Persistem dúvidas sobre plano de Trump para Gaza
Por O Globo
Libertação de reféns e cessar-fogo devem ser
celebrados, mas futuro da paz está cercado de obstáculos
No seu discurso em Israel logo depois da libertação dos últimos 20 reféns vivos em poder do grupo terrorista Hamas, Donald Trump descreveu o momento atual como “a aurora histórica de um novo Oriente Médio”. “As forças do caos, terror e ruína que amaldiçoam a região há décadas restam agora enfraquecidas, isoladas e totalmente derrotadas”, afirmou diante do Knesset, o Parlamento israelense. “Daqui a gerações, este será lembrado como o momento em que tudo começou a mudar — e a mudar muito para melhor.” As palavras de Trump traduzem o otimismo que tomou conta da região e do mundo depois que Israel e Hamas aceitaram os termos de seu plano de pacificação. É preciso sem dúvida celebrar a libertação dos reféns, o fim da devastação e do morticínio em Gaza e a perspectiva de um acordo duradouro. Mas os obstáculos adiante não serão fáceis de superar.
Há, primeiro, as dificuldades imediatas. O
Hamas se comprometeu a devolver 28 cadáveres de reféns que reconheceu estarem
em seu poder, mas foi evasivo sobre o prazo de 72 horas dado pelo acordo,
alegando dificuldade de localizá-los, e ontem devolveu quatro. Diante disso,
Israel acusou o grupo terrorista de descumprir o acordo. De sua parte, o
Serviço de Prisão de Israel informou ter libertado 1.968 prisioneiros
palestinos, entre eles 250 condenados a prisão perpétua e ao redor de 1.700
residentes de Gaza mantidos em custódia desde a barbárie terrorista cometida
pelo Hamas em 7 de outubro de 2023. Dos detidos, apenas 40 continuarão presos,
segundo as autoridades israelenses. Persiste a incerteza sobre a reação de Israel
caso o compromisso assumido na primeira fase do acordo — a devolução de todos
reféns, vivos ou mortos — não seja cumprido integralmente pelo Hamas.
O maior desafio, contudo, está na fase
seguinte. O grupo terrorista se comprometeu a depor armas, transmitindo o
controle de Gaza a uma força internacional, cujo formato e composição é um dos
principais temas em discussão depois da reunião de cúpula entre Estados Unidos,
países árabes e europeus no Egito, para a qual
Trump se dirigiu depois do discurso no Knesset. Estaria o Hamas disposto a se
desarmar e a entregar o poder? Seria surpreendente. Há, é verdade, organizações
terroristas que abandonaram as armas para assumir papel político no contexto de
negociações de paz — caso do IRA, na Irlanda. Mas é uma incógnita se um grupo
com a ideologia mortífera do Hamas, ainda que enfraquecido, estaria disposto a
uma transição dessa natureza. Relatos dão conta do reagrupamento de um
contingente do Hamas estimado em 7 mil jihadistas e de choques com milícias que
já desafiam seu domínio em Gaza. Por ora, persiste uma dúvida razoável sobre as
intenções do Hamas.
Por fim, não está claro ainda como seria a
transição do comando local para um governo de natureza “tecnocrática” a cargo
de palestinos, nos termos do plano de Trump. Nem o papel a ser desempenhado na
reconstrução de Gaza pelos demais países árabes e pela Autoridade Palestina,
hoje no controle da Cisjordânia. Ela se comprometeu com reformas e, uma vez
realizada a transição, com eleições democráticas. Tudo isso, porém, ainda está
em aberto. Claro que nenhuma dessas dúvidas é motivo para deixar de celebrar
com entusiasmo a libertação dos reféns e o cessar-fogo. Mas, por mais histórico
que seja, nenhum discurso ou celebração resolverá as incertezas.
Desvio de recursos é mais um estrago trazido
pelas emendas parlamentares
Por O Globo
Não bastassem falta de transparência e
caráter paroquial, muitas vezes o dinheiro nem sequer chega ao destino
É lamentável que recursos de emendas
parlamentares — especialmente as transferências diretas ao caixa de
prefeituras, conhecidas como emendas “Pix” — não consigam sequer cumprir o
objetivo básico de chegar ao destino. Reportagem do GLOBO refez o trajeto de
algumas e mostrou como se perdem pelo caminho.
Por vezes, o dinheiro é depositado pelas
prefeituras numa conta de passagem, depois transferido a outras, misturando-se
a verbas usadas para pagar despesas correntes como água, luz ou folha de
servidores. Quando se procura o recurso, sumiu. A sucessão de transferências
dificulta o rastreamento.
