terça-feira, 29 de março de 2016

Avalanche – Bernardo Mello Franco

- Folha de S. Paulo

Uma avalanche. Esta é a imagem escolhida por um petista histórico, muito próximo ao ex-presidente Lula, para descrever o que se passa em Brasília. Ele olha para o Congresso e enxerga o desmoronamento da massa partidária que sustenta o governo Dilma Rousseff.

O maior bloco de gelo vai despencar hoje. É o PMDB do vice-presidente Michel Temer, que articulou pessoalmente o rompimento da sigla com o Planalto. O próximo a se descolar deve ser o PP, que controla a terceira maior bancada da Câmara.

A queda de um partido ajudará a impulsionar outros ladeira abaixo. Assim se formará a avalanche que, na previsão do amigo de Lula, deve soterrar Dilma e o que resta de seu governo até o fim de abril.

Quem contempla a montanha com atenção consegue reconhecer a silhueta de Temer no topo, ajudando a empurrar as pedras. Ontem ele deixou mais uma digital no deslizamento. Dos sete ministros peemedebistas, o primeiro a pedir demissão foi Henrique Eduardo Alves, justamente o mais próximo do vice.

A saída reforçará a pressão sobre os peemedebistas que ainda tentam se agarrar a seus cargos. Eles estão ouvindo o mesmo recado: quem não ajudar a derrubar a montanha será varrido junto com o entulho.

A debandada do PMDB pôs fim às últimas chances de conciliação entre a presidente e o vice. Ontem os líderes do governo na Câmara e no Senado abandonaram a diplomacia e passaram a atacá-lo diretamente.

O deputado José Guimarães acusou Temer de estar "no comando" da "operação do golpe", como ele descreve o movimento para derrubar Dilma. O senador Humberto Costa disse que um eventual governo do vice não duraria muito.

"Não pense que os que hoje saem organizados para pedir Fora Dilma vão às ruas para dizer Fica Temer", afirmou o petista, usando a tribuna para se dirigir ao peemedebista. "Seguramente, Vossa Excelência será o próximo a cair", completou.

Dilma repete os erros de Fernando Collor - Raymundo Costa

• Trocar voto por ausência indica governo terminal

- Valor Econômico

Faltava pouco para o início da votação do impeachment de Collor quando um jatinho alugado pela tropa de choque do presidente taxiou numa das pistas do aeroporto internacional de Brasília. Nele embarcaram dois deputados federais do Paraná. Aquela não era a primeira leva de parlamentares que escapavam de Brasília para não votar a destituição de Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente da República eleito pelo voto direto, após 25 anos.

Dias antes, um dos coordenadores da tropa de choque montada por Collor para enfrentar o impeachment havia decretado, durante uma reunião: "Ausência vale tanto quanto o voto". A mesma sentença, agora, enche de esperanças a presidente Dilma Rousseff e seu cada dia mais reduzido círculo de aliados. Dilma não precisa necessariamente cravar 172 votos no painel da Câmara dos Deputados para impedir o impeachment. Seus adversários é que precisam cravar 342 votos.

Por isso a ausência vale tanto quanto o voto para quem se opõe ao impeachment. Grosso modo, se apenas os 58 deputados do PT e os 13 do PCdoB votarem em Dilma, mas a oposição não conseguir os 342 votos, o impeachment será recusado. Parece a solução dos problemas para um governo que precisaria juntar 172 deputados com coragem para ir ao microfone e dizer "não" ao impeachment, em pleno ano eleitoral, quando Dilma e o PT estão em baixa. Na prática, trocar voto por ausência indica governo em fase terminal.

O governo Collor alugou aviões para retirar deputados aliados de Brasília, porque eles não queriam assumir publicamente o voto contrário ao impeachment. Naquele 29 de setembro de 1992, cerca de 500 mil pessoas foram às ruas em 17 cidades brasileiras - este ano, só a Avenida Paulista reuniu este número de manifestantes, segundo o cálculo do Datafolha, em geral bem abaixo daqueles anunciados pela organização dos protestos e pela Polícia Militar.

Se serve de exemplo para a tropa de choque da presidente Dilma, a experiência do impeachment de Collor comprova que de fato ausência vale tanto quanto voto, mas também mostra que quem falta é justamente quem poderia dizer "não" ao afastamento da presidente. Não será surpresa, portanto, para os coordenadores do impeachment, se o maior número de ausentes for justamente daqueles partidos mais próximos da presidente da República. Alguns do PT e do PCdoB, principalmente se forem reeditadas as manifestações do domingo 13 de março. Dos 28 votos do PRN, o partido do presidente Collor, 18 votaram a favor do impeachment.

A autorização da Câmara para o Senado processar o presidente Collor foi aprovada com os votos de 441 deputados (eram necessários apenas 336, pois à época a Casa tinha 503 integrantes, contra os 513 atuais). Houve apenas uma abstenção e 38 deputados preferiram enfrentar a opinião pública favorável ao impeachment e votar "não". Ou seja, 15 a mais que os 23 que se ausentaram por qualquer motivo, seja pressão do governo ou outro motivo qualquer, como doença. O deputado Roberto Campos (1917-2001) foi votar "sim" em cadeira de rodas.

Um outro tipo de ausente pode ser registrado também no impeachment de Collor: aquele que aparece para votar só na segunda chamada, geralmente quando o placar já está definido. Em 1992, um desses exemplares foi o atual presidente do Tribunal de Contas da União, Aroldo Cedraz. Era deputado de primeiro mandato, eleito pelo PRN (partido de Collor) graças a sua proximidade com o homem-forte da Bahia, Antonio Carlos Magalhães, que até o fim brigou contra o impeachment do presidente.

Para não desagradar o cacique, que costumava ser implacável com os aliados infiéis, Cedraz não respondeu à primeira chamada. A votação era nominal. Na repescagem, quando Collor já estava no corredor da morte do impeachment que separa o salão verde (Câmara) do salão azul (Senado), Cedraz correu ao microfone, quando seu nome foi chamado, e gritou pausadamente, a pleno pulmões - "Sim, pelo povo de Valente".

Em retrospectiva, Dilma repete muitos dos erros que foram cometidos pelo ex-presidente Collor e sua tropa de choque. Outro deles é abrir o cofre, na expectativa de ter alguma correspondência no fisiologismo. Na semana passada, o governo alocou mais R$ 9 bilhões para gastar em obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), na tentativa de fisgar votos nas bancadas. No governo Collor, o Ministério da Ação Social, nos três meses que antecederam a votação do impeachment, liberou US$ 60 milhões - nos cinco meses anteriores, mal havia autorizado US$ 1,07 milhão. Não deu certo.

Há outros paralelos entre a história do impeachment de Collor e o processo em curso contra a presidente Dilma Rousseff. Coordenador político e um dos principais chefe da tropa de choque do presidente, o deputado pernambucano Ricardo Fiuza (1939-2005) sugeriu ao presidente renunciar ao mandato. Arrogante, Collor respondeu que iria ficar (enquanto era julgado no Supremo) e "apostar nas besteiras do Itamar [Franco]", o vice que assumiu em seu lugar. Dilma já ouviu a proposta de renúncia de mais de uma pessoa.

Fiuza comandava sobretudo a tropa de choque congressual. Antes da votação, ele chegou a reunir 300 deputados na casa do amazonense Ezio Ferreira. O presidente do Banco do Brasil, Lafaiete Coutinho, cuidava do resto. De todo o resto. Fora ele o responsável pelo aluguel do jatinho que naquela tarde de setembro decolou rumo a Curitiba levando dois deputados com base na tese de que ausência vale tanto quanto o voto. O avião já estava no ar quando a votação nominal foi aberta no plenário da Câmara, exatamente às 17h45.

Mas no Congresso nem tudo é o que parece. O jatinho já estabilizara quando o deputado Onaireves (Severiano, ao contrário) pediu para o piloto dar meia volta. Havia esquecido a mala no aeroporto. O piloto obedeceu. No hangar, Onaireves telefonou para o deputado Benito Gama, hoje no PTB, que presidira a CPI do PC Farias, cuja investigação resultou no processo contra Collor. Informado do que acontecia, Onaireves correu para a Câmara onde chegou ainda a tempo de votar pelo impeachment do presidente. Desolado, Lafaiete se deu conta de seu erro: não avisara o piloto que aquela viagem só deveria acabar em Curitiba.

A narrativa do golpe - Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

A Câmara foi palco ontem de uma manifestação de advogados ligados ao PT e aos réus da Lava-Jato contra a entrada de um pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff pela Ordem dos Advogados do Brasil, que havia sido aprovado pelo conselho da entidade por ampla maioria.

Atos dessa natureza tendem a se reproduzir, ao lado de manifestos de entidades controladas pelos petistas. O PT pretende realizar manifestações por todo o país no próximo dia 31 de março, contra o impeachment e a Lava-Jato. O slogan governista é “Não vai ter golpe!”. A data é uma alusão ao golpe militar de 1964, que destituiu o presidente João Goulart, comparação emblemática para a narrativa.

Ontem, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu entrevista coletiva a correspondentes estrangeiros e reforçou a tese de que está em curso um golpe de Estado no Brasil, a mesma ladainha da presidente Dilma Rousseff na entrevista à mídia internacional da semana passada.

Há um certo desespero nessa agitação. No Palácio do Planalto, a avaliação é de que o governo conta com 25 votos entre os 65 deputados da comissão especial encarregada de apreciar o pedido e encaminhá-lo ao plenário para votação. O posicionamento da OAB lança por terra a tese de que não há base legal para aprovação do impeachment, ou seja, a narrativa do golpismo é furada.

O desespero é ainda maior porque o PMDB deve desembarcar do governo de forma lenta, gradual e segura, até a votação do impeachment pela Câmara, a partir da reunião de seu diretório nacional de hoje.

Ontem, o ministro do Turismo, Luiz Henrique Alves, aliado de primeira hora do vice-presidente Michel Temer, entregou sua carta de demissão.

A situação da ministra da Agricultura, Kátia Abreu, amiga de Dilma, no mundo do agronegócio está ficando insustentável. Sua liderança sofre desgaste. Quem mais resiste ao desembarque, porém, é o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga. Na reunião de hoje, a tendência o PMDB é aprovar a saída do governo e dar um prazo confortável para que a ala governista fique nos cargos até a hora da onça beber água.

