segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Fernando Gabeira - Absorvente e as regras do jogo

O Globo

É um tema que trata de uma questão íntima, mas se tornou um grande debate político: a distribuição gratuita de absorventes para estudantes pobres, presidiárias, mulheres em situação de rua. O projeto é de autoria da deputada Marília Arraes (PT-PE) e foi vetado por Bolsonaro.

Desde a década de 1960, alguns homens, como eu, foram alertados sobre a importância da menstruação na psicologia feminina. A aparição do livro de Simone de Beauvoir “O segundo sexo” nos despertou para essa e outras importantes realidades da vida da mulher. Lembro-me de sua célebre frase: é difícil sentir-se uma princesa com um pano ensanguentado entre as pernas.

O projeto aprovado na Câmara não se limita apenas ao marco psicológico da menstruação, mas também a sua dimensão social e econômica: milhares de estudantes pobres deixam de ir à escola por falta de absorventes adequados.

De uma certa maneira, o tema já foi discutido na administração de Fernando Haddad em São Paulo e no próprio governo Dilma. Não prosperou. Com o avanço da presença feminina na Câmara, foi possível aprovar o projeto, mas não está havendo, acho eu, o debate necessário com Bolsonaro.

Carlos Pereira* - Um controle desequilibrado

O Estado de S. Paulo

Um Ministério Público ‘incontrolável’ garante o equilíbrio entre Poderes

Existem vários modelos estáveis de democracia, da mais majoritária (com poucas restrições às preferências de uma maioria parlamentar) à mais consensualista (com vários pontos de veto capazes de proteger interesses minoritários). 

Não se pode dizer qual modelo é o melhor. O importante é que exista equilíbrio entre os mais variados componentes do sistema.

Os founding fathers da democracia brasileira de 1988 constituíram um sistema político essencialmente consensualista, com vários elementos de proteção, tais como separação de Poderes, federalismo, multipartidarismo e, o que aqui interessa, independência do Judiciário e do Ministério Público

Para contrabalançar e gerar governabilidade, os legisladores delegaram uma grande quantidade de poderes ao presidente para que ele tivesse condições de atrair suporte político majoritário, mesmo em um ambiente fragmentado. 

Neste desenho, cumpre papel fundamental para o equilíbrio do jogo a existência de um MP e Judiciário independentes. Um MP “incontrolável” teria condições de controlar chefes do Executivo poderosos. Naturalmente que essa escolha não é destituída de custos. A falta de controle pode levar a potenciais excessos e desvios. Mas esse foi o preço que o legislador constituinte decidiu pagar. 

Demétrio Magnoli - Uma China oculta

O Globo

Huawei ou Evergrande, qual delas simboliza melhor o “modelo chinês”? A primeira, maior fabricante mundial de equipamentos de telecomunicações, tornou-se uma marca global e um ícone da irresistível ascensão chinesa. A segunda, um conglomerado imobiliário, era um nome desconhecido fora da China até surgir a notícia de sua iminente falência sob o peso de dívidas de US$ 300 bilhões. Ela ilumina uma China oculta — e, ainda, os limites de seu modelo econômico.

Na última década, o mercado imobiliário expandiu-se para se tornar a fonte de mais de um quarto do crescimento econômico chinês. Hoje, quase três quartos do patrimônio das famílias concentra-se em propriedade imobiliária. Antony Blinken, o secretário de Estado dos EUA, pediu ao governo chinês para “agir responsavelmente” diante da ruína da Evergrande. Chefes de bancos centrais ao redor do mundo murmuram as palavras “momento Lehman”, traçando um paralelo sombrio com a falência de 2008 que deflagrou a maior crise financeira mundial desde o Crash de 1929.

Celso Rocha de Barros - A CPI da Covid vai dar em alguma coisa?

Folha de S. Paulo

É possível que o relatório nas mãos de Aras force Bolsonaro a fazer uma escolha difícil

A CPI da Pandemia deve entregar seu relatório final nos próximos dias. O relatório inclui provas irrefutáveis de que Bolsonaro matou mais de cem mil brasileiros na pandemia, mandou os brasileiros para a morte mentindo que a cloroquina os curaria e deixou seus aliados roubarem dinheiro de vacina.

A CPI foi o melhor momento da República brasileira em muito tempo. Porém, esse notável e, no contexto do Brasil pós-2018, raro momento de “instituições funcionando” pode muito bem não dar em nada.

Para que Bolsonaro seja responsabilizado antes de deixar a Presidência, será necessário que o PGR Augusto Aras o denuncie, e/ou que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, dê seguimento a um processo de impeachment.

Até agora, Lira e Aras foram os dois grandes garantidores da impunidade presidencial na era Bolsonaro.

Arthur Lira comanda um esquema de orçamento paralelo que é o que o mensalão seria se clicasse naqueles emails “Aumente seu pênis em meio metro”.

O esquema foi revelado pelo jornalista Breno Pires no começo do ano. Em troca de apoio a Bolsonaro, os deputados conseguem a liberação de dinheiro para projetos que não são sujeitos a qualquer licitação ou controle. É o caso da compra de tratores superfaturados em 260%. O valor da brincadeira é de cerca de 3 bilhões de dinheiro público.