Um exemplo é o que aconteceu no município
maranhense de Arari. A estrada de terra de 30 quilômetros que liga a localidade
de Canarana ao centro da cidade costuma ficar intransitável no período de
chuvas, deixando moradores isolados. Em 2023, uma emenda destinou R$ 1,25
milhão para recuperar estradas vicinais de Arari. O dinheiro saiu, mas não
chegou ao destino. “Esse valor simplesmente desapareceu, não foi para obra
nenhuma”, afirma a prefeita Maria Alves Muniz (MDB). O prefeito anterior, Rui
Filho (União), argumenta que o recurso foi usado no custeio da prefeitura e em
ações emergenciais.
Arari não é caso isolado. Na paraibana
Zabelê, a construção de um parque com ciclovia, pista de corrida, praça de
alimentação e espaço para eventos ficou na promessa. Uma emenda de R$ 3 milhões
destinada ao município em julho de 2023 deveria garantir a obra. Mas, em
fevereiro, a conta em que o valor havia sido depositado tinha apenas R$ 240. Em
São Luiz do Anauá (RR), a obra de um pórtico orçado em R$ 2 milhões foi abandonada
depois que recursos de uma emenda foram transferidos a outras contas. No mesmo
município, um conjunto habitacional com cem casas permanece inacabado, com
apenas uma unidade concluída.
Inspeções determinadas pelo ministro Flávio Dino,
do Supremo Tribunal Federal, mostram que o modus operandi de transferência de
recursos a outras contas foi usado em pelo menos 20 municípios nos últimos
anos. Em maio, ele proibiu o mecanismo, estabelecendo que o dinheiro seja
movimentado só na conta aberta para receber o recurso. No ano passado,
determinou um pente-fino nos R$ 20 bilhões enviados desde 2020 em emendas
“Pix”.
Por mais que o Supremo venha cobrando transparência, não param de surgir escândalos. Operações policiais têm flagrado recursos de emendas escondidos em gavetas, sapatos e até em sacola jogada pela janela. Quanto menor a transparência, maior a chance de a verba se perder. As emendas parlamentares já representam uma distorção no planejamento, por alocar recursos segundo critérios paroquiais, e não técnicos — recebem dinheiro os municípios com melhores padrinhos no Congresso, não necessariamente os mais necessitados. Têm avançado sobre o Orçamento a um patamar sem paralelo no mundo e comprimido os recursos livres à disposição do Executivo. Tudo fica pior quando o dinheiro nem sequer chega ao destino.
Pauta-bomba une esquerda e direita
Por Folha de S. Paulo
Câmara aprova PEC que cria gastos
previdenciários; com eleição, cresce risco de demagogia suprapartidária
Categorias ganham aposentadoria com idade reduzida, benefícios similares aos salários e paridade de reajuste em relação a servidor da ativa
Se há algo na vida política nacional que
escapa à polarização ideológica são as pautas-bombas, como são conhecidas as
propostas que implicam despesas elevadas para o erário sem a devida previsão de
receitas. Nesses casos, esquerda e direita com frequência se unem alegremente.
Neste ano, por exemplo, já se viu uma
comunhão suprapartidária de interesses na aprovação de uma emenda
constitucional que afrouxou pela enésima vez as regras para o pagamento e a
contabilidade de precatórios, abrindo margem para a expansão a longo prazo de
outros gastos de União, estados e municípios.
Agora, a Câmara dos
Deputados acaba de aprovar, por ampla maioria, outra proposta
de mudança da Carta, desta vez para efetivar vínculos temporários de agentes
comunitários de saúde e de combate às endemias, criando
um arcabouço de benefícios previdenciários que reverte
melhorias conseguidas a duras penas com a reforma de 2019.
Os dispositivos aprovados são benesses
descabidas em tempos de escassez orçamentária e maior expectativa de vida, além
de afrontarem a isonomia ante trabalhadores do setor privado que se aposentam
pelo INSS.
Os beneficiados terão direito a
aposentadorias com idades mínimas reduzidas —50 anos para mulheres e 52 para
homens até 2030, com 25 anos de contribuição, ou opções também frouxas.
A PEC ainda restaura a integralidade (aposentadoria correspondente
ao salário) e a paridade de reajustes em relação aos servidores da ativa,
privilégios extintos pela reforma de 2003 e agora ressuscitados exclusivamente
para essa categoria. Não tardarão a surgir demandas de outras.
O impacto financeiro é significativo. O
relator na Câmara estimou R$ 5,5 bilhões até 2030, mas simulações
governamentais apontam para R$ 20 bilhões em parâmetros conservadores, podendo
chegar a R$ 200 bilhões em 75 anos só nos regimes próprios de estados e
municípios, sem contar os extras no INSS.