Mas voltemos à narrativa petista. O processo de impeachment é previsto na Constituição da República. O rito estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para sua aplicação está sendo cumprido à risca pelo presidente da comissão especial, Rogério Rosso (PSD-DF), que ontem conversou com o presidente do Supremo, ministro Ricardo Levandowski, para dirimir eventuais dúvidas quanto ao processo. Para cassar Dilma, a Câmara precisa enquadrá-la no dispositivo constitucional que define os crimes de responsabilidade, previstos numa lei de 1950 e na Constituição de 1988. A lei é genérica quanto ao mérito, a Constituição é rigorosa quanto à competência do Congresso para julgar.

A narrativa de Dilma Rousseff contra o impeachment se baseia em três argumentos: primeiro, de que exerce um mandato popular soberano; segundo, as pedaladas fiscais não seriam motivos suficientes para configurar o crime de responsabilidade; terceiro, o Congresso não teria legitimidade para cassar seu mandato, ainda mais porque o impeachment foi aberto pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cuja cassação de mandado foi pedida ao STF por envolvimento na Operação Lava Jato.

Judicialização
Na verdade, soberana é a Constituição. A Câmara representa a totalidade dos eleitores, pois as bancadas dos partidos correspondem aos votos recebidos pela situação e pela oposição. Nesse aspecto, é mais representativa até do que o Senado e a Presidência. Entretanto, os deputados apenas aceitam o pedido, quem julgará o impeachment serão os senadores. O julgamento por crime de responsabilidade é prerrogativa do Congresso e não do Supremo Tribunal Federal, a quem cabe apenas zelar pelo respeito às regras do jogo. Trocando em miúdos, o julgamento é político, como deixou claro ontem o ministro do STF Luís Roberto Barroso.

Mesmo assim, a narrativa de Dilma Rousseff insiste na tese do golpe, numa estratégia de resistência que busca deslocar o eixo da discussão de sua responsabilidade na crise tríplice de seu governo — recessão e desemprego, desarticulação da base e Lava-Jato— para a defesa da democracia. Essa é uma aposta na “judicialização” do impeachment, no pressuposto de que a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) venham a anular eventual decisão do Congresso. É mais sensato o Palácio do Planalto apostar na política e tentar manter o que ainda resta de deputados na sua base para barrar o impeachment na Câmara. A não ser que a narrativa seja um estratagema do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para sobreviver na oposição, diante da debacle do governo Dilma.

Ciclo de fuga - Míriam Leitão

- O Globo

Há um momento no presidencialismo de coalizão, de acordo com o conceito desenvolvido pela ciência política para explicar o sistema brasileiro, em que os políticos da base fogem do poder central. Este é o momento que estamos vivendo. O PMDB decide hoje se fica ou não na coalizão, ontem entregou um ministério, e outros grupos já estão se afastando da Presidência.

Isso ocorre quando a estrela maior perde força e surgem novos polos de atração. A impopularidade é o horror do político porque é contagiosa e pode acabar com suas chances de ter mandato. Em pleno ano eleitoral, a forte rejeição ao PT e à presidente Dilma estão alimentando o chamado ciclo centrífugo. Reverter uma dinâmica como essa é muito difícil.

A reação do governo de ir para “o varejo total, balcão de feira”, como informou o GLOBO, adianta pouco num contexto como este e no estágio avançado em que está esse processo. O poder atrai, a perda do poder afugenta. Na hora da fuga, adianta pouco distribuir nacos da administração, em cenas de fisiologismo explícito, se o poder é visto como poente.

No final do governo Sarney, com o país em hiperinflação após o fracasso do Plano Verão, o terceiro daquela administração, o pais viu um processo de abandono total da Presidência. Na fragmentada eleição de 1989, nenhum candidato defendia o governo ou se dizia governista, nem mesmo o deputado Ulysses Guimarães.

Durante o julgamento de Collor, o centrão, que o havia sustentado, se desfez, e a Presidência não atraia mais nem aliados da primeira hora como Renan Calheiros. A vantagem foi que o então vice-presidente Itamar Franco havia brigado com Collor antes da posse e se mantido totalmente distante do governo. Itamar parecia ser um vice à deriva durante o período em que a presidência de Collor atraía apoios, o ciclo centrípeto. No ciclo de fuga, ele virou alternativa.

Há duas diferenças na crise atual. O PRN não era um partido, mas um arranjo oportunista de ocasião, e o PT é um partido. Itamar não participava dos atos de governo nem estava envolvido na mesma investigação, e Michel Temer tem sido atingido por suspeitas na Lava- Jato. Nada se repete da mesma forma, mas a dinâmica que leva o governo a temer a debandada é a mesma de outros momentos na história. O poder se alimenta da perspectiva de poder, por isso uma Presidência enfraquecida e que seja vista como sem futuro perderá apoios rapidamente. Por isso também faz sentido os movimentos da presidente Dilma de negar a renúncia para manter seu núcleo na sua órbita. A mesma lógica levou o ex-presidente Lula a se colocar como candidato porque assim ele cria para si mesmo uma perspectiva futura de poder e tenta conter o abandono atual.

No ciclo centrífugo vão se tornando cotidianos pequenos e grandes sinais de desprestígio, da recusa de cargos ao não comparecimento a reuniões. O político começa a evitar ser visto como condômino do poder porque isso afeta suas possibilidades de sobrevivência.

Boas notícias econômicas podem reverter o processo em seu estágio inicial. O segundo mandato do governo FHC começou com crise cambial e valorização do dólar. A mudança foi vista como quebra de promessa de manutenção do Plano Real que Fernando Henrique havia feito na campanha. A popularidade despencou, o PT lançou o “Fora FHC”. Em 1999, no entanto, a inflação foi controlada, os piores temores, afastados, e a economia não teve a recessão que se temia. O PIB cresceu forte no ano 2000, e o governo se reorganizou.

Agora, não há possibilidade de boas notícias econômicas. Há um processo de desinflação que reduz a taxa em 12 meses, mas à custa da recessão e com índice ainda alto. O ajuste externo produz números bons, mas isso não é perceptível pelas pessoas. A recessão é profunda. Na economia não há boias de salvação. Na política, pode ser tarde demais para deter o ciclo de fuga.

Atração irresistível – Editorial / Folha de S. Paulo

Na política, poucas forças são tão decisivas quanto a atração exercida pela perspectiva de poder –e poucos partidos terão se revelado tão sensíveis a ela quanto o PMDB.

Governista por excelência, a legenda deve sacramentar nesta terça (29) a decisão de romper seu contrato com o PT e abandonar os cargos que ocupa na esfera federal. A hipótese não é inédita; em muitas outras ocasiões o PMDB aventou essa possibilidade, mas se tratava apenas de estratégia para abocanhar nacos maiores do Orçamento.

Desta vez, como se sabe, há em jogo muito mais que uma reles ameaça. Ninguém imagina que, após tanto alarde nos últimos dias, a sigla do vice-presidente Michel Temer venha a tomar uma atitude que não seja o desembarque.

Pior para a presidente Dilma Rousseff (PT), deve configurar-se uma talvez inédita unanimidade numa agremiação historicamente conhecida pelas divisões internas. A perspectiva de poder não deixou incólumes aqueles que mantinham laços com o Palácio do Planalto.

Que esse seja o cenário, e que o próprio governo Dilma trabalhe com ele, dá uma ideia precisa de quanto o PMDB considera provável o impeachment da presidente. O partido jamais arriscaria todas as suas fichas se não se julgasse franco favorito na aposta.

Também pudera. Articulado por Temer –ironicamente, o único peemedebista que não entregará seu cargo–, o rompimento por aclamação produzirá consequências em diversas outras agremiações.

Está à vista de todos o que aliados de Dilma têm chamado de "efeito manada". Legendas como PP, PR e PSD dificilmente resistirão à atração que o PMDB passará a exercer. Juntas, elas somam 121 deputados federais, número suficiente para fazer a diferença na votação do impeachment.

Contam-se hoje 152 deputados favoráveis ao afastamento da presidente. Acrescidos de 69 peemedebistas e de 121 daquela trinca partidária, montam a 342, exatamente o mínimo necessário para aprovar o processo na Câmara e enviá-lo para apreciação do Senado. Isso, bem entendido, se todos dessas siglas atuarem em uníssono.

A fim de barrar tal unidade, o Planalto usará contra o PMDB os cargos que este deixará vagos. Seriam quase 500 postos à disposição para futuras negociações com o governo petista –caso este sobreviva ao impeachment, naturalmente.

Em 1992, o presidente Fernando Collor, então no PRN, adotou a mesma estratégia dias antes de o plenário da Câmara tomar sua decisão. A história é conhecida.

Pouco importa quem segura a caneta hoje; para a maioria dos deputados, interessa apenas quem poderá assinar decretos amanhã. O PMDB tem certeza de que ela não estará nas mãos de Dilma Rousseff.

O que indicará uma debandada do PMDB – Editorial / O Globo

• Craque em se manter no poder sem pagar o ônus dele, o partido, se de fato formalizar a saída da base de Dilma, emitirá mais um sinal da fragilidade do Planalto

Confirmada a reunião de hoje do Diretório Nacional do PMDB, quando o partido deverá formalizar a saída da base do governo Dilma, esta terça-feira terá destaque na cronologia do pedido de impeachment da presidente, seja qual for o seu desfecho.

Por ser o PMDB o segundo maior partido da aliança, portanto pilar vital de sustentação do governo, a debandada de peemedebistas, mesmo em parte, funcionará como toque de retirada para legendas menores, como teme o próprio Planalto.

Previsões estatísticas de votação do impeachment mudam como as nuvens. No domingo, O GLOBO trouxe um cenário em que o governo teria, até o último final de semana, 97 votos seguros contra o impedimento, necessitando de mais 75 para atingir os 172 com os quais derrotará a oposição. Esta, com estimados 111 garantidos, ainda precisaria de 231, a fim de atingir os 342 requeridos, dois terços da Casa, para aprovar o impeachment na Câmara e transferir a decisão para o Senado. Uma tarefa que poderá ser muito difícil, pois o Planalto não precisa conseguir exatos 172 votos, basta convencer um punhado de deputados a não comparecer à sessão em que será votado o impeachment. E o Planalto tem vasto arsenal de argumentos inspirados no fisiologismo para retirá-los do plenário nesse dia.

Mesmo assim, há semblantes preocupados no Planalto. O próprio rompimento do PMDB, conduzido pelo vice Michel Temer, é sintomático. Um partido craque em estar no poder, beneficiandose dos bônus sem arcar com os ônus, se decide sair do governo é porque são grandes as chances de uma debacle próxima.

O conhecido princípio de que político se move pelo faro da expectativa do poder se aplica à situação. E o olfato do PMDB é dos melhores da praça: esteve com os tucanos nos oito anos de FH e completa 14 anos com petistas e lulopetistas — ou dez, se retirarmos os quatro de Lula 1, quando o casamento entre o partido e o governo ainda não havia se consumado por inteiro. Se deseja saltar deste comboio é porque algo de muito perigoso apareceu no radar de raposas peemedebistas.