Marcus André Melo* - Ministério Público na mira

Folha de S. Paulo

A coalizão que empoderou as instituições de controle em 1988 deu lugar a uma aliança maldita

Constituição de 1988 delegou vastos poderes às instituições de controle em sentido amplo (Ministério Público, órgãos judiciais, tribunais de contas, política federal). Esta delegação foi produto da coalizão forjada na constituinte entre setores liberais e de esquerda. Os setores liberais estavam preocupados com o abuso de poder pelo Executivo para o qual também ocorrera extensa delegação de poderes através de instrumentos como medidas provisórias, iniciativa legal exclusiva, e prerrogativas processuais.

Buscava-se uma coleira forte para um cachorro grande: uma agenda de transformação institucional discutida na década de 50 por figuras como Afonso Arinos, San Tiago Dantas e Hermes Lima.

Os setores de esquerda, por sua dura experiência sob o regime militar, priorizavam direitos humanos e liberdades públicas. Os limites da intervenção estatal era o foco de setores liberais desde o Estado Novo, o que levou à aprovação, em 1950, de nossa primeira Lei de Improbidade Administrativa.

Parte do arranjo de 1988 está sob ataque na PEC do CNMP (05/21). Mas agora o “jogo da delegação” é outro: mudam os atores, as coalizões, as temáticas. Destaco seis pontos:

Catarina Rochamonte* - PEC 5: a ira vingativa dos corruptos

Folha de S. Paulo

A resistência de sociedade e parlamentares que defendem o Ministério Público será testada ante o projeto indecoroso de Paulo Teixeira

A tentativa de submeter o Ministério Público ao controle de políticos, aleivosia posta em curso na Câmara Federal, mostra o grau de confiança a que chegaram no Brasil aqueles que combatem o combate à corrupção.

Apelidada de “PEC da vingança —devido à evidente intenção de retaliação nela contida—, a PEC 5/2021 fere a independência e a autonomia institucional ao aumentar a ingerência política no CNMP. O corregedor, responsável pela condução de processos disciplinares contra promotores e procuradores, passaria a ter fortes vínculos políticos, consolidando com isso a cultura de impunidade dos poderosos que sempre vigorou no Brasil, embora tenha sido excepcionalmente confrontada pela Operação Lava Jato.

O autor do indecoroso projeto é o deputado petista Paulo Teixeira, com aval monolítico do seu partido. O centrão, através do presidente da Câmara, Arthur Lira, está no comando, dando as cartas num jogo sujo combinado com o presidente Bolsonaro. Nessa combinação, o relator da PEC, deputado Paulo Magalhães, conseguiu piorar o que já era ruim.

Bruno Carazza* - O arco do fracasso

Valor Econômico

Um passeio por um monumento à corrupção

A confiança cega na tecnologia às vezes nos coloca em perigo. Aproveitando a “semana do saco cheio” na escola dos filhos, uma folga no trabalho e a queda nos índices de transmissão de covid-19, partimos de Belo Horizonte para um passeio de uma semana entre Petrópolis e Paraty, no Rio.

Depois de três dias de chuva na Cidade Imperial, coloquei no Google Maps o destino final do Caminho Velho da Estrada Real e simplesmente fui seguindo as indicações do percurso mais curto.

Após serpentearmos a Serra dos Órgãos pela BR-040, o aplicativo determinou que pegássemos a BR-493 à direita na entrada de Duque de Caxias. Por exatos 71,8 km, trafegamos por uma via duplicada, em ótimo estado de conservação, plana, com poucas curvas - e praticamente deserta.

Se este escriba fosse um pouco mais zeloso, poderia ter se informado sobre as condições da estrada que iria percorrer. Basta iniciar a digitação no Google da expressão “Arco Metropolitano” que o site de buscas já completa automaticamente: “é perigoso”. Chegando a Paraty, todas as pessoas para as quais contamos o trajeto percorrido criticaram nossa imprudência.

Sergio Lamucci - A situação difícil do mercado de trabalho

Valor Econômico

Taxa de desemprego deve seguir em níveis elevados em 2022

O emprego tem mostrado uma recuperação significativa nos últimos meses, mas a situação no mercado de trabalho segue difícil. Apesar da maior criação de postos de trabalho, a desocupação continua muito elevada, a taxa de subutilização da força de trabalho permanece nas alturas e as perspectivas para a economia no ano que vem não são animadoras, dado o cenário formado por juros em alta, incertezas fiscais e políticas e o risco imposto pela crise hídrica. Para completar, as pressões inflacionárias se mostram resistentes, corroendo a renda dos trabalhadores, e o nível de endividamento das famílias está em nível recorde.

Na visão do economista Bruno Ottoni, o emprego de fato reage, mas o quadro geral do mercado de trabalho ainda é ruim. Em texto para o Blog do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Ottoni diz que tanto os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) quanto da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua sugerem realmente uma retomada expressiva do emprego. Pesquisador do FGV Ibre e da consultoria IDados, ele ressalva, contudo, que, “diante da grande perda de emprego causada pela pandemia, a forte geração de postos de trabalho de 2021 se mostra até pequena”. Além disso, muita gente ainda precisa voltar à força de trabalho, diz ele.

Mirtes Cordeiro* - Professores e crianças… seres indissociáveis

Falou e Disse

Durante a semana passada o país comemorou duas datas significativas: o Dia da Criança e o Dia do Professor.

O comércio saltitou… as famílias, mesmo com poucos recursos, foram às compras para presentear as crianças, a maioria com geringonças de plástico feitas na China ou outros países com mão de obra escrava.

