Correio Braziliense
O Mais Médicos significou a redução de
desigualdades e ampliou o direito ao cuidado em saúde a milhões de pessoas.
Inúmeras pesquisas indicaram o caráter inestimável da política
Segundo o Ministério da Saúde, o país conta
com 26.414 médicos vinculados ao Programa Mais Médicos pelo Brasil, em quase
82% dos municípios. Segundo a Demografia Médica no Brasil 2025, em dezembro de
2024, havia 353.287 médicos especialistas e 244.141 médicos generalistas.
Deveríamos desfrutar de uma assistência ampla e equânime; no entanto, o mesmo
estudo revela que a maioria dos profissionais está concentrada na rede privada.
Instituído pela Lei nº 12.871/2013, durante o governo da presidenta Dilma Rousseff, sob a liderança do ministro da Saúde Alexandre Padilha, o Programa Mais Médicos constituiu-se como uma das políticas públicas mais inovadoras e estratégicas para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo a formação de especialistas em medicina de família e comunidade, cuja legislação atualizada pela Medida Provisória 1.165/2023 estabeleceu a Estratégia Nacional de Formação de Especialistas para a Saúde no âmbito do programa.
Seu desenho se apoiou em três eixos: a
ampliação emergencial da presença de médicos em territórios de difícil acesso;
a reorientação da formação médica para a Atenção Primária à Saúde (APS); e
investimentos em infraestrutura. Seus efeitos ultrapassaram o campo da gestão e
chegaram na democracia social, garantindo médicos em locais desassistidos,
materializando o preceito constitucional de que saúde é direito de todos e
dever do Estado.
Na Universidade de Brasília (UnB), sob minha
orientação e de outros colegas, inúmeras pesquisas foram desenvolvidas para
avaliar o Mais Médicos. Os trabalhos, em sua totalidade, indicaram o caráter
inestimável da política, reafirmando que a presença dos médicos cubanos
resultou na redução da mortalidade infantil em municípios amazônicos,
reforçando a capacidade resolutiva da APS.
Analisamos a experiência das comunidades,
evidenciando que a chegada dos profissionais ampliou a confiança das populações
tradicionais nos serviços de saúde, promovendo justiça social e equidade
territorial. A inserção dos médicos estrangeiros fortaleceu a integração das
equipes de Saúde da Família, incrementando ações preventivas e de promoção da
saúde em áreas periféricas urbanas. Além disso, identificamos impactos
concretos na expansão da cobertura vacinal e na melhoria de indicadores de
saúde materna em diversos municípios.
Os achados confirmam o que defendo: que o
provimento de médicos não é apenas uma solução técnica, mas uma escolha
política em favor da equidade e da democracia sanitária. O programa insere-se
em um contexto de cooperação internacional, em especial com Cuba, cuja
experiência em medicina comunitária foi decisiva. Médicos cubanos se tornaram
os primeiros a atender populações da Amazônia, aldeias indígenas, assentamentos
rurais e periferias.
Uma atuação estrangeira que reafirma que a
saúde é um bem público global, sustentado por valores de solidariedade e
humanismo que transcendem fronteiras. O programa se consolidou e fortalece a
democracia participativa. Nos moldes de países com democracias plenas, como
Noruega, Suécia ou Finlândia, a universalidade do acesso à saúde é condição
essencial para a legitimidade das instituições. Aqui, uma das maiores
democracias do mundo em termos populacionais, o Mais Médicos significou a
redução de desigualdades e ampliou o direito ao cuidado em saúde a milhões de
pessoas.
Ante os recentes ataques externos, precisamos
registrar solidariedade ao ministro Alexandre Padilha e à sua família. Esses
ataques miram o legado de um programa que salvou vidas, qualificou a APS e
fortaleceu o SUS. Os resultados documentados nos estudos orientados pelos
nossos pares em diversas instituições de ensino e pesquisa, dentro e fora do
Brasil, evidenciam que os frutos foram positivos nos territórios pesquisados.
À luz da ciência, e não da ignorância e da desinformação,
podemos afirmar que o Mais Médicos segue como um legado científico, político e
humanitário, cujo valor reside não apenas em prover médicos, mas em afirmar o
direito à saúde como expressão da democracia.
Defender o Mais Médicos é defender o SUS, a
democracia brasileira e a soberania nacional, aliando a ciência à solidariedade
internacional e ao compromisso humanitário. O resto não cabe em uma nação livre
e democrática como a nossa, onde os direitos humanos nos iluminam e reafirmam
que a democracia não é apenas o direito de votar, mas também o direito de viver
com saúde, educação, dignidade e justiça.
*Maria Fátima Sousa, professora titular do
Departamento de Saúde Coletiva e superintendente do Hospital Universitário da
Universidade de Brasília (UnB)
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