A tensão entre governo Dilma e PMDB vem de longe. Mas a inabilidade da presidente e os erros de seu governo, em especial na economia, ajudaram a afastar o partido, bem como outras legendas.

A esta altura da crise, é visível, nas pesquisas e nas manifestações de rua, o majoritário apoio ao impeachment. Os políticos, claro, sabem disso. E têm sensibilidade para perceber que Dilma perdeu de vez o rumo na tentativa de debelar a crise fiscal, o nó principal que joga a economia na recessão e não dá maiores tréguas na inflação. Ela está em queda, mas se mantém acima do teto da meta.

Ao se curvar à proposta de Lula de aplicar mais do mesmo — mais do “novo marco”, a causa da própria crise —, Dilma, para políticos, encurtou seu prazo de validade.

Espírito público e coragem – Editorial / O Estado de S. Paulo

A se confirmar a decisão do PMDB de se afastar de um governo que dois em cada três brasileiros querem ver pelas costas, estará aberto o caminho para o impeachment constitucional de Dilma Rousseff e o fim da nefasta era petista, cujo populismo irresponsável jogou o País no impasse político, no desastre econômico, na falência moral e na frustração social. Decretado o afastamento de Dilma, os brasileiros terão um breve sentimento de alívio, mas logo perceberão que, a partir daí, estará apenas começando o enorme desafio da reconstrução nacional, necessária diante da razzia que a tigrada fez na infraestrutura do País e nos fundamentos da economia nacional. E a condição essencial para que isso ocorra é que o novo governo, apesar das concessões políticas que inevitavelmente lhe serão solicitadas, assuma imbuído de genuíno espírito público e da coragem necessários para banir o populismo e dar início à correção dos erros e equívocos do estatismo voluntarista com a execução de um programa mínimo de governo que permita, com a brevidade possível, a retomada do crescimento econômico como alavanca para o verdadeiro desenvolvimento social.

A diferença entre um populista como Lula e uma liderança movida por genuíno espírito público e democrático é que o ex-presidente, paternalisticamente, se empenha em dar ao povo o que o povo pede, enquanto o verdadeiro líder cria condições para que o povo tenha efetivamente acesso àquilo de que precisa e a que tem direito. Lula só diz ao povo o que o povo quer ouvir. O líder verdadeiramente democrático tem a coragem de não vender ilusões. Numa verdadeira democracia, aquela em que o instituto da representação popular funciona de verdade, o povo não depende da generosidade dos governantes, porque aquilo que lhe é de direito – em síntese, condições dignas de vida e igualdade de oportunidades para desenvolver suas potencialidades – é garantido pelo aparato legal e pela eficácia da gestão governamental.

Essa é a descrição da sociedade justa da qual apenas algumas nações desenvolvidas conseguem chegar perto. Mas o subdesenvolvimento cultural não é justificativa para que políticos despreparados e inescrupulosos eleitos pela falta de discernimento popular optem pelo caminho fácil do populismo. Aqui, mais do que em qualquer país do Primeiro Mundo, é necessário – além de ações emergenciais para combater a miséria – que as lideranças políticas sejam movidas por genuíno espírito público e tenham a coragem de aplicar medidas impopulares em benefício de toda a população e em especial dos que estão marginalizados da vida econômica. Esse é o grande desafio aos que terão a responsabilidade de governar o País depois que Dilma tiver ido embora.

Diante dessa perspectiva, é possível esperar dias melhores? Não será fácil, certamente, porque a estrutura política do País está podre, comprometida por um sistema partidário absurdamente atomizado criado por uma legislação pretensamente democrática que só tem servido aos interesses de caciques políticos e, para piorar, é um sistema que, se historicamente nunca foi imaculado, sob o lulopetismo se corrompeu até a raiz. Basta ver como nos últimos dias Dilma tem tentado comprar votos contra o impeachment por meio de uma açodada e indecorosa distribuição de cargos públicos. Olhando para o Congresso Nacional, os mais céticos defensores do saneamento tendem a desanimar. Mas o fato é que esse é o Parlamento de que o País dispõe, e ele foi colocado lá pelo voto dos brasileiros.É com ele, portanto, que pelo menos até 2018 o Brasil terá de se haver.

Será difícil depositar grandes esperanças no comportamento patriótico de senadores e deputados – aqueles que escaparem da Lava Jato e congêneres. Tome-se o exemplo da maior legenda oposicionista, o PSDB, cujos principais líderes, em vez de se empenharem numa proposta alternativa de governo, se digladiam numa disputa rasteira pela próxima candidatura à Presidência. Assim sendo, só resta esperar que o substituto legal de Dilma, que já se comprometeu com programas pontuais importantes, continue a inscrever com dignidade seu nome na História do Brasil, convencendo o corpo político de que o momento exige muito espírito público e coragem e trazendo para a administração pessoas notáveis que se afastaram da política partidária, mas jamais deixaram de combater o bom combate.

Perdidos na escuridão - José Casado

• A luz sobre negociatas como modo de governo cegou os que fazem política. Construíram a crise, fizeram do país uma fábrica de desilusões, e não enxergam a saída

- O Globo

- Como é a cegueira? — Uma das primeiras cores que se perde é o negro — respondeu o escritor de 86 anos, há quatro décadas sem visão. — Perde- se a escuridão e o vermelho também... Naquela direção, onde está a janela, há uma luz. Vejo movimento mas não coisas. Não vejo rostos e letras.

A névoa densa na política deste outono deixou governo e Congresso em estado de anopsia similar ao descrito por Jorge Luis Borges na sua última entrevista, em 1985, ao repórter Roberto D'Ávila. A bruma encobre a transformação do país numa fábrica de desilusões.

Foram 13.100 novas demissões a cada dia útil dos últimos 12 meses no mercado formal de trabalho. Antes do carnaval, pesquisadores do IBGE contaram nove milhões de pessoas à procura de ocupação em 3.500 cidades. A perspectiva é de que esse contingente aumente para 13 milhões no segundo semestre.

Encerra- se o capítulo da “inclusão social”, celebrado na marquetagem eleitoral da última década, com uma combinação nefasta de mais desemprego e declínio na renda familiar dos mais pobres ( 7,4%). A reversão do bem-estar social, pelo aumento na desigualdade, acaba de ser confirmada por pesquisadores como Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas.

Há um fenômeno novo, detectou a Associação das Empresas de Transportes Urbanos: as pessoas reduziram seu movimento nas maiores cidades. Ônibus levam menos um milhão de passageiros por dia, em comparação a 12 meses atrás. Na periferia, segundo a entidade, cresceu a preferência pela viagem de bicicleta ou a pé.

Na região mais industrializada registrou- se o fechamento de 20 fábricas a cada dia útil, informa a Junta Comercial do Estado de São Paulo. Perderam- se 4.451 indústrias paulistas, 24% mais que nos 12 meses anteriores. Agora, avança-se no quarto ano seguido de recessão, com inflação alta e recorde mundial de juros.

Governo e Congresso se mantêm numa cegueira deliberada. A oposição em transe dedica- se à demolição de pontes para o futuro com “bombas” legislativas, como a de R$ 330 bilhões da semana passada, que turvou uma das raras iniciativas construtivas dos últimos tempos — o acordo feito pelo senador Tasso Jereissati ( PSDB- CE) para aprovação da Lei das Estatais.

O governo perde- se em desvarios. Dilma Rousseff fez do Planalto um escritório de advocacia 24 horas. Faz comícios e, quando não insinua seu desejo de prisão para o juiz que autorizou o grampo do telefone de uma pessoa investigada, Lula, recita imaginário “golpismo” num pedido de impeachment, previsto na Constituição que o PT se recusou a subscrever.

Esconde que o seu partido, sob comando de Lula, apoiou nada menos que 50 petições similares contra três presidentes entre 1990 e 2002. Foram 29 contra Fernando Collor, quatro contra Itamar Franco e 17 contra Fernando Henrique Cardoso. Lula superou 34 pedidos de impeachment. Dilma somava 49 até ontem à noite — no último é acusada de usar seu poder constitucional para proteger um investigado, dando-lhe “auxílio direto” para escapar “do juiz natural das investigações”.

A luz sobre negociatas como modo de governo, nos inquéritos sobre corrupção, cegou os que fazem política. Tateiam paredes do labirinto da crise que construíram, e não enxergam a saída.

Mercado de trabalho piora e amplia a desigualdade – Editorial / Valor Econômico

O mercado de trabalho começou o ano aprofundando suas perdas. Somente em fevereiro foram fechados 104,6 mil postos formais de emprego, o maior número para o mês em 25 anos, totalizando 204,9 mil vagas perdidas nos primeiros dois meses do ano e 1,7 milhão em 12 meses, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego.

Outra dimensão do problema foi dada pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE, nas seis maiores regiões metropolitanas, que constatou que a taxa de desemprego atingiu 8,2% em fevereiro, maior índice para o mês desde 2009 e acima dos 7,6% de janeiro, além da persistente redução da renda, que tem impacto decisivo no primeiro aumento da desigualdade desde a virada do século. A situação é pior na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, que abrange 3,5 mil municípios e apurou em janeiro uma taxa de desocupação de 9,5%, acima dos 6,8% de igual período do ano anterior. A Pnad Contínua vai substituir a PME a partir de agora.

A deterioração pode ser confirmada nos grandes números e nos detalhes. Do 1,5 milhão de postos fechados em 2015, segundo o Caged, a maior parte estava na indústria (608,8 mil) e na construção civil (416,9 mil). Os serviços fecharam 276,1 mil vagas e o comércio teve perda menor, de 218,7 mil postos.

Depois de terem mostrado extraordinária resistência à crise econômica em 2015, o comércio e os serviços revelam agora ter sentido o golpe provocado pela significativa redução do consumo das famílias. O comércio fechou 55,5 mil vagas em fevereiro, cerca da metade dos postos perdidos no mês de acordo com o Caged, totalizando 125,3 mil fechados no bimestre, ou 57% do total registrado em todo o ano passado. As maiores perdas ocorreram no Sudeste, por causa do enfraquecimento da indústria, e no Nordeste. Se o ritmo de fechamento de pouco mais de 100 mil postos de trabalho por mês for mantido, o ano vai contabilizar 1,2 milhão de vagas a menos, não muito distante do registrado no ano passado.