No Brasil, a pobreza avança e atualmente crianças e professores vivem situações muito difíceis neste momento do país em redemocratização.

Eu gostaria de escrever sobre coisas boas, mas quando saio à rua deparo-me com famílias inteiras ao longo do canal de Setúbal (Recife), esperando que alguém lhe estenda a mão com um alimento.

Fico pensando, me perguntando, porque o país não consegue dar passos firmes pela nossa dignidade?

Não sei!

Segundo o Jornal do Commercio, dados computados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 2010 e 2019 apontam que apenas em Pernambuco, onde vivo, a população que mora em palafitas cresceu 27,9%. Recife, a capital, e Jaboatão dos Guararapes, a segunda maior cidade, lideram na modalidade deste tipo de moradia.

Entre os mais de 20 milhões de pessoas passando fome encontramos crianças na rua catando lixo, sem ir à escola, vítimas dos abusos do trabalho infantil e outros tipos de violência. Eu achava que tínhamos vencido essa miséria.

Encontramos também professoras – a maioria no ensino básico é mulher – se reinventando na sua profissão e em vários tipos de trabalho para manter a sobrevivência.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A conta da pandemia

Folha de S. Paulo

Dívida subiu no mundo e aqui; é preciso disciplina para preservar gasto social

Os dados mais recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI) apontam que a pandemia de Covid-19 impactou fortemente as finanças públicas no mundo.

A combinação de queda da atividade econômica e receitas de impostos com maiores gastos para minimizar impactos sociais deixou um legado de maior endividamento dos governos e novos desafios para lidar com o problema.

O FMI estima que a dívida pública, considerada globalmente, se estabilizará em torno de 98% do Produto Interno Bruto, cerca de 15 pontos percentuais a mais do que antes da pandemia.

A maior parte do salto decorre de ações nos países desenvolvidos, tendo em vista a maior capacidade de endividamento e credibilidade institucional dessas economias.

Os emergentes tiveram menor espaço para adotar políticas fiscais anticíclicas, pois gozam de acesso mais restrito a financiamento, e viram suas dívidas subirem menos (de 54,7% para 64,3% do PIB).

A contrapartida é que, nas estimativas do FMI, tais economias em conjunto (excetuando a China) demorarão mais para retornar ao pleno emprego e também pagarão juros maiores, reduzindo espaço para outras despesas.

Poesia | Bertolt Brecht - As boas ações

Esmagar sempre o próximo não acaba por cansar?

Invejar provoca um esforço que inchas as veias da fronte.

A mão que se estende naturalmente dá e recebe com a mesma facilidade.

Mas a mão que agarra com avidez rapidamente endurece.

Ah! que delicioso é dar!

Ser generoso que bela tentação!

Uma boa palavra brota suavemente como um suspiro de felicidade

Música | Calango Livre (Guto Rodrigues e Enne Rodrigues)

 

domingo, 17 de outubro de 2021

Luiz Sérgio Henriques* - A jornada ao centro

O Estado de S. Paulo

A defesa das instituições está longe de se restringir à esquerda ou mesmo aos setores que se autodefinem como progressistas.

Nas nossas sociedades o centro político não é a região habitada pelos mornos – os que não são nem quentes nem frios – de que nos falam as Escrituras e que, por isso, serão impiedosamente vomitados no Apocalipse. Ao contrário, há teóricos para quem o centro é o “lugar” em que se cruzam e se confrontam por vezes com contundência, e também entram em algum tipo de acordo, as diversas propostas hegemônicas presentes na comunidade política. E, se de hegemonia se trata, sempre há movimento e mudança, sempre se registram avanços e recuos, mas nunca a eliminação física ou espiritual do adversário. O centro, em suma, move-se, indica o estabelecimento (provisório) de equilíbrios mais ou menos progressistas, mais ou menos permeáveis aos impulsos democratizadores.

A existência de um centro é o que nos permite logicamente identificar a presença de forças desestabilizadoras e, portanto, ex-cêntricas. Estas aparecem como risco e ameaça, especialmente quando são vetores de destruição pura e simples e dão vazão a forças irracionais em períodos de intensa mudança social. Como diz a frase famosa, em tais períodos tudo o que é sólido se desfaz no ar, e o desafio de entender e assimilar dialeticamente os novos termos do mundo – desafio que indivíduos sensatos se colocam – pode ser varrido por uma vontade particularmente anômala de retornar a um passado harmonioso, mas inexistente.

Merval Pereira - O botão vermelho

O Globo

Se o ex-juiz Sérgio Moro decidir mesmo se candidatar à presidência da República, o que cada vez parece mais provável, teremos uma eleição no ano que vem que reeditará os grandes embates ocorridos no país durante a Operação Lava-Jato. O que, a princípio, não é bom para o PT. Na eleição de 2018, com Lula preso, sua figura icônica na política nacional ainda ajudou a levar o candidato Fernando Haddad para o segundo turno, ou impediu que o candidato do PT tivesse melhor sorte, de acordo com a visão de cada um.

Mas foi em torno dele que se desenrolou a campanha, e o antipetismo, mais do que qualquer outro sentimento, levou à vitória de Bolsonaro. Hoje, solto depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a prisão em segunda instância, o ex-presidente luta para vender a ideia de que foi absolvido, quando em nenhuma decisão judicial ele foi considerado inocente. Todas as decisões judiciais têm origem na decisão de Supremo de anular os julgamentos, por erro de jurisdição ou por o ex-juiz Sérgio Moro ter sido considerado parcial na condução dos processos.

