, no início do segundo mandato de Lula. De lá para cá, o progresso tem ficado muito aquém do desejável. É certo que, num país com grandes desníveis de renda e disparidades regionais, a ampliação do modelo não é tarefa fácil. Mas isso não serve de justificativa para atrasos na implantação da política. As matrículas têm se expandido sobretudo nos grandes centros urbanos, onde a rede pública é mais ampla. Tal tendência pode acentuar os desníveis de aprendizado entre essas cidades e as regiões interioranas.

O ensino integral não se resume a manter os estudantes mais tempo na escola. Além de fornecer alimentação saudável, a escola precisa de acompanhamento pedagógico mais próximo e deve oferecer atividades complementares no campo dos esportes e das artes. A maior permanência na escola é crítica para o sucesso do Novo Ensino Médio. O governo não tem medido esforços para financiar o programa Pé-de-Meia, que oferece dinheiro para manter os alunos na escola até o final do ensino médio. Mas isso não pode ocorrer em detrimento da expansão do ensino básico em tempo integral, projeto fundamental para a educação da população e o desenvolvimento do país.

Aumento da inadimplência desacelera o crédito

Valor Econômico

No terceiro trimestre, a revisão das carteiras de crédito deve atingir principalmente os pequenos negócios

As condições do crédito se deterioraram ao longo do ano, mostrou pesquisa trimestral divulgada pelo Banco Central (BC), em consequência do aumento da inadimplência entre pessoas físicas e alguns setores, como o agronegócio. Em resposta, os bancos reduziram as concessões e outros planejam fazer isso, como relataram na divulgação dos balanços semestrais.

O presidente do BC, Gabriel Galípolo, já havia antecipado essa trajetória ao comentar a decisão de manter pela segunda vez consecutiva a taxa básica de juros (Selic) em 15% ao ano, na reunião de julho do Comitê de Política Monetária (Copom). Ele atribuiu a desaceleração visível do crédito ao efeito da atuação da política monetária, apesar dos dados firmes do mercado de trabalho.

De acordo com a pesquisa, as instituições financeiras indicaram que a oferta de crédito diminuiu, especialmente para as famílias e na linha habitacional, em função do custo elevado e da menor disponibilidade de funding, além de comprometimento de renda do consumidor, atrasos de pagamentos e menor tolerância ao risco.

Após o fim dos programas Desenrola Brasil, para pessoas físicas e microempreendedores individuais (MEIs), e Desenrola Pequenos Negócios, para micro e pequenas empresas (MPEs), a inadimplência voltou a crescer, constatou a Serasa. Em junho, havia 77,9 milhões de pessoas inadimplentes, o maior número já registrado. Cada CPF negativado tem, em média, quatro dívidas ativas. Há 7,7 milhões de companhias com contas em atraso, das quais 7,3 milhões são MPEs.

O aumento da inadimplência aparece no balanço das operações de crédito feito pelo BC, que indicou percentual de 3,6% em junho, acima dos 3,2% do mesmo mês de 2024, considerando os atrasos superiores a 90 dias. No crédito livre, a inadimplência subiu a 5% em junho em comparação com 4,5% um ano antes, elevação concentrada nas operações com pessoas físicas. Os atrasos acima de 90 dias passaram de 5,5% para 6,3% nos 12 meses terminados em junho. Em maio, o endividamento das famílias foi de 49%, acima dos 47,6% de um ano antes; e o comprometimento de renda avançou 1,9 ponto em 12 meses, atingindo 27,8%. Entre as empresas, o índice ficou estável em 3,1%.

A expansão do saldo do crédito bancário desacelerou novamente em junho, para 10,7% em 12 meses, inferior aos 11,8% registrados em maio na mesma base de comparação e bem menor do que os 12,3% de fevereiro. A freada aconteceu em todos os segmentos. No caso das pessoas físicas, o crescimento em 12 meses foi de 11,9%, abaixo do pico de 13% atingido em março deste ano.

Entre as pessoas jurídicas, a taxa despencou de 10,9% em maio para um dígito, 8,8%, em junho, e foi afetada também pelo efeito das mudanças do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que passou a incidir nas operações de risco sacado, eliminado depois por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Os balanços do primeiro semestre dos bancos mostram que as três maiores instituições privadas conseguiram manter estáveis as dívidas em atraso dos clientes, o que pode ser explicado pela cautela na concessão de crédito, especialmente nas linhas direcionadas para as pessoas físicas, evitando as perdas.