Os dados do IBGE também são preocupantes. A população desocupada já somava 9,6 milhões de pessoas no trimestre de novembro a janeiro, segundo a Pnad Contínua, e aumentou 42,3%, o equivalente a mais 2,9 milhões de pessoas, na comparação com igual trimestre de 2015. Já a população ocupada, calculada em 91,7 milhões de pessoas, diminuiu 1,1% ou 1 milhão de pessoas frente a igual trimestre de 2015. As pesquisas revelaram ainda a redução de 5,9% dos trabalhadores sem carteira, mais acentuada do que os 3,6% daqueles que têm carteira assinada; e ainda o consequente aumento de 6,1% das pessoas que trabalham por conta própria.

Além disso, o rendimento médio real recebido caiu 2,4% em relação ao mesmo trimestre do ano passado; e a massa de rendimento real encolheu 3,1% na mesma base de comparação. Os trabalhadores com ensino médio completo ou escolaridade superior, o segmento considerado mais instruído, é o que registrou maior perda de renda do trabalho nesse período, de 4,8%. A queda da renda do trabalho cria um círculo vicioso pois reduz a demanda no comércio e nos serviços e, a partir do segundo semestre do ano passado causou o primeiro aumento da desigualdade desde a virada deste século. Depois de recuar paulatinamente desde 2001, apesar de alguns anos de turbulência como 2003, o índice de Gini, que mede a desigualdade, perdeu em 2015 o que levou todo esse tempo para melhorar e um pouco mais. Não fossem as transferências do governo, a desigualdade teria aumentado mais. As perdas sociais também podem ser aferidas pela redução do PIB per capita, que ocorre desde 2014. Naquele ano recuou 0,8%; e perdeu mais 4,6% no ano passado. A previsão é de novo encolhimento neste ano e, provavelmente, em 2017.

Outro indicador perverso é o elevado desemprego entre os mais jovens. Nas seis principais regiões metropolitanas do país um em cada cinco jovens está desempregado. Pela primeira vez, desde 2009, a taxa de desemprego entre os trabalhadores de 18 a 24 anos atingiu 20,8%. Mas a pior sinalização é certamente a perspectiva de que a deterioração do mercado de trabalho vai se acentuar e a taxa de desemprego vai chegar a dois dígitos ainda neste ano, na esteira das previsões negativas para a economia e da disseminação da crise. Há quem preveja melhoria apenas para 2018.

segunda-feira, 28 de março de 2016

Opinião do dia - Claudio Lamachia

Essa afirmação do governo, com tanta frequência, de que há um golpe em curso me parece ofensiva ao próprio Supremo Tribunal Federal. Se dizem que é golpe, então o Supremo, há poucos dias, regulamentou o golpe. Ou seja, tanto não é golpe que a instância máxima da Justiça, numa sessão histórica, regulamentou o procedimento de impeachment. Isso acaba com a ladainha de golpe.

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Claudio Lamachia, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), O Estado de S. Paulo, 27/03/2016

Governo já redistribui cargos do PMDB

• Na véspera da decisão, Planalto negocia com deputados no ‘ varejo’

Grupo do vice Michel Temer tentará aprovar o desembarque na reunião de amanhã

Convencido de que o PMDB decidirá amanhã pelo rompimento com o governo Dilma, o Planalto começou a mapear cargos ocupados por apadrinhados peemedebistas para redistribuí-los e tentar atrair apoio contra o impeachment. “Vai ser varejo total, é balcão de feira”, contou um integrante do governo. As conversas já começaram, e o objetivo também é conter o efeito dominó em partidos da base como PP, PR e PSD.

Espólio em liquidação

• Governo mapeia cargos do PMDB para distribuí- los a aliados que votem para salvar Dilma

Júnia Gama, Eduardo Bresciani e Renato Onofre – O Globo

- BRASÍLIA E SÃO PAULO- Após dar como perdida a batalha para manter o PMDB na base aliada, o governo decidiu fazer um mapeamento dos cargos hoje ocupados por apadrinhados peemedebistas — o objetivo é redistribuir esse espólio a outros partidos que possam dar votos para salvar a presidente Dilma Rousseff do processo de impeachment no Congresso.

Até dias atrás, a estratégia do governo era tentar enfraquecer o vice- presidente Michel Temer para evitar que obtivesse uma vitória unânime na reunião do Diretório Nacional, amanhã, em prol do rompimento. Mas, com a avaliação de que a batalha está perdida junto ao PMDB, a ordem no Palácio do Planalto passou a ser identificar os cargos ocupados por peemedebistas e começar as exonerações, abrindo espaço para aqueles mais suscetíveis a uma composição com o governo em troca de benefícios na máquina pública. Foi o que já aconteceu com o aliado de Temer Henrique Pires, exonerado da presidência da Funasa na última quintafeira. O mesmo deverá ocorrer com os cargos da autarquia nos estados, muitos dos quais também controlados por indicados do PMDB.

Nesse raciocínio, cresceu no Planalto a pressão para que o ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva assuma um cargo de assessoria no governo para executar essa articulação. Uma fonte ligada ao governo dá o tom da estratégia para sobreviver ao impeachment:

— Vai ser varejo total, é balcão de feira. O governo vai facilitar a liberação de recursos e atuar com promessa de cargos na estrutura federal para tentar barrar o impeachment na comissão. E sabemos que quem tem voto são deputados e senadores. O foco do governo agora é ir em cima de quem tem voto. Seria gastar energia à toa trabalhar para desmobilizar o PMDB, porque a onda orgânica no partido está muito forte — diz um auxiliar governista.

O líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani ( RJ), que ainda defende a permanência no governo, vê como natural a decisão do Planalto de redistribuir os cargos caso o partido de fato deixe a base. Mas acredita que, internamente, deve haver tolerância com os ministros que ainda não se decidiram e que optarem por apoiar individualmente Dilma e não deixar os cargos.

— Se o partido decidir pela saída, o governo deve promover a saída dos peemedebistas que têm cargos. Mas o PMDB tem que respeitar as circunstâncias individuais dos filiados — defende.

Com o diálogo com as lideranças cada vez mais restrito no Congresso e sem poder contar com a força de ministros sobre as bancadas, a aposta do governo será cada vez mais na negociação direta com cada deputado. Os governistas já sinalizam a aliados que quem ficar terá mais espaço no governo.

— Quem quer a cassação não vai permanecer no governo. Não tem essa de um pé em cada canoa. Saindo, vamos reestruturar o governo com aqueles que são contra esse golpe — afirma o deputado Paulo Teixeira (PT- SP).

No Congresso, os governistas já trabalham com espaços que serão deixados pelos peemedebistas para dar fôlego à presidente. O objetivo é tentar conter o efeito dominó em partidos da base como PP, PR e PSD. Apesar de o governo dar como certa a saída do PMDB da base, entre os deputados petistas a sensação é que nem todos seguirão a Executiva Nacional.

— Não vejo uma saída em massa, uma debandada, como anunciada por aqueles que defendem o golpe. Acho que teremos alguns nomes que sairão do governo, mas ainda teremos o apoio de parte do PMDB — avalia Teixeira.

Um deputado petista que faz parte da comissão do impeachment, mas prefere não se expor, afirma que o governo já iniciou o trabalho no varejo junto a pequenos partidos para tentar garantir o apoio necessário para manter Dilma. Ele diz que a ideia é usar cargos de quem está desembarcando para tentar garantir outros aliados:

— Tem que tirar o cargo dos infiéis e repassar diretamente para a nova base. Isso já está em curso.

Um líder da base, no entanto, afirma que a tendência é de os grandes partidos seguirem a mesma direção do PMDB e passarem a apoiar o impeachment. A avaliação é que o governo perdeu condições de reagir. Para tentar refluir o movimento, restaria ao governo acelerar negociações pontuais para tentar manter ao menos núcleos governistas em cada legenda, evitando o desembarque completo.

— Tem que ser algo customizado, individualizado, para que você possa, para cada situação, atender a determinadas demandas. Mas o movimento está muito forte, e está difícil para todo deputado manter um apoio ao governo neste momento — diz o líder.

Ontem, Dilma voltou de Porto Alegre, onde passou o feriado, e recebeu à noite o ministro Jaques Wagner (chefia de gabinete) no Alvorada. O ministro é um dos principais articuladores da defesa do governo no Congresso.

Do outro lado da batalha, Temer passou o dia ontem em telefonemas com peemedebistas e manterá hoje agenda intensa de reuniões para buscar a união em torno do desembarque. Segundo seus mais próximos auxiliares, se conseguir o consenso, Temer deve participar da reunião na expectativa de aclamação pelo rompimento com o governo, o que o fortaleceria como liderança.

A bancada do PMDB na Câmara irá se reunir hoje para tentar um posicionamento conjunto, mas a tendência é que os defensores da permanência no governo sequer compareçam ao encontro do Diretório Nacional.

— Se a decisão for de fato sair do governo, tem que ser estabelecido um prazo para os ministros. Tem que ter responsabilidade, não se deixa ministério do dia para a noite. Tem que prevalecer o bom senso. Se decide sair, tem que dar 30 dias, quando já estará definido se tem ou não impeachment. O governo pode até querer substituir antes, pode trocar se quiser, mas o partido deve esperar esses 30 dias — afirma um peemedebista alinhado ao governo.

Até o momento, dos sete ministros do PMDB no governo, apenas Kátia Abreu ( Agricultura), que se filiou ao partido há menos de três anos, tem sinalizado que pode deixar a legenda. Kátia pode retornar ao PSD, legenda comandada por seu filho, o deputado Irajá Abreu, em seu estado, o Tocantins. Os demais ministros, avalia a cúpula do PMDB, devem optar por ficar no partido e sair do governo.

— O governo faz bem em redistribuir esses cargos. Se tenho uma sociedade com alguém e esse alguém diz que não quer mais, muito bem, que vá embora. O filho da Kátia vai ser candidato a governador pelo PSD, e ela pode aproveitar para voltar para lá. Ela sempre foi outsider no PMDB, foi colocada ali pela presidente — afirma um dirigente peemedebista.

Em outra frente, o governo também pretende trabalhar o discurso de que os atuais ministros não terão espaço em eventual governo Temer e que terão de enfrentar a militância petista nas ruas protestando contra o que consideram um golpe. Há expectativa de grande mobilização nesta quinta-feira, dia 31, organizada pelo PT para intimidar os apoiadores do impeachment.

— Michel Temer, para poder governar, vai ter que fazer ampla coalizão, e é muita gente para pouco cargo. E o PT faria do governo dele um inferno. O partido está mobilizando todos os esforços em uma marcha para intimidar Temer e meter pressão sobre a Câmara. Muitos deputados fraquejam na hora de defender o governo, apesar de terem cargos, por causa da pressão popular. O PT quer botar pressão popular do outro lado para equilibrar o jogo — resume um petista.