Os processos foram arquivados por prescrição, ou por decisão de juízes que seguiram o entendimento do STF de que os julgamentos não foram válidos pelas razões acima descritas. Não houve uma decisão sequer que tenha inocentado o ex-presidente Lula. A campanha presidencial, mesmo sem a presença de Moro, já seria um reviver sem trégua de toda essa polêmica. Veja-se o que está já acontecendo com o debate entre o candidato do PDT Ciro Gomes e o PT, encarnado na liderança de Lula.

Bernardo Mello Franco - Todos os crimes do presidente

O Globo

A CPI da Covid deve pedir o indiciamento de Jair Bolsonaro pela prática de 11 crimes. O presidente é o protagonista do relatório que será apresentado na terça-feira. Ele será apontado como responsável pelo agravamento da pandemia que já matou mais de 600 mil brasileiros.

Bolsonaro não inventou o coronavírus, mas se aliou a ele contra a população que deveria proteger. Ajudou a espalhar a doença, sabotou as medidas sanitárias, pregou o uso de remédios ineficazes e atrasou intencionalmente a compra de vacinas.

Enquanto o capitão negava a ciência, picaretas tentavam faturar com a tragédia. Eles atuaram no Ministério da Saúde, transformado num antro de negociatas, e no setor privado, onde operadoras de saúde fraudaram até atestados de óbito.

A barbárie teve o apoio de uma rede de desinformação. O bolsonarismo usou sua máquina do ódio para torpedear o distanciamento social, o uso de máscaras e a confiança nas vacinas. O objetivo era claro: desviar a responsabilidade pelas mortes e desgastar gestores que acreditaram na ciência.

Míriam Leitão - O clima piora na economia

O Globo

O governo brasileiro tem a obrigação de chegar a Glasgow para a COP 26 já avisando que vai ampliar as metas de corte de emissões até 2030. Os atuais 43% em relação a 2005 representam, na verdade, um aumento de emissões em 400 milhões de toneladas de carbono, porque a base de comparação aumentou. Em vez disso, o Ministério das Minas e Energia propôs investir R$ 20 bilhões em usinas a carvão nos próximos dez anos e o governo defende o projeto de subsidiar combustível fóssil à custa dos estados. Tudo isso faltando dias para o começo da reunião do clima.

O governo não tem projeto de futuro e não sabe lidar com o curto prazo. A conjuntura está piorando. O PIB do terceiro trimestre será mais baixo do que o previsto, os juros terão que subir para 9% ou até mais para que a inflação caia dos atuais 10% até a meta de 3,5%. Isso em ano eleitoral.

A indústria caiu em agosto, o varejo despencou, o setor de serviços desacelerou e o IBC-Br ficou negativo. O economista Sérgio Vale, da MB Associados, alerta que deveria estar acontecendo o contrário. Como o país está saindo da pandemia, o normal seria a elevação do ritmo. Ele acha que em setembro os números serão piores, por causa do “início do mês conturbado” e pela inflação alta. 

– O PIB do terceiro trimestre deve ter ficado perto de zero. Está se caminhando para algo que não se imaginava no começo de julho, quando a pandemia começou a ceder. Todos os sinais são de que a economia está se fragilizando pelas condições políticas e econômicas adversas — disse Vale.

Dorrit Harazim - Delinquente em série

O Globo

Dias atrás, o New York Times presenteou seus leitores com a história do cidadão espanhol Martín Zamora e de seu novo modelo de negócio. Proprietário de uma funerária na cidade portuária de Algeciras, de onde se avista o Marrocos, logo ali na ponta africana do Mediterrâneo, Zamora tornou-se catador e repatriador de cadáveres. Seus cadáveres são de migrantes anônimos que morrem afogados ao tentar a travessia, flutuam à deriva por semanas antes de aportar na costa espanhola e permanecem por meses no necrotério local por falta de quem os procure. Acabam enterrados em vala comum, sem identificação. Segundo a ONG Caminando Fronteras/Walking Borders, que desde 2002 atua nessa necrofronteira, 2.087desses seres humanos em busca de vida morreram ou sumiram naquelas águas.

O cidadão Zamora ampliou seu negócio funerário abrindo uma frente detetivesca. Com autorização das autoridades locais e gratidão do imã de Algeciras, ele persegue pistas ínfimas para devolver nome e identidade aos mortos. Um amarfanhado pedaço de papel encontrado em algum bolso pode conter um número de telefone quase apagado e abrir um leque de buscas; a logomarca fabril na roupa esgarçada de outro cadáver pode ser fotografada e divulgada nas redes sociais, como garrafa jogada ao mar. Quando o corpo está irreconhecível, um sapato, uma aliança, uma camiseta podem servir de fio da meada, explica o espanhol.

Cacá Diegues - Pátria armada

O Globo

Com o governo Bolsonaro, toda a cultura — e também o cinema — está nas mãos destes playboys aprendizes de miliciano

Redes sociais: Paulo Offshore Guedes mandou pros destinos competentes um plano do governo de acabar com todo e qualquer tipo de investimento do Estado no cinema. Acabou-se Lei do Audiovisual, Lei Rouanet, Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e mesmo a Ancine, que já não funciona pro cinema brasileiro, vai acabar sendo fechada.