Na direção oposta foi o Banco do Brasil, que teve queda de 60% lucro líquido ajustado no segundo semestre na comparação com o mesmo período de 2024. A redução do ganho foi causada pelo aumento das provisões para perdas, que mais do que dobraram para fazer frente à inadimplência e ao cumprimento de novas regras do BC para essas reservas, e ao foco da instituição no agronegócio, que concentra 33,8% da carteira total de crédito. A inadimplência total do banco subiu de 3% da carteira em junho de 2024 para 4,2%. Nada menos que 808 clientes do agronegócio entraram em recuperação judicial, derrubando o resultado.

Desde o início do ano, os bancos passaram a cumprir novas regras para a constituição de provisões para possíveis perdas com crédito, o que está exigindo o aumento das reservas. As provisões passaram a levar em conta não apenas as perdas efetivamente registradas, como antes, mas também as futuras, estimadas pelos modelos de risco, que levam em conta o perfil dos tomadores e as condições econômicas e de mercado. O reforço de provisão está mais de 50% acima do que havia sido estimado e explica em parte a expectativa de que o crédito seguirá em velocidade contida nos próximos meses.

Neste terceiro trimestre, a revisão das carteiras deve atingir principalmente os pequenos negócios. O aumento do risco também é preocupação em relação às grandes empresas de alguns setores, como as exportadoras, diante das restrições às vendas externas criadas pelo governo americano à compra de produtos brasileiros e à expectativa de retração do comércio global.

O freio no crédito contribuirá para desacelerar a economia, como registram os indicadores mais recentes. As altas taxas de juros têm grandes efeitos colaterais, mas é a opção quando o governo amplia o déficit fiscal e dista da austeridade.

Reforma da Previdência precisa prosseguir sem retrocessos

Folha de S. Paulo

Ao formar maioria pela validade de mecanismo que reduz cálculo de aposentadorias, STF pode evitar rombo de R$ 130 bilhões

Déficit pode alcançar R$ 810 bilhões em 2040, impulsionado pelo envelhecimento populacional e por benefícios que crescem acima da inflação

Na direção correta, o Supremo Tribunal Federal formou maioria a favor da validade da aplicação do fator previdenciário nas aposentadorias proporcionais concedidas sob a regra de transição da reforma da Previdência de 1998.

Em linha com o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, vingou até aqui a tese de que o mecanismo —um redutor no cálculo dos benefícios, a depender do tempo de contribuição e idade do segurado— é constitucional para aposentados filiados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) antes da promulgação da reforma.

Eventual posição contrária teria um impacto devastador. Projeção da Advocacia-Geral da União, baseada em revisões potenciais de benefícios concedidos entre 2016 e 2025, aponta um custo extra aos cofres públicos em torno de R$ 130 bilhões.

Nessa hipótese, seria aprofundado o já crônico desequilíbrio previdenciário, forçando o governo a realocar recursos de áreas essenciais ou elevar ainda mais a opressiva carga de impostos.

Os dados gerais do déficit previdenciário reforçam a visão de que reformar o sistema não pode ser evento isolado, mas esforço continuado. A reforma de 2019 foi passo importante, mas insuficiente ante o déficit persistente e a rigidez orçamentária.

Em 2024, segundo o TCU, o RGPS registrou déficit de R$ 303,8 bilhões; o regime próprio dos servidores federais civis, de R$ 55,8 bilhões; e o regime dos militares, de R$ 50,9 bilhões —totalizando R$ 410,5 bilhões na União.

Estimativas indicam que, sem ajustes, o rombo pode alcançar R$ 810 bilhões em 2040, impulsionado pelo envelhecimento populacional e por benefícios que crescem acima da inflação.

Não é preciso aguardar tal futuro sombrio, porém. As dificuldades para fechar as contas já são realidade corrente, como alerta o próprio Ministério da Previdência Social. Neste mês de agosto, a pasta manteve a projeção de gastos de R$ 1,032 trilhão em 2025 com benefícios, sentenças judiciais e algumas compensações devidas a estados e municípios.

No entanto tais estimativas não consideram itens que elevarão despesas nesta segunda metade do ano, caso de redução da fila do INSS e da decisão do STF sobre isenção de carência para o salário-maternidade. Até agora, as despesas já superam as projeções em R$ 16,7 bilhões, valor que ainda deve crescer.