Lula lidera força-tarefa pela permanência de Dilma

• Parlamentares ligados ao ex- presidente se dividem em três frentes, jurídica, política e de orçamento, para evitar impedimento

Leticia Fernandes e Cristiane Jungblut - O Globo

- BRASÍLIA- Articulador informal do governo, o ex- presidente Lula conta com uma força-tarefa para evitar o impeachment de Dilma Rousseff e salvar o projeto do PT. Na Câmara e no Senado, parlamentares mais ligados ao ex- presidente se organizaram para agir em várias frentes. A atuação junto ao Palácio do Planalto é liderada pelos ministros Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo), José Eduardo Cardozo ( AGU) e agora também por Eugênio Aragão, novo ministro da Justiça. Os oito deputados titulares da comissão do impeachment se reúnem semanalmente e também já se encontraram com Aragão.

O grupo de Lula é composto majoritariamente por parlamentares de São Paulo, berço político do PT, e do Rio Grande do Sul, onde os petistas ainda possuem considerável capital político. Os deputados mais ligados ao ex- presidente — entre eles Paulo Teixeira ( PT- SP), Paulo Pimenta (PT-RS) e Wadih Damous (PT-RJ), um dos escalados para defender o governo e que foi alçado a titular na Câmara por articulação do ex-presidente — dividiram a bancada em três frentes de atuação: a jurídica, na qual trabalham Damous, ex-presidente da OAB do Rio, Teixeira, e José Mentor ( PT- SP); a de orçamento, para destrinchar e tentar desmontar os pontos mais ligados à denúncia das “pedaladas fiscais”, sob a tutela de Pepe Vargas ( RS) e Henrique Fontana ( RS); e a frente política, que mede os votos dos parlamentares da base, na qual atuam Arlindo Chinaglia ( SP), Marco Maia ( RS), Paulo Pimenta ( RS) e Carlos Zarattini ( SP).

As questões de ordem apresentadas nas reuniões do órgão e discursos contra o impeachment ficam a cargo dos partidos mais fiéis da base, PCdoB e PDT, além de Silvio Costa (PTdoB- PE), vice- líder do governo na Câmara. Pimenta e Damous também costumam fazer discursos inflamados da tribuna, como na última segunda-feira, quando Damous chamou o QG da força- tarefa da Lava- Jato de “Guantánamo de Curitiba”. Ele também criticou a OAB, que se posicionou a favor do impeachment, e disse que em 1964 a entidade também “embarcou na canoa do golpe”.

— Diversos órgãos de imprensa estão denunciando mundo afora que há em curso neste país um golpe midiático, espetacularizado, com participação de determinados setores do sistema de Justiça brasileiro localizado na nossa Guantánamo chamada Curitiba. Isso não fica assim, não somos um “partideco” — bradou.

Em busca de estratégias
Desde o clima de guerra instalado com a oposição, o deputado Paulo Pimenta se reuniu com os deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e Wadih Damous (PT- RJ) para traçar as estratégias na esfera jurídica. Teixeira e Damous foram os primeiros a entrar com ações no STF e estão contestando condutas na Operação Lava- Jato.

No Senado, os maiores aliados de Lula são o líder do PT na Casa, Paulo Rocha ( PA), e do governo no Senado, Humberto Costa ( PT- PE), o senador Linbergh Farias ( PT- RJ) e ainda a senadora Vanessa Grazziotin ( PCdoB- AM).

No encontro de quarta-feira à noite, em Brasília, Lula disse ao senadores aliados que lutará para continuar ministro, por entender que a presidente Dilma tem direito a indicar seus colaboradores.

Os petistas cobraram a presença do ex-presidente na cidade. Destacaram que ele precisava liderar diretamente a campanha contra o impeachment.

Ao lado de Paulo Rocha, outros petistas antigos têm se reunido no Senado para traçar estratégias. Semana passada, Paulo Rocha era esperado pelo deputado José Mentor ( PT- SP) e pelo exdeputado professor Luizinho.

— O Lula fica ligando e perguntando se a gente conhece deputados, prefeitos — contou um senador.

Lula costuma se reunir com os senadores e pedir mobilização contra o impeachment, orientando que procurem os integrantes da comissão na Câmara e tentem medir os votos. O ex-presidente também tem buscado estratégias entre os aliados. No dia em que a nomeação de Lula como ministro foi suspensa, a senadora Vanessa Grazziotin e outros integrantes do PCdoB demostraram seu apoio ao ex-presidente; os parlamentares do PCdoB conversam com Lula até por viva- voz. A deputada Jandira Feghali também tem tido papel importante no combate ao impeachment e na defesa do ex-presidente.

Nesta semana, em encontro em Brasília, Lula também pediu que já preparassem o terreno no Senado, mas parlamentares admitiram que, caso o processo de impeachment seja aprovado na Câmara, ele vai gerar um “efeito bola de neve” que não poderá ser contido.

— Ele está energizado contra o impeachment — contou um senador petista.

Aliados de Temer isolam governistas e buscam unidade em reunião do PMDB

• Vice-presidente buscará últimos focos de resistência ao desembarque do governo e tentará convencer mais diretórios para tentar decisão unânime na reunião de amanhã; para evitar constrangimento, ala pró-Dilma deve faltar ao encontro

Adriano Ceolin, Daniel Carvalho Erich Decat - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Animados com o apoio do PMDB do Rio e na expectativa da adesão de outros diretórios, os aliados do vice-presidente Michel Temer acreditam ser capazes não só de emplacar o rompimento do partido com o governo Dilma Rousseff como de construir unidade na reunião do diretório nacional, marcada para amanhã. A tendência é de que os peemedebistas aprovem a entrega de cargos à presidente, a começar pelos sete ministérios que a sigla comanda.

Temer chegou ontem à noite a Brasília para uma série de reuniões em que tentará eliminar os focos de resistência governista. Para o vice-presidente, alcançar a unanimidade na reunião do diretório é importante como um sinal de que o PMDB está unido em torno dele e de seu eventual governo – o Planalto aposta na divisão do partido para barrar o processo de impeachment na Câmara. Temer cogita, inclusive, presidir o encontro se sentir que pode transformá-lo num ato político a favor de sua chegada ao comando do País.

Para evitar o constrangimento de um derrota acachapante, integrantes de diretórios governistas devem faltar à reunião. É o caso dos cinco representantes do PMDB paraense. O diretório é dominado pelo senador Jader Barbalho (PA), cujo filho, Helder, é ministro da Secretaria de Portos. Na semana passada, Jader tentou, sem sucesso, convencer Temer a adiar a reunião do diretório para 12 de abril.

Governistas querem tentar ao menos adiar a entrega dos cargos para esta data.

Conversas. O primeiro nome da lista de conversas que Temer pretende ter hoje é o do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Quer convencê-lo a apoiar o rompimento imediato. No entanto, aliados do senador dizem acreditar que um acerto seria “muito difícil”. Até o fim da semana passada, Renan e demais setores da ala governista do PMDB preferiam ver “o governo cair de podre”.

Temer também deve reunir-se com o ministro Eduardo Braga (Minas e Energia), outro peemedebista que considera “precipitado” o rompimento imediato, como disse em entrevista ao Estado publicada no sábado.

Interlocutores do vice acreditam que os ministros que hoje resistem a abrir mão do cargo mudarão de postura. Parte do PMDB cogita propor a expulsão de quem se recusar a entregar o cargo. Um aliado de Temer observa que, sem representar um partido, os ministros deixariam de ser úteis ao governo, pois teriam pouco poder de atrair votos na Câmara contra o impeachment.

Para o senador Romero Jucá (PMDB-RO), o Planalto mostrou não querer “membro do PMDB no governo” quando demitiu o presidente Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Antônio Henrique Pires, indicado por Temer. A exoneração, na quinta-feira, foi vista como retaliação pela tendência de rompimento do partido – o governo nega.

Discurso. A defesa da unidade em torno da decisão a ser tomada amanhã tem sido feita por diversos peemedebistas. “O ideal é que fosse por unanimidade. Vamos buscar isso até o último momento”, afirmou Jucá, que tem trânsito nas alas contra e a favor do rompimento.

Integrantes do núcleo duro de Temer apostam que a decisão de desembarque adotada pelo diretório do PMDB fluminense na quinta-feira contaminará outros Estados. Ao menos dez dos 12 votos da seção do Rio devem ser a favor do rompimento. O gesto ganha ainda mais força por Jorge Picciani, presidente do PMDB-RJ, ser pai do deputado Leonardo Picciani, líder da bancada na Câmara e até então principal defensor da aliança com Dilma. Leonardo não se manifestou.

Segundo maior diretório do partido, o PMDB-MG também pode oficializar apoio ao desembarque do governo. Presidente da seção mineira, o vice-governador Antonio Andrade já avisou a integrantes da ala governista não ter condições de garantir o apoio dos outros 10 integrantes mineiros do diretório nacional.

Há duas semanas, o governo nomeou o deputado Mauro Lopes (MG) ministro da Secretaria de Aviação Civil. “O ministério foi dado contemplando o Mauro. Não vai influenciar a nossa decisão”, disse Andrade . Os mineiros conversarão hoje, mas só devem oficializar a decisão amanhã. O vice-governador afirmou querer sair da reunião com uma decisão unânime. “Vamos discutir até ver se conseguimos chegar a um consenso e a minoria seguir a maioria.” / Colaborou Igor Gadelha

Governo encara próximos 15 dias como decisivos ao impeachment

• De volta a Brasília após feriado, Dilma Rousseff reúne seus principais ministros para discutir saída do PMDB

Isadora Peron – O Estado de S. Paulo

Integrantes do Palácio do Planalto avaliam que os próximos 15 dias serão decisivos para o governo da presidente Dilma Rousseff. A perspectiva é que a comissão que analisa o impeachment da petista termine seus trabalhos em meados de abril e que os acordos com os partidos da base aliada que serão fechados até lá definam se a presidente continua ou não no cargo.

O tema que mais preocupa o governo no momento é o desembarque do PMDB, que deve ser oficializado na próxima terça-feira. Assim que chegou a Brasília ontem à noite, depois de passar o feriado em Porto Alegre, Dilma convocou uma reunião no Palácio da Alvorada para discutir o assunto com os seus principais ministros.

Auxiliares da petista classificam a decisão do partido do vice-presidente Michel Temer como irreversível e chegam a falar que "só um milagre" faria os peemedebistas mudarem de ideia. Não descartam também que a saída do PMDB provoque uma debandada dos demais partidos da base aliada, como o PP e o PSD.