São impactados 2.100 municípios com regimes
previdenciários próprios e 3.600 sem eles, além de estados, forçando a União a
compensá-los financeiramente.
O Brasil, como deveria ser desnecessário
lembrar, já gasta montantes excessivos no setor, muito além de países com renda
e estrutura etária comparável. O rombo do INSS tem sido agravado,
ademais, pela política
de aumento real do salário mínimo.
O governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
liberou sua bancada para votar livremente, e na oposição só o Novo se
posicionou contra a proposta. O resultado foram esmagadores 426 votos a 10 no
segundo turno —realizado no mesmo dia do primeiro, num sinal de pressa dos
deputados.
À medida que se aproximam as eleições,
crescem os riscos da demagogia perdulária. No pleito de 2022, a
irresponsabilidade atingiu novo patamar com a chamada PEC Kamikaze de Jair
Bolsonaro (PL) —aprovada, aliás, pela
quase totalidade do Congresso.
Nobel da Paz mira descalabro na Venezuela
Por Folha de S. Paulo
Premiação de María Corina Machado expõe
graves violações de direitos humanos na ditadura de Maduro
Ao antigo rastro de violência e precarização
social, somou-se a fraude na eleição de 2024, que levou o caudilho ao seu
terceiro mandato
Relatórios do Conselho de Direitos
Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2020 e
2022 revelam indícios de crimes contra a humanidade perpetrados pela ditadura de Nicolás
Maduro desde 2014. São prisões ilegais, tortura,
desaparecimentos e assassinatos.
Em 2021, o Tribunal Penal Internacional
começou a investigar abusos que teriam ocorrido a partir dos protestos de 2017,
que deixaram ao menos 125 pessoas mortas; em 2023, o TPI já
havia levantado 1.746 denúncias.
Agora, o comitê do Prêmio Nobel da Paz
reconhece a gravidade da situação política na Venezuela ao conceder a
láurea deste ano a María Corina
Machado, voz mais potente da oposição ao regime.
Além de violar princípios do Estado
democrático de Direito, a ditadura de Madurou destruiu a economia do país,
causando uma crise humanitária responsável por cerca de 8 milhões de
venezuelanos refugiados e migrantes.
A esse antigo rastro de violência e
precarização social, somou-se a
fraude na eleição de julho de 2024, que levou o caudilho ao seu
terceiro mandato presidencial.
Proibida de participar do pleito pelo sistema
de Justiça cooptado pelo regime, Corina indicou como substituto Edmundo
González, cuja derrota foi questionada por organismos internacionais, como o
Centro Carter e a Organização dos Estados Americanos (OEA), que constataram a
ilegitimidade do processo eleitoral.
Estimativas de ONGs e da imprensa apontam que
cerca de cem políticos buscaram o autoexílio desde o início do chavismo, em
1999. Corina recusou tal destino e atualmente vive em paradeiro desconhecido no
país. Ela dedicou o prêmio ao americano Donald Trump, que ensaia incursões
militares contra o regime.
O comitê do Nobel da Paz destacou seu
trabalho em prol dos direitos democráticos e de uma justa e pacífica transição
política. A premiação tem potencial simbólico para protegê-la, mas os limites
das teias repressivas do regime de exceção são incertas.
O Brasil recebeu 568 mil venezuelanos entre
2015 e 2024, segundo a Unicef.
Mas o governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT),
que relutou a reconhecer a fraude eleitoral na nação fronteiriça, não comentou
a láurea.
O Nobel da Paz deste ano, contudo, reforça o isolamento de um governo ilegítimo, autoritário e ruinoso. Na melhor hipótese, pode contribuir para uma renovação institucional em direção à democracia, à garantia das liberdades individuais e ao desenvolvimento econômico de um país cuja população sofre sob o jugo de uma ditadura resiliente.
Último Censo reitera necessidade de foco nas
políticas públicas
Por Valor Econômico
Dados do Censo Demográfico de 2022 do IBGE
revelam as profundas diferenças internas existentes na sociedade brasileira
O Brasil continua sendo um país profundamente
desigual, como mostra o Censo Demográfico de 2022 do IBGE. Ainda que não
comparáveis a levantamento anterior, de 2010, os dados revelam as profundas
diferenças internas existentes na sociedade brasileira e mostram a convivência
de regiões com diferenças de renda moderadas, semelhantes ao Chile, como Santa
Catarina, com algo extremo, entre a Zâmbia e a Namíbia, no Rio de Janeiro e no
Distrito Federal.