Cumpre persistir no esforço reformista, que deve incluir a desvinculação de benefícios do salário mínimo para conter reajustes automáticos acima da inflação, a equiparação das idades mínimas de aposentadoria entre homens e mulheres e o alinhamento de regimes especiais (como de militares e servidores) às regras gerais, eliminando privilégios que perpetuam desigualdades.

Só assim será garantida sustentabilidade, justiça social e geracional, além de mais espaço para investimentos e políticas públicas tão essenciais e hoje relegadas por falta de recursos.

Polarização política distribui culpas pelo tarifaço

Folha de S. Paulo

Segundo Datafolha, divisão entre os que responsabilizam Lula (35%) e Bolsonaros (39%) espelha preferências ideológicas

Polos radicalizados mantêm seus líderes protagonistas na política, mas prejudicam o debate e a formação de consensos essencial para o país

Pode causar estranheza, à primeira vista, que 35% dos brasileiros aptos a votar considerem que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seja o principal culpado pelo choque tarifário aplicado pelo governo de Donald Trump às exportações brasileiras para os EUA, segundo pesquisa Datafolha deste mês.

É fato que Lula pode não ser uma figura das mais simpáticas à Casa Branca, dados o antiamericanismo que contamina a política externa petista, a proximidade com a China no Brics ou a defesa doutrinária do protecionismo comercial histórico do Brasil. Mas essas são velhas parolagens secundárias na geopolítica global, que nem de longe justificam a taxação brutal de 50%.

O próprio Trump, ademais, citou repetidamente o processo contra Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal ao anunciar suas sanções, e Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, propagandeia sua influência na ofensiva do republicano.

De acordo com o Datafolha, Jair Bolsonaro é tido como o maior culpado pelas tarifas americanas por 22% do eleitorado, e Eduardo, por 17%. Os dois percentuais somados, portanto, mal superam o amargado por Lula.

Parece evidente que as avaliações são pautadas pela polarização ideológica que marca a política brasileira dos últimos anos —e o bolsonarismo mantém grande influência sobre a opinião pública nacional, a despeito das agruras judiciais de seu líder.

Note-se ainda que 15% dos votantes culpam o ministro Alexandre de Moraes, relator da ação contra Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal, pelo tarifaço.

A agressão de Trump deu a Lula a preciosa oportunidade política de atuar como defensor dos interesses do país. Nem por isso o apoio ao petista se estendeu além das dimensões habituais.

Em outra pesquisa recente do Datafolha, 39% dos entrevistados se declararam mais identificados com o petismo, e 37%, com o bolsonarismo, num empate técnico que abarca três quartos do eleitorado nacional —o quarto restante reúne os neutros (18%), os avessos aos dois polos (5%) e os que não souberam responder (1%).

A fidelidade se mantém elevada nos dois grandes blocos, espelhando a disputa presidencial de 2022, vencida por Lula com vantagem mínima sobre Bolsonaro.

Tal situação convém aos expoentes de ambos os lados, que se mantém protagonistas na política mesmo sem conquistar maiorias sólidas na sociedade. É prejudicial à racionalidade do debate, à civilidade do diálogo e à formação de consensos essencial para o avanço da agenda do país.

A conta da prestidigitação fiscal

O Estado de S. Paulo

Gastos não contabilizados na meta fiscal ao longo do governo Lula se aproximam de R$ 390 bilhões, evidenciam fraqueza do arcabouço e explicam por que o País pratica juros tão elevados

O mais recente artifício a que o governo recorreu para preservar a meta fiscal foi a exclusão dos gastos relacionados ao plano de socorro para exportadores afetados pelo tarifaço imposto pelos Estados Unidos, estimado em R$ 9,5 bilhões. Há que reconhecer que o estrago ficou até relativamente contido, tendo em vista o histórico desse tipo de pacote e as relações de proximidade que os setores atingidos mantêm com o Executivo federal, mas a manobra é apenas mais uma a engrossar uma longa lista de despesas contabilizadas fora da meta fiscal ao longo do governo Lula da Silva.