“Chora mais, que tá pouco”. Assim o ex-ator e secretário especial de Cultura do governo Bolsonaro, Mario Frias, publicou nas redes sociais a respeito da demissão de 174 peritos que emitiam pareceres sobre projetos da Lei Rouanet. Após o ato de demissão, Mário Frias e André Porciúncula, secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, foram encontrados no 2º Batalhão de Polícia do Exército, onde existe um clube de tiro, e, armados até os dentes com fuzis, posaram para fotos. “Esta é a nossa verdadeira agenda cultural”, disse Porciúncula.

A portaria sobre o desligamento dos peritos foi publicada no Diário Oficial da União, e Porciúncula afirmou ironicamente que novos pareceristas serão chamados e “terão que atender as metas estabelecidas para manter um alto padrão de serviços”. Num clima de deboche, afirmou que “a administração pública não pode mais ficar refém do antigo modelo de gestão”. Completou: “depois de demitir quem não produz adequadamente, não se pode treinar tiro?”

Como se sabe, o cinema não é uma atividade que atua em função da lei Rouanet, mas o secretário de Cultura Mario Frias é o responsável por todo o processo que ainda restou de apoio ao cinema, seja via leis de incentivo, administração da Ancine e do FSA, além de comandar o Conselho Superior de Cinema e o Comitê Gestor do Audiovisual. Há notícias de perseguições burocráticas aos produtores, como a de obrigá-los a manter disponibilizadas todas as despesas de seus filmes, inclusive digitalizadas, aumentando custos, como também levando suas empresas a um esgotamento financeiro, e seus proprietários, a uma tortura mental generalizada.

Ou seja, até segunda ordem, este é o quadro a que chegamos depois que a burocracia foi se tornando “um monstro”, como previu Nelson Pereira dos Santos. Com o governo Bolsonaro, toda a cultura — e também o cinema — está nas mãos destes playboys aprendizes de miliciano, como se pode conferir na foto abaixo.

O general Braga Neto, atual ministro da Defesa, questionou o voto eletrônico, ameaçando as próximas eleições, se elas não forem realizadas através do voto impresso. Ele não acha que tenha havido um golpe e muito menos uma ditadura no Brasil. Ele acha que, se tivesse havido uma ditadura, muita gente não estaria aqui agora. O general parece não saber que Stuart Angel tinha 25 anos quando foi assassinado, amarrado ao cano de gasolina de um veículo militar, na própria caserna em que esteve preso e foi torturado. A mãe dele, Zuzu Angel, também foi morta em seu carro, por militares, quando saía de um dos túneis da cidade. Vladimir Herzog, aos 38 anos de idade, foi assassinado num falso suicídio, farsa montada num quartel em que estava preso. Rubens Paiva desapareceu voltando do Chile.

Luiz Carlos Azedo - O indiciamento de Bolsonaro

Correio Braziliense / Estado de Minas

A CPI foi bem-sucedida ao revelar os erros cometidos pelo governo durante a pandemia, mas também teve seus momentos de histrionismo e de dribles a mais

Antes mesmo de ser indiciado pela CPI do Senado que investiga a atuação do governo durante a pandemia do novo coronavírus (covid-19), o presidente Jair Bolsonaro sentiu o golpe. No cercadinho do Palácio da Alvorada, onde manda seus recados por meio de apoiadores e da imprensa, chamou de “bandido” o relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL), que pretende lhe imputar 11 crimes, sendo três gravíssimos: homicídio, crime contra a humanidade e genocídio. “O que nós gastamos com auxílio emergencial foi o equivalente a 13 anos de Bolsa Família. Tem cara que critica ainda. O Renan me chama de homicida. Um bandido daquele. Bandido é elogio para ele. O Renan está achando que eu não vou dormir porque está me chamando de homicida, está de sacanagem”, estrilou.

No cronograma da CPI, o relatório será apresentado na terça e votado na quarta-feira, o que promete uma semana quente no Senado. A tropa de choque do governo deve se mobilizar para barrar o relatório, que proporá o indiciamento da cadeia de comando do governo no auge da pandemia, ou seja, entre outros, do então ministro da Casa Civil, general Braga Netto, hoje ministro da Defesa; do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e do seu ex-secretário-executivo Élcio Franco, aquele da faca ensanguentada na lapela — além do presidente Bolsonaro e dos supostos integrantes do chamado “gabinete paralelo”, o que inclui seus filhos Flávio, senador; Eduardo, deputado federal; e Carlos, vereador carioca; o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR); o deputado Osmar Terra (MDB-RS), ex-ministro da Cidadania; e os médicos Paolo Zanotto e Nise Yamaguchi.

Elio Gaspari - Sergio Moro precisará se reinventar

Folha de S. Paulo / O Globo

Ex-juiz precisa de roupa nova para 2022

Em 2017, no apogeu da Operação Lava-Jato, o juiz Sergio Moro parecia ter tudo para disputar a sucessão de Michel Temer. Pela primeira vez na história da República, havia mandado para a cadeia grandes empresários e um ex-ministro da Fazenda que se revelaram criminosos confessos. Condenou o ex-presidente Lula, que foi para o cárcere protestando inocência. Com a ajuda de um tuíte do comandante do Exército, evitou-se que o Supremo Tribunal Federal lhe concedesse um habeas corpus.