Diante desse quadro, a ordem é atuar no varejo para conquistar o maior número de deputados possível. A estratégia vai ser entregar cargos e prometer a liberação de recursos àqueles que votarem contra o impeachment. Hoje, o cálculo do Planalto é que o governo não tem os 171 votos necessários para barrar o processo na Câmara e que seria muito difícil paralisá-lo no Senado.

Sem interlocução com Temer, Dilma delegou ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a tarefa de tentar se aproximar do vice. Na última semana, o petista não obteve sucesso na empreitada. Temer sequer atendeu aos telefonemas do ex-presidente. Uma nova tentativa deve ser feita nesta segunda-feira, mas há pouca esperança que isso altere o quadro já desenhado.

Até mesmo a nomeação de Lula para a Casa Civil já é vista, no Planalto como algo que, por ora, perdeu o sentido. Com o caso dependendo de uma decisão do Supremo Tribunal Federal - o que não deve acontecer nesta semana -, a saída vai ser o ex-presidente atuar como interlocutor informal do governo, como já vem fazendo. No centro do escândalo da Operação Lava Jato, porém, Lula já não mostra a mesma influência de outrora.

Páscoa. Dilma Rousseff voltou a Brasília no início da noite de domingo (27) após passar o feriado com a família na capital do Rio Grande do Sul. Além da Páscoa, a presidente celebrou o aniversário da filha, Paula Araújo, mãe de seus dois netos - Gabriel, de 5 anos, e Guilherme, que nasceu em janeiro.

Ela chegou a Porto Alegre na quinta-feira e, como de costume, manteve uma rotina discreta, saindo de casa somente para pedalar.

Câmara votará impeachment com fragmentação partidária recorde

• Casa dividida entre 25 partidos dificulta formação de maiorias e compromete governabilidade

Câmara votará impeachment com fragmentação recorde

Gustavo Patu – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A Câmara dos Deputados votará o afastamento da presidente Dilma Rousseff em meio a um nível recorde de fragmentação partidária, o que dificultará a governabilidade do país seja qual for o desfecho do processo.

Hoje, nada menos de 25 partidos têm assento na Casa. Os três maiores -PMDB, PT e PP, pela ordem- reúnem juntos pouco mais de um terço dos deputados federais.

Entre as siglas que encabeçaram as últimas seis disputas presidenciais, o PT amarga a menor bancada desde que chegou ao Palácio do Planalto, enquanto o PSDB encolheu à metade nos tempos de oposição, em relação aos anos do governo do tucano Fernando Henrique Cardoso.

A estreante Rede abriga a ex-senadora pelo Acre Marina Silva (ex-PT, ex-PV e ex-PSB), líder nas pesquisas de intenção de voto à Presidência, e apenas cinco deputados. O folclórico Partido da Mulher Brasileira tem apenas um -do sexo masculino.

Com a ajuda de benesses da legislação, o Brasil se tornou um dos líderes mundiais em proliferação de partidos desde sua redemocratização -até 1979, a ditadura militar permitia apenas duas legendas. Os números atuais não têm precedentes no período.

Dito de outra maneira, há na Câmara empecilhos igualmente inéditos para a formação de maiorias e mesmo alianças ocasionais.

Na defesa de Dilma, o PT e seus aliados mais fiéis à esquerda, PDT e PC do B, somam apenas 91 votos, 80 abaixo do mínimo necessário para manter a presidente em sua cadeira.

O trio de siglas encolheu desde a legislatura passada, quando o fracasso das políticas econômicas desenvolvimentistas levou a um desgaste progressivo do governo.

No restante da base de sustentação ao Planalto, as afinidades ideológicas são mais ralas, e os compromissos, mais incertos -a começar pelo PMDB do vice Michel Temer e seus 69 deputados.

Pós-impeachment
Na hipótese cada vez mais palpável de um impeachment, a costura de uma nova coalizão de apoio a Temer tende a ser outra tarefa complexa, independentemente do abalo que os próximos movimentos da Operação Lava Jato venham a provocar no mundo político.

Há pela frente uma agenda de ajustes orçamentários indigestos, que podem incluir da elevação de impostos a uma reforma da Previdência com redução de direitos.

Os candidatos naturais a abraçar essa pauta são PSDB e DEM, principais sustentáculos das reformas liberais do governo FHC na década de 1990. Os dois partidos, no entanto, estão longe de ostentar o poderio de antes.

Em 1998, eles elegeram juntos 204 dos 513 deputados -só a aliança com o PMDB já garantia a maioria da Casa. O segundo governo tucano conseguiu elevar a alíquota da CPMF, a antiga contribuição sobre movimentação financeira, criar o fator previdenciário, que reduziu as aposentadorias, e aprovar a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Hoje, tucanos e democratas somam apenas 76 nomes; somados os peemedebistas, que também minguaram nas últimas eleições, não se chega a 30% da Câmara.

Os demais votos terão de ser buscados -provavelmente à base de cargos e verbas– nas legendas de menor protagonismo político, que, atualmente, formam a maioria da Casa.

Com poucas exceções, são agremiações de vocação fisiológica e baixa consistência programática. Os principais exemplos são PP, PR e PSD, todos representados no ministério de Dilma.

Dilma usa cargos para atrair siglas da base

Valdo Cruz, Daniela Lima – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Diante da certeza de um desembarque do PMDB, o governo Dilma vai oferecer a partidos como PP, PR e PSD cargos hoje em poder dos peemedebistas e a promessa de terem um papel de "protagonistas" caso a petista sobreviva ao impeachment.

Nas contas de assessores da presidente Dilma, quase 500 cargos podem entrar nas negociações se todos os peemedebistas decidirem seguir a decisão do diretório nacional do PMDB, na terça-feira (29), quando deve ser oficializado o rompimento.

Além destas três legendas, o governo vai fazer uma ofensiva de última hora sobre partidos menores e deputados individualmente, numa tática de operar no "varejão", para tentar garantir os 171 votos necessários para barrar o impeachment no plenário da Câmara dos Deputados.

A estratégia começou a ser traçada em reunião na noite deste domingo (28) entre a presidente Dilma e sua equipe no Palácio da Alvorada, que daria o aval para as articulações no "varejão" depois de retornar de Porto Alegre.

Hoje, além do rompimento do PMDB, o Palácio do Planalto considera difícil reverter uma derrota na Comissão Especial que analisa o pedido de impeachment, onde teria cerca de 25 dos 65 votos de seus integrantes.

A ordem é barrar a aprovação da abertura do processo de impeachment na votação em plenário da Câmara, prevista para o início da segunda quinzena de abril.

Hoje, o governo não teria os votos necessários. Os assegurados seriam atualmente no máximo cerca de 150.

Pressa
Na tática de oferecer cargos de peemedebistas no "varejão" da Câmara, o primeiro lance já foi dado. Entregar a presidência da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), antes ocupada por um aliado do vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP), para a sigla nanica do PTN, que daria dez votos a favor de Dilma.

A preocupação de assessores presidenciais é o tempo curto disponível para segurar e reconquistar aliados em siglas como PP, PR e PSD, que já avisaram à presidente sobre o risco de a maior parte de seus deputados votarem a favor da saída da petista do Palácio do Planalto.

Um interlocutor da presidente reconhece que o tempo joga contra o governo, mas disse que estes partidos, incluindo na conta também o PTB, nunca ocuparam papel de destaque na Esplanada dos Ministérios e agora teriam a promessa de se transformarem em protagonistas caso Dilma sobreviva.

O problema, reconhece outro assessor, é que o PMDB também está articulando na busca de conquistar o apoio destas legendas para um eventual governo Temer.

Votação simbólica
Do lado do PMDB, o fortalecimento da ala que prega o rompimento levou os partidários da manutenção da aliança com o governo, hoje reduzidos a algo entre 20% e 25% da legenda, a fazerem uma série de propostas.

Há, inclusive, quem pregue que não haja mais aferição exata sobre a saída do governo, mas uma espécie de votação simbólica pelo desembarque.

Segundo essa tese, o partido sinalizaria unido pelo desembarque, mas, em contrapartida, os sete ministros do PMDB teriam um prazo maior, até 12 de abril, para entregarem os cargos.

A tentativa de esticar a permanência desses nomes no governo não é bem vista pela ala mais rebelde do partido, que tem dito que isso levaria a uma desmoralização, mas a arbitragem final sobre as propostas caberá a Michel Temer, que terá uma série de conversas com aliados ao longo desta segunda-feira (28).

Temer tenta decisão unânime do PMDB pelo rompimento com Dilma

Por Raymundo Costa e Leandra Peres – Valor Econômico

BRASÍLIA - Distante há mais de uma semana, o vice-presidente Michel Temer voltou ontem à noite a Brasília, tendo como objetivo não mais a maioria, mas costurar a unanimidade do PMDB em favor do rompimento com o governo da presidente Dilma Rousseff. A ruptura amplia as chances do impeachment na Câmara dos Deputados e aumenta a pressão pela renúncia da presidente da República. A decisão do PMDB se tornou virtualmente inevitável na última quarta-feira, quando a seção do Rio de Janeiro, talvez a mais fiel ao governo, decidiu que chegou a hora do desembarque dos pemedebistas.

A reunião do Diretório Nacional do PMDB está marcada para amanhã, terça-feira. Ao todo, quase duas dezenas de moções foram apresentadas. A primeira a ser votada propõe o rompimento da aliança PT-PMDB e a entrega de todos os cargos ocupados pelo partido no governo, inclusive sete ministérios. É de autoria do ex-ministro e ex-deputado baiano Geddel Vieira Lima. Somente a 12ª moção trata da manutenção da aliança e foi proposta pelo ministro Celso Pansera (Ciência e Tecnologia), do Rio de Janeiro.

Se conseguir a unanimidade ou mesmo os mais de 80% esperados, a cúpula do PMDB deve tolerar uma ou outra dissidência. Qualquer resultados abaixo disso deixará de sobreaviso os favoráveis ao impeachment e a posse de Michel Temer. De acordo com uma fonte do PMDB consultada pelo Valor PRO, a exoneração do presidente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Antônio Henrique Carvalho Pires, nesta quinta-feira, reforçou o desgaste do PMDB do Rio com o Executivo. Carvalho Pires, segundo a fonte, era uma indicação do partido.

Nas contas dos aliados do vice-presidente, apenas as seções do Amazonas e de Alagoas, esta comandada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, mantêm-se resistentes ao rompimento. A maior surpresa, no entanto, foi a reviravolta ocorrida no Rio de Janeiro, o principal sustentáculo da presidente Dilma no PMDB, no qual o governo mais investiu em suas tentativas para evitar o impeachment. O líder da bancada na Câmara, Leonardo Picciani (RJ), por exemplo, indicou dois ministros: Celso Pansera e Marcelo Castro (Saúde).