A desigualdade no Brasil medida pelo Índice
de Gini era de 0,542 em 2022, de acordo com o Censo, que levou em consideração
o rendimento domiciliar per capita médio mensal, que inclui todas as fontes —
salários, pensões, aposentadorias, benefícios de programas sociais, rendimentos
de aluguel e outras origens. O Índice de Gini varia de 0 a 1 e indica que a
distribuição de renda é mais desigual em uma sociedade quanto mais perto de 1
estiver. O Brasil é geralmente colocado entre as nações africanas nesse
indicador.
Não é possível fazer uma comparação com o
Censo anterior, de 2010, quando o Índice de Gini nacional foi de 0,6086, em
consequência de diferenças metodológicas. Ao adotar critérios internacionais,
em 2022, o IBGE passou a focar as análises do mercado de trabalho na população
acima de 14 anos, e não mais acima de 10 anos como fazia anteriormente, e
excluiu do conceito de pessoas ocupadas aquelas envolvidas na produção de bens
destinados apenas ao próprio consumo no domicílio. Mas é válido usar os dados
para avaliar a desigualdade dentro do país. Pela referência do índice de Gini, a
região Norte é a que tem a maior disparidade de renda (0,545), acima da média
nacional, seguida pelo Nordeste, com 0,541. Na outra ponta, o Sul é a região
com menor desigualdade (0,476), seguida pelo Sudeste, com 0,53, e o
Centro-Oeste, com 0,531.
A dinâmica do mercado de trabalho tem
influência direta na renda e, logo, na desigualdade da população. A renda do
trabalho respondia, em média, em 2022, por 75,5% do rendimento dos domicílios
no mês, enquanto o restante vinha de outras fontes, como aposentadoria, pensão,
programas sociais do governo e rendimentos de aluguel. Um terço dos
trabalhadores ganhava de 1 a 2 salários mínimos naquele ano.
Entre as regiões brasileiras, a do Nordeste é
a que tem menor parcela do trabalho no rendimento domiciliar per capita, de
67,9%. Não por acaso, o Nordeste é também a região que apresenta o menor nível
de ocupação da população de 14 anos ou mais. Mas nem por isso é a mais
desigual, posição que fica com a região Norte, com 76,1% do rendimento
proveniente do trabalho. No Sudeste, o percentual é de 76,7%; no Sul é de
76,9%; e salta no Centro-Oeste para 80,6%, percentual explicado pelo IBGE pelo
dinamismo da agroindústria.
Dos trabalhadores brasileiros ocupados, 35,3%
ganhavam, em 2022, até um salário mínimo por mês. A participação sobe para 68%
quando se considera quem tem rendimento de até dois salários mínimos por mês —
são quase sete a cada dez pessoas ocupadas nesta condição. Por outro lado,
apenas 7,6% dos trabalhadores estavam no grupo com maiores rendimentos, de mais
de cinco salários mínimos por mês.
Rendimentos maiores não significam menor
desigualdade. O melhor exemplo é o Distrito Federal, que tem a maior renda
domiciliar per capita do país e também a maior desigualdade entre as unidades
da federação. Em 2022, o rendimento domiciliar per capita no DF era de R$
2.999, a preços nominais daquele ano. O valor era 83,1% superior à média
brasileira, de R$ 1.638, e mais de duas vezes o do Maranhão, que fica no piso
da relação, com R$ 900. Ao mesmo tempo, o índice de Gini do rendimento
domiciliar per capita ficou em 0,584 no DF.
Diferentemente, Santa Catarina detém a
segunda maior posição em rendimento, mas é o Estado com menor desigualdade no
Brasil. Com rendimento domiciliar per capita de R$ 2.220, a preços nominais de
2022, Santa Catarina registrou o menor índice de Gini entre as 27 unidades da
federação, de 0,452. Rio Grande do Sul e Paraná são outros dois Estados que
aparecem entre aqueles com os maiores rendimentos e menores níveis de
desigualdade. O rendimento do RS foi o quarto mais elevado entre os Estados em
2022 (R$ 2.042), enquanto o índice de Gini foi de 0,482, o que o torna o
terceiro Estado menos desigual. O Paraná, por sua vez, tinha o quinto maior
rendimento domiciliar per capita (R$ 1.965) e o segundo menor índice de Gini
(0,482). Entre os municípios, Nova Lima (MG), área de mineração e de
condomínios de população de alta renda, lidera nacionalmente em rendimento
domiciliar per capita, com R$ 4.300.
Apesar dos grandes gastos necessários para atender as populações mais pobres e buscar um crescimento mais homogêneo da renda, a tarefa, como mostram os números do IBGE, está muito longe de ser concluída. O Censo é um mapa valioso para que União e Estados concentrem esforços onde são mais necessários. A focalização tem sido abandonada recentemente pelo governo Lula, o que é um erro estratégico. Ela permite o melhor uso possível de recursos em um país, como o Brasil, onde o dinheiro falta.