Aquele juiz desconhecido de Curitiba surpreendeu o país. Passou o tempo e ele produziu novas surpresas. Divulgou a colaboração do comissário Antonio Palocci às vésperas da eleição de 2018 e, poucos meses depois, aceitou o cargo de ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, que haveria de fritá-lo.

Entre o apogeu e o ocaso, a própria Operação Lava-Jato teve expostas algumas de suas truculências e umas poucas boquinhas. Passou o tempo, Lula prevaleceu em mais de uma dezena de processos, enquanto o juiz de Curitiba teve sua parcialidade apontada pelo Supremo Tribunal Federal. A Lava-Jato se revelou um desengano, se acabou na quarta-feira e pelas ruas o que se vê é uma gente que nem se sorri.

Depois de uma temporada numa banca americana de litígios, Moro está no Brasil, conversando em torno da hipótese de vir a ser candidato na eleição do ano que vem.

Eliane Cantanhêde - Genocídio ou não?

O Estado de S. Paulo

O grito de ‘genocida’ faz barulho, mas não leva a lugar nenhum. Vamos ao que interessa!

As bandeiras brancas no Congresso, representando os mais de 600 mil mortos na pandemia, prenunciam uma semana de grandes e tristes emoções, com o fim dos trabalhos e o relatório final da CPI da Covid no Senado. E essas emoções já começam amanhã, com depoimento de pais, mães e filhos de vítimas. Haja coração! E indignação!

Da emoção à política é um passo, mas da política a reais consequências jurídicas são léguas. Há consenso na cúpula da CPI sobre as 11 tipificações de crimes contra o presidente Jair Bolsonaro, exceto uma: a de genocídio, pela ação grotesca e a má vontade assumida com os indígenas na pandemia, endereçada ao Tribunal Penal Internacional (TPI). O risco é um efeito bumerangue.

Se depender do relator Renan Calheiros, genocídio estará, sim, no relatório final, mas o presidente Omar Aziz, o vice Randolfe Rodrigues e Humberto Costa, do PT, alegam que a tese de genocídio enfraquece a CPI e fortalece a versão bolsonarista de “perseguição política”.

Os artigos 5.º, 6.º e 7.º do Estatuto de Roma estabelecem que a competência do TPI é restrita a crimes que afetam a comunidade internacional no seu conjunto: genocídio e crimes contra a humanidade, de guerra e de agressão. Os erros do Brasil de Bolsonaro, mesmo gritantes e graves, afetam a comunidade internacional no seu conjunto?

Genocídio é caracterizado por atos para destruir um grupo étnico, racial ou religioso, matando ou ferindo a integridade física ou mental de seus membros, impondo condições de vida destrutivas, impedindo nascimentos ou retirando crianças à força. O Brasil usou a pandemia para isso?

É público, notório e documentado que Bolsonaro não compreende, não se informa e despreza índios, fez um projeto escancarando suas terras a todo tipo de exploração e, na pandemia, vetou materiais de higiene, leitos hospitalares, respiradores e até água potável para eles. Por isso, já há denúncias contra ele em cortes internacionais.

Celso Lafer* - Cláusula Democrática e crimes de responsabilidade

O Estado de S. Paulo

A Carta da OEA de 2001 destaca as condutas que levam à degeneração do exercício do poder numa democracia

A Carta Democrática Interamericana foi aprovada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) em 11/9/2001. Decorridos 20 anos, cabe analisar sua importância num momento em que a democracia enfrenta dificuldades em tantas partes.

Cláusulas democráticas estão no âmbito do Direito Internacional Público. Expressam uma delimitação do escopo do exclusivo domínio reservado das soberanias. Ampliam os padrões da conduta internacionalmente aceitável.

Ela tem vigência no âmbito das instituições europeias. É fruto da importância atribuída aos valores fundamentais da democracia, positivando uma resposta às rupturas na Europa da era dos extremos do totalitarismo.

Ela é um componente dos acordos de associação comercial da União Europeia com outros países. No acordo União Europeia-Mercosul, na parte pendente de efetiva homologação, ela está contemplada.

No sistema interamericano, a Declaração de Santiago, aprovada em 1959, é um antecedente da Carta Democrática. O Brasil democrático de JK teve papel de grande relevo na sua formulação.

Bruno Boghossian - Um vice que não pense em golpe

- Folha de S. Paulo

Fragilidade de alianças no Congresso e instabilidade política mudou cálculo de presidenciáveis

O fantasma do impeachment se instalou nas negociações para 2022. Há poucas semanas, Jair Bolsonaro disse que vai escolher um candidato a vice "que não tenha ambição pela cadeira" de presidente. Já Lula afirmou que seu companheiro na eleição será alguém que "não pense em dar golpe". "É difícil. Mas vou escolher com carinho", completou.

A escolha de candidatos a vice já ajudou presidenciáveis do passado a abrir espaço em suas alianças para outros partidos e foi vista como uma maneira de complementar o perfil do cabeça de chapa. A fragilidade de coalizões no Congresso e a instabilidade política do país acrescentaram o risco de impeachment como mais um elemento nessa conta.