O que pesou para a mudança do diretório do PMDB do Rio foi o mesmo que leva outros partidos aliados a se associar ao projeto do impeachment, como o PRB, para citar apenas um exemplo: Dilma não é só uma presidente impopular. Ela também já não reúne condição de articular o apoio de um conjunto de forças políticas que lhe permitam governar. "O governo precisa recuperar a sua capacidade de tocar os programas sociais que trouxeram tantos benefícios à população brasileira", diz o ex-ministro Moreira Franco. "Só um milagre salva o governo".

O Palácio do Planalto ainda luta para reverter o quadro, mas teme que o rompimento do PMDB seja definitivo e promova uma reação em cadeia que atinja os outros partidos aliados, como o PP, que desde a semana passada insinua que está prestes a abandonar o barco. Mas todas as investidas palacianas, até agora, inclusive aquelas patrocinadas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deram errado. O PMDB tem sete ministros, quase todos do baixo clero e sem influência nas bancadas.

O tom de enfrentamento nos discursos da presidente Dilma elevou a reação do Planalto ao impeachment, nas não é unanimidade entre os ministros palacianos. Os auxiliares próximos da presidente que estão à frente da negociação com o PMDB tem defendido que a postura agressiva de Dilma, que inclusive encerrou uma de suas falas com o bordão "não haverá golpe", dificulta o entendimento e "derruba pontes".

Na visão desses integrantes do governo, partir para o enfrentamento com a Justiça e com os parlamentares que irão decidir, de uma forma ou de outra, o resultado do processo de afastamento da presidente cria mais arestas, especialmente no momento em que o governo se esforça para manter os partidos na sua base de apoio.

A avaliação é a de que o círculo petista mais próximo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o atual advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo (PT-SP) tem atuado como os principais incentivadores dessa estratégia. "O problema é que um governo que quer negociar não pode parecer que está brigando com todo mundo o tempo todo", diz uma autoridade.

No Planalto, admite-se que a divulgação da lista de políticos encontrada em poder da Odebrecht, tem o poder de ampliar o foco das denúncias; mas o efeito final não deve ser positivo para o governo: num clima de maior tensão, a reação deve ser acelerar o processo de impeachment.

O clima entre os assessores de Dilma, no entanto, era de alívio pela decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, que impedirá, na prática, um pedido de prisão do ex-presidente Lula feito pelo juiz Sergio Moro, de Curitiba. "Agora pelo menos o Lula pode fazer com tranquilidade o que ele veio fazer", concluem. (Colaborou André Ramalho, do Rio)

Empresário diz que Dilma não tem mais como governar

Por Graziella Valenti – Valor Econômico

SÃO PAULO - "É como um vaso que quebrou em milhões de pedacinhos." Essa é avaliação que Josué Gomes da Silva, presidente da Springs Coteminas e filho do antigo vice-presidente José Alencar (1931-2011), faz do governo da presidente Dilma Rousseff. "A Dilma perdeu as condições de governar o Brasil." Para ele, por um conjunto de circunstâncias, o governo não será capaz de restabelecer "a autoridade, a confiança e o respeito indispensáveis para aprovar as medidas necessárias para tirar o país da paralisia. E, na opinião do empresário, a economia não chegou ao fundo do poço.

Gomes da Silva só entrou para a política após a morte do pai. Filiou-se ao PMDB em outubro de 2013 e foi candidato ao Senado por Minas Gerais. Teve 42% dos votos e perdeu para o ex-governador Antonio Anastasia (PSDB), que ficou com 53%. O empresário apoiou Dilma abertamente na reeleição, em 2014.

A despeito de julgar que sua incursão na política tenha sido bem sucedida, apesar da derrota, Gomes da Silva disse que seu lugar é no "empresariado, na indústria". Para ele, o atual modelo político oferece pouco espaço para renovações. Mas, se houver reformas importantes, aposta na atração de nomes interessantes para o quadro político. "É urgente reduzir o custo das campanhas", apontou.

Na opinião de Gomes da Silva, o melhor caminho para levar o Brasil até 2018 de forma organizada é o fim do governo Dilma e uma nova eleição. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) analisa processo que pode cassar a chapa eleita no ano retrasado, o que pode levar a uma eleição presidencial direta, se a chapa for condenada este ano, ou indireta, em 2017. Na sua opinião, o judiciário e as demais instituições "saberão tomar as medidas corretas" e precisam sair desse processo fortalecidas.

Outro caminho seria uma renúncia coletiva, como sugerida pelo senador Ronaldo Caiado (DEM-GO). Na opinião de Gomes da Silva, Dilma não entrega a gestão por ver o processo como uma briga política "tremendamente" injusta.

Sem recobrar a confiança, aponta que dificilmente quadro econômico negativo se reverte - ao contrário, se aprofunda. "Não tem bala de prata." Aprovar a reforma da previdência, por exemplo, seria uma forma de dar um sinal de solvência fiscal para o futuro e que os mercados poderiam antecipar.

Quando Nelson Barbosa assumiu o Ministério da Fazenda, na opinião de Gomes da Silva, o discurso estava na direção correta. Mas, era preciso cortes rígidos.

O empresário argumenta que há consciência sobre o que é necessário, mesmo dentro da atual base política. Ele destacou o programa do PMDB, "Ponte para o Futuro", que teve como mentor o vice-presidente Michel Temer, como um conjunto de medidas para reverter a desconfiança dos agentes econômicos, mas de viabilidade política duvidosa.

"Há consenso quanto às medidas indispensáveis para reversão do quadro. O que o falta é um ambiente político que propicie a implementação destas medidas", enfatiza. Por isso, acredita que só uma solução rápida para o agravado quadro político tenha o "condão" de mudar os rumos da economia. "O momento é sério demais. Há muita indignação e uma descrença generalizada na classe política do país." O receio do empresário é que nem mesmo o impeachment aplacaria a população. Ele não vê o processo como golpe, mas vê risco de produzir apenas efeitos de curto prazo.

O empresário é cético em relação ao impeachment, por entender que as pedaladas fiscais não justificaria o fim da mandato. A gestão de Dilma pode ter exagerado nas ditas "pedaladas", mas não as inventou, argumenta. Sem contar que, para Gomes da Silva, a população não entende o tema. "Não é por isso que o povo está nas ruas."

Segundo ele, sem uma solução rápida para o quadro político, a dívida pública poderá alcançar 75%/80% do PIB. Nesse caso, diz ele, " estaremos transformando o quadro adverso conjuntural em um quadro estrutural complicadíssimo que exigirá muitos anos para consertar". Gomes da Silva prevê piora na inflação, o que teria efeito negativo sobre o ambiente social. "Temos de ter coragem de começar a falar para a população que esse ajuste não será fácil."

"Há empresas que terão mais capacidade de reação. Mas a média da economia vai piorar e disso não tenho dúvida." Ele não vê perspectiva de crescimento, pelo menos, nos próximos dois a três anos.

Gomes da Silva afirma que a Springs Coteminas tem conseguido passar bem pela crise, inclusive no mercado doméstico, onde a alta do dólar tirou competitividade de importados. Sem contar que para as exportações, a desvalorização do real traz margem de rentabilidade. "Vamos superar nossas metas com facilidade", disse. A companhia teve receita líquida de R$ 2, 27 bilhões no ano passado e espera crescer até 20% neste ano.

Atualmente, contou que perde o sono como empresário na hora de decidir como gerir o crédito ao varejo. "Esse setor costumeiramente trabalha com ciclos longos, de 90 dias, para recebimento. Tudo isso, nos deixa mais conservadores e isso é ruim. Estamos perdendo energia empreendedora no Brasil."

Do restante, defende soluções simples. O governo tem que se preocupar, na opinião dele, apenas com os grandes temas macroeconômicos e não interferir muito. "Estou me tornando um grande liberal. Pero no mucho, né?!", diverte-se um pouco. O limite do liberalismo, defendeu, é a garantia de condições isonômicas de competição do empresário nacional - seja para proteger o mercado interno ou para estimular exportação.

Gomes da Silva, que foi por alguns meses membro do conselho de administração da Petrobras, faz um "mea culpa" por ter defendido a política do conteúdo nacional. "Hoje eu estou convencido de que quase tudo que o governo põe a mão estraga. E isso não é só no Brasil, não."

Para Sanches, há razão para processo de impeachment

Por Cristian Klein – Valor Econômico

RIO - A grande diferença entre os pedidos de impeachment do ex-presidente Fernando Collor e da presidente Dilma Rousseff está no apoio político, diz o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Sydney Sanches, que presidiu no Senado, em 1992, o julgamento do impedimento de Collor.
Dilma conta com a sustentação de seu partido, o PT, de parcelas do PMDB e outros aliados, enquanto Collor estava muito isolado - pertencia à época ao minúsculo PRN. Para se obter os dois terços na Câmara e no Senado necessários ao impeachment "não vai ser tão fácil", prevê.

Por outro lado, Sanches, hoje com 82 anos, diz que haveria razões para imputar a Dilma crime de responsabilidade. No ano passado, foi convidado pela oposição para redigir parecer favorável ao impeachment e se recusou, por entender que não havia motivos. Agora, considera que as pedaladas fiscais podem ser improbidade administrativa, pois se repetiram no atual mandato. Ressalta, no entanto, que julgamento de impeachment é eminentemente político.

Ex-ministro diz que impeachment tem fundamento jurídico
Para o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Sydney Sanches - que presidiu o julgamento do impeachment de Fernando Collor, em 1992, no Senado - a grande diferença entre o caso do ex-presidente e o da atual, Dilma Rousseff, é o apoio político. Collor estava numa posição de muito isolamento e pertencia à época ao minúsculo PRN. Já Dilma conta com a sustentação de seu partido, o PT, de parcelas do PMDB, e de outros aliados. "Para se obter dois terços na Câmara e no Senado, não vai ser tão fácil assim", prevê.

Por outro lado, o ex-ministro diz que haveria razões para imputar à Dilma crime de responsabilidade. Aos 82 anos, Sanches ainda tem tempo de mudar de opinião. No ano passado, foi convidado pela oposição para redigir um parecer favorável ao impeachment, mas se recusou, por entender que não havia motivos.

Agora, considera que as pedaladas fiscais podem ser classificadas como improbidade administrativa, pois se repetiram no atual mandato. Ressalta, no entanto, que o julgamento do impeachment é eminentemente político e não jurídico.

Sanches comenta a atuação do juiz Sérgio Moro, a quem evita criticar pela condução das investigações da Lava-Jato que envolvem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Diz que Moro teria sido mais prudente se não tivesse divulgado as conversas telefônicas grampeadas entre Lula e Dilma, e que, no lugar do juiz, teria remetido o caso diretamente para o STF, uma vez que a presidente tem foro privilegiado.