Uma guerra encerrada por cansaço
Por O Estado de S. Paulo
Trump anuncia que a guerra em Gaza acabou,
reivindicando os louros, mas o fato é que a exaustão e o isolamento do Hamas e
de Israel foram mais determinantes para o cessar-fogo
Com seu voluntarismo característico, o
presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou que a guerra entre Israel e Hamas em
Gaza “acabou”. De fato, ao devolver os últimos reféns israelenses vivos em seu
poder, o grupo terrorista Hamas perdeu a única moeda de troca de que dispunha
para negociar com Israel em seus termos. Logo, em tese, a guerra deflagrada
pelo Hamas em 7 de outubro de 2023 – com o assassinato brutal de centenas de
civis israelenses inocentes e a captura de outros tantos, o que motivou uma
resposta impiedosa de Israel em Gaza – acabou.
É justo o ceticismo em torno do acordo,
porque o histórico do Oriente Médio não autoriza otimismo, mas há razões para
acreditar que as condições para a sustentação do cessar-fogo e do avanço das
negociações sobre o futuro de Gaza estão dadas e são razoavelmente sólidas. A
principal delas é que os países que apadrinham Israel, sobretudo os EUA, e o
Hamas, casos da Turquia e dos árabes no Golfo Pérsico, decidiram pressionar
seus apadrinhados a aceitar o fim do conflito e o avanço do diálogo.
O Hamas, que deu início à guerra por perceber
que sua causa – a destruição de Israel – estava sendo abandonada por mais e
mais países árabes, aceitou devolver os reféns restantes porque foi convencido
de que ficaria sem apoio nenhum de seus habituais patrocinadores. Para estes, o
fim da guerra era uma urgência, porque havia o crescente temor de que Israel
poderia atacar qualquer país da região – como fez com Irã, Catar, Síria, Líbano
e Iêmen – se isso fosse considerado necessário em sua luta implacável contra o
Hamas. Enquanto o Hamas mantivesse os reféns em seu poder, portanto, Israel
teria o pretexto militar de que precisava para fazer o que bem entendesse.
Israel, por sua vez, foi pressionado pelo
presidente Trump a ceder e aceitar o acordo, mesmo que seu alegado objetivo na
guerra, a destruição completa do Hamas, não tenha sido atingido. Muito ainda
será dito sobre as reais motivações de Trump para emparedar o primeiro-ministro
de Israel, Binyamin Netanyahu, que se sentia livre para tomar suas decisões
militares, mesmo as mais temerárias, porque julgava que, a despeito de
eventuais atritos, sempre teria o apoio dos EUA e, particularmente, de Trump.
Contudo, os interesses de Trump no Oriente
Médio vão muito além de Israel. Hoje, o presidente americano faz mesuras ao
autocrata da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, e empreende negócios bilionários
com os emires e príncipes árabes, numa extensão ainda desconhecida. Recorde-se,
a título de curiosidade, que o governo do Catar ofereceu a Trump de presente um
Boeing 747-8, avaliado em US$ 400 milhões, tamanha a proximidade. Não por
acaso, consta que Trump resolveu pressionar Israel a encerrar o conflito depois
que os israelenses atacaram o Catar a pretexto de eliminar líderes do Hamas.
Logo, parece haver uma confluência de
interesses entre os EUA e os países do Oriente Médio em torno do fim do
conflito entre Israel e Hamas e da pacificação da região. Não será um caminho
simples, é claro. Enquanto Trump nem sequer mencionou em seu discurso de ontem a
possibilidade de constituição, no futuro, de um Estado palestino, os árabes
ressaltaram que esse Estado é necessário não apenas para superar a questão
palestina, mas também para garantir a segurança de Israel.
De todo modo, o absoluto cansaço com a guerra,
tanto em Israel como nos territórios palestinos e no mundo árabe, parece ter
sido determinante para o avanço verificado nos últimos dias. Trump certamente
vai reivindicar a maior parcela de responsabilidade pelo fim dos conflitos –
ele até cobrou, a sério, que lhe dessem o Prêmio Nobel da Paz –, mas o fato é
que, se a guerra realmente acabou, foi em razão do crescente isolamento do
Hamas e também de Israel, em meio à destruição quase completa de Gaza, do
sofrimento indizível dos palestinos, da exaustão do Exército de Israel e da
pressão da sociedade israelense contra um governo que jamais colocou a vida dos
reféns entre suas prioridades. Trump, não por acaso visto como herói em Israel,
teve o mérito de dar o empurrão que faltava.
