O Globo
O governo brasileiro tem a obrigação de
chegar a Glasgow para a COP 26 já avisando que vai ampliar as metas de corte de
emissões até 2030. Os atuais 43% em relação a 2005 representam, na verdade, um
aumento de emissões em 400 milhões de toneladas de carbono, porque a base de
comparação aumentou. Em vez disso, o Ministério das Minas e Energia propôs
investir R$ 20 bilhões em usinas a carvão nos próximos dez anos e o governo
defende o projeto de subsidiar combustível fóssil à custa dos estados. Tudo
isso faltando dias para o começo da reunião do clima.
O governo não tem projeto de futuro e não
sabe lidar com o curto prazo. A conjuntura está piorando. O PIB do terceiro
trimestre será mais baixo do que o previsto, os juros terão que subir para 9%
ou até mais para que a inflação caia dos atuais 10% até a meta de 3,5%. Isso em
ano eleitoral.
A indústria caiu em agosto, o varejo
despencou, o setor de serviços desacelerou e o IBC-Br ficou negativo. O
economista Sérgio Vale, da MB Associados, alerta que deveria estar acontecendo
o contrário. Como o país está saindo da pandemia, o normal seria a elevação do
ritmo. Ele acha que em setembro os números serão piores, por causa do “início
do mês conturbado” e pela inflação alta.
– O PIB do terceiro trimestre deve ter ficado perto de zero. Está se caminhando para algo que não se imaginava no começo de julho, quando a pandemia começou a ceder. Todos os sinais são de que a economia está se fragilizando pelas condições políticas e econômicas adversas — disse Vale.
O mercado achava que o PIB do terceiro
trimestre seria bom, podendo chegar até a 1%. O clima mudou. A confusão
política do começo de setembro criada por Bolsonaro, a crise hídrica e a
inflação bateram nos indicadores de atividade. O economista Roberto Padovani do
Banco BV está revendo as projeções de 0,7% para 0,4% para o terceiro trimestre.
– A conversa com clientes mostra que
setembro houve um queda do ritmo de crescimento da indústria e do varejo. Aos
trancos e barrancos, a economia vai bem em 2021, mas há uma mudança da
conjuntura global, e no caso brasileiro a mudança de ritmo é mais acentuada,
porque a gente tem uma inflação de 10%, os juros estão subindo, o dólar em alta
— diz Padovani.
O professor Luiz Roberto Cunha lembrou que,
desde o ano passado, o país vivia anomalias como a de ter tido desvalorização
cambial em meio a uma subida do saldo comercial. E a queda do real continua
esse ano.
– Todos os países estão tendo pressão na
inflação, mas só três países têm inflação muito acima. A Argentina que é uma
doideira, a Turquia já demitiu duas ou três diretorias do Banco Central, e o
Brasil. A inflação vai desacelerar, mas para atingir a meta, o Banco Central
teria que elevar muito a taxa de juros.
Esse é o cenário. Os economistas acham que
para levar a inflação para a meta de 3,5% em 2022, o BC pode ter juros de
talvez dois dígitos. O governo prefere continuar criando ruído como o anúncio
do presidente de que vai mandar suspender a bandeira vermelha.
O governo erra na conjuntura, e erra muito
mais nas definições de políticas que afetam o futuro da economia, como a
ambiental e climática. O projeto de aumentar o número de usinas a carvão
formulado pelo MME só pode sair da cabeça de quem está fora do planeta. A
mudança no ICMS do combustível é, como lembra David Zylbersztajn, um subsídio
ao combustível fóssil.
– Esse projeto é uma aberração em todos os
sentidos. Ele tira dinheiro dos estados, que poderia ir para educação,
hospital, segurança para subsidiar o dono do automóvel. Faz sentido subsidiar o
gás do pobre, mas não faz sentido reduzir o preço do diesel que vai abastecer o
Land Rover. Além disso, subsidiar combustível fóssil nessa altura dos
acontecimentos é um absurdo completo — diz David.
O Brasil precisa de uma mudança radical na
área ambiental. O inventário de emissões foi refeito e o que foi emitido em
2005 subiu de 2,1 bilhões de toneladas de carbono para 2,8 bilhões. Logo, se a
base é maior, o percentual do corte não pode ser mantido. Se for, significa
emitir mais gases de efeito estufa. Ninguém vai se deixar enganar em Glasgow.
As empresas brasileiras estão indo à COP dispostas a influenciar na definição
das regras do mercado de carbono, mas o governo continua à deriva, prejudicando
os interesses do Brasil.
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