Reportagem publicada pelo Estadão mostra que essa conta está cada vez mais próxima dos R$ 400 bilhões. Cálculos da XP Investimentos apontam que as despesas fora da meta devem alcançar ao menos R$ 387,8 bilhões até o fim de 2026, enquanto o BTG Pactual estima que elas chegarão a R$ 389,7 bilhões. São números impressionantes, sobretudo quando se considera que a meta para este ano é de déficit zero e que a margem de tolerância é de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), o que equivaleria a R$ 31 bilhões.

A equipe econômica tem resposta pronta para o rombo – e a culpa, como sempre, é de Jair Bolsonaro. Para o Ministério da Fazenda, políticas adotadas pelo ex-presidente seriam responsáveis por 87% desse número. De fato, não se deve esquecer que o calote nos precatórios institucionalizado pelo governo anterior contribui com boa parte dessa cifra – R$ 92,38 bilhões em 2023, R$ 45,30 bilhões neste ano e R$ 55,10 bilhões no próximo. Mas os valores não chegam ao porcentual supracitado, tampouco são a única razão a explicar a conta.

Parte relevante desse rombo se deve aos gastos relacionados à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, aprovada e promulgada pelo Congresso no fim de 2022 com o apoio explícito de Lula da Silva. Bem se sabe que era preciso recompor o Orçamento e retomar políticas públicas destruídas pelos anos de bolsonarismo, mas parlamentares e integrantes do governo recém-eleito aproveitaram o ensejo para se refestelar, o que fez com que os gastos fora da meta atingissem R$ 145 bilhões.

A derrubada do antigo teto de gastos e sua substituição pelo arcabouço ressuscitaram os pisos constitucionais de saúde e educação e sua vinculação à arrecadação. Ademais, o governo, com o aval do Congresso, ainda estabeleceu uma nova política que garantiu aumento real para o salário mínimo, piso que é referência para aposentadorias, pensões e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), entre outros benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

A dificuldade do governo Lula em colocar as contas em ordem é consequência dessa decisão. Ao aumentar as despesas obrigatórias já de saída em um nível muito acima da inflação e garantir reajustes próprios para boa parte delas, o governo tornou impossível a tarefa de limitá-las a um porcentual das receitas, como determina o arcabouço fiscal.

O resultado era previsível. Assim como o teto, o arcabouço passou a comprimir cada vez mais o já reduzido espaço das despesas discricionárias, entre elas investimentos e emendas parlamentares. Assim, em vez de mirar o centro da meta, o governo passou a buscar seu limite inferior, não deixando gordura alguma para lidar com acontecimentos imprevisíveis.

E eles foram muitos: as calamidades causadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul e pelas queimadas no Norte e Centro-Oeste, a fraude dos descontos indevidos nos benefícios do INSS e as sequelas da agressiva política comercial conduzida por Donald Trump, entre outros. Com a proximidade das eleições presidenciais, não é preciso ser um profeta para prever que a conta das despesas fora da meta fiscal aumentará até o fim de 2026.

A recorrência com que o Executivo apela a artimanhas para não ter de admitir a necessidade de mudar a meta só desmoraliza a âncora fiscal. Enquanto o governo apregoa que alcançará o déficit zero como se esse objetivo fosse um fim em si mesmo, a dívida pública avança na proporção do PIB, exige juros cada vez maiores para ser financiada e escancara a incapacidade do arcabouço de reequilibrar as contas públicas.

O cacoete autoritário do lulopetismo

O Estado de S. Paulo

Governo Lula aproveita comoção com pedofilia online para rascunhar um projeto que suspende redes sociais sem necessidade de ordem judicial, apenas pela vontade de órgão do Executivo

A comoção provocada por um vídeo do influenciador digital Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, no qual ele expôs os sórdidos mecanismos de exploração sexual infantil nas redes sociais, sensibilizou a sociedade e, por óbvio, chamou a atenção do governo Lula da Silva. A gravidade das denúncias feitas por Felca não deixa dúvida de que o País precisa fortalecer seus instrumentos legais de proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital. O busílis é que, a pretexto de enfrentar um problema relevante, Lula parece empenhado em revigorar o conhecido projeto lulopetista de controlar o fluxo de informações nas plataformas digitais.

