terça-feira, 19 de agosto de 2025

Programa Mais Médicos: um legado democrático, científico e humanitário, por Maria Fátima Sousa*

Correio Braziliense

O Mais Médicos significou a redução de desigualdades e ampliou o direito ao cuidado em saúde a milhões de pessoas. Inúmeras pesquisas indicaram o caráter inestimável da política

Segundo o Ministério da Saúde, o país conta com 26.414 médicos vinculados ao Programa Mais Médicos pelo Brasil, em quase 82% dos municípios. Segundo a Demografia Médica no Brasil 2025, em dezembro de 2024, havia 353.287 médicos especialistas e 244.141 médicos generalistas. Deveríamos desfrutar de uma assistência ampla e equânime; no entanto, o mesmo estudo revela que a maioria dos profissionais está concentrada na rede privada.

Instituído pela Lei nº 12.871/2013, durante o governo da presidenta Dilma Rousseff, sob a liderança do ministro da Saúde Alexandre Padilha, o Programa Mais Médicos constituiu-se como uma das políticas públicas mais inovadoras e estratégicas para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo a formação de especialistas em medicina de família e comunidade, cuja legislação atualizada pela Medida Provisória 1.165/2023 estabeleceu a Estratégia Nacional de Formação de Especialistas para a Saúde no âmbito do programa.

Seu desenho se apoiou em três eixos: a ampliação emergencial da presença de médicos em territórios de difícil acesso; a reorientação da formação médica para a Atenção Primária à Saúde (APS); e investimentos em infraestrutura. Seus efeitos ultrapassaram o campo da gestão e chegaram na democracia social, garantindo médicos em locais desassistidos, materializando o preceito constitucional de que saúde é direito de todos e dever do Estado.

Na Universidade de Brasília (UnB), sob minha orientação e de outros colegas, inúmeras pesquisas foram desenvolvidas para avaliar o Mais Médicos. Os trabalhos, em sua totalidade, indicaram o caráter inestimável da política, reafirmando que a presença dos médicos cubanos resultou na redução da mortalidade infantil em municípios amazônicos, reforçando a capacidade resolutiva da APS. 

Analisamos a experiência das comunidades, evidenciando que a chegada dos profissionais ampliou a confiança das populações tradicionais nos serviços de saúde, promovendo justiça social e equidade territorial. A inserção dos médicos estrangeiros fortaleceu a integração das equipes de Saúde da Família, incrementando ações preventivas e de promoção da saúde em áreas periféricas urbanas. Além disso, identificamos impactos concretos na expansão da cobertura vacinal e na melhoria de indicadores de saúde materna em diversos municípios.

Os achados confirmam o que defendo: que o provimento de médicos não é apenas uma solução técnica, mas uma escolha política em favor da equidade e da democracia sanitária. O programa insere-se em um contexto de cooperação internacional, em especial com Cuba, cuja experiência em medicina comunitária foi decisiva. Médicos cubanos se tornaram os primeiros a atender populações da Amazônia, aldeias indígenas, assentamentos rurais e periferias. 

Uma atuação estrangeira que reafirma que a saúde é um bem público global, sustentado por valores de solidariedade e humanismo que transcendem fronteiras. O programa se consolidou e fortalece a democracia participativa. Nos moldes de países com democracias plenas, como Noruega, Suécia ou Finlândia, a universalidade do acesso à saúde é condição essencial para a legitimidade das instituições. Aqui, uma das maiores democracias do mundo em termos populacionais, o Mais Médicos significou a redução de desigualdades e ampliou o direito ao cuidado em saúde a milhões de pessoas.

Ante os recentes ataques externos, precisamos registrar solidariedade ao ministro Alexandre Padilha e à sua família. Esses ataques miram o legado de um programa que salvou vidas, qualificou a APS e fortaleceu o SUS. Os resultados documentados nos estudos orientados pelos nossos pares em diversas instituições de ensino e pesquisa, dentro e fora do Brasil, evidenciam que os frutos foram positivos nos territórios pesquisados.

À luz da ciência, e não da ignorância e da desinformação, podemos afirmar que o Mais Médicos segue como um legado científico, político e humanitário, cujo valor reside não apenas em prover médicos, mas em afirmar o direito à saúde como expressão da democracia. 

Defender o Mais Médicos é defender o SUS, a democracia brasileira e a soberania nacional, aliando a ciência à solidariedade internacional e ao compromisso humanitário. O resto não cabe em uma nação livre e democrática como a nossa, onde os direitos humanos nos iluminam e reafirmam que a democracia não é apenas o direito de votar, mas também o direito de viver com saúde, educação, dignidade e justiça.

*Maria Fátima Sousa, professora titular do Departamento de Saúde Coletiva e superintendente do Hospital Universitário da Universidade de Brasília (UnB)

 

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