terça-feira, 19 de agosto de 2025

Os ratos na ratoeira, por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Na sexta, Flávio Bolsonaro disse que o Brasil terá “o trágico destino” de os EUA não reconhecerem suas eleições, caso Jair Bolsonaro não a dispute. Fala garantida pela nave Magnitsky, que Trump estacionou sobre o País. Os bolsonaristas vão radicalizar; sabem que o chamado Centrão já se articula para futuro sem o ex-presidente.

No domingo, Carlos Bolsonaro publicou que os “governadores democráticos” – como classifica tarcísios e outros caiados – são “ratos”, que “sacrificam o povo pelo poder”, que “não representam o coração do povo” e que, preocupados “com seus projetos pessoais”, “querem apenas herdar o espólio de Bolsonaro”.

Está toda aí, nas manifestações dos herdeiros, a constituição do bolsonarismo: Bolsonaro é o povo, cujo coração representa, razão por que só ele pode sacrificá-lo, aos “governadores democráticos” restando subordinar seus projetos pessoais aos projetos pessoais da família.

Assim se organizaria a direita, segundo a ordem bolsonarista – com a eleição em plano inferior de importância. Mais fácil que concorram para marcar terreno, com solução caseira – até Michelle.

Na véspera, Romeu Zema – quase que implorante por endosso do mito – se lançara précandidato à Presidência. Endosso que jamais terá. Não como se espera. Não sob a linguagem da política. E não dentro dos prazos formais. Conjunto adverso para Tarcísio.

Zema, ou qualquer outro ratinho, só seria candidato de Bolsonaro se aceitasse prescindir de existência individual; se aceitasse carregar o fardo da rejeição alheia; se aceitasse ser cavalo para encarnação do dono; se aceitasse entregar o corpo como estandarte denunciador de eleição roubada; se aceitasse ser o acusador da própria ilegitimidade; se aceitasse perder pela causa. Tudo isso para ser ainda alvejado pela infantaria bolsonarista.

O bolsonarismo exige submissão absoluta à anistia de Bolsonaro. É o que comunicam os filhos de Jair – que não falam sem o aval do pai. Comunicam que nunca haverá gesto de lealdade suficiente, senão o da inexistência a serviço da instrumentalização bolsonarista. Que não haverá eleição legítima – donde candidato legítimo – sem Bolsonaro concorrendo. Mais: que não haverá eleição legítima sem a vitória de Bolsonaro.

Caberá aos “governadores democráticos”, hoje presos gostosamente na ratoeira e condenados a morrer esperando, avaliar se esse discurso chantagista será capaz de condicionar o eleitor de direita quando a eleição lhe chegar para valer e a alternativa for Lula presidente de novo; se o que perderiam – tocando candidatura à revelia da indicação de Bolsonaro – teria o peso decisivo de lhes tirar as chances de chegar ao segundo turno; se, na hora decisiva, um deles não teria força para reunir boa parte dos votos que hoje aguarda por Jair.

Os ratinhos terão de tomar os riscos da liberdade, se quiserem existir. Lula agradecerá, se decidirem esperar pelo grande eleitor.

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