Segundo o que se sabe a respeito do projeto de lei a ser encaminhado pelo Palácio do Planalto ao Congresso sobre o assunto, o governo pretende concentrar poderes inéditos em uma reformulada Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão vinculado ao Ministério da Justiça. Entre eles, o de determinar, por decisão administrativa, sem prévia autorização judicial, o bloqueio por até 60 dias de qualquer rede social que seja considerada negligente no combate à pedofilia online e a outros crimes diversos, como fraudes e golpes. Não há exagero em qualificar uma medida desse jaez como autoritária. Conferir a um ente subordinado ao Executivo a faculdade de retirar do ar plataformas usadas diariamente por milhões de brasileiros, para os mais variados fins, abre uma avenida para arbitrariedades de toda ordem.

É evidente que a pedofilia online e outras formas de exploração de crianças e adolescentes exigem uma resposta firme do Estado. Mas essa resposta, por óbvio, deve respeitar o devido processo legal. Desde o julgamento da constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet, concluído pelo Supremo Tribunal Federal em junho passado, a retirada de conteúdos do ar pode ser feita mediante notificação dos usuários – exceto no caso de crimes contra a honra –, mas a suspensão das plataformas só pode ser determinada pelo Judiciário, em processos que assegurem o contraditório e a ampla defesa. Ao pretender substituir esse escrutínio judicial por um processo administrativo conduzido por uma agência ligada ao governo, a proposta do Palácio do Planalto embute o risco de o combate aos crimes digitais ser transformado em um poderoso instrumento político nas mãos do governo.

Não é a primeira vez que o PT revela sua tentação autoritária no campo da comunicação. O partido nunca escondeu a obsessão por implementar no País o tal “controle social da mídia”, eufemismo nada sutil para censura. Ao propor medidas de enfrentamento a um crime real com tantas lacunas hermenêuticas – afinal, o que levará um burocrata a certificar que uma empresa de tecnologia foi “negligente” no combate à pedofilia online? –, o projeto do governo embaralha fronteiras que deveriam ser cristalinas do ponto de vista legal. O risco é que a mão do governo de turno se estenda para decidir, com o polegar para cima ou para baixo, o que pode ou não circular nas redes sociais. Isso não tem outro nome: é arbítrio.

Eis o ponto fundamental: não cabe ao Executivo arbitrar o discurso público. O combate à pedofilia e a outras formas de violência online deve ser conduzido pelas instituições republicanas nos estritos limites do Estado Democrático de Direito, não por meio de uma estrutura burocrática de controle da informação circulante com poder quase ilimitado. Se levada adiante, a proposta de Lula dará ao governo a prerrogativa de calar vozes incômodas a pretexto de proteger cidadãos vulneráveis – a desculpa esfarrapada que regimes autoritários costumam dar para restringir as liberdades democráticas.

É possível, sim, avançar na formulação de regras mais duras para que as big techs identifiquem e removam conteúdos que violem direitos de crianças e adolescentes, como prevê o Projeto de Lei n.º 2.628/2022, já aprovado no Senado e em tramitação na Câmara. Esse projeto, embora mereça ajustes, parte de uma base mais sólida e democrática do que a proposta do governo. O que é inaceitável é a exploração da justa indignação social contra crimes abjetos como um atalho para a censura.

A Bolívia rechaça a esquerda

O Estado de S. Paulo

De modelo regional a fracasso retumbante: o fim do experimento populista boliviano

A Bolívia chegou a 2025 esgotada. As eleições de domingo confirmaram a implosão do Movimento ao Socialismo (MAS), outrora a máquina política mais poderosa do país e símbolo da chamada “onda rosa” latino-americana. Mesmo somados, os dois candidatos associados ao legado do MAS mal chegaram a dois dígitos; no Parlamento, a bancada encolheu a níveis residuais. O segundo turno em outubro será disputado entre candidatos à direita, expressão de uma sociedade que decidiu virar a página.

O colapso do MAS não se explica apenas pelo desgaste natural de quem governou por quase duas décadas. Sua ascensão, sob Evo Morales, foi meteórica: pela primeira vez, a maioria indígena se viu representada no poder, em um ciclo alimentado pela bonança das commodities e por reformas de inclusão social. Mas a queda foi igualmente fulminante, porque o partido confundiu hegemonia com impunidade. Morales e seus sucessores acreditaram-se donos do Estado. Rasgaram a Constituição, manietaram tribunais, sufocaram a imprensa, perseguiram opositores e dilapidaram o maior excedente econômico da história boliviana.