A tragédia silenciosa da educação básica
Por O Estado de S. Paulo
Anuário expõe desigualdades, carências de
infraestrutura, aprendizado inadequado e outras deficiências que revelam uma
sociedade do conhecimento que não dá a devida centralidade à escola pública
No Brasil, uma tragédia exposta costuma
indignar e mobilizar a sociedade e, assim, obrigar políticos a, por convicção
ou oportunismo, tentar superar a inércia a fim de produzir respostas rápidas à
reação popular. Mas, quando o desastre é silencioso, pode-se assistir a uma
geração inteira ser condenada sem que o País transforme a morte lenta do futuro
em desassossego, ação e mudança no presente. Pois é disso que se trata quando
se observam os números radiografados pela edição mais recente do Anuário Brasileiro da Educação Básica.
Elaborado pela organização Todos pela
Educação, em parceria com a Fundação Santillana e a Editora Moderna, o anuário
expõe uma realidade catastrófica, marcada por desigualdades, carências de infraestrutura,
aprendizado insuficiente ou inadequado e outras deficiências que revelam o
óbvio: embora palco de uma sequência de boas políticas de base lideradas pelo
Ministério da Educação desde o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) –
exceção à gestão diversionista, errática e ausente durante os anos
bolsonaristas (2019-2022) –, mesmo com a educação frequentemente listada no rol
de prioridades nacionais, e apesar dos avanços nas redes estaduais e municipais
de ensino e de um compromisso crescente de lideranças políticas com agenda
educacional, resta reconhecer que estamos fracassando em oferecer o básico às
crianças e adolescentes brasileiros.
Comecemos pela infraestrutura básica nas
escolas públicas. Menos da metade delas tem acesso a esgoto, mais de 20% não
contam com coleta de lixo e menos de 39% das salas de aula têm algum tipo de
climatização, como ar-condicionado ou aquecedor. Só 20% das escolas têm
laboratório de ciências no ensino fundamental II, enquanto no ensino médio o
índice não chega à metade do total das escolas, um evidente desestímulo ao
despertar do interesse dos jovens por profissões ligadas à ciência e um atalho
certo para a dificuldade de entender conceitos científicos abstratos.
Itens básicos, como acesso à água potável,
ligação de energia elétrica, banheiros e cozinha, estão presentes em 95% das
escolas públicas, mas a situação é crítica em alguns Estados, como no Acre, em
que água potável só existe em 62,9% das unidades, e em Roraima, onde apenas 72%
contam com banheiros. A conectividade melhorou – mais de 95% das escolas
públicas têm acesso à internet. Entretanto, só 44,5% seguem os parâmetros, como
velocidade de conexão, considerados adequados para o uso pedagógico. Há ainda
números ruins (e desiguais) na oferta de bibliotecas e salas de leitura,
laboratórios de informática, bem como parquinhos e áreas verdes para as
crianças na educação infantil.
Infraestrutura rudimentar se traduz em más
condições de aprendizagem. Menos alunos saem do ensino médio com aprendizado
adequado em português e matemática do que há dez anos. Nesse terreno as
desigualdades regionais também imperam (assim como as diferenças entre brancos,
negros, indígenas e amarelos), mas mesmo São Paulo, Estado mais rico da
Federação, registrou notável queda no porcentual de alunos com aprendizado
adequado – em matemática, por exemplo, o índice caiu dos já modestos 7,2% em
2013 para 4,9% em 2023, período analisado pelo anuário. A desigualdade racial
também fica evidente: é o caso das taxas de conclusão do ensino fundamental e
do ensino médio, com distâncias que refletem os efeitos de um ciclo histórico
de marginalização. Os maus números se estendem aos docentes: a quantidade de
professores sem graduação vem caindo, mas ainda é de 12,5%.
O mistério brasileiro é que tais números não
inspirem choque e indignação nacional compatíveis. O risco, ao contrário, é
resultar em acomodação, como se a espiral descendente produzisse apenas
resignação diante do fato de que boas práticas e infraestrutura adequada são
ilhas de exceção e não a regra – uma incômoda calmaria, só compensada pelo
avanço de algumas poucas redes de ensino. Vivemos numa sociedade do
conhecimento sem dar a devida centralidade à escola pública, mantendo o erro de
ter apenas uma ínfima parte da população preparada para o século 21. E assim o
“Brasil do futuro” parece o álibi perfeito para justificar o vergonhoso
fracasso do presente. Até quando?
O Nobel de Economia e nós
Por O Estado de S. Paulo
Academia Sueca reconhece papel da inovação
como indutor do crescimento, algo que deveria inspirar o Brasil
O trio de pesquisadores Joel Mokyr, Philippe
Aghion e Peter Howitt foi agraciado ontem com o Prêmio Nobel de Economia de
2025. Eles desenvolveram trabalhos complementares sobre o papel da inovação
como indutor do crescimento econômico, o que inclui o aprofundamento do
conceito de “destruição criativa” popularizado pelo livro Capitalismo, Socialismo e Democracia,
do economista austríaco Joseph Schumpeter.