Sanches entende que o conteúdo das gravações, em que Dilma trata da nomeação de Lula para a Casa Civil, pode ser considerado uma obstrução à Justiça, pela tentativa de escapar da jurisdição de Sérgio Moro. Para o ex-ministro, porém, o juiz federal errou quando determinou que Lula prestasse depoimento, de modo forçado, pois o ex-presidente não havia se negado anteriormente a comparecer à Justiça. "Realmente, eu acho que não era caso de condução coercitiva", diz.

A seguir, leia os principais trechos da entrevista concedida ao Valor:

Valor: Qual é a grande diferença entre os processos de impeachment contra Dilma e Collor?

Sydney Sanches: É que o ex-presidente Collor estava completamente sem apoio na Câmara e no Senado. Tanto que os dois terços foram obtidos com alguma facilidade nas duas Casas. Nos últimos tempos, ele estava sem nenhum defensor de partido. Conseguiu três votos de senadores. A presidente ainda tem o partido [PT] a apoiando. E ainda tem parte do PMDB e também alguns partidos aliados. De maneira que, para se obter dois terços na Câmara e no Senado, não vai ser tão fácil assim. Basta um voto de diferença, dois terços menos um, para impedir tanto a autorização pela Câmara quanto a condenação pelo Senado.

Valor: O sr. acha que o pedido tem embasamento jurídico?

Sanches: Pelo que entendi, diz respeito às pedaladas fiscais. Para mim não deixa de ser uma improbidade administrativa. Agora, é preciso não esquecer que os julgamentos na Câmara e no Senado são políticos. Até a avaliação do crime de responsabilidade é uma avaliação política, e não jurídica.

Valor: O que o sr. achou do episódio do grampo e da divulgação das conversas entre Lula e Dilma pelo juiz Sérgio Moro?

Sanches: De certa forma, implicitamente, ele aprovou o prosseguimento da interceptação, embora antes tivesse determinado a interrupção. Quando ele viu uma matéria tão importante quanto aquela, ele achou que retirar dos autos não seria prudente. A dúvida que surgiu é se ele deveria ter parado nisso, se deveria ter divulgado ou não. Ele teria sido mais prudente se se limitasse a admitir a prova nos autos e remeter o processo para o Supremo, que decidiria se mantinha ou não a prova, se a consideraria válida ou não. Evitaria toda essa polêmica.

Valor: Mas ele agiu bem ou mal na divulgação das gravações?

Sanches: Ele poderia ter evitado. Afinal de contas surgiu a dúvida aí, porque se a investigação atingir também a presidenta - era um diálogo entre ela e o investigado - aí teria, com mais cautela, que remeter os autos ao plenário [do Supremo], sem divulgar. Apenas fazendo constar que, havendo menção ao nome da presidente, remetia os autos ao STF. Isso é o que eu faria se estivesse no caso. Mas não o critico não, porque deve estar com tanta coisa na cabeça. Para o país foi mais interessante que ele tenha mantido, e o Supremo vai dizer se a prova é válida ou não.

• "Pedalada fiscal não deixa de ser improbidade administrativa, mas é preciso não esquecer que julgamento é político"

Valor: Com essa atitude, ele não extrapolou a função de juiz, ao criar um fato político, com o objetivo de influenciar a opinião pública?

Sanches: Se der uma interpretação estritamente técnica, teria que anular a prova, porque foi colhida por autoridade incompetente - ou entender que a autoridade era competente e o fato de ter havido diálogo entre a presidente e ele [Lula] não afeta a validade da prova. Porque quem tem que dizer, se a prova é válida ou não, não é o juiz de Curitiba. É o STF, uma vez que surgiu o nome da presidente.

Valor: Não é uma regra remeter os casos para o Supremo quando envolvem pessoas com foro?

Sanches: Quando, em qualquer prova que se está colhendo, surge o nome do presidente da República, o juiz deve remeter o processo ao Supremo. O juiz não pode presidir mais. Sua competência cessa neste momento. Por isso digo que teria sido mais prudente se ele [Moro] não divulgasse, não autorizasse a publicação.

Valor: É uma questão de imprudência ou de equívoco?

Sanches: Por isso é que digo que eu teria feito assim: teria remetido [ao STF], sem divulgar.

Valor: Qual é a tendência do STF?

Sanches: Não faço ideia, cabeça de juiz você sabe como é. Eu consideraria válida a prova.

Valor: E como o sr. vê o conteúdo da gravação?

Sanches: Se essa prova tivesse sido produzida no STF, estaria comprometendo também a presidente da República, pois estava prometendo a ele [Lula] tomar providências para que não corresse o risco de ser preso.

Valor: Isso pode ser considerado obstrução à Justiça?

Sanches: Pode ser considerado também fraude processual, mas principalmente obstrução à Justiça, porque de certa forma está procurando alterar a competência do juízo, tirando do primeiro grau para o Supremo, pelo expediente de nomear alguém [como ministro].

Valor: Mas o STF não tem condição de analisar o caso, ainda mais de repercussão política nacional?

Sanches: É obstrução à Justiça, mas é mais fraude processual mesmo, na minha opinião. Acaba influindo no órgão judiciário.

Valor: Então Dilma pode ser alvo do mesmo tipo de punição que o senador Delcídio do Amaral, que foi preso por obstrução de Justiça?

Sanches: Mas é claro, se se caracterizar essa hipótese. Agora, no Delcídio ficou bem mais claro. Porque o propósito dele era fazer com que aquele acusado [Nestor Cerveró] saísse do país. Era mais grave, mais claro. Ao passo que no caso dela [Dilma], pode-se dizer "Ah não, ela quis dar chance de um ex-presidente fazer o que ela não estava conseguindo fazer. Ela pode ter agido com boa fé, e não com aquela malícia de alterar a competência". Sempre haveria uma tese a ser defendida.

Valor: Como decidir então?

Sanches: Por isso é que eu digo que vai da cabeça do juiz. Um pode achar que o propósito dela não foi o de alterar a competência, mas apenas uma tentativa da presidente de encontrar uma solução melhor para o país. Cada um vê de um jeito. Eu acho que foi uma manobra para alterar a competência. O juiz de Curitiba vem decretando prisões, uma em cima da outra, inclusive aquela condução coercitiva. Não sei se ele estava propenso a decretar a prisão de Lula, mas havia essa possibilidade.

• "Condução coercitiva de Lula foi precipitada. Sempre caberá a alegação de que houve ilegalidade"

Valor: O que o sr. achou da condução coercitiva, que gerou forte reação contrária?

Sanches: Realmente, eu acho que não era caso de condução coercitiva. Nas outras vezes em que ele [Lula] foi intimado, ele compareceu. Foi precipitada, poderia ter sido evitada. Sempre caberá a alegação de que nisso houve ilegalidade.

Valor: Há um exagero na atuação do juiz Sérgio Moro?

Sanches: Isso foi na condução coercitiva. Com relação a outras coisas eu não sei dizer, porque precisaria conhecer os autos.

Valor: No ano passado, o sr. foi convidado a fazer um parecer pelo impeachment. Por que recusou?

Sanches: É que eu ainda não estava convencido de que tinha ocorrido alguma hipótese de crime de responsabilidade.

Valor: O que mudou?

Sanches: Uma dúvida que surgiu é que a pedalada teria ocorrido no mandato anterior, mas parece que se repetiu no mandato atual. Agora, o impeachment é um processo político-partidário. O senador não é obrigado a fundamentar o voto. Na essência você vê que a motivação é política, não é jurídica.

Valor: Como fica então a noção de Justiça num país conflagrado como o Brasil está?

Sanches: Olha, a avaliação política é autorizada pela Constituição, porque diz que o órgão competente é o Senado - e a Câmara. Por isso é que exige dois terços. O Supremo só pode interferir para dizer se o acusado teve seus direitos garantidos, o devido processo legal, a ampla defesa, com produção de provas...

Valor: Mas o Supremo também não resolve questões jurídicas de forma política?

Sanches: Bom, isso é uma avaliação que se faz. Eu me limitava a soluções jurídicas. [Mas imaginar] que o juiz não tenha opinião política não é verdade. O juiz também vota. Então, ele tem preferência por esse ou aquele partido, por esse ou aquele candidato. Eu sempre votei e nunca tive militância partidária, e não tenho até hoje.

Valor: O sr. acha que o ministro Gilmar Mendes, próximo de políticos do PSDB, deveria se dizer impedido em casos envolvendo o PT?

Sanches: Bom, sobre isso eu não quero falar.

Valor: O Supremo deve julgar de forma mais política quando há risco de convulsão social, como se seguiu à condução coercitiva de Lula?

Sanches: Quem praticou foi o juiz de primeira instância. Isso quem pode resolver é o Conselho Nacional de Justiça, ou antes disso, o Conselho da Justiça Federal - não é o Supremo Tribunal Federal.

Valor: O sr. acha que, com a polarização do país, o Supremo deveria ter um papel de moderador, de não botar lenha na fogueira?

Sanches: Eu acho que ele está tendo. Tem tido muito cuidado. Veja bem que a decisão com relação à questão da Câmara, daquele problema de composição da comissão [do impeachment], decidiu segundo sua convicção jurídica. E isso, para o governo, foi melhor. Depende de quem está vendo as soluções. Para uns a solução foi política; para quem está vendo de outro ângulo, a posição foi jurídica. Eu me lembro que, sempre que passava processos nas minhas mãos, o que não queria solução jurídica queria solução política, e o que sabia que não tinha razão queria solução política e não jurídica. O que demonstra que a pessoa não quer perder nunca. E o juiz fica dividido: devo ser político, aqui, ou devo ser jurídico?

Valor: Qual deve ser o papel do Supremo durante a crise atual?

Sanches: O que a história mostra é que o Supremo sempre foi o poder moderador, que às vezes dá solução favorável ao Executivo, às vezes ao Legislativo, e às vezes estritamente com motivação jurídica, mas que no fundo acaba sendo uma posição, no sentido amplo do termo, e mais nobre, de um moderador - porque também não está lá para botar gasolina na fogueira. Mas isso está certo? É aquela velha história: quem tem razão quer que a solução seja jurídica, quem não tem quer que seja política. E aí fica o tribunal dividido. Como é que faz? Tenho que pensar no país ou tenho que pensar no caso concreto? O país tem que ser governado ou pode continuar desgovernado? É difícil dizer qual é a melhor solução, se a política ou a jurídica. O Supremo deve ser fiel à sua história: um moderador.