A economia cambaleia sob déficits crônicos, reservas internacionais exauridas e risco iminente de moratória. O Estado “plurinacional”, vendido como utopia emancipatória, degenerou em cleptocracia vulgar. A cultura política foi contaminada pela lógica do “caudilho indispensável” e pelo clientelismo dos subsídios fáceis, sempre mais rentistas do que transformadores. O MAS desperdiçou o ciclo de exportações e, em nome da “defesa dos pobres”, corroeu salários e fabricou nova pobreza.

A Bolívia é um estudo de caso eloquente sobre a desmoralização do populismo esquerdista latino-americano. A nova geração de governos de esquerda recicla velhas promessas e entrega mais do mesmo: crescimento anêmico, fuga de capitais, instituições degradadas e um mal-estar democrático que mina a confiança dos cidadãos. Do México à Colômbia, do Chile ao Brasil, a fadiga é palpável. O “socialismo do século 21” revelou-se uma etiqueta de marketing para projetos que oscilam entre o autoritarismo bruto e o assistencialismo improdutivo – uma espécie de realismo mágico aplicado à economia, sempre com o mesmo desfecho: a ruína.

Para o Brasil, a experiência boliviana serve de espelho incômodo. O lulopetismo compartilha com o “companheiro” Morales e seus asseclas o mesmo vício de manipular a retórica da inclusão para aparelhar estruturas de poder, corroer a responsabilidade fiscal e hostilizar instituições de controle. Também aqui, a ilusão populista cobra seu preço em crescimento errático e polarização.

A boa-nova é que a Bolívia mostrou que a fadiga pode virar ruptura. As urnas sepultaram um modelo que parecia inexpugnável. Mas o pós-MAS exigirá maturidade: será preciso reconstruir a democracia liberal, reerguer a economia em bases produtivas e recuperar a ética republicana, evitando a tentação da demagogia com sinal trocado. Tarefa hercúlea, especialmente em se tratando da turbulenta Bolívia, mas indispensável.

O país que foi laboratório do populismo do século 21 pode agora converter-se em laboratório da sua superação. Que não desperdice, outra vez, a oportunidade.

CPMI do INSS precisa ser pautada pelo compromisso com o interesse público

Correio Braziliense

O esquema de fraude bilionária não pode virar motivo para mais um espetáculo político que alimente a polarização e siga comprometendo a agenda do Congresso e a credibilidade da Previdência

O Congresso vai instalar, nesta quarta-feira, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), formada por 15 senadores e 15 deputados, para investigar o esquema de descontos ilegais em aposentadorias e pensões pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU), responsáveis pelas investigações, estimam que 4,1 milhões de beneficiários foram vítimas da fraude entre 2019 e 2024 e que ao menos R$ 6,3 bilhões foram desviados.

Em entrevista ao Correio, o ministro da Previdência Social, Wolney Queiroz, disse que 1,65 milhão de aposentados e pensionistas, o que corresponde a 75% das vítimas dos golpes, foram ressarcidos dos descontos ilegais, em parcela única, corrigida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). No total, o governo superou a marca de R$ 1 bilhão pago aos beneficiários do INSS. Para o ministro, trata-se de "uma operação gigante e uma vitória". Por isso, apesar do risco de o atual cenário de tensão política "contaminar" a CPMI, Wolney Queiroz, que assumiu a pasta depois da revelação da fraude, acredita ter "uma boa história para contar" aos parlamentares. 

A preocupação do ministro faz sentido. Não são incomuns os casos de sessões de comissões parlamentares de inquéritos em que o enredo se distancia da conduta que a sociedade espera dos parlamentares. Na recente CPI das Bets, questionamentos de interesse público foram trocados por pedido de selfie ou tutorial de como fazer apostas on-line. Na CPI da Covid, parlamentares governistas e da oposição protagonizaram bate-bocas lamentáveis, recheados de informações sem sustentação científica e até de conteúdo machista. 

O recente motim promovido pelos opositores do governo e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro também é um sinal de alerta. O grupo paralisou os trabalhos da Câmara e do Senado em mais um gesto revelador do clima inadequado ao bom debate que domina o parlamento brasileiro. A criação da CPMI é uma das prioridades da oposição no Congresso, que aposta em um possível desgaste no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e em ganhos eleitorais para as disputas de 2026. Esperar comedimento, portanto, é ingenuidade.