A indústria automobilística do início do
século 20 é um exemplo de destruição criativa, cujo produto, o automóvel, fez
desaparecer as carruagens a cavalo, bem como a função de condutor de charrete.
A produção em larga escala de carros movidos a combustível fóssil gerou forte
expansão econômica e melhora da qualidade de vida de uma população com cada vez
mais acesso aos carros, criando milhares de empregos, ao mesmo tempo em que
eliminou outros, tais como os de cocheiros.
Hoje, a chamada inteligência artificial (IA)
é o exemplo mais fascinante – e também assustador – de destruição criativa.
Fascinante porque pode permitir que mecanismos virtuais ofereçam soluções para
problemas complexos como os de saúde, o que, por óbvio, afeta positivamente o
bem-estar da população.
Mas se no século passado o advento do
automóvel eliminou funções como a de cocheiro, a IA tem o potencial de
extinguir milhões de postos de trabalho mundo afora, mesmo os de profissionais
altamente especializados.
Eis o motivo pelo qual o crescimento
econômico, como bem destacou a Academia Sueca, responsável pelo Nobel, não pode
ser considerado como algo garantido. Ao mesmo tempo em que é necessário
promover constantemente a inovação, é preciso estar preparado para lidar com os
efeitos colaterais do processo, entre os quais o desemprego. Em países
extremamente desenvolvidos, já se debate se os recursos financeiros oriundos da
inovação tecnológica devem ser distribuídos entre aqueles que fatalmente
deixarão de ter ocupação profissional.
Por outro lado, um dos pesquisadores
premiados, o francês Philippe Aghion, está preocupado com o fato de que a
Europa está perdendo a corrida da inovação tecnológica para os EUA e a China.
De acordo com ele, a Europa não tem ecossistema de financiamento nem
instituições adequadas para a inovação.
Embora a crítica de Aghion tenha sido
centrada nos europeus, ela cabe perfeitamente ao Brasil. Sem educação de
qualidade, sem política de inovação e sem projeto de futuro, o País se vê preso
em um ciclo interminável de fomento a setores ineficientes e ultrapassados. Um
verdadeiro descalabro, ainda mais porque, por mais atrasada que esteja a Europa
em relação à China e aos EUA, o padrão de vida de boa parte dos europeus é
significativamente melhor do que o dos brasileiros.
Sem política efetiva de inovação, o Brasil corre o risco de rebaixar o padrão de vida de sua população como um todo. Em vez de gastar como se não houvesse amanhã, o governo, tão viciado em programas sociais, bem faria se fomentasse a inovação. Ainda mais porque, sem ela, não há crescimento nem o que repartir.
Libertação dos reféns não significa paz à
vista no Oriente Médio
Por Correio Braziliense
Há que se concluir, de saída, que a região
está devastada institucionalmente, condição que não traz nada além de
instabilidade
A libertação dos 20 reféns israelenses pelos
terroristas do Hamas, depois de 738 dias de cativeiro — e a devolução, por Tel
Aviv, de 1.968 prisioneiros palestinos —, é um passo importante para se falar
na possibilidade da chegada da paz a uma região que jamais a conheceu. Mas, é
preciso enfatizar, é apenas um passo, embora de grande significado. Fazer os
dois lados baixarem armas realmente é tarefa que requererá de árabes, judeus e
setores da comunidade internacional assumirem compromissos hoje impensáveis por
todos os lados.
Há que se concluir, de saída, que a região
está devastada institucionalmente, condição que não traz nada além de
instabilidade. Exceto por Israel, os países ao redor estão mergulhados na
pobreza e na desordem, elemento facilitador ao surgimento de zonas de exclusão
controladas por senhores locais da guerra — bandos armados que, sob a capa da
religiosidade, detêm o controle de lucrativas atividades criminosas.
Uma pergunta para a qual não há resposta é
sobre como restaurar a institucionalidade desses países, submetidos a décadas
de um jogo selvagem, visível e invisível, de potências, que sustentaram
autocracias — das militares aos sultanatos — conforme os interesses de momento.
Moderações internacionais mostraram-se frágeis e as seguidas intervenções,
inclusive com força bruta, apenas aprofundaram o caos. A desconfiança dos povos
afetados sobre a boa vontade estrangeira é plenamente justificável.