Hélio Schwartsman - A racionalidade em crise

Folha de S. Paulo

Nova obra de Steven Pinker é boa, mas dá a sensação de que o autor se repete

 “Rationality”, o novo livro de Steven Pinker, é bom, mas terminei a leitura com a sensação de que o autor já se repete. Esta, afinal, é a terceira obra em que o psicólogo cognitivo de Harvard tenta mostrar que o avanço da ciência e de outras instituições baseadas na razão está por trás de conquistas da humanidade, que está se tornando mais próspera, mais saudável, menos violenta e menos preconceituosa. O primeiro desses livros foi “Os Anjos Bons da Nossa Natureza” (2011); o segundo, “O Novo Iluminismo” (2018). Chega uma hora em que contar a mesma história com outras palavras se torna indistinguível de pregar só para os convertidos.

Vinicius Torres Freire - As grandes obras de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Gestão esvaziou a fiscalização das leis ambientais e incentivou grileiros e garimpeiros

Jair Bolsonaro não foi capaz de inaugurar muito mais do que pinguelas, bicas e metros de asfalto. Mas tem grandes obras na sua ficha corrida. Ataca e enfraquece instituições de controle do poder público e privado. Mais do que isso, favorece uma espécie de feudalização do país.

Desmoraliza e manipula a Polícia Federal. Limitou na prática o poder do Coaf de dar alertas sobre falcatrua financeira, com a colaboração do Judiciário, aliás. Colocou paus mandados na Procuradoria-Geral. Com sua conivência, o sistema político, esquerda inclusive, se aproveita de uma reforma necessária do Ministério Público (MP) a fim de facilitar a interferência em investigações. Se não for contido, nomeará uma bancada no Supremo. A família Bolsonaro procura ainda criar um sistema de espionagem agregado ao departamento de propaganda, o tal gabinete do ódio.

Essa obra de destruição conta com a conivência do sistema político, desde 2015 interessado em controlar, em causa própria, o MP contaminado pelo salvacionismo dos lacerdistas e autoritários da Lava Jato.

Além disso, os líderes do semiparlamentarismo podre em vigor desde 2015 procuram se eternizar no poder por outros meios. Não tem a ver diretamente com as obras de Bolsonaro, mas convém prestar um pouco de atenção nisso.

Janio de Freitas - Onde está o perigo

Folha de S. Paulo

A Justiça seletiva é velha conhecida da opinião pública

Cuidado. Um perigo não identificado transita pela cidade de São Paulo, se não saiu daí para outros ares hospitaleiros. Sua liberdade de ameaçar o país foi assegurada pelo Superior Tribunal de Justiça. Contra um dos mais aceitos costumes jurídico-sociais, contra o Ministério Público e contra a decisão de uma juíza e seu senso de justiça.

A ameaça está dimensionada sem subterfúgios nas palavras em que a juíza concorda com o pedido de prisão preventiva, longa e severa, feita pelo Ministério Público para a fonte da ameaça, já na cadeia: a prisão preventiva, no caso, "é a mais adequada para garantir a ordem pública, porquanto, em liberdade, a coloca em risco, agravando o quadro de instabilidade que há no país".

Uma força tão nefasta, portanto, quanto Bolsonaro e o furor destrutivo do bolsonarismo. Basta-lhe, o que não ocorre a Bolsonaro, o desfrute da liberdade de ir e vir para agravar a instabilidade do país. Logo, é também uma força de alcance nacional. Que pode ser assim descrita: mulher, 41 anos, cinco filhos entre 2 e 16 anos, faminta e famintos, e por isso furtou dois pacotes de macarrão instantâneo, dois refrigerantes e um refresco em pó, que o supermercado na Vila Mariana avaliou em R$ 21,69.

Cristovam Buarque* - A bandeira e o povo

Blog do Noblat / Metrópoles

Bolsonaro e seu grupo usam e abusam da bandeira do Brasil como se fosse deles e esquecem que elas simbolizam a realidade do país de todos

As forças progressistas no poder entre 1992 e 2018 mostravam mais as bandeiras de seus partidos do que a bandeira nacional; a partir de 2019, as forças conservadoras se apropriaram dos símbolos nacionais como se fossem propriedade de seus partidos. O atual presidente e seu grupo ideológico que usam e abusam da bandeira do Brasil como se fosse deles e esquecem que elas simbolizam a realidade do país de todos.

Para os que se formaram na academia do presidente, a bandeira é o país deles, brancos, ricos, heterosexuais, cristãos, e não o símbolo de uma nação com povo, natureza, história, futuro. Tratam a Amazônia como território, não como floresta e água; não respeitam nossos índios como parte do Brasil; não aprenderam que o Brasil real tem diversidade étnica, sexual, religiosa. Não levam em conta que os milhões de pobres, inclusive com fome, são também parte representada por nossa bandeira.

Na escola que o presidente se formou, a bandeira é o país de poucos, ela prescinde do povo brasileiro em toda sua diversidade. Pena que na academia em que o presidente se formou, a bandeira verde e amarela não seja o símbolo da alma do Brasil, seu povo, cuja permanência vem de suas crianças e da educação que elas receberão.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Uma CPI efetiva

Folha de S. Paulo

Comissão no Senado destoou de Câmara e PGR ao escrutinar desmandos do Planalto

Após quase seis meses de atividade, está chegando ao fim a Comissão Parlamentar de Inquérito que, no Senado Federal, apurou fartos indícios de irresponsabilidade, incompetência, desprezo pela saúde dos brasileiros e corrupção por parte de autoridades federais durante a pandemia de coronavírus.