Ainda que mais exaltados, espera-se que os debates da CPMI que começa nesta semana se pautem pelo bom senso e pelo compromisso com o interesse público. Não é fazendo das divergências um cabo de guerra que será encontrada uma solução para melhorar os serviços prestados pelo INSS, a fim de eliminar  problemas como as gigantescas filas para obtenção de benefícios, reduzir a demora na concessão de direitos e outros benefícios previstos aos contribuintes. 

Há um movimento de descredibilização da Previdência que precisa ser enfraquecido. Como alertou o ministro Wolney Queiroz, é a confiança de que o Brasil tem "um sistema robusto, sólido, permanente, perene, que vai fazer o jovem brasileiro se sentir estimulado a contribuir com esse sistema". A sustentabilidade do país depende disso.

Não há dúvidas de que os golpes com dinheiro público precisam ser investigados e de que os criminosos têm que ser punidos. Também deveria ser consenso que o esquema de fraude bilionária revelado em abril pela PF e pela CGU não pode virar motivo para mais um espetáculo político que alimente a polarização, sobretudo nas redes sociais, e siga comprometendo o desenrolar da agenda do Congresso e a credibilidade da Previdência.

A violência de gênero na política

O Povo (CE)

Ações afirmativas são fundamentais para que o processo se acelere, a aplicação séria de uma política de cotas já em vigência certamente vai garantir ritmo adequado à mudança que entendemos necessária

É necessário, e parece até um pouco tardio na perspectiva de uma sociedade que busca alinhamento com a realidade do seu tempo, o debate que o Grupo de Comunicação O POVO tem levantado, numa série recente de matérias, acerca da presença das mulheres na política. Os números mostram que o espaço ocupado não consegue reproduzir a força objetiva que elas apresentam, por exemplo, no conjunto do eleitorado. Quanto ao peso do voto, mesmo.

A representatividade está baixa, longe de espelhar a força simbolizada pelo fato de 52,4% da população apta ao voto no Brasil serem mulheres, mas, conforme demonstrado em reportagem assinada por Mariana Lopes, precisa ser motivo de preocupação ainda maior o fato de as representantes femininas ocupando os vários postos serem vítimas cotidianas de violência de gênero. São ataques quase diários que se acumulam sem que as punições correspondentes, quando acontecem, funcionem no seu caráter inibidor.

Trata-se de um problema complexo, conforme aponta conclusão de estudo realizado pela Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa, no qual foram ouvidas 104 parlamentares cearenses entre janeiro e agosto de 2024. Os resultados são assustadores como retrato da realidade que precisamos enfrentar: 60% delas, para citar uma situação, afirmaram ter sofrido violência de gênero, mas somente 16% se sentiram suficientemente seguras para denunciaram os casos.

O quadro levantado pelo núcleo do parlamento estadual aponta silenciamento, descredibilização da fala, intimidação com gritos, xingamento e calúnia, violência por meio das redes sociais e invisibilização política. Tudo isso em ambientes políticos, públicos, envolvendo gente respaldada por mandatos que o voto lhes garantiu, o que dá peso ainda mais negativo ao cenário e permite que se projete algo muito mais dramático nos ambientes domésticos ou laborais, nas relações profissionais etc, com espaço de repercussão mais reduzido.

Claro que não se deve fechar os olhos para o fato de que já vivemos quadros piores, mesmo que o ritmo da melhora seja ainda muito distante do que se pode apontar como ideal. Por exemplo, o Ceará foi, nas eleições de 2022, o estado do Nordeste com maior número de mulheres eleitas para Câmaras Municipais, o que não deixa de ser um sinal de avanço para o qual devemos estar atentos. Na comparação com quatro anos antes, em 2020, 4,3% a mais, numa boa performance numérica que não se consegue traduzir em mudança de cultura, infelizmente.

Ações afirmativas são fundamentais para que o processo se acelere, a aplicação séria de uma política de cotas já em vigência certamente vai garantir ritmo adequado à mudança que entendemos necessária, mas, acima de tudo, reverter um quadro marcado ainda por tantos desafios exige envolvimento de todos, homens e mulheres. Uma sociedade equilibrada não tolera desigualdades ou injustiças que, muitas vezes, se tenta justificar apenas por uma condição de gênero, na política ou em qualquer outra atividade. 

 

 

 

 

 

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