Isso leva a um segundo questionamento: a
formação do Estado Palestino seria um fator capaz de dar início à construção de
uma paz de verdade? Vejamos o que, hoje, é a Palestina: escombros, doenças,
fome, miséria, carência — em uma palavra: morte. As massas de gente flagradas
voltando àquela destruição o fizeram pelas razões de que, primeiramente, os
homens precisam de raízes que os identifiquem, mas, sobretudo, porque não têm
um destino onde possam reconstruir a vida com o mínimo de certeza. Ainda que
mais de 140 países-membros da Organização das Nações Unidas reconheçam a
existência do Estado da Palestina, tal condição contribui em nada para que o
país fique realmente de pé.
O Estado Palestino, porém, é negado
veementemente pelo governo de Israel, que em momento algum sinalizou com a
suspensão da política de expansão territorial ou, tampouco, com a saída militar
de cidades que são montes de entulho. O que está posto, por ora, é a troca de
reféns por prisioneiros e um frágil cessar-fogo. Condições essas que, apesar da
ponta de confiança que surge, não são garantias de que possam evoluir à
suspensão definitiva das hostilidades e a rascunhos de um acordo de paz.
A tornar os passos futuros difíceis de serem
calculados, pesa também a situação política do presidente de Israel, Benjamin
Netanyahu, indiciado pela Justiça do país por suborno e fraude — ação que
poderia levá-lo à prisão com a saída do poder. Depois da eleição de 2022, o
governo se sustenta em uma coalizão da direita religiosa, radical e
expansionista, que conta com 64 das 120 cadeiras do Parlamento.
Mesmo com a alegria da volta dos reféns, nada apaga a dor do passado nem elimina o ceticismo quanto ao futuro. Foi, sem dúvida, um gesto que permite ter esperança de tornar-se pressão forte o suficiente para um cessar-fogo pleno, condição fundamental para negociações mais profundas. Mas, por enquanto, é preciso tratar as coisas como realmente são: é impossível enxergar a paz no horizonte.
A contagem macabra de mortos precisa parar
Por O Povo (CE)
O período de 24 horas do último sábado, dia
12, registrou o acúmulo de 17 homicídios no Ceará. Convenhamos, não é um número
aceitável para uma sociedade que se entenda civilizada e demonstra-se um erro,
que nos recusamos a respaldar, atribuir-se a nova estatística trágica apenas ao
resultado de uma disputa de poder entre grupos criminosos que seguem a desafiar
as estruturas de Estado com suas ações ousadas.
O acumulado da violência deste sábado,
contado o número de vítimas que deixaram suas vidas pelo caminho, foge até
àquele cotidiano extravagante com o qual nos acostumamos a lidar. Já é trágico,
em si, que aceitemos com normalidade o fato de as datas vinculadas ao dia,
neste ano de 2025, apresentarem 11,5 assassinatos como média.
Cobrar o governo da vez, e com especialidade
quem dentro dele está responsável por apresentar soluções para os problemas na
área, é parte da questão e entendemos que, sim, as respostas têm sido
insuficientes. Caminhos novos precisam ser buscados numa resposta que não
apenas combata o crime depois dele materializado, deixando um rastro de
estatísticas assustadoras, mas, com uma prioridade maior do que a que tem sido
observada, o Estado precisa olhar mais atento para atitudes de caráter
preventivo.
O fato é que nem sempre o caminho da
priorização à resposta ostensiva leva aos melhores resultados quando se busca o
restabelecimento da paz verdadeira e não apenas uma mera vitória circunstancial
das forças do bem sobre as representações do mal dentro de uma sociedade. Neste
espaço, O POVO tem sistematicamente alertado para a importância de uma política
de segurança que dê importância objetiva e real à investigação e às ações, em
geral, com foco no momento que antecede o ato delituoso ao invés de ficar
apenas correndo atrás de situações criminosas já com seus efeitos determinados.
Certamente, a próxima campanha eleitoral,
programada para 2026, colocará a crise da segurança pública nos seus holofotes.
O que se espera, embora não exista indicação nesse sentido pelas reações de
agora de quem faz a oposição, é que as forças políticas mobilizadas na disputa
apresentem algum esforço de mergulhar com profundidade na crise para oferecerem
soluções novas numa perspectiva de futuro. Não se espere uma bala de prata
capaz de reverter o contexto preocupante do dia para noite, há de se ter
consciência que isso exigirá planejamento, perseverança e tempo.
É urgente que retomemos a capacidade de indignação com um levantamento que aponte 17 mortes violentas em municípios cearenses no prazo de apenas 24 horas. Uma realidade que é possível mudar, sim, desde que se entenda que isso não acontecerá de forma mágica, apenas com a substituição de nomes ou de siglas à frente de um governo. É um movimento que exige alteração profunda na forma como lidamos com uma conjuntura que exige uma política diferente. Algo nem sempre traduzível como um novo governo.
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