O exercício de imaginar o que teria sido privado do conhecimento público caso a CPI não tivesse existido revela a importância dela. Os múltiplos fracassos da administração Jair Bolsonaro diante da maior catástrofe humanitária a abater-se sobre o Brasil em um século teriam passado incólumes pelas demais instâncias de controle.

Sob a gestão de Augusto Aras, a Procuradoria-Geral da República tomou aversão a adotar quaisquer procedimentos que possam incomodar o presidente da República.

O alinhamento ao Planalto, contrapartida pela arbitragem sobre emendas bilionárias, também marca Arthur Lira (PP-AL). No comando da Câmara, finge que não há razões para fazer tramitar pedidos de impeachment que se empilham.

Poesia – Vinicius de Moraes -A rosa de Hiroxima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

Música | Enne Rodrigues - Além da Aldeia

 

sábado, 16 de outubro de 2021

Paulo Fábio Dantas Neto* - A volta do mantra da corrupção ao palco mal iluminado do estrelismo chão

A pauta da corrupção avança a passos largos para retomar, agora e principalmente em 2022, o lugar de destaque que teve nas eleições de 2018. Políticos de vários matizes, ao se aproximar a hora eleitoral, pisam sôfregos ou distraídos nos escombros produzidos por aquele confronto devastador entre mocinhos da moral e da nova política e vítimas heroicas de um suposto golpe contra o partido do social.

Se a política fosse só o terreno da reta razão, essa reincidência espantaria, pela estupidez. Primeiro o lulo-petismo, depois o lava-jatismo, perderam o protagonismo para a serpente filo-fascista que se beneficiou daquela guerra entre santos com pés de barro. Nem a hipocrisia de direita, nem o cinismo de esquerda escaparam de efeitos não previstos da artilharia pesada disparada pelo bolsonarismo em 2018, usando munição de um arsenal montado em porões milicianos da antipolítica populista. Milícias, até então só digitais, que ocuparam um vácuo deixado pela desmoralização escandalosa, produzida pela Lava-jato, da antipolítica populista-empresarial que imperou no período anterior e que fora a fonte financiadora da farta – e, também, letal - munição oficial disparada contra adversários do governo nas eleições de 2014. Uns e outros terminaram entre os feridos, o lulo-petismo nas urnas de 2016 e 2018 e o lava-jatismo nas esgrimas palaciana, judiciária e interna ao MPF, transcorridas a partir de 2019. Tanto a política da confrontação como a da colaboração com o bolsonarismo tiveram destinos penosos. Penas análogas às cumpridas pela sociedade quase toda que, longe de ser inocente ou neutra, aceitou os termos de um duelo em que todos tinham a perder, exceto a malta ali autorizada pelas urnas a tomar de assalto o governo, desmontá-lo e, com seu bagaço, desferir torpedos contra as instituições.

Fernando Schüler* - A onda encolheu?

Revista Veja

O mais provável é que logo poderemos voltar a dizer que nossos políticos e empresários “são todos de centro, até de centro-esquerda”

Houve um tempo em que a esquerda detinha ampla hegemonia na vida brasileira. Isso vem de longe. No regime de 64, o poder estava com os militares, mas não a hegemonia no mundo da cultura. Esta sempre pertenceu à esquerda, e não vai aqui nenhum juízo de valor. Em seu Cultura e Política, do fim dos anos 60, Roberto Schwarz já observava que “há relativa hegemonia cultural da esquerda. Ela pode ser vista nas livrarias de São Paulo e Rio, cheias de marxismo, nas estreias teatrais…”. E conclui: “nos santuários da cultura burguesa a esquerda dá o tom”.

Nos anos 80, com a redemocratização, a esquerda consolidou sua hegemonia nos sindicatos, nas universidades, na feitura dos livros didáticos, no mercado editorial. “Editoras grandes não topavam publicar nossos livros”, me comentou tempos atrás um velho dirigente liberal, “então recorríamos a editoras pequenas, e praticamente tínhamos de comprar toda a edição.” Antonio Candido observou, em seu Direito à Literatura, de 1988, que era raro, naqueles anos, topar com algum empresário ou político que arriscasse se dizer um conservador. “São todos invariavelmente de centro, até de centro-esquerda, inclusive os francamente reacionários.”

O auge dessa hegemonia se deu em algum momento da virada dos anos 2000. A vitória de Lula, em 2002, foi uma expressão disso, mas curiosamente também o início de uma lenta virada. Quando Lula sai do poder, em 2010, com seus mais de 80% de aprovação, uma transformação silenciosa vinha ocorrendo. Movimentos liberais, antes marginais, ganhavam espaço. Crescia a presença de vozes “conservadoras” na imprensa. A longa permanência no poder cobra seu preço, nesse caso acrescido pelo sabor amargo dos escândalos de corrupção. “Todo império cai”, me observou, à época, um bom amigo. A esquerda ocupou Brasília, mas perdeu muito de sua sintonia com a sociedade.

Uma “nova direita” ganhou expressão no país nos inícios dos anos 2010. Em parte, ela foi o resultado não intencionado da própria lógica de polarização empreendida por Lula na Presidência. A retórica excludente simbolizada pela repetição exaustiva do “nunca antes neste país”, que inundou o debate público. Lula consagrou, em grande estilo, a ideia do presidente-parte. Alguns gostam, outros não. Não julgo. A “nova direita” que hoje ocupa Brasília faz o mesmo, e diria que de um modo bastante